Na casa de Nossa Senhora, bebi o mocororó que a encantada preparou
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024008, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18252 10
chamaria terreiro nossa senhora da Conceição, casa de mamãe Oxum, como é
o sincretismo, e muitos anos depois já no Candomblé da Bahia, a mãe de santo
jogando búzios para mim diz: Oxum está lhe dizendo que ela é o grande amor
da sua vida, que ela é seu caminho e dona do seu axé, tudo que você fizer
dentro do axé que seja em nome dela, ou seja mesmo sem saber que Oxum era
dona do meu caminho, do meu odú e meu juntó, a cabocla Mariana já tinha
lido esse destino, logicamente que a encantada não tem vínculo nem um com
Candomblé, porém já tinha direcionado minha fé a Oxum (Alaomi, 2022,
s.p.).
É importante observar que a correspondência acontece entre Ramiro do Seu Zé
Raimundo e Alaomi de Oxaguiã, e o Terreiro de Nossa Senhora da Conceição e o Ààfin Ìyá
Omi Àẹ Ọ
un. No entanto, a relação dos encantados, no caso seu Zé Raimundo e Dona
Mariana, com as respectivas “identidades religiosas” do terreiro, trata-se mais de uma
diplomacia (Latour, 2004, p. 410) entre entidades ou algo similar, pois Mariana não está para
Oxum, como Nossa Senhora da Conceição está, na correspondência da encruza. É interessante
notar que, mesmo sem ter correspondências aparentes no Candomblé, uma entidade preside um
culto em uma casa devotada a um orixá.
Tempos depois, já bem consolidado no Candomblé, o sacerdote fica sabendo através do
jogo de búzios que Oxum, além de “juntó” (o segundo orixá), é também seu caminho. Assim,
apesar do sacerdote entender que a encantada não tem vínculo com o Candomblé, a partir dos
princípios expostos, pude encontrar um caminho para uma certa correspondência. É a partir
dessa situação de (re)cortes e equivalências que se compreende a ligação entre a santa católica,
a divindade iorubana, e todas as engrenagens que compõem esse sistema que sintetizam a
cosmopolítica desse terreiro. Com isso, compreende que:
[...] as participações místicas se operam dentro dos diferentes compartimentos
do real [...] ligando tão somente os objetos ou os sêres que se banham numa
mesma corrente metafísica [...]. Em suma, a participação pressupõe um
enquadramento prévio, uma filosofia do cosmos [...] Para que a participação
se estabeleça entre um homem, um objeto, uma planta, uma divindade, etc., é
preciso que obedeça a certas condições bem determinadas. A corrente das
fôrças unificadoras não pode passar entre, por exemplo, uma pedra de Xangô,
uma planta de Oxossi e um filho de Oxun. A participação não se opera em
qualquer direção, é orientada, segue linhas, e o que chamamos de religião é o
conjunto das representações coletivas ou dos ritos que designam as linhas de
fôrça dentro das quais ela pode se processar (Bastide, 1961, p. 337).
Desse modo, o que liga a corrente unificadora para que a participação aconteça no
sistema estudado é o próprio sacerdote. Ele é quem estabelece a participação entre o homem, o
objeto, a planta, as entidades, as divindades, os filhos, a casa e o terreiro, enfim com todo o
constituinte desse cosmo. Assim, o princípio de participação só pode acontecer por causa do