Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 1
NOTAS SOBRE O RITUAL DA JUREMA: PESSOAS-RELAÇÃO E ENCANTADOS
ENTRE O POVO IBIRAMÃ KIRIRI DO ACRÉ
APUNTES SOBRE EL RITUAL JUREMA: PUEBLO-RELACIONES Y LOS
ENCANTADOS ENTRE LOS IBIRAMÃ KIRIRI DE ACRÉ
NOTES ON THE JUREMA RITUAL: PEOPLE-RELATIONS AND THE ENCHANTED
AMONG THE IBIRAMÃ KIRIRI PEOPLE OF ACRÉ
Maria Carolina Arruda BRANCO1
e-mail: mariacarolinaarrudabranco@gmail.com
Como referenciar este artigo:
BRANCO, M. C. A. Notas Sobre O Ritual Da Jurema:
Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do
Acré. Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp.
1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419. DOI:
https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331
| Submetido em: 06/08/2023
| Revisões requeridas em: 09/11/2023
| Aprovado em: 02/04/2024
| Publicado em: 30/10/2024
Editores:
Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy
Prof. Me. Thaís Cristina Caetano de Souza
Prof. Me. Paulo Carvalho Moura
Prof. Thiago Pacheco Gebara
1
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) São Carlos SP Brasil. Doutoranda em Antropologia Social
pelo PPGAS/UFSCar. Mestra em Antropologia Sociocultural pelo PPGANT/UFGD. Possui interesse nos diálogos
que perpassam etnologia indígena, teoria antropológica, liderança, mulheres indígenas, políticas públicas e
territorialidade.
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 2
RESUMO: O presente trabalho etnográfico busca apresentar os Kiriri do Acré como povo e
evidenciar suas trajetórias e relacionamentos, bem como situar o complexo ritual da Jurema,
amplamente difundido entre os povos indígenas no Nordeste brasileiro e suas práticas. Através
do diálogo com noções Kiriri de ciência e brincadeira, e a forma pela qual esses contextos são
acionados no relacionamento com Encantados, humanos e não-humanos através do ritual em
seu aspecto público e/ou privado. As categorias de enramação e dom, bem como as relações
generificadas entre os Encantados e as mulheres são abordadas a fim de compreender certos
atravessamentos do toré no relacionamento entre os Kiriri do Acré com o território físico que
ocupam e com os contextos cosmológicos proporcionados pelas trocas no contexto ritualístico.
PALAVRAS-CHAVE: Ritual. Jurema. Povo Kiriri do Acré. Mulheres. Encantados.
RESUMEN: Este trabajo etnográfico pretende presentar a los Kiriri de Acré como pueblo y
destacar sus trayectorias y relaciones, así como situar el complejo ritual de Jurema, muy
extendido entre los pueblos indígenas del nordeste de Brasil, y sus prácticas. A través del
diálogo con las nociones Kiriri de ciencia y juego y la forma en que estos contextos se activan
en la relación con los Encantados, humanos y no humanos a través del ritual en su vertiente
pública y/o privada. Las categorías de embelesamiento y don, así como las relaciones de
género entre los Encantados y las mujeres son abordadas para comprender ciertos cruces del
toré en la relación de los Kiriri de Acré con el territorio físico que ocupan y con los contextos
cosmológicos proporcionados por los intercambios en el contexto ritual.
PALABRAS CLAVE: Ritual. Jurema. Pueblo Kiriri de Acré. Mujeres. Encantado.
ABSTRACT: This ethnographic work seeks to present the Kiriri of Acré as a people and to
highlight their trajectories and relationships, as well as to situate the complex ritual of Jurema,
which is widespread among indigenous peoples in northeastern Brazil, and its practices.
Through dialog with Kiriri, notions of science and play are explored, and the way in which
these contexts are activated in the relationship with the Enchanted, humans, and non-humans
is explored through the ritual in its public and/or private aspects. The categories of
enrapturement and gift, as well as the gendered relationships between the Enchanted and
women, are addressed to understand certain crossings of the toré in the relationship between
the Kiriri of Acré with the physical territory they occupy and with the cosmological contexts
provided by the exchanges in the ritualistic context.
KEYWORDS: Ritual. Jurema. Kiriri People of Acré. Women. Enchanted.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 3
Introdução: os Kiriri do Rio Verde
Este trabalho é parte da pesquisa de Mestrado em Antropologia realizada na
Universidade Federal da Grande Dourados, com o povo Kiriri do Acré em Caldas, município
do estado de Minas Gerais. Esta pesquisa contou com o financiamento da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES 2021-2023). O presente artigo busca
resgatar aspectos das práticas devocionais do povo Kiriri do Acré abordados anteriormente na
dissertação e avançar outras hipóteses que se apresentaram, posteriormente, à conclusão do
texto destinado à titulação da presente autora enquanto mestra em Antropologia Sociocultural.
Os registros acerca do povo Kiriri relata que eles eram numerosos e de ocupação
territorial extensa pelo interior, nos estados que hoje chamamos de “Maranhão, Piauí, Rio
Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Paraíba, [e ainda, no] curso inferior do Rio São
Francisco, Sergipe e Bahia (Bandeira, 1972, p. 19). Na metade do século XVII, é iniciado entre
os Kiriri a ação catequética da igreja católica, que segundo Maria Lourdes Bandeira (1972) fora
iniciada pelos missionários franceses, que foram substituídos pelos italianos e por fim, pelos
jesuítas portugueses. Se outrora havia uma ocupação extensa, a realidade nos dias de hoje,
século XXI, é deveras diferente. A realidade indígena no Brasil é marcada por perseguições e
confinamentos em territórios muito pequenos. Naquele tempo, houve alguns aldeamentos
missionários, dentre eles, Saco dos Morcegos, atual Mirandela, que está localizada em Banzaê
no estado da Bahia, fundada no século XVII pelo jesuíta português João de Barros, com o intuito
de reunir os Kipeá-Kiriri(Brasileiro, 1996, p. 48). Este aldeamento perdurou e ainda hoje é
território Kiriri, este que nos interessa particularmente porque é o local de onde vieram os Kiriri
que ocupam a região do Rio Verde em Caldas/MG
2
.
Segundo Bandeira (1972) e reiterado por Sheila Brasileiro (1996), os Kariri do sertão
baiano e do Sergipe eram do ramo Kipeá, diferente dos Dzubukuá, ramo que habitava o São
Francisco, segundo nos contam as autoras, a diferença entre ambos os ramos parecia ser de
ordem linguística. Entre os Kiriri da família Kariri, que habitavam o sertão nordestino e que
pertenciam ao ramo Kipeá, observa-se além da unidade linguística, diferente dos demais
grupos, uma unidade cultural nas crenças. Bandeira (1972) relata ainda que além destes dois
2
O povo Kiriri que atualmente vive em Caldas/MG, residiu em Mirandela/BA, mas após desentendimentos
migraram para Serra do Ramalho/BA. Lá, ao receberem a oferta de uma terra pelos então amigos Xukuru-Kariri,
migraram para Muquém do São Francisco/BA e mais tarde migraram para Caldas/MG. Para aprofundar neste
percurso de migração, ver Henrique (2019).
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 4
dialetos o Kipeá e o Dzubukuá, outros dois estão documentados, o Pedra Branca e o Sabujá
ou Sapuya.
Para nos referirmos aos Kiriri residentes em Caldas, temos algumas alternativas: Kiriri
3
,
Kiriri de Minas Gerais, Kiriri de Caldas, Kiriri do Rio Verde e Kiriri do Acré, todas essas
denominações foram ditas pelos próprios Kiriri referindo-se a si mesmo. Com exceção da
primeira alternativa que faz referência direta à etnia, as demais fazem referência a um lugar, ao
estado de Minas Gerais, ao município de Caldas e ao bairro rural do Rio Verde. Acré, que
também é referido, significa, no idioma Kiriri justamente Rio Verde, que diz respeito ao bairro
rural que os Kiriri habitam em Caldas. Assim, todas estas nomeações recorrem à vinculação
dos Kiriri ao local, sendo eles de Minas Gerais, de Caldas e do Rio Verde e não de qualquer
outro lugar. Esta relação com o local é de suma importância para as relações, tanto as
empreendidas com sujeitos não indígenas como com sujeitos indígenas, mas principalmente,
nas relações empreendidas com os Encantados.
Acerca do idioma Kiriri, sinalizado acima, convém algumas observações. O povo
Ibiramã Kiriri do Acré encontra-se em retomada de sua língua, no trabalho de Henrique e
Ramos (2021) as autoras abordam que o resgatar angua indígena é um projeto para os Kiriri
do Acré que articula conhecimento, ciência e escola. Na dimensão proposta pelas autoras,
resgatar a língua está intimamente conectado à luta pela terra empreendida pelas famílias
indígenas da aldeia Ibiramã Kiriri do Acré. Roseni Ramos, uma das autoras deste texto é
minha interlocutora, e em uma de minhas idas à aldeia tive a oportunidade de participar da aula
de língua materna ministrada por ela a todas as turmas da escola. Tive o privilégio de assistir a
uma aula dada à turma de ano da escola, nesta ocasião Roseni me explicou que a língua
materna de que trata naquele contexto é o Pankawá, idioma falado exclusivamente pelos Kiriri
no contexto de Minas Gerias, pois se trata se uma articulação entre os idiomas falados pelo
povo Kiriri e pelo povo Pankaru, sendo uma composição entre os idiomas das famílias Kipeá e
Zebupuá. Além do trabalho de Henrique e Ramos (2021), pouco se tem etnografado acerca do
idioma Kiriri em Minas Gerais.
Este povo que vive em Caldas veio, em sua maioria, do município de Muquém do São
Francisco (BA), eles ocupam o território em Caldas desde 2017, de lá pra cá algumas crianças
já nasceram e crescem junto de sua parentela nas terras sul mineiras. Quando se mudaram para
Caldas, os Kiriri eram poucos membros de uma mesma família, hoje, na aldeia moram mais de
3
Ao longo deste texto o recurso itálico será utilizado para indicar referências diretas a termos e expressões
utilizadas pelos Kiriri do Acré, bem como para situar palavras estrangeiras.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 5
60 pessoas, entre mulheres, homens e crianças, de distintas faixas etárias. A aldeia Ibiramã
Kiriri do Acré aglutina sujeitos Kiriri, Pankaru e Xukuru-Kariri, a morada junto ao povo Kiriri
é refúgio a indígenas de outras aldeias que optaram por sair de suas aldeias de origem, devido
a desentendimentos com as então lideranças, como é o caso de alguns Xukuru-Kariri; outros
escolheram a morada junto aos Kiriri por uniões matrimoniais, relações de amizade e
acolhimento por parte dos Kiriri que são muito receptivos e abertos à construção de novos
relacionamentos.
O atual cacique do povo Kiriri é Adenilson, que é casado com Carliusa, a atual vice-
cacique. Além de suas funções como liderança da comunidade, Carliusa atua como diretora da
Escola Estadual Ibiramã Kiriri do Acré, localizada dentro da aldeia. A primeira visita de
Adenilson à cidade de Caldas ocorreu devido a um relacionamento que ele manteve com uma
das irmãs do cacique do povo Xukuru-Kariri. Com o término dessa relação, Adenilson retornou
à Bahia, onde iniciou seu relacionamento com Carliusa. Na segunda vez que retornou a Caldas,
ele foi acompanhado de sua atual companheira, Carliusa, e, como ela relatou, ambos passaram
um período com os Xukuru-Kariri, mas nunca chegaram a residir com eles. A terceira visita de
Adenilson e Carliusa a Caldas teve como objetivo encontrar um local para estabelecer
residência nas terras do sul de Minas Gerais, motivados principalmente pela busca por um
território fértil, onde pudessem ter acesso a emprego e alimentos em abundância.
Os Kiriri do Rio Verde atualmente ocupam um território que estava oficialmente
registrado como pertencente à Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). No entanto,
por meio de estudos e investigações, descobriram que essa terra foi, em tempos remotos,
morada do povo Tapuia. Os Kiriri têm reunido evidências da ocupação indígena na região de
Caldas e acreditam que o território onde estão localizados é, na verdade, um antigo cemitério
indígena. Essa afirmação baseia-se tanto nas informações adquiridas por meio de trocas com os
Encantados, através do ritual do Toré, quanto no contexto histórico de Caldas, que indica que
aquela área foi habitada pelos Tapuia. Essas circunstâncias reforçam o sentimento de
pertencimento e o desejo dos Kiriri de preservar o local onde vivem atualmente.
De acordo com a orientação recebida dos Encantados, os Kiriri foram instruídos a cuidar
daquelas terras, pois os que as ocuparam anteriormente não souberam preservá-las. Observa-se
que os Kiriri mantêm uma relação de profundo respeito e reciprocidade com os Encantados,
espíritos de seus antepassados, que os ensinam e orientam sobre a vida, as decisões a serem
tomadas e as possibilidades futuras.
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 6
Situando o Complexo: uma Ciência triste é aquela em que não se Brinca
O Toré é um ritual que está dentro do que se convencionou chamar na literatura de
Complexo Ritual da Jurema, que consiste na reunião de um conjunto de práticas religiosas
da qual o Toré é apenas uma de suas manifestações (Nascimento, 1994). O toré é, nas palavras
de Estêvão Palitot e Fernando Júnior (2004), a expressão mais emblemática da etnicidade, da
cultura e da religiosidade dos povos indígenas no Nordeste. A bibliografia apresenta-nos a
difusão do ritual da Jurema no Nordeste brasileiro, difusão está ligada à força e ao segredo que
circundam a Jurema, tanto enquanto árvore, como enquanto bebida, entidade e complexo ritual.
Sabe-se que os segredos da jurema atravessaram o período colonial e ainda hoje mantém-se
vivo enquanto um segredo no seio das comunidades que o praticam.
Diversas plantas são denominadas de Jurema. registros muito antigos da
utilização ritualizada desta planta. Em dicionários de botânica do Brasil, existe referência à
Jurema Preta (Acacia jurema, Mart - Fam. Legum), como umas das encontradas nos sertões,
grafando ainda que é essa grande planta, de que os caboclos faziam beberagem[sic] com que
dizem eles, se encantam e se transportam ao céu. Entretanto, é bem medicinal; asseverou-nos
um sertanejo a sua eficácia, para extirpar os cancros, com a entre-casca, usada em emplastro.
Nada podemos assegurar (Lima, 1946:54 apud. Nascimento, 1994:91). E ainda, no campo da
botânica brasileira em 1881 que apresenta a Jurema (Mimosa jurema) como uma árvore de
mediana grandeza, que vegeta em terrenos fracos e secos. Os sertanejos curam
o cansaço, e a caquexia, com a casca desta árvore. Os índios extraem da
Jurema certa espécie de vinho que embriaga, com transporte delicioso. Para
este fim, tiram a casca, põem de infusão por 24 horas, coam depois a infusão,
ajuntam-lhe mel de abelhas para corrigir o gosto adstringente dessa
embriagante bebida, e guardam-na para uso (Lima, 1946, p. 53 apud
Nascimento, 1994, p. 92).
O elo condutor entre as distintas práticas que compõem o complexo ritual da jurema é
a utilização ritual da bebida de nome Jurema, feita a partir da planta de mesmo nome. Dentre
as práticas religiosas que utilizam ritualmente a bebida feita a partir da Jurema, estão o
Candomblé de Caboclo, os Torés Misturados, os Catimbós
4
, ligados às práticas religiosas
realizadas pelas comunidades afrobrasileiras
5
. as práticas indígenas que fazem uso da Jurema
4
Para aprofundar nas semelhanças e mesmo na utilização ritual da Jurema em cada uma destas práticas sugiro
conferir o trabalho de Nascimento (1994).
5
A norma culta da língua portuguesa, no novo acordo ortográfico, manda grafar os adjetivos pátrios com palavra
+ hífen + palavra, que neste caso seria afro-brasileiro, no entanto, utilizo a grafia “afrobrasileiras”, sem o hífen,
por compreender que a relação proposta neste contexto etnográfico, não cabe a separação dos dois termos, porque
eles justapostos assim, sinalizam uma unidade dividida, proposta de anti-mestiçagem de que trata Kelly
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 7
enquanto uma bebida sagrada e que se encontram dentro do Complexo Ritual da Jurema são o
Ouricuri, o Praiá e o Toré
6
.
Os Encantados, Mestres Encantados ou Guias Encantados são entidades em princípio
benéficas, que auxiliam os indígenas em todos os aspectos da vida, seja na tomada de decisões
políticas, públicas e/ou privadas. Acerca dos Encantados, parte da bibliografia enfatiza seu
caráter de entidades vivas, isto significa que eles são forças da natureza ou que, tendo sido
humanos, não passaram pela experiência da morte (Nascimento, 2004; Ahlert, 2021). Desta
forma, eles não são espíritos mortos, encarado como “coisa de branco”, numa alusão ao
Espiritismo, Umbanda, ou outros “trabalhos” que não são “coisa de índio” (Nascimento, 2004,
p. 39). Apesar de grande parte da literatura acerca dos Encantados os descreverem como
entidades que não passaram pela experiência de morte, no caso dos Encantados que se
relacionam com os Kiriri do Acré, a realidade é outra. Eles passaram pela experiência de morte,
se encantaram, e nem por isso, perderam o caráter de entidade viva, pois como disseram minhas
interlocutoras, eles vivem no Reino da Jurema. Logo, os Encantados podem ter tido uma
experiência humana, podem ter sido antepassados que se encantaram, isto é, eles nunca
deixaram de viver, só habitam hoje um outro plano conhecido, no caso dos Kiriri, como Reino
dos Encantados ou Reino da Jurema, os Encantados partilham com alguns sujeitos Kiriri o
relacionamento de troca e mediação das ações.
Para os Kiriri do Rio Verde, os Encantados são Espíritos, entidades, guias que os Kiriri
não conseguem ver. Acredita-se que os Encantados são antepassados que morreram,
encantaram-se e que vêm aos Kiriri e lhes concedem orientação. Tendo se encantado, e passado
pela experiência de vida neste plano, é que os Encantados conseguem orientar os Kiriri. Os
Encantados vivem n’O Reino dos Encantados, nenhum Kiriri tem acesso ao reino dos
encantados, o diálogo com eles só acontece quando os Encantados vêm até os Kiriri. Segundo
Carliusa eles não sabem como é o Reino dos Encantados e nem como eles vivem, sabem apenas
que existe, mas não sabem como e nem onde existe. Os Encantados não incorporam nos Kiriri,
eles encostam para dar o recado, e a pessoa cujo corpo é encostado, permanece ali enquanto
corpo, mas não enquanto mente, os Encantados tomam a mente da gente, me diz Carliusa, e
(2011;2016). Nem afro, nem brasileira encontra potência, tão pouco, afro-brasileiro; a proposta, trata propriamente
da equação a+b=a/b. Dito isso, sinaliza-se que afro-indígena, será grafado sem hífen seguindo a mesma lógica.
6
As semelhanças e distanciamentos destas três práticas também podem ser conferidas no trabalho de Nascimento
(1994). Ao qual compõe com as três práticas em um campo tênue, uma vez que a diferenciação entre elas se
apresenta de forma sinuosa, o que pode apresentar-se de forma semelhante, no entanto, reconhece que a diferença
entre elas de fato existe, uma vez que quem afirma que as pratica, sinaliza suas aproximações e seus
distanciamentos.
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 8
quando perguntada se os encantados possuem domínios como o rio, a mata etc., ela me disse
que não, distanciando-nos da religiosidade afrobrasileira em que se apresenta em algumas
religiões a vinculação das entidades a determinados locais. O que se sabe, então, é que os
encantados não têm domínios, ponto que me foi revelado por Carliusa e outros Kiriri em
diálogo
7
, e encostam em alguns Kiriri, a experiência com os encantados não é uma experiência
visual, o que me foi relatado por Carliusa e por Dona Alzira, que me disse: eu não vejo nada,
mas sinto tudo. O relacionamento dos encantados com os Kiriri exige a compreensão e atenção
a outros sentidos para além da visão.
O ritual do Toré praticado pelos Kiriri faz parte do Complexo da Jurema. A Jurema,
como sinalizado acima, pode ser entendida como uma planta, diversas espécies botânicas são
referidas como Jurema; uma bebida e/ou uma entidade, este último sentido consiste em uma
mistura afroameríndia, por grupos “que substituíram a planta bebida por uma representação de
forças nativas” (Grünewald
8
). Não concordância aqui com o direcionamento dado por
Grünewald de que haja uma “representação” de forças nativas, o que se observa são formas de
manifestação das entidades que não necessariamente dizem respeito a uma “representação”,
como se ela não estivesse ali e estivesse sendo “representada” por algo, o entendimento que
tenho acerca deste ponto é de que a bebida é justamente a manifestação potente da Jurema
enquanto uma entidade, pois a bebida é da Cabocla Jurema, como me disse o Pajé;
diferentemente da Jurema, árvore sagrada, que parece ser visto antes de tudo como símbolo de
resistência para os Kiriri. Esse processo, logo, aciona possibilidades de modulações, ou seja, de
formas diferentes de relacionar-se com a entidade e ativá-la. No caso dos Kiriri do Rio Verde,
não houve a substituição da planta bebida, ela ocupa posição central para a ciência desse povo,
no entanto, a mediação com a Encantada Jurema é que possibilita a utilização da raiz da planta
e, quando necessário, a substituição da bebida com base na planta. O relacionamento com a
entidade é que mobiliza uma rede de ações que constitui a vida deste povo. Desta forma, mesmo
quando há substituições autorizadas pelos Encantados, não basta ter a raiz ou outra substância
7
Há os estudos acerca das categorias de "dono" ou "mestre" na Amazônia (Fausto, 2008), que reflete acerca dessas
categorias chaves para a compreensão da cosmologia indígena. Apesar dos diálogos com os Kiriri sinalizar a não
existência da vinculação das entidades a determinados locais como a água, as matas e outros domínios, como
veremos em breve neste texto, alguns indícios etnográficos que nos permitiria afirmar a existência desses
domínios. No entanto, como é um aspecto ainda não explorado em relação aos Kiriri do Acré e a partir de sua
sinalização de recusa a esta ideia, nesta peça, não aprofundarei neste ponto a fim de não sobrepor ideias de outros
campos e outros estudos, ainda que clássicos, quando percebo meus interlocutores me comunicando outra coisa.
8
Disponível no link: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v60n4/a18v60n4.pdf Acesso em 15 de janeiro de 2022.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 9
que faça às vezes da raiz no ritual, é preciso saber como ativá-la, e esta ativação acontece
mediante o relacionamento constante.
Dentre os Kiriri do Rio Verde, a Jurema é vista como o símbolo dos povos indígenas,
no território em Caldas, há um pé de Jurema plantada que veio da Bahia para Minas Gerais. O
Pajé Adenilson me contou que a Jurema plantada na aldeia é Jurema Preta, ela passou por uma
série de adaptações, foi necessário movê-la de lugar, sendo retirada de um local mais baixo para
um local mais alto; neste novo local, quando o Pé de Jurema estava grandinho, aconteceu uma
geada e ela secou por completo. Todos tinham a certeza de que ela havia morrido, porém, depois
de cerca de três dias de chuva ela começou a brotar novamente, e, desde então, eles têm cuidado
dela e ela tem se desenvolvido bem. O Pajé me disse ainda que sendo a Jurema, a árvore
sagrada, o local em que ela está plantada também é um local sagrado. A Jurema plantada na
aldeia tem cerca de 1 metro de altura. Os Kiriri trabalham com a jurema, por sua condição de
importância eles a trouxeram e plantaram-na para a terem em seu território, ela é compreendida
como o símbolo da aldeia. Jurema é a árvore sagrada. Carliusa me relata que entre os Kiriri
ela não é vista a partir de uma distinção de gênero, enquanto árvore é uma árvore, e é
compreendida como uma árvore sagrada. O de jurema é diferente da Encantada Cabocla
Jurema, o pé da Jurema em si não é um encantado, e a distinção que Carliusa faz para que eu
compreenda é que o de jurema a gente bebe, se referindo ao vinho da jurema, bebida utilizada
na ciência; e, ainda, o pé da Jurema é possível passar no corpo, o Encantado a gente não vê,
retomando aquilo que me disse sobre os Encantados, que são seres outros, que passaram pela
experiência terrena, morreram e encantaram-se, ocupando hoje um local de importância quanto
às orientações para os Kiriri, mas enfatiza que eles não veem os Encantados. A experiência com
os Encantados não é visual, como também me contou Dona Alzira que afirmou: eu sinto tudo,
mas eles não chegam a encostar em mim, só Carliusa e Roseni que pegam eles.
A árvore da jurema vai andando, me disse Dona Alzira, ela é a árvore sagrada, vai
caminhando junto com os Kiriri, o principal vinho da ciência é o vinho de jurema, ele é
proteção, além dele também se utiliza o vinho de macaxeira, o vinho do milho e o vinho do
maracujá-do-mato/maracujá-de-capoeira, diferente da fruta que chamamos de maracujá na
região sudeste do Brasil, esta que é chamada de maracujina, pelos Kiriri. O deslocamento dos
Kiriri no espaço demonstra a forma com que eles são capazes de ir construindo território e isso
acontece também a partir da participação da Jurema, árvore sagrada, que acompanha os Kiriri,
passa por dificuldades junto deles e permanece ali, se adaptando e persistindo em um novo
ambiente. Vocês vão sofrer, mas vai vencer, foi o recado do Tapuia, verdadeiro dono da terra
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 10
aos Kiriri assim que eles entraram na terra, Tapuia é a referência a um povo antigo que residiu
em Caldas, no mesmo território que hoje os Kiriri do Rio Verde ocupam. O relacionamento
com o Tapuia, verdadeiro dono da terra, encantado que autoriza os Kiriri a estabelecerem
moradia no Rio Verde é o que baliza o relacionamento dos Kiriri com o Rio Verde, em Caldas.
Dona Alzira me diz que a árvore mãe, raiz está lá, se referindo ao Nordeste brasileiro, e que
desta árvore mãe, é que saem as ramas. Os deslocamentos vão puxando ramas, para os
Kiriri, Jurema, a árvore sagrada, possibilita também uma analogia com suas vidas.
O Toré, por ser um ritual difundido no Nordeste brasileiro e praticado por diversas
etnias, acaba se apresentando de forma diferente a depender do povo em questão que o pratica.
Entre os Xocó e Kariri-Xocó de Alagoas estudados por Clarice Mota (2004), trata-se de “uma
forma de dança e cânticos que estas comunidades apresentam tanto como performance religiosa
quanto como folguedo, ou ‘brincadeira’” (p. 143) a autora realiza o esforço de refletir o toré
enquanto “invenção grupal”, movimento que os fazem refletir, reformular e autenticar sua
“existência pela fé”, fé essa que não diz respeito à religião, mas que está ligada à fé na potência
do coletivo. Para Estêvão Palitot e Fernando Júnior (2004), o toré realizado entre os Potiguara
em São Francisco e em Vila Monte-Mór, evidenciam a imemorialidade do ritual entre os
praticantes, os autores trazem aspectos importantes à sua contextualização, relevando que em
ambas as aldeias, suas observações direciona-os à relação do toré com a devoção católica e, ao
mesmo tempo, com a ancestralidade indígena, além disso, os autores identificam que o toré é
invocado como “expressão do ser indígena”, bem como sinalizam que o toré é “um importante
recurso simbólico nas relações políticas com os órgãos oficiais” (p. 171).
No trabalho de José Vieira (2019) acerca do povo Potiguara da Paraíba, a perspectiva
acerca do toré é de que neste contexto ele é realizado a partir da tradição oral e remonta ao
tempo dos antigos, ao tempo dos “troncos velhos”, isto é, geração que corresponde à dos avós.
O toré é compreendido como “uma linha de trabalho de mestres e de caboclos encantados, cuja
ideia de ‘incorporar’ diz respeito, acima de tudo, ao fato do encantado ‘se encostar’ e agir
(‘trabalhar’)” (p. 53). O trabalho realizado por Marcos Albuquerque (2004) junto aos
Kapinawá em Pernambuco, evidencia a criação de um ritual próprio chamado Torécoco,
manifestação política e espaço de atualização da tradição vivenciada por este povo.
Os quatro trabalhos sinalizados acima compartilham muitas semelhanças entre si e com
os Kiriri, como veremos adiante, o toré realizado pelo povo Ibiramã Kiriri do Acré compartilha
vivências com outras etnias no Nordeste brasileiro, sobretudo no contexto de necessidade de
reafirmação de suas práticas indígenas. O toré é vivenciado em dois momentos, um público e
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 11
um privado, mas em ambos é manifestado como símbolo das relações políticas, é nesses espaços
que os Kiriri do Acré mobilizam e firmam compromissos com aliados políticos sejam eles
humanos ou não-humanos. Suas percepções enquanto ramas do território mãe, aquele de
onde vieram na Bahia é presente e profundo nas experiências compartilhadas entre si, e com
Dona Alzira mãe de Carliusa e uma das principais mantenedoras das práticas do toré entre os
Kiriri. Cabe dizer ainda que o toré foi ensinado aos Kiriri em 1976 pelo povo Tuxá em Rodelas
na Bahia, a partir deste contato o povo Kiriri "resgatou" ou de certa forma (re)aprendeu o ritual
do Toré. Sendo este um elemento fundamental das práticas envolvendo o sagrado para os povos
no Nordeste, além de ser considerado um indicador de autenticidade e veracidade da
indianidade de um povo, reconhecido pelo Estado no Nordeste brasileiro (Brasileiro, 1996;
2012), a feitura do toré enquanto tradicionalidade é atualizada e compartilhada, o ritual
realizado nos dias atuais pelos Kiriri do Rio Verde não é aquele mesmo aprendido outrora com
os Tuxá, trata-se de uma atualização da tradição vivenciada por eles junto de seus membros e
mestres.
O Toré pode ser visto em dois momentos muito distintos entre si, a categoria de
Toré/Brincadeira que diz respeito a um fazer público do ritual e a categoria de Ciência que
corresponde ao fazer privado do ritual. Acerca destas categorias, convém observar que retomo
um dos primeiros diálogos que tive com Carliusa, em 2020, quando, relatando a ela meus
interesses de pesquisa, expliquei que gostaria de estudar o Toré Kiriri. Nesta primeira conversa,
Carliusa foi enfática ao me dizer não à proposta que eu fazia: Nós não realizamos pesquisa
sobre nosso Toré (Carliusa, 2020. Comunicação pessoal.). O que me colocou em uma situação
de obrigatoriedade de explicar que eu tinha plena consciência de que não seria possível
participar do Toré em sua dimensão privada (ciência), mas que meus interesses eram justamente
em sua dimensão pública (toré/brincadeira) e aquilo que é publicizado para quem não faz parte
do coletivo. Carliusa foi, portanto, categórica ao me sinalizar que eles, povo Kiriri do Acré, não
fazem pesquisa sobre o seu Toré; embora tenha obtido algumas falas e explicações de Carliusa
sobre certos aspectos da ciência Kiriri, sinalizo que a descrição deste ritual é limitada.
O Toré é composto por muitas práticas rituais que nos levam à dimensão do segredo, o
local em que se realiza o ritual é no meio da mata, longe dos olhares daqueles que não fazem
parte do grupo, há os elementos próprios do ritual. Nos diferentes relatos acerca do Toré com
os quais tive contato, principalmente os que se referem ao Toré produzido pelos Kiriri do Rio
Verde, as categorias ciência e brincadeira são mobilizadas para dar conta das complexidades
presentes na realização do ritual em suas diferentes formas e com diferentes públicos.
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 12
A dimensão da brincadeira, no contexto de publicização por meio das redes sociais, está
frequentemente associada ao termo “apresentação”, referindo-se ao ato de realizar o Toré em
sua forma pública, como uma maneira de divulgar aspectos das culturas indígenas. Esse
entendimento é expresso por Cacique Adenilson em uma publicação no Facebook (2022), na
qual ele afirma: “apresentar um pouco das nossas culturas”. Frases como essa são recorrentes,
como no caso da apresentação do povo Kiriri durante a festa de São João, em 19 de junho de
2022. Além disso, houve uma apresentação no dia 19 de abril, em comemoração ao “Dia do
Índio”.
Para além dessas celebrações temáticas, os Kiriri são frequentemente convidados pela
prefeitura de Caldas para realizarem apresentações culturais. Em ocasiões em que realizam
atividades abertas ao blico, o convite é amplamente divulgado por meio das redes sociais,
especialmente no perfil de Carliusa no Facebook e na página Aldeia Ibirimã Kiriri, também na
mesma plataforma. Nessas postagens, o convite é estendido a toda a comunidade local, bem
como a qualquer pessoa que tenha visto a publicação e deseje participar. Todos são bem-vindos
a essas atividades, promovendo, assim, uma abertura ao diálogo e à valorização da cultura
Kiriri.
Os Kiriri se mostram muito receptivos e abertos a constituir alianças com quem está
disposto a colaborar com sua luta, parece-me que o momento de apresentação do Toré, em sua
dimensão de brincadeira, configura-se enquanto um espaço político de relacionamentos
potenciais entre os Kiriri e principalmente os que se propõem serem aliados na caminhada e na
luta. A minha hipótese é que a restrição à bebida sagrada da Jurema e o fato de o relacionamento
com os Mestres Encantados ser “controlado”, é uma forma, justamente, de estabelecer certos
limites de acesso à “cultura”
9
àqueles que estão de fora do grupo. Para os Kiriri, a constituição
de relacionamento com os não indígenas no campo da política é fundamental para empreender
seus objetivos. Tanto o é, que em uma toante os Kiriri cantam: sou da etnia Kiriri, quero brincar
com você, estas duas curtas frases tratam de um explícito convite à relacionalidade, movimento
9
. A apresentação da “cultura” é pensada aqui, a partir do trabalho de Manuela Carneiro da Cunha (2009), no qual
a autora estabelece a diferença entre “cultura” com aspas e cultura sem aspas, ressaltando que são dois processos
diferentes. Sendo cultura sem aspas, definido pela autora, como esquemas que foram internalizados e que orientam
a ação das pessoas garantindo um grau de comunicação entre grupos, a autora se vale de exemplos para pontuar
que a cultura opera a partir de acumulação, empréstimos e transações. Enquanto que "cultura" com aspas, se refere
a uma noção reflexiva que fala de si mesma e se caracteriza por operar a partir do regime de etnicidade. A autora
compreende que há entre "cultura" e cultura uma distinção analítica que se apoia nos princípios de inteligibilidade
diferentes que cada uma possui, pois, "a lógica interna da cultura não coincide com a lógica interétnica das
‘culturas’" (Carneiro da Cunha, 2009, p. 159).
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 13
consciente dos Kiriri em querer brincar, brincadeira essa que nem de longe está desprovida de
interesse e profundidade.
A ciência, diz respeito ao que seria um momento ritual com a presea dos Encantados,
momento de circulação mais intensa de força e energia entre humanos e esses outros seres,
sobretudo porque neste momento está presente a bebida sagrada, e a ingestão da jurema
promove conexões e potenciais transformações aos que se colocam em relação com ela. Logo,
a categoria ciência, acaba sendo retratada como um momento ritual mais “sério”, justamente
pelo potencial de transformação e conexão com os Mestres Encantados.
Em um vídeo divulgado no Facebook, em 08 de janeiro de 2021, no contexto de
aprovação da Lei n.º 23.758, de 06 de janeiro de 2021, que autoriza o Poder Executivo a doar à
União o imóvel de 60ha situado no bairro do Rio Verde, município de Caldas, com a finalidade
de destinar-se à regularização de território tradicionalmente ocupado pelo povo indígena
Kiriri, Carliusa afirma que é na Casa da Ciência, no Terreiro do Toré, que os Kiriri nascem
e morrem, está afirmação pode ser pensada do ponto de vista da formação e da
identidade enquanto sujeito Kiriri, da produção do corpo desses sujeitos, dos
compartilhamentos enquanto sujeitos indígenas que experienciam e compartilham com seus
semelhantes à trajetória e a manifestação do sagrado. Esse local também é o lugar em que se
definem objetivos, e os colocam em prática, onde se tomam decisões, e local em que acontecem
reuniões, pois é ali que se acolhe a opinião de todos. Por todos, estão englobados todos os Kiriri
na comunidade, mulheres, homens, mais velhos, mais novos, todos participam das tomadas de
decisões, também compreendo que entre todos, está contido os Mestres Encantados, pois são
eles quem tem guiado os Kiriri do Rio Verde pelos caminhos certos. Desta forma, gostaria de
enfatizar que o lugar da ciência é sobretudo o local da manifestação potente do ser Kiriri, com
toda implicação de relacionamento que isso carrega.
No referido vídeo, observamos os Kiriri em festa, um momento de profunda celebração
e de sentimento de gratidão aos que, atuando lado a lado com eles, conseguiram um ganho
coletivo de permanência na terra, esta que fora ocupada mediante a autorização do Tapuia,
verdadeiro dono da terra em Caldas. A diplomacia dos Kiriri é fundamental para que ocorram
ganhos políticos no plano material e terrestre, mas os caminhos que levam a isso são
estabelecidos de antemão pelos Mestres Encantados.
Esses reflexos daquilo que está na dimensão da ciência e na dimensão da brincadeira,
seus atravessamentos e interpenetrações culminam inevitavelmente na pergunta: na ciência não
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 14
se brinca? Na brincadeira não ciência?
10
. Ouso dizer que sim, na ciência se brinca, e na
brincadeira ciência, pois os relacionamentos acontecem nos dois momentos de forma
imbricada. A ciência é o lugar em que se reúne, planeja e início às ações, mas também é o
lugar do agradecimento, na ciência cabe a festa, cabe o Toré da Alegria”, cabem risos e
sorrisos, cabem pulos em meio à marcação firme do no chão, cabe a brincadeira com os
parentes. Da mesma forma que a brincadeira se constitui enquanto o espaço de produção do
relacionamento com o Outro, com o estrangeiro, com aquele que está fora. A aproximação deste
Outro se por meio da brincadeira, da possibilidade, de em meio a um momento de
descontração e apresentação da “cultura”, constituírem-se aliados, e, por tanto, algo da
ciência nisso, da constituição de relacionamentos sérios, de conexão com diferentes domínios
da existência e do fazer político, haja vista a manifestação: sou da etnia Kiriri, quero brincar
com você. Tudo isso proporciona conquistas coletivas, pois como nos lembra Isabelle Stengers
(2016), caminho não existe por si só, ele vai se fazendo com os encontros, assim, “uma ciência
triste é aquela em que não se dança”; no caso dos Kiriri do Rio Verde, pode-se dizer que uma
Ciência triste é aquela em que não se Brinca.
O Toré
A literatura sobre o Toré realizado pelos Kiriri nos aponta para a realidade da
enramação dos Encantados apenas nas mulheres, isto é, os Encantados parecem possuir algum
tipo de preferência em encostar no corpo das mulheres. Tratando-se dos Kiriri do Rio Verde,
os Encantados mantêm uma via de comunicação direta com duas mulheres, Carliusa e sua irmã
Roseni. Segundo a literatura acerca do Toré Kiriri, observa-se que:
É preciso referir que os 'encantados', de fato, 'enramam' em mulheres
durante o ritual, embora, na concepção nativa, nada impeça que 'enramem' em
quem bem entendam, embora esse comportamento descontrolado ritualmente
seja antes característico dos 'coisa ruim', dos 'espíritos mortos', sendo este
estado de incorporação não desejada, entendido como a etiologia de
comportamentos autodestrutivos e/ou antissociais a cuja cura juntamente visa
o ritual e a ajuda dos 'encantados' (Nascimento, 2004, p. 39).
O que observo em meu contexto etnográfico confirma o que fora observado em outros
contextos etnográficos acerca dos Kiriri. Meu ponto de interesse é justamente a mediação entre
10
Agradeço a Luiza Flores por me questionar sobre isso em 2021 e me fazer pensar.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 15
mundos que essas duas mulheres, realizam a partir de seus relacionamentos com os Encantados,
com humanos e não humanos.
Tanto a literatura, quanto meu trabalho de campo evidenciam a possibilidade de
enramar que a Jurema possui. Em primeiro lugar, referindo-se à ação da Jurema naquele que a
ingere, no entanto, nem todas as pessoas são enramadas por ela, esse processo se afunila na
intenção daquele que a ingere e a manifestação da entidade em escolher este mesmo sujeito
para então nele enramar. Se pensarmos no enramar de uma planta, talvez uma das que primeiro
venha a mente, seja o chuchu, acerca dele há inclusive algumas frases populares como tal coisa
dá “mais que chuchu na cerca”, essa expressão referência justamente seu processo de crescer e
vingar, isto é, multiplicar seus frutos, além claro, de evidenciar a enrama do chuchu na cerca,
processo da planta de se enrolar para se sustentar e expandir
11
. As plantas que enramam, buscam
essa expansão para chegar ainda mais longe, ampliando seu alcance e de certa forma, ocupando
o espaço em que estão. Outra explicação ao enramar da Jurema, está naquilo que Dona Alzira
compartilhou comigo, sendo o enramar, a possibilidade do deslocamento no espaço, em que a
ocupação dos Kiriri, como coletivo, estando longe da raiz, se referindo ao Nordeste brasileiro,
onde se encontra a Jurema mãe, que teria dado vida a todas as outras; este deslocamento que se
distancia fisicamente da Jurema mãe ainda se conecta com ela através da extensão cosmológica
e virtual, isto é, da possibilidade de a rama que se deslocou se adaptar e viver bem. Logo, o
enramar nesta ocasião se referência à rama que se gerou a partir de uma mãe, raiz, e então
ganha vida em outro lugar.
Em 2017, quando os Kiriri entraram no território em Caldas, no Sul de Minas Gerais,
houve uma Mesa da Ciência na qual os Encantados foram consultados quanto à possibilidade
de os Kiriri ocuparem aquele território no Sul de Minas; através da ciência, os indígenas tiveram
acesso ao Tapuia, verdadeiro dono da terra, representante do povo Tapuia que viveu naquelas
terras longas datas. A relação com este ancestral Tapuia, que reivindica ser o verdadeiro
dono da terra, é o que permitiu aos Kiriri a permanência naquela localidade. A partir de
algumas exigências da entidade: “que o cacique deveria colocar lanças sagradas, abençoadas
por eles, nos quatro cantos da área que ocupariam no Rio Verde, de forma a proteger o local
escolhido e, desse modo, estabelecer os domínios Kiriri” (Henrique, 2019, p. 87-88).
11
A analogia com o chuchu e a ideia visual de enramar é da autora, pensa-se a partir deste modelo visual de vingar
se sustentar e expandir, pois foram verbos utilizados pelos Kiriri em diálogo com a autora e trouxeram esta
reflexão. Na literatura há outros diálogos com a enrama das plantas (Cf. Mura, 2013; Nascimento, 2012).
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 16
A ocupação, no entanto, foi tumultuada, a Universidade Estadual de Minas Gerais
(UEMG), reivindicou ser dona do território ocupado e, em 2018, os Kiriri sofreram uma
reintegração de posse. A fim de estabelecerem um diálogo e firmarem relação com o Estado,
os indígenas aceitaram ser levados para Patos de Minas, cidade localizada no Triângulo
Mineiro, sob a promessa de que haveria uma terra que poderiam ocupar, ao chegar nesta terra
havia ocupação do espaço por quilombolas e integrantes do Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra (MST). Em uma ciência realizada de forma improvisada, os Kiriri foram
informados por um encantado quilombola, parente dos quilombolas que estavam ali
reivindicando aquele território, que poderiam permanecer um tempo ali, mas que em breve
seriam informados do momento de ir embora.
A adaptação da Mesa da Ciência em Patos de Minas é a manifestação da possibilidade
de manter relacionamento com os Encantados mesmo em contextos adversos. Entre os
Encantados, aqueles que possuem uma posição privilegiada na mediação com os outros
Encantados e os sujeitos humanos, como no caso do Chefe da Mata, mestre encantado
responsável por representar os Kiriri na Mesa da Ciência, que encosta em Roseni, ponto
evidenciado no trabalho de Fernanda Borges Henrique (2019, p. 120). O Chefe da Mata é
o Encantado que faz o intermédio entre os Encantados e os Kiriri do Rio Verde, penso, assim,
que seja possível pensarmos na posição semelhante que Roseni e Carliusa ocupam, quando
dentre os Kiriri do Rio Verde, são elas as únicas que conseguem dar passagem aos Encantados
e, da mesma forma, estabelecem uma relação de mediação entre os sujeitos e os mundos, sendo
responsáveis por formulações políticas de uma religiosidade indígena. Ambas possuem, assim
como os Encantados, a capacidade de transitar. A bibliografia nos aponta para algo semelhante
nos casos em que as pessoas que o passagem aos Encantados, sobretudo por estarem
envolvidas nas obrigações do Toré, conseguirem transitar em diferentes instâncias
cosmológicas (Durazzo; Segata, 2020).
Possivelmente, se não fosse Carliusa e Roseni, outras mulheres ocupariam este lugar de
mediação com os Encantados, mas o fato etnográfico que encontramos é que são elas, duas
irmãs e duas lideranças na comunidade que se constituem enquanto pessoas-relação; isto é,
corpos em relação que possibilitam a comunicação, e junto com ela a ocupação territorial do
ambiente, que está imbricada na relação entre os Kiriri e seres Outros, caracterizando o
ambiente de ocupação como um espaço antes de tudo, de relações políticas. Roseni é
reconhecidamente uma liderança por dar passagem ao Chefe da Mata e por ser responsável por
algumas obrigações rituais na ciência.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 17
[O Chefe da Mata, é o] mestre responsável por representar os Kiriri na mesa
da ciência. Assim, é o Chefe da Mata quem chama os outros encantados que
devem conversar com os Kiriri, dependendo do conteúdo da conversa. Se
algum encantado aparecer sem ser convidado é o Chefe da Mata quem pede
que este se retire. Dessa forma, além de organizar e controlar o ritual, o Chefe
da Mata atua como um mediador entre os humanos e os não-humanos ali
presentes, seguindo uma lógica de representação e mediação diante de uma
situação de alteridade (Henrique, 2019, p. 120).
Desta forma, enquanto o Mestre da Mata é visto como um mediador “diante de uma
situação de alteridade”, nas palavras de Fernanda Henrique (2019), Roseni também é encarada
aqui, desta forma, pois, é através de seu corpo e do relacionamento que constitui com a entidade
que a possibilidade de dar passagem se configura. Ela também é responsável pela defumação
dos presentes, com o cachimbo chamado de paú, reconhecido pela comunidade como um
instrumento sagrado e principal arma de proteção dos Kiriri do Acré, produzido a partir da raiz
da jurema e batizado com o vinho da jurema. Um acessório sagrado envolvido por alguns tabus
e certas indicações para o uso, a exemplo da proibição do uso em momentos de brincadeira, e
às mulheres quando estão menstruadas (Ramos et al., 2021).
As obrigações rituais existem no contexto do ritual, tanto Carliusa como Roseni as
realizam. A literatura sobre os Kiriri e sobre os indígenas no Nordeste indicam que apenas
as mulheres dão passagem os Encantados, ainda que não haja nenhum problema nos homens
em recebê-los, mas isso, em geral, não é percebido como uma ação benéfica, como vimos
anteriormente. Entre os Kiriri, o relacionamento com os encantados é realizado por essas duas
mulheres que têm o dom, no entanto é possível notar que tendo elas o dom, a elas é destinada
obrigações e responsabilidades em relação ao ritual do Toré enquanto brincadeira, que é o
relato ao qual temos acesso. Sendo a ciência uma manifestação privada, e tendo Carliusa me
dito que sobre ela não se faz pesquisa, concentro-me na brincadeira e medito sobre suas
possibilidades junto à ciência. Um outro elemento importante é que para a realização do Toré,
é importante que as pessoas estejam com a mente limpa, configurando mais uma das
responsabilidades dos sujeitos que realizam o ritual, cuidar da sua mente e de seus pensamentos
para que estejam limpos.
Importante destacar que o fato de algumas pessoas possuírem certas obrigações com o
ritual, não estão isentos de responsabilidades todos os demais da comunidade. Dona Alzira, em
conversa me relatou que avalia certos momentos de sufoco na aldeia como quebra da corrente,
ela me relatou que, por vezes, na hora da obrigação tem gente que não está presente para fazer
“outras coisas”, referindo-se às atividades que poderiam aguardar outros momentos para sua
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 18
realização, e é que se erra, pois segundo ela, abrir corrente é precipício, minha filha, falou
de forma preocupada. Toda quebra da corrente tem consequência, basta errar um e todos
sofrem.
Se o dom está presente em Carliusa e Roseni, mulheres Kiriri, ele também carece de ser
feito no relacionamento com os Mestres Encantados e com as responsabilidades rituais que
essas mulheres possuem. O feito também perpassa o coletivo da aldeia, pois é importante que
o ritual seja feito com a mente limpa, logo, Carliusa e Roseni possuem uma centralidade quando
nelas se aglutinam responsabilidades rituais, mas para que os Encantados encostem nelas que
têm o dom, a comunidade precisa participar da responsabilidade ritual.
Sendo assim, aproximando-nos dos estudos afro-indígenas, dadas as devidas
contextualizações, concorda-se com a reflexão de Goldman (2012):
a relação entre dom e iniciação não é nem da ordem da oposição, nem da
redundância, nem da causalidade direta. Se quiséssemos empregar um
conceito fora de moda, poderíamos talvez dizer que se trata de uma
complementaridade dialética. Mas isto não ajudaria muito, pois o problema da
dialética, como observou Deleuze, é não perceber que o importante não está
nem nos termos, nem em sua contradição, nem em sua possível ou impossível
síntese: “O que conta [...] não é o 2 ou o 3, ou sei lá quanto, é o E, a conjunção
E [...]. O E é a diversidade, a multiplicidade, a destruição das identidades [...].
O E não é nem um nem o outro, é sempre entre os dois, é a fronteira, sempre
uma fronteira, uma linha de fuga ou de fluxo, mas que não se vê, porque
ela é o menos perceptível. E, no entanto, é sobre essa linha de fuga que as
coisas se passam, os devires se fazem [...] (Deleuze 1976:64-66).” (Goldman,
2012, p. 282).
A linha de fuga, o “E” em que as coisas se fazem, no contexto Kiriri, parece ser
justamente esses mesmos “E”, entre o dom E a feitura dos relacionamentos com os Encantados.
Aquilo que nos possibilita ver além do dado (dom), e revela as sutilezas dos relacionamentos
sendo construídos a partir de ações conscientes de obrigações e cuidados com o ritual e com o
corpo, de forma individual e coletiva. Logo, estas mulheres possuem o dom, mas acompanhado
dele, recebem a responsabilidade de cuidar do corpo, da mente e principalmente dos
relacionamentos, ter o dom significa também ter uma predisposição à constituição de
relacionamentos. Não me surpreende Carliusa ter o dom do relacionamento com os Encantados
e, ao mesmo tempo, ser a pessoa que com os outros humanos, em relação, articula e faz
movimento, auxilia para os ganhos políticos da comunidade.
Carliusa me diz que todos temos o dom, o que acontece é que tem gente que tem o dom
e não sabe o significado, há aqueles que não desenvolveram o dom, mas todos nascem com ele.
O processo de desenvolver o dom vem com o tempo, cada coisa no seu tempo, quando é para
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 19
desenvolver, desenvolve. Dona Alzira, por sua vez, diz que dom, cada um tem o seu, e que as
pessoas nascem sabendo, mas, ainda assim, vai aprendendo a desenvolver com os mais
velhos, com aqueles que já passaram pelo processo de desenvolvimento. Dona Alzira conta que
está sempre disposta a ensinar quem queira aprender, mas que vez ou outra ouve das pessoas
que elas “têm medo”, e ela é enfática em dizer: medo de que? tem medo de rezar, medo de fazer
o bem? sinalizando que do domo é necessário medo, o necessário é o respeito, ir aprendendo
e desenvolvendo.
Considerações finais
Tentou-se apresentar neste trabalho brevemente quem são os Kiriri do Acré,
onde vivem, de onde vieram e por onde têm caminhado para construção de relacionamentos
potentes com pessoas e Encantados. Apontaram-se aspectos das práticas devocionais do povo
Kiriri do Acré na feitura do Toré. Situou-se o complexo ritual da Jurema, situado como a
principal prática ritual do povo Ibiramã Kiriri do Acré. Por fim, aglutinou-se elementos que
possibilitam a realização ritual, desde as condições objetivas do ritual às questões subjetivas do
relacionamento e das escolhas dos sujeitos na comunidade.
O Toré é apresentado como o principal ritual praticado pelo povo Kiriri do Acre, e é
composto por dois momentos distintos: um público (toré/brincadeira) e outro privado (ciência).
Esses momentos são caracterizados e diferenciados pelas forças presentes, pela presença dos
encantados, pela utilização de plantas e dos vinhos produzidos a partir delas, bem como pelos
objetos rituais envolvidos, e também pelo espaço onde são realizados.
A presença e a potência dos vinhos, que são produzidos para atender às finalidades
específicas de cada momento do ritual, destacam aspectos importantes da prática ritual tanto
em espaços públicos quanto privados. Isso contribui para uma abordagem material e objetiva
do ritual. Cada bebida, cada participante, cada elemento e cada objeto possui um significado
específico e um papel definido nos distintos momentos do ritual.
Há, na constituição do ritual, certa inclinação a questões de gênero, que atravessam o
cotidiano da comunidade e coloca em evidência os corpos femininos e a realização da
construção de relacionamentos com os Mestres Encantados. No entanto, revela-se o
comprometimento de todos com o ritual, uma vez que a quebra das correntes impacta na vida
de todos, sendo o ritual um momento de responsabilidade compartilhada na comunidade.
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 20
Este trabalho possui natureza etnográfica, estas reflexões partem de um contexto maior
trabalhado pela autora na dissertação de mestrado (Branco, 2023). Este artigo, manifesta
interesse nas composições entre as dimensões blicas e privadas da realização do ritual do
Toré produzido pelo povo Kiriri do Acré e dispôs-se a demonstrar a forma pela qual pessoas,
Encantados, plantas, território, ritualísticas, objetos, parentes e gênero são mobilizados para a
produção ritual.
AGRADECIMENTOS: O desenvolvimento desta pesquisa foi possível devidos às trocas
com as mulheres Kiriri, em especial, Carliusa, Roseni e Dona Alzira.
REFERÊNCIAS
AHLERT, M. Encantoria: uma etnografia sobre pessoas e encantados em Codó (Maranhão).
Curitiba: Kotter Editorial, 2021.
ALBUQUERQUE, M. A. S. O torécoco: o forgar lúdico dos índios Kapinawá em Mina
Grande PE. In: GRÜNEWALD, R. de A. (org.). Toré: Regime Encantado dos Índios do
Nordeste. Recife: Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2004. 282 p.
BANDEIRA, M. L. Os Kariris de Mirandela: um grupo indígena integrado. Salvador:
EDUFBA. 1972.
BRANCO, M. C. A. Mediação e Negociação Entre Mundos: uma etnografia do prestígio e
da liderança de uma mulher Kiriri em Caldas/MG. Dissertação (Mestrado em Antropologia) -
Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados. Mato Grosso do
Sul, 2023.
BRASILEIRO, S. A organização política e o processo faccional no povo indígena Kiriri.
250f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1996.
CARNEIRO DA CUNHA, M. "Cultura” e cultura: conhecimentos tradicionais e direitos
intelectuais. In: Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
DURAZZO, Le.; SEGATA, J. Intercosmologias: humanos e outros mais que humanos no
nordeste indígena. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 185-198, jul./dez. 2020.
GOLDMAN, M. O dom e a iniciação revisados: o dado e o feito em religiões de matriz
africana no Brasil. MANA, v. 18, n. 2, p. 269-288, 2012.
HENRIQUE, F. B. Por um lugar de vida: os Kiriri do Rio Verde, Caldas/MG. 2019.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) Departamento de Antropologia Social do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
SP, 2019.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 21
HENRIQUE, F. B.; RAMOS, R. O. Os Kiriri do Acré e o resgate da língua indígena.
Policromias Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p.
514-544, 2021.
KELLY LUCIANI, J. A. Sobre a anti-mestiçagem. Tradução de Nicole Soares, Levindo
Pereira e Marcos Almeida Matos. Curitiba, PR: Species Núcleo de Antropologia
Especulativa: Desterro, [Florianópolis]: Cultura e Barbárie, 2016. 122p.
KELLY LUCIANI, J. A. State healthcare and Yanomami transformations: a symmetrical
ethnography. Tucson: Arizona University Press. 2011.
LEI ORDINÁRIA Nº23.758, De 06 de Janeiro de 2021. Disponível em:
https://leisestaduais.com.br/mg/lei-ordinaria-n-23758-2021-minas-gerais-autoriza-o-poder-
executivo-a-doar-a-uniao-o-imovel-que-especifica. Acesso em 06 de agosto de 2023.
MOTA, C. N. Performances e significações do toré: o caso dos Xocó e Kariri-Xocó. In:
GRÜNEWALD, R. de A. (org.). Toré: Regime Encantado dos Índios do Nordeste. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2004. 282 p.
MURA, C. Todo mistério tem dono! ritual, política e tradição de conhecimento entre os
Pankararu. Rio de Janeiro: Contracapa, 2013. 368 p.
NASCIMENTO, M. T. S. A jurema das ramas até o tronco: ensaio sobre algumas categorias
de classificação religiosa. In: Carvalho, M. R. de; Carvalho, A. M. (org.). Índios e caboclos: a
história recontada. Salvador: EDUFBA, 2012.
NASCIMENTO, M. T. S.O tronco da Jurema: Ritual e etnicidade entre os povos indígenas
do Nordeste - o caso Kiriri. 1994. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade
Federal da Bahia, 1994.
NASCIMENTO, M. T. S. Toré Kiriri: o sagrado e o étnico na reorganização coletiva de um
grupo. In: GRÜNEWALD, R. de A. (org.). Toré: Regime Encantado dos Índios do Nordeste.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2004. 282 p.
PALITOT, E. M.; SOUZA JUNIOR, F. B. Todos os pássaros do céu: o toré Potiguara. In:
GRÜNEWALD, R. de A. (org.). Toré: Regime Encantado dos Índios do Nordeste. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2004. 282 p.
RAMOS, C. F.; RAMOS, R. R.; WUNDER, A. Escola Indígena Ibiramã Kiriri do Acré:
Livro dos saberes tradicionais do povo Kiriri do Acré. Caldas: UK'A, 2021. v. 1, 112 p.
STENGERS, I. Uma ciência triste é aquela em que não se dança. Rev. Antropol., São Paulo,
v. 59, n. 2, p. 155-186, 2016.
VIEIRA, J. G. Catimbó e toré: práticas rituais e xamanismo do povo Potiguara da Paraíba.
Vivência Revista de Antropologia, n. 54, p. 41-64, 2019.
Notas Sobre O Ritual Da Jurema: Pessoas-relação e encantados entre o povo Ibiramã Kiriri do Ac
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 22
CRediT Author Statement
Reconhecimentos: Agradeço ao povo Ibiramã Kiriri do Acré pelas possibilidades.
Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Conflitos de interesse: Não há conflitos de interesse.
Aprovação ética: O trabalho respeitou a ética durante a pesquisa!
Disponibilidade de dados e material: Os dados e materiais utilizados no trabalho estão
disponíveis para acesso incluindo link quando há, e devidamente citado.
Contribuições dos autores: Esta peça é fruto da dissertação de mestrado da autora.
Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.
Revisão, formatação, normalização e tradução.
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 1
NOTES ON THE JUREMA RITUAL: PEOPLE-RELATIONS AND THE
ENCHANTED AMONG THE IBIRAMÃ KIRIRI PEOPLE OF ACRÉ
NOTAS SOBRE O RITUAL DA JUREMA: PESSOAS-RELAÇÃO E ENCANTADOS
ENTRE O POVO IBIRAMÃ KIRIRI DO ACRÉ
APUNTES SOBRE EL RITUAL JUREMA: PUEBLO-RELACIONES Y LOS
ENCANTADOS ENTRE LOS IBIRAMÃ KIRIRI DE ACRÉ
Maria Carolina Arruda BRANCO1
e-mail: mariacarolinaarrudabranco@gmail.com
How to reference this paper:
BRANCO, M. C. A. Notes on the Jurema ritual: people-
relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people
of Acré. Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n.
esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419. DOI:
https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331
| Submitted: 06/08/2023
| Revisions required: 09/11/2023
| Approved: 02/04/2024
| Published: 30/10/2024
Editors:
Prof. Dr. Maria Teresa Miceli Kerbauy
Prof. Me. Thaís Cristina Caetano de Souza
Prof. Me. Paulo Carvalho Moura
Prof. Thiago Pacheco Gebara
1
Federal University of São Carlos (UFSCar), São Carlos SP Brazil. Doctoral candidate in Social Anthropology
at PPGAS/UFSCar. Master's degree in Sociocultural Anthropology from PPGANT/UFGD. Her interests include
Indigenous ethnology, anthropological theory, leadership, Indigenous women, public policies, and territoriality.
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 2
ABSTRACT: This ethnographic work seeks to present the Kiriri of Acré as a people and to
highlight their trajectories and relationships, as well as to situate the complex ritual of Jurema,
which is widespread among indigenous peoples in northeastern Brazil, and its practices.
Through dialog with Kiriri, notions of science and play are explored, and the way in which
these contexts are activated in the relationship with the Enchanted, humans, and non-humans is
explored through the ritual in its public and/or private aspects. The categories of enrapturement
and gift, as well as the gendered relationships between the Enchanted and women, are addressed
to understand certain crossings of the toré in the relationship between the Kiriri of Acwith
the physical territory they occupy and with the cosmological contexts provided by the
exchanges in the ritualistic context.
KEYWORDS: Ritual. Jurema. Kiriri People of Acré. Women. Enchanted.
RESUMO: O presente trabalho etnográfico busca apresentar os Kiriri do Acré como povo e
evidenciar suas trajetórias e relacionamentos, bem como situar o complexo ritual da Jurema,
amplamente difundido entre os povos indígenas no Nordeste brasileiro e suas práticas. Através
do diálogo com noções Kiriri de science e play, e a forma pela qual esses contextos o
acionados no relacionamento com Encantados, humanos e não-humanos através do ritual em
seu aspecto público e/ou privado. As categorias de enramação e dom, bem como as relações
generificadas entre os Encantados e as mulheres são abordadas a fim de compreender certos
atravessamentos do toré no relacionamento entre os Kiriri do Acré com o território físico que
ocupam e com os contextos cosmológicos proporcionados pelas trocas no contexto ritualístico.
PALAVRAS-CHAVE: Ritual. Jurema. Povo Kiriri do Acré. Mulheres. Encantados.
RESUMEN: Este trabajo etnográfico pretende presentar a los Kiriri de Acré como pueblo y
destacar sus trayectorias y relaciones, así como situar el complejo ritual de Jurema, muy
extendido entre los pueblos indígenas del nordeste de Brasil, y sus prácticas. A través del
diálogo con las nociones Kiriri de ciencia y juego y la forma en que estos contextos se activan
en la relación con los Encantados, humanos y no humanos a través del ritual en su vertiente
pública y/o privada. Las categorías de embelesamiento y don, así como las relaciones de
género entre los Encantados y las mujeres son abordadas para comprender ciertos cruces del
toré en la relación de los Kiriri de Acré con el territorio físico que ocupan y con los contextos
cosmológicos proporcionados por los intercambios en el contexto ritual.
PALABRAS CLAVE: Ritual. Jurema. Pueblo Kiriri de Acré. Mujeres. Encantado.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 3
Introduction: The Kiriri of Rio Verde
This study is part of the Master’s research in Anthropology conducted at the Federal
University of Grande Dourados, focusing on the Kiriri people of Acre in Caldas, a municipality
in the state of Minas Gerais. The research was funded by the Coordination for the Improvement
of Higher Education Personnel (CAPES 2021-2023). This article aims to revisit aspects of the
devotional practices of the Kiriri people of Acre previously discussed in the dissertation and to
explore further hypotheses that emerged after the completion of the text for the author’s
Master’s degree in Sociocultural Anthropology.
Historical records about the Kiriri people indicate that they were numerous and
occupied extensive territories in the interior of what are now the states of Maranhão, Piauí, Rio
Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Paraíba, and also the lower course of the São Francisco
River, including Sergipe and Bahia (Bandeira, 1972, p. 19). In the mid-17th century, the
Catholic Church began its missionary activities among the Kiriri, initially led by French
missionaries, later replaced by Italians, and eventually by Portuguese Jesuits (Maria Lourdes
Bandeira, 1972). While there was once extensive occupation, the present-day reality, in the 21st
century, is markedly different. Indigenous realities in Brazil are characterized by persecution
and confinement to very small territories. At that time, there were several missionary
settlements, including Saco dos Morcegos, now Mirandela, located in Banzaê in the state of
Bahia, founded in the 17th century by Portuguese Jesuit João de Barros, with the aim of
gathering the Kipeá-Kiriri(Brasileiro, 1996, p. 48). This settlement persisted and is still Kiriri
territory today, particularly relevant because it is the origin of the Kiriri, who now occupy the
Rio Verde region in Caldas/MG
2
.
According to Bandeira (1972) and reiterated by Sheila Brasileiro (1996), the Kariri from
the hinterlands of Bahia and Sergipe were from the Kipeá branch, different from the Dzubukuá
branch, which inhabited the São Francisco region. The authors suggest that the difference
between the branches appeared to be linguistic. Among the Kiriri of the Kariri family who lived
in the northeastern hinterlands and belonged to the Kipeá branch, there is not only a linguistic
unity, unlike other groups, but also a cultural unity in beliefs. Bandeira (1972) also notes that
2
The Kiriri people who currently live in Caldas/MG once lived in Mirandela/BA, but after disagreements, they
migrated to Serra do Ramalho/BA. There, after receiving an offer of land from their then-friends Xukuru-Kariri,
they migrated to Muquém do São Francisco/BA and later migrated to Caldas/MG. For more information on this
migration path, see Henrique (2019).
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 4
in addition to these two “dialects” Kipeá and Dzubukuá, two other dialects are documented:
Pedra Branca and Sabujá or Sapuya.
To refer to the Kiriri residents in Caldas, there are several alternatives: Kiriri
3
, Kiriri
from Minas Gerais, Kiriri from Caldas, Kiriri from Rio Verde, and Kiriri from Acre. All these
designations have been used by the Kiriri themselves. Except for the first alternative, which
directly refers to ethnicity, the others refer to a place, to the state of Minas Gerais, to the
municipality of Caldas, and to the rural district of Rio Verde. Acre, which is also mentioned,
means “Rio Verde” in the Kiriri language, referring to the rural district where the Kiriri reside
in Caldas. Thus, all these names relate the Kiriri to their location, indicating they are from
Minas Gerais, Caldas, and Rio Verde, and not from anywhere else. This connection to the place
is crucial for interactions with both non-Indigenous and Indigenous individuals, particularly in
relation to the Encantados.
Regarding the Kiriri language, some observations are pertinent. The Ibiramã Kiriri
people of Acre are in the process of reclaiming their language. According to Henrique and
Ramos (2021), reclaiming the Indigenous language is a project for the Kiriri of Acre that
integrates knowledge, science, and education. In the context proposed by the authors,
reclaiming the language is closely linked to the struggle for land undertaken by the families of
the Ibiramã Kiriri village in Acre. Roseni Ramos, one of the authors of this text, is my
interlocutor, and during one of my visits to the village, I had the opportunity to attend a native
language class she taught to all school grades. I had the privilege of observing a lesson for the
5th-grade class, where Roseni explained that the native language in that context is Pankawá, a
language spoken exclusively by the Kiriri in Minas Gerais, as it represents a blend between the
languages spoken by the Kiriri people and the Pankaru people, combining the languages of the
Kipeá and Zebupuá families. Aside from the work of Henrique and Ramos (2021), little has
been ethnographically documented about the Kiriri language in Minas Gerais.
The people living in Caldas mostly migrated from the municipality of Muquém do São
Francisco (BA). They have occupied the territory in Caldas since 2017, and since then, some
children have been born and have grown up with their relatives in the southern Minas Gerais
lands. When they moved to Caldas, the Kiriri were a small group from the same family, and
today the village houses more than 60 people, including women, men, and children of various
ages. The Ibiramã Kiriri village in Acre brings together Kiriri, Pankaru, and Xukuru-Kariri
3
Throughout this text, italics will be used to indicate direct references to terms and expressions used by the Kiriri
of Acré, as well as to situate foreign words.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 5
individuals. The residence among the Kiriri serves as a refuge for Indigenous people from other
villages who chose to leave their original villages due to disagreements with local leaders, such
as some Xukuru-Kariri; others chose to live with the Kiriri due to marital unions, friendships,
and the welcoming nature of the Kiriri, who are very receptive and open to building new
relationships.
The current chief of the Kiriri people is Adenilson, who is married to Carliusa, the
current vice-chief. In addition to her leadership role in the community, Carliusa also serves as
the director of the Ibiramã Kiriri State School, located within the village. Adenilson’s initial
visit to the town of Caldas was prompted by a relationship he had with one of the sisters of the
chief of the Xukuru-Kariri people. After this relationship ended, Adenilson returned to Bahia,
where he began his relationship with Carliusa. On his second visit to Caldas, he was
accompanied by his current partner, Carliusa, and, as she recounted, they both spent some time
with the Xukuru-Kariri but never lived with them. The third visit of Adenilson and Carliusa to
Caldas aimed to find a place to establish residence in the southern Minas Gerais lands,
motivated primarily by the search for fertile territory where they could access employment and
abundant food.
The Kiriri of Rio Verde currently occupy a territory that was officially registered as
belonging to the State University of Minas Gerais (UEMG). However, through research and
investigations, they discovered that this land was, in ancient times, inhabited by the Tapuia
people. The Kiriri have gathered evidence of Indigenous occupation in the Caldas region and
believe that the territory where they are located is, in fact, an ancient Indigenous cemetery. This
assertion is based both on information acquired through exchanges with the Encantados, via
the Toré ritual, and on the historical context of Caldas, which indicates that the area was
inhabited by the Tapuia. These circumstances reinforce the Kiriri’s sense of belonging and their
desire to preserve the place where they currently live.
According to the guidance received from the Encantados, the Kiriri were instructed to
care for the land because those who previously occupied it did not preserve it properly. It is
observed that the Kiriri maintain a relationship of profound respect and reciprocity with the
Encantados, the spirits of their ancestors, who teach and guide them about life, decisions to be
made, and future possibilities.
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 6
Contextualizing the Complex: A Sad Science is One in Which There Is No Play
The Toré is a ritual that falls within what is conventionally referred to in the literature
as the “Jurema Ritual Complex,” which consists of a set of religious practices of which the Toré
is just one manifestation (Nascimento, 1994). According to Estêvão Palitot and Fernando Júnior
(2004), the Toré is the most emblematic expression of the ethnicity, culture, and religiosity of
Indigenous peoples in the Northeast. The literature presents the diffusion of the Jurema ritual
in northeastern Brazil, a diffusion linked to the power and secrecy surrounding the Jurema, both
as a tree and as a drink, entity, and ritual complex. It is known that the secrets of Jurema have
transcended the colonial period and remain alive as a secret within the communities that practice
it.
Various plants are referred to as Jurema. There are very ancient records of the ritual use
of this plant. In Brazilian botanical dictionaries, there is reference to Jurema Preta (Acacia
jurema, Mart - Fam. Legum), found in the hinterlands, which is noted as “a large plant from
which the caboclos made a beverage with which they say they become enchanted and
transported to the sky. However, it is also medicinal; a sertanejo assured us of its efficacy for
removing cancers, using only the inner bark in a poultice. We cannot guarantee this” (Lima,
1946:54 apud. Nascimento, 1994:91, our translation). Additionally, in Brazilian botany in 1881,
Jurema (Mimosa jurema) is described as
a medium-sized tree that grows in poor and dry soils. The sertanejos use the
bark of this tree to cure fatigue and cachexia. The Indians extract a certain
kind of wine from Jurema that causes a pleasant intoxication. For this purpose,
they remove the bark, infuse it for 24 hours, strain the infusion, add bee honey
to correct the astringent taste of the intoxicating drink, and store it for use
(Lima, 1946, p. 53 apud Nascimento, 1994, p. 92, our translation).
The connecting link between the various practices that constitute the Jurema ritual
complex is the ritual use of a drink named Jurema, made from the plant of the same name.
Among the religious practices that use the drink ritualistically are Candomblé de Caboclo,
Mixed Torés, and Catimbós
4
, associated with religious practices performed by Afro-Brazilian
4
To delve deeper into the similarities and even the ritual use of Jurema in each of these practices, I suggest
checking out the work of Nascimento (1994).
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 7
communities
5
. The Indigenous practices that use Jurema as a sacred drink and are part of the
Jurema Ritual Complex include Ouricuri, Praiá, and Toré
6
.
The Enchanted Beings, also known as Masters or Guides, are primarily benevolent
entities that assist Indigenous people in all aspects of life, including political, public, and private
decision-making. Regarding the Enchanted Beings, some literature emphasizes their nature as
living entities, meaning they are either forces of nature or, if they were once human, they did
not undergo the experience of death (Nascimento, 2004; Ahlert, 2021). Therefore, they are not
considered dead spirits, often referred to as “white people’s things” in a nod to Spiritism,
Umbanda, or other practices not considered “Indigenous” (Nascimento, 2004, p. 39). Despite
much of the literature describing the Enchanted Beings as entities that did not experience death,
the Enchanted Beings associated with the Kiriri of Acre present a different reality. They have
undergone the experience of death, became enchanted, and yet retained their status as living
entities, as my interlocutors explained; they reside in the Kingdom of Jurema. Thus, the
Enchanted Beings may have had human experiences and may have been ancestors who became
enchanted. They have never ceased to live but now inhabit another plane known, in the case of
the Kiriri, as the Kingdom of the Enchanted or the Kingdom of Jurema. The Enchanted Beings
share a relationship of exchange and mediation with some Kiriri individuals.
For the Kiriri of Rio Verde, the Enchanted Beings are Spirits, entities, or guides that the
Kiriri cannot see. It is believed that these Enchanted Beings are ancestors who died, became
enchanted, and now visit the Kiriri to provide guidance. Having become enchanted and
experienced life on this plane, the Enchanted Beings are capable of guiding the Kiriri. They
live in the Kingdom of the Enchanted, which no Kiriri has access to; communication with them
only occurs when the Enchanted Beings come to the Kiriri. According to Carliusa, they do not
know what the Kingdom of the Enchanted is like or how its inhabitants live; they only know of
its existence but not its nature or location. The Enchanted Beings do not possess the Kiriri;
instead, they make contact to deliver their messages, and the person whose body is contacted
5
The standard norm of the Portuguese language, in the new orthographic agreement, dictates that national
adjectives be written with a word + hyphen + word, which in this case would be Afro-Brazilian. However, I use
the spelling afro-brasileiraswithout the hyphen, because I understand that the relationship proposed in this
ethnographic context does not allow for the separation of the two terms, because when juxtaposed in this way,
they signal a divided unity, a proposal for anti-miscegenation discussed by Kelly (2011; 2016). Neither Afro nor
Brazilian finds power, much less Afro-Brazilian; the proposal deals specifically with the equation a+b=a/b. That
said, it is indicated that Afro-indigenous will be written without a hyphen, following the same logic.
6
The similarities and differences between these three practices can also be seen in the work of Nascimento (1994).
This composed the three practices in a tenuous field since the differentiation between them is presented in a sinuous
way, which can be presented in a similar way; however, it recognizes that the difference between them, in fact
exists, since whoever claims to practice them, signals their approximations and their distances.
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 8
remains there physically but not mentally. As Carliusa explained, the Enchanted Beings take
over one’s mind, and when asked if the Enchanted Beings have domains such as rivers or
forests, she said they do not, distancing the concept from Afro-Brazilian religiosity, where
entities are often associated with specific locations. What is known, therefore, is that the
Enchanted Beings do not have domains, a point revealed by Carliusa and other Kiriri in
conversation
7
. Interacting with the Enchanted Beings is not a visual experience, as reported by
Carliusa and Dona Alzira, who stated: I don’t see anything, but I feel everything”. The
relationship between the Enchanted Beings and the Kiriri requires an understanding and
attention to other senses beyond sight.
The Toré ritual practiced by the Kiriri is part of the Jurema Complex. As noted above,
Jurema can be understood as a plant, with various botanical species referred to as Jurema; a
drink and/or an entity. The latter sense involves an Afro-Indigenous blend where groups
“substituted the plant drink with a representation of native forces” (Grünewald
8
). However, I
do not agree with Grünewald’s characterization of a “representation” of native forces. What is
observed are forms of manifestation of entities that do not necessarily relate to a
“representation,” as if the entity were not present and was being “represented” by something.
My understanding is that the drink is indeed a potent manifestation of Jurema as an entity, as
the Pajé mentioned; unlike Jurema, the sacred tree, which seems to be primarily viewed as a
symbol of resistance for the Kiriri. This process, therefore, involves different ways of relating
to and activating the entity. For the Kiriri of Rio Verde, there has been no substitution of the
plant drink; it remains central to their knowledge. However, mediation with the Enchanted
Jurema enables the use of the plant’s root and, when necessary, the substitution of the drink
based on the plant. The relationship with the entity mobilizes a network of actions that
constitutes the life of these people. Thus, even when substitutions authorized by the Enchanted
Beings occur, it is not enough to have the root or another substance replacing the root in the
ritual; one must know how to activate it, and this activation only happens through continuous
relationships.
7
There are studies on the categories of "owner" or "master" in the Amazon (Fausto, 2008), which reflect on these
key categories for understanding indigenous cosmology. Although dialogues with the Kiriri indicate that there is
no connection between entities and certain places, such as water, forests, and other domains, as we will see shortly
in this text, there are some ethnographic clues that would allow us to affirm the existence of these domains.
However, as this is an aspect that has not yet been explored in relation to the Kiriri of Acré and based on their
signaling of rejection of this idea, in this piece, I will not delve into this point in order not to overlap ideas from
other fields and other studies, even classic ones, when I notice my interlocutors communicating something else to
me.
8
Available at: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v60n4/a18v60n4.pdf. Accessed on January 15, 2022.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 9
Among the Kiriri of Rio Verde, Jurema is regarded as the symbol of indigenous peoples.
In the territory of Caldas, a Jurema tree was planted, which was brought from Bahia to Minas
Gerais. Shaman Adenilson told me that the Jurema planted in the village is Jurema Preta. It
underwent a series of adaptations; it was necessary to move it from a lower location to a higher
one. When the Jurema tree had grown quite a bit in its new location, a frost occurred, and it
dried out completely. Everyone was certain it had died, but after about three days of rain, it
started sprouting again. Since then, they have taken care of it, and it has developed well. The
Shaman also mentioned that, being Jurema, the sacred tree, the place where it is planted is also
a sacred site. The Jurema tree planted in the village is about 1 meter tall. The Kiriri work with
Jurema due to its significant importance; they brought and planted it to have it in their territory,
and it is understood as the symbol of the village. Jurema is the sacred tree. Carliusa reports that
among the Kiriri, it is not seen through a gender distinction; as a tree, it is simply a tree, and it
is understood as a sacred tree. The Jurema tree differs from the Enchanted Cabocla Jurema.
The Jurema tree itself is not an enchanted being, and Carliusa distinguishes it by explaining that
the Jurema tree is used to make Jurema wine, which is used in ritual practices. Additionally,
the Jurema tree can be applied to the body, whereas the Enchanted Jurema is not visible.
Referring to what Carliusa told me about the Enchanted beings, which are other entities that
experienced earthly life, died, and became enchanted, occupying an important role in guiding
the Kiriri, but emphasizes that they do not see the Enchanted beings. The experience with the
Enchanted is not visual, as Dona Alzira also shared, stating: "I feel everything, but they do not
physically touch me; only Carliusa and Roseni interact with them."
The Jurema tree moves, Dona Alzira told me. "It is the sacred tree, and it walks along
with the Kiriri. The primary wine used in ritual practices is Jurema wine; it serves as protection.
In addition to Jurema wine, cassava wine, corn wine, and wild passionfruit wine are also used,
which differs from the fruit known as passionfruit in the southeastern region of Brazil. The
Kiriri refer to this as maracujina. The movement of the Kiriri through space demonstrates how
they are able to build their territory, and this process involves the participation of the Jurema,
the sacred tree, which accompanies the Kiriri, shares their hardships, and remains there,
adapting and persisting in a new environment. 'You will suffer, but you will prevail,' was the
message from Tapuia, the true owner of the land, to the Kiriri when they first arrived on the
land. Tapuia refers to an ancient people who once lived in Caldas, in the same territory now
occupied by the Kiriri of Rio Verde. The relationship with Tapuia, the true owner of the land,
who grants permission for the Kiriri to establish themselves in Rio Verde, guides the Kiriri's
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 10
relationship with Rio Verde in Caldas. Dona Alzira mentioned that the 'mother tree,' or root, is
located in the Brazilian Northeast, and from this mother tree, the branches emerge. The
movements pull branches, and for the Kiriri, Jurema, the sacred tree, also allows for an analogy
with their lives.
The Toré, being a ritual widespread in northeastern Brazil and practiced by various
ethnic groups, presents itself differently depending on the people practicing it. Among the Xocó
and Kariri-Xocó of Alagoas studied by Clarice Mota (2004), it is described as “a form of dance
and singing that these communities present both as a religious performance and as a festivity
or ‘play’” (p. 143). The author reflects on the Toré as a “group invention,” a movement that
prompts them to reflect, reformulate, and authenticate their “existence through faith,” which is
not related to religion but to faith in the power of the collective. According to Estêvão Palitot
and Fernando Júnior (2004), the Toré performed among the Potiguara in São Francisco and
Vila Monte-Mór highlights the ritual’s ancient roots among practitioners. The authors
emphasize that, in both villages, their observations link the Toré to Catholic devotion and
Indigenous ancestry. They also identify the Toré as an “expression of Indigenous being” and as
“an important symbolic resource in political relations with official bodies” (p. 171).
In José Vieira’s (2019) work on the Potiguara people of Paraíba, the Toré is seen as a
tradition passed down orally from ancient times, from the “old trunks,” meaning the generation
of grandparents. The Toré is understood as “a line of work involving masters and enchanted
caboclos, where the concept of ‘incorporating’ primarily refers to the enchanted being ‘making
contact’ and acting (‘working’)” (p. 53). Marcos Albuquerque’s (2004) research with the
Kapinawá in Pernambuco reveals the creation of a unique ritual called Torécoco, a political
manifestation and space for updating the tradition practiced by these people.
The four works mentioned above share many similarities with each other and with the
Kiriri, as we will see further. The Toré performed by the Ibiramã Kiriri people of Acre shares
experiences with different ethnic groups in the Brazilian Northeast, especially within the
context of the need to reaffirm their indigenous practices. The Toré is experienced in two
distinct phases, public and private, but in both, it is expressed as a symbol of political
relationships. It is in these spaces that the Kiriri of Acre mobilize and establish commitments
with political allies, whether human or non-human. Their perceptions as branches of the mother
territory, from where they originated in Bahia, are present and profound in their shared
experiences and with Dona Alzira, Carliusa's mother and one of the main preservers of Toré
practices among the Kiriri. It is also worth mentioning that the Toré was taught to the Kiriri in
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 11
1976 by the Tuxá people in Rodelas, Bahia. Since this contact, the Kiriri have "rescued" or in
some way (re)learned the Toré ritual. As a fundamental element of sacred practices for peoples
in the Northeast, and considered an indicator of authenticity and the veracity of a people's
indigenous identity, recognized by the State in the Brazilian Northeast (Brasileiro, 1996; 2012),
the practice of Toré as tradition is updated and shared. The ritual performed today by the Kiriri
of Rio Verde is not the same as that learned from the Tuxá; it is an updated version of the
tradition experienced by them with their members and teachers.
Toré can be seen in two very distinct moments: the category of Toré/Play, which
pertains to the public practice of the ritual, and the category of Ciência, which corresponds to
the private practice of the ritual. Regarding these categories, it is worth noting a conversation I
had with Carliusa in 2020. When I explained my research interests and expressed my desire to
study the Kiriri Toré, Carliusa was emphatic in rejecting my proposal: "We do not conduct
research on our Toré" (Carliusa, 2020, personal communication). This placed me in a position
where I had to clarify that I was fully aware that participation in the private dimension of Toré
(ciência) would not be possible, but that my interest was precisely in its public dimension
(toré/play) and what is made public to those outside the group. Therefore, Carliusa was
categorical in indicating that they, the Kiriri people of Acre, do not research their Toré.
Although I obtained some insights and explanations from Carliusa about certain aspects of
Kiriri science, I acknowledge that the description of this ritual is limited.
The Toré consists of many ritual practices that lead us to the realm of secrecy. The ritual
takes place in the midst of the forest, away from the gaze of those who are not part of the group,
and involves elements specific to the ritual. In the various accounts of Toré that I have
encountered, particularly those referring to the Toré performed by the Kiriri of Rio Verde, the
categories of ciência and play are employed to address the complexities present in the ritual's
performance in its different forms and with different audiences.
The dimension of play, in the context of public exposure through social media, is often
associated with the term “presentation,” referring to the act of performing the Toré in its public
form as a way to showcase aspects of indigenous cultures. This understanding is expressed by
Chief Adenilson in a Facebook post (2022), where he states: “to present a bit of our cultures.”
Such phrases are recurrent, as seen in the Kiriri people’s presentation during the São João
festival on June 19, 2022. Additionally, there was a presentation on April 19, in celebration of
“Indian Day.”
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 12
Beyond these thematic celebrations, the Kiriri are frequently invited by the Caldas city
government to perform cultural presentations. When they conduct public activities, the
invitation is widely disseminated through social media, particularly on Carliusa’s Facebook
profile and the Aldeia Ibirimã Kiriri page on the same platform. In these posts, the invitation is
extended to the entire local community as well as to anyone who has seen the post and wishes
to participate. All are welcome to participate in these activities, thus promoting openness to
dialogue and appreciation of Kiriri culture.
The Kiriri are very receptive and open to forming alliances with those willing to
collaborate with their cause. It seems to me that the presentation of Toré in its play dimension
represents a political space for potential relationships between the Kiriri and those who wish to
be allies in their journey and struggle. My hypothesis is that the restriction on the sacred Jurema
drink and the controlled relationship with the Enchanted Masters are ways of establishing
certain limits of access to “culture”
9
for those outside the group. For the Kiriri, building
relationships with non-Indigenous people in the political realm is crucial for achieving their
goals. This is evident in a toante where the Kiriri sing: I am from the Kiriri ethnicity, I want
to play with you.” These two brief phrases explicitly invite relationality, reflecting the Kiriri’s
conscious desire to engage in this playful interaction, which is far from lacking in interest and
depth.
The science pertains to what would be a ritual moment involving the presence of the
Enchanted. It is a time of more intense circulation of power and energy between humans and
these other beings, particularly because the sacred drink is present, and the consumption of
Jurema fosters connections and potential transformations for those who engage with it. Thus,
the category of science is depicted as a more “serious” ritual moment due to its potential for
transformation and connection with the Enchanted Masters.
In a video posted on Facebook on January 8, 2021, in the context of the approval of Law
No. 23.758, dated January 6, 2021, which authorizes the Executive Branch to donate a 60-
9
. The presentation of “culture” is conceived here based on the work of Manuela Carneiro da Cunha (2009), in
which the author establishes the difference between “culture” with quotation marks and culture without quotation
marks, emphasizing that they are two different processes. Since culture without quotation marks, defined by the
author, is a scheme that has been internalized and that guides people’s actions, ensuring a degree of communication
between groups, the author uses examples to point out that culture operates based on accumulation, loans, and
transactions. While “culture” with quotation marks refers to a reflexive notion that speaks of itself and is
characterized by operating based on the regime of ethnicity. The author understands that there is an analytical
distinction between “culture” and culture that is based on the different principles of intelligibility that each one
possesses, since “the internal logic of culture does not coincide with the interethnic logic of ‘cultures’” (Carneiro
da Cunha, 2009, p. 159).
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 13
hectare property located in the Rio Verde neighborhood, municipality of Caldas, for the purpose
of “regularizing the territory traditionally occupied by the Kiriri indigenous people,” Carliusa
states that it is at the Casa da Ciência, at the Terreiro do Toré, where the Kiriri are born and
die. This statement can be understood from the perspective of the formation and identity of the
Kiriri subject, the development of their bodies, and the shared experiences of indigenous
subjects who experience and share with their peers the journey and manifestation of the sacred.
This location is also where objectives are defined and put into practice, where decisions are
made, and where meetings occur, as it is here that everyone’s opinion is considered. Everyone
includes all Kiriri in the communitywomen, men, elders, and youthwho all participate in
decision-making. I also understand that this includes the Enchanted Masters, as they are the
ones guiding the Kiriri of Rio Verde along the right paths. Thus, I would like to emphasize that
the place of science is primarily the site of the powerful manifestation of being Kiriri, with all
the implications of relationships that this entails.
In the mentioned video, we see the Kiriri celebrating, a moment of deep festivity and
gratitude towards those who, working alongside them, achieved a collective gain of permanence
on the land, which was only occupied with the authorization of Tapuia, the true owner of the
land in Caldas. The diplomacy of the Kiriri is crucial for achieving political gains in the material
and terrestrial realms, but the paths leading to this are pre-established by the Enchanted
Masters.
These reflections on the dimensions of science and play, their intersections and
interpenetrations inevitably lead to the question: is there no play in science? Is there no science
in play?
10
I dare to say that, indeed, there is play in science, and there is science in play, as
relationships occur in both moments in an intertwined manner. Science is the place where
actions are planned and initiated, but it is also the place for gratitude, where festivity, the Toré
da Alegria,” laughter and smiles, and joyous leaps amidst the firm marking of the foot on the
ground all belong. Similarly, play is the space for establishing relationships with the Other, the
outsider, those who are outside the group. The approach to this Other happens through play, the
possibility of forming allies during a moment of relaxation and presentation of culture,” and
thus, there is an element of science in this, in the formation of serious relationships, connections
with different domains of existence, and political action, as expressed in the statement: I am
from the Kiriri ethnicity, I want to play with you.” All of this leads to collective achievements
because, as Isabelle Stengers (2016) reminds us, a path does not exist on its own; it is made
10
I thank Luiza Flores for asking me about this in 2021 and making me think.
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 14
through encounters. Thus, a sad science is one in which there is no dance”; in the case of the
Kiriri of Rio Verde, one could say that a sad science is one in which there is no Brinca.
The Toré
The literature on the Toré performed by the Kiriri points to the reality of the Enchanted
only interacting with women, meaning that the Enchanted seems to have a preference for
contacting the bodies of women. Regarding the Kiriri of Rio Verde, the Enchanted maintain a
direct communication channel with two women, Carliusa and her sister Roseni. According to
the literature on the Kiriri Toré, it is observed that:
It is important to note that the ‘enchanted beings’ indeed only ‘enram’ (a term
used for spiritual possession) with women during the ritual, although, from
the native perspective, there is nothing preventing them from ‘enraming’
anyone they choose. However, this uncontrolled ritual behavior is typically
characteristic of ‘malevolent spirits’ or ‘spirits of the dead,’ and such
unwanted possession is understood as the cause of self-destructive and/or
antisocial behaviors, which the ritual and the assistance of the ‘enchanted
beings’ aim to remedy (Nascimento, 2004, p. 39, our translation).
What I observe in my ethnographic context confirms what has been noted in other
ethnographic contexts concerning the Kiriri. My point of interest is specifically the mediation
between worlds that these two women achieve through their relationships with the Enchanted,
as well as with humans and non-humans.
Both the literature and my fieldwork highlight the potential of the Jurema plant to
enram.’ Firstly, referring to the action of the Jurema on the person who ingests it, not everyone
is enramed’ by it; this process depends on the intention of the person consuming it and the
entity’s choice to possess that particular individual. If we think about the enram’ of a plant,
one of the first examples that come to mind might be chayote. There are even popular
expressions such as “more than chayote on the fence,” which reference its process of growing
and thrivingmultiplying its fruits and clearly demonstrating the plant’s tendency to climb and
expand
11
. Plants that enram’ seek to extend their reach, thus occupying and expanding their
space. Another explanation for the Jurema’s ‘enram’ is shared by Dona Alzira, who described
enram’ as the possibility of spatial displacement, where the Kiriri, as a collective, being far
11
The analogy with the chayote and the visual idea of entangling is from the author, and this visual model of
taking root, sustaining, and expanding is thought of, as these were verbs used by the Kiriri in dialogue with the
author and brought about this reflection. In the literature, there are other dialogues with the entangling of plants
(Cf. Mura, 2013; Nascimento, 2012).
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 15
from the rootthe mother Jurema in the Brazilian Northeastare still connected to it through
cosmological and virtual extension, meaning the ability of the displaced branch to adapt and
thrive. Thus, enram’ in this context refers to the branch that originated from a root and then
gains life in another place.
In 2017, when the Kiriri entered the territory in Caldas, in southern Minas Gerais, a
scientific consultation was held in which the Enchanted beings were asked about the possibility
of the Kiriri occupying that territory in southern Minas. Through this scientific process, the
indigenous people gained access to Tapuia, the true owner of the land, a representative of the
Tapuia people who lived there long ago. The relationship with this Tapuia ancestor, who claims
to be the rightful owner of the land, allowed the Kiriri to remain in that location. One of the
entity’s demands was that “the chief should place sacred, blessed lances at the four corners of
the area they would occupy in Rio Verde to protect the chosen site and thereby establish Kiriri
domains” (Henrique, 2019, p. 87-88, our translation).
However, the occupation was tumultuous. The State University of Minas Gerais
(UEMG) claimed ownership of the territory, and in 2018, the Kiriri faced an eviction. In an
effort to establish dialogue and build a relationship with the State, the indigenous people agreed
to be relocated to Patos de Minas, a city in the Triângulo Mineiro region, with the promise of
land they could occupy. Upon arrival, they found that the land was already occupied by
quilombolas and members of the Landless Workers’ Movement (MST). In an improvised
scientific process, the Kiriri were informed by an enchanted quilombola, relative of the
quilombolas claiming that territory, that they could stay for a while but would soon be notified
when it was time to leave.
The adaptation of the Mesa da Ciência (Science Table) in Patos de Minas represents
the possibility of maintaining relationships with the Encantados (Enchanted Beings) even in
adverse contexts. Among the Encantados, there are those who hold a privileged position in
mediating between other Encantados and human subjects, such as the Chief of the Forest, the
enchanted master responsible for representing the Kiriri at the Mesa da Ciência, who connects
with Roseni, a point highlighted in Fernanda Borges Henrique's work (2019, p. 120). The Chief
of the Forest is the Encantado who intermediates between the Encantados and the Kiriri of Rio
Verde. Thus, it seems possible to consider the similar positions held by Roseni and Carliusa.
Among the Kiriri of Rio Verde, they are the only ones who can facilitate communication with
the Encantados and, in the same way, establish a mediating relationship between subjects and
worlds, being responsible for the political formulations of indigenous religiosity. Both, like the
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 16
Encantados, possess the ability to traverse different realms. The literature points to similar cases
where individuals who facilitate communication with the Encantados, particularly through their
involvement in Toré obligations, can traverse different cosmological planes (Durazzo; Segata,
2020).
If it were not Carliusa and Roseni, other women would occupy this role of mediation
with the Encantados. However, the ethnographic fact we find is that they, two sisters and
leaders in the community, constitute themselves as relational beings; that is, bodies in relation
that enable communication, and with it, the territorial occupation of the environment, which is
interwoven with the relationship between the Kiriri and other beings, characterizing the
occupation environment primarily as a space of political relations. Roseni is recognized as a
leader for facilitating the Chief of the Forest's presence and for being responsible for some ritual
obligations in the science.
[The Chief of the Forest is the] master responsible for representing the Kiriri
at the Mesa da Ciência. Thus, it is the Chief of the Forest who summons other
Encantados who need to speak with the Kiriri, depending on the content of the
conversation. If an Encantado appears without being invited, it is the Chief of
the Forest who requests their departure. In this way, in addition to organizing
and controlling the ritual, the Chief of the Forest acts as a mediator between
the humans and the non-humans present, following a logic of representation
and mediation in the face of a situation of alterity (Henrique, 2019, p. 120, our
translation).
Thus, while the Chief of the Forest is seen as a mediator "in the face of a situation of
alterity," as Fernanda Henrique (2019) describes, Roseni is also viewed in this way because it
is through her body and her relationship with the entity that the possibility of facilitating
communication is configured. She is also responsible for the purification of those present, using
a pipe called paú, recognized by the community as a sacred instrument and the primary weapon
of protection for the Kiriri of Acre, made from the root of the Jurema tree and anointed with
Jurema wine. This sacred accessory is surrounded by some taboos and specific usage
guidelines, such as prohibitions against its use during moments of play and by women during
menstruation (Ramos et al., 2021).
Ritual obligations exist within the context of the ritual, and both Carliusa and Roseni
perform them. Literature on the Kiriri and Indigenous peoples in the Northeast indicates that
only women facilitate the Encantados’ (Enchanted Beings’) presence, even though there is no
issue with men receiving them; however, this is generally not perceived as a beneficial action,
as previously noted. Among the Kiriri, the relationship with the Encantados is conducted by
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 17
these two women who possess the gift. It is possible to observe that, despite having the gift,
they are assigned obligations and responsibilities related to the Toré ritual as a form of play,
which is the account we have access to. Given that science is a private manifestation, and
Carliusa has informed me that research is not conducted on it, I focus on the play and reflect on
its possibilities alongside science.
Another important element is that for the Toré to be performed, it is crucial for
individuals to have a clear mind, constituting another responsibility of those who conduct the
ritual: to maintain a clean mind and thoughts. It is essential to highlight that while some
individuals have specific obligations related to the ritual, all other members of the community
are not exempt from responsibilities. Dona Alzira shared with me that she views certain
moments of distress in the village as a breach of the chain. She mentioned that sometimes, at
the time of the obligation, some people are absent for “other things,” referring to activities that
could wait for other times, which is where errors occur. According to her, breaking the chain
is disastrous, she said with concern. Every break in the chain has consequences; if one errs,
everyone suffers.
If the gift is present in Carliusa and Roseni, Kiriri women, it also requires engagement
in the relationship with the Master Encantados and the ritual responsibilities these women hold.
This responsibility also extends to the collective of the village, as it is crucial for the ritual to
be performed with a clear mind. Therefore, Carliusa and Roseni have a central role as they
aggregate ritual responsibilities, but for the Encantados to connect with those who have the gift,
the community must share the ritual responsibility.
Thus, in approaching Afro-indigenous studies, given the appropriate contextualizations,
one concurs with Goldman’s (2012) reflection:
The relationship between gift and initiation is neither one of opposition,
redundancy, nor direct causality. If we were to employ an outdated concept,
we might perhaps say that it is a dialectical complementarity. But this would
not help much, as the problem with dialectics, as Deleuze observed, is not
perceiving that what matters is neither the terms, nor their contradiction, nor
their possible or impossible synthesis: ‘What counts [...] is not 2 or 3, or
whatever, it is E, the conjunction E [...]. E is diversity, multiplicity, the
destruction of identities [...]. E is neither one nor the other, it is always between
the two, it is the frontier, there is always a frontier, a line of flight or flow, but
it is not seen, because it is the least perceptible. And yet, it is on this line of
flight that things happen, that becomings occur [...]’ (Deleuze 1976:64-66).”
(Goldman, 2012, p. 282, our translation).
The line of flight, the “E” in which things come into being, in the Kiriri context, seems
to be precisely these same “E”s, between the gift and the creation of relationships with the
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 18
Encantados. It is what allows us to see beyond the given (gift) and reveals the subtleties of
relationships being constructed through conscious actions of obligations and care with the ritual
and the body, both individually and collectively. Thus, these women possess the gift, but
alongside it, they are entrusted with the responsibility to care for the body, mind, and especially
the relationships; having the gift also means having a predisposition to forming relationships.
It does not surprise me that Carliusa has the gift of relating to the Encantados and, at the same
time, is the person who, in relation to other humans, articulates and facilitates movements,
contributing to the community’s political gains.
Carliusa tells me that everyone has a gift; what happens is that some people have the
gift but do not understand its meaning. There are those who have not developed the gift, but
everyone is born with it. The process of developing the gift comes with time, with each thing
occurring in its own time; when it is meant to develop, it will. Dona Alzira, in turn, says that
everyone has their own gift and that people are born with inherent knowledge, but still, they
learn to develop it with the elders, with those who have already gone through the development
process. Dona Alzira mentions that she is always willing to teach those who want to learn, but
occasionally, she hears people say that they are “afraid.” She is emphatic in her response: afraid
of what? Afraid of praying, afraid of doing good? Indicating that there is no need to fear the
gift; what is necessary is respect, learning, and development.
Final considerations
This work briefly aimed to present who the Kiriri of Acre are, where they live, where
they came from, and how they have traveled to build powerful relationships with people and
Encantados. It highlighted aspects of the devotional practices of the Kiriri people of Acre in
the performance of Toré. The complex ritual of Jurema was situated as the main ritual practice
of the Ibiramã Kiriri of Acre. Finally, elements that enable the performance of the ritual were
aggregated, from the objective conditions of the ritual to the subjective aspects of relationships
and the choices of individuals within the community.
Toré is presented as the primary ritual practiced by the Kiriri people of Acre and consists
of two distinct moments: one public (toré/play) and one private (science). These moments are
characterized and differentiated by the forces present, the presence of the Encantados, the use
of plants and wines produced from them, the ritual objects involved, and the space in which
they are performed.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 19
The presence and potency of the wines, which are produced to meet the specific
purposes of each moment of the ritual, highlight important aspects of the ritual practice in both
public and private spaces. This contributes to a material and objective approach to the ritual.
Each drink, participant, element, and object has a specific meaning and a defined role in the
different moments of the ritual.
In the constitution of the ritual, there is a certain inclination towards gender issues that
pervade the community’s daily life and highlight the female bodies and the construction of
relationships with the Enchanted Beings. However, the commitment of all to the ritual is
revealed, as the breaking of the chains impacts everyone, making the ritual a moment of shared
responsibility within the community.
This work is ethnographic; these reflections are based on a broader context addressed
by the author in the master’s thesis (Branco, 2023). This article expresses an interest in the
interplay between the public and private dimensions of the Toré ritual performed by the Kiriri
people of Acre and aims to demonstrate how people, Encantados, plants, territory, rituals,
objects, kinship, and gender are mobilized for the production of the ritual.
ACKNOWLEDGMENTS: The development of this research was made possible due to
exchanges with Kiriri women, especially Carliusa, Roseni, and Dona Alzira.
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 20
REFERENCES
AHLERT, M. Encantoria: uma etnografia sobre pessoas e encantados em Codó (Maranhão).
Curitiba: Kotter Editorial, 2021.
ALBUQUERQUE, M. A. S. O torécoco: o forgar lúdico dos índios Kapinawá em Mina
Grande PE. In: GRÜNEWALD, R. de A. (org.). Toré: Regime Encantado dos Índios do
Nordeste. Recife: Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2004. 282 p.
BANDEIRA, M. L. Os Kariris de Mirandela: um grupo indígena integrado. Salvador:
EDUFBA. 1972.
BRANCO, M. C. A. Mediação e Negociação Entre Mundos: uma etnografia do prestígio e
da liderança de uma mulher Kiriri em Caldas/MG. Dissertação (Mestrado em Antropologia) -
Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados. Mato Grosso do
Sul, 2023.
BRASILEIRO, S. A organização política e o processo faccional no povo indígena Kiriri.
250f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1996.
CARNEIRO DA CUNHA, M. "Cultura” e cultura: conhecimentos tradicionais e direitos
intelectuais. In: Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
DURAZZO, Le.; SEGATA, J. Intercosmologias: humanos e outros mais que humanos no
nordeste indígena. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 185-198, jul./dez. 2020.
GOLDMAN, M. O dom e a iniciação revisados: o dado e o feito em religiões de matriz
africana no Brasil. MANA, v. 18, n. 2, p. 269-288, 2012.
HENRIQUE, F. B. Por um lugar de vida: os Kiriri do Rio Verde, Caldas/MG. 2019.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) Departamento de Antropologia Social do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
SP, 2019.
HENRIQUE, F. B.; RAMOS, R. O. Os Kiriri do Acré e o resgate da língua indígena.
Policromias Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p.
514-544, 2021.
KELLY LUCIANI, J. A. Sobre a anti-mestiçagem. Tradução de Nicole Soares, Levindo
Pereira e Marcos Almeida Matos. Curitiba, PR: Species Núcleo de Antropologia
Especulativa: Desterro, [Florianópolis]: Cultura e Barbárie, 2016. 122p.
KELLY LUCIANI, J. A. State healthcare and Yanomami transformations: a symmetrical
ethnography. Tucson: Arizona University Press. 2011.
LEI ORDINÁRIA Nº23.758, De 06 de Janeiro de 2021. Disponível em:
https://leisestaduais.com.br/mg/lei-ordinaria-n-23758-2021-minas-gerais-autoriza-o-poder-
executivo-a-doar-a-uniao-o-imovel-que-especifica. Accessed in: 06 Aug. 2023.
Maria Carolina ARRUDA BRANCO
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 21
MOTA, C. N. Performances e significações do toré: o caso dos Xocó e Kariri-Xocó. In:
GRÜNEWALD, R. de A. (org.). Toré: Regime Encantado dos Índios do Nordeste. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2004. 282 p.
MURA, C. Todo mistério tem dono! ritual, política e tradição de conhecimento entre os
Pankararu. Rio de Janeiro: Contracapa, 2013. 368 p.
NASCIMENTO, M. T. S. A jurema das ramas até o tronco: ensaio sobre algumas categorias
de classificação religiosa. In: Carvalho, M. R. de; Carvalho, A. M. (org.). Índios e caboclos: a
história recontada. Salvador: EDUFBA, 2012.
NASCIMENTO, M. T. S.O tronco da Jurema: Ritual e etnicidade entre os povos indígenas
do Nordeste - o caso Kiriri. 1994. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade
Federal da Bahia, 1994.
NASCIMENTO, M. T. S. Toré Kiriri: o sagrado e o étnico na reorganização coletiva de um
grupo. In: GRÜNEWALD, R. de A. (org.). Toré: Regime Encantado dos Índios do Nordeste.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2004. 282 p.
PALITOT, E. M.; SOUZA JUNIOR, F. B. Todos os pássaros do céu: o toré Potiguara. In:
GRÜNEWALD, R. de A. (org.). Toré: Regime Encantado dos Índios do Nordeste. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco. Editora Massangana, 2004. 282 p.
RAMOS, C. F.; RAMOS, R. R.; WUNDER, A. Escola Indígena Ibiramã Kiriri do Acré:
Livro dos saberes tradicionais do povo Kiriri do Acré. Caldas: UK'A, 2021. v. 1, 112 p.
STENGERS, I. Uma ciência triste é aquela em que não se dança. Rev. Antropol., São Paulo,
v. 59, n. 2, p. 155-186, 2016.
VIEIRA, J. G. Catimbó e toré: práticas rituais e xamanismo do povo Potiguara da Paraíba.
Vivência Revista de Antropologia, n. 54, p. 41-64, 2019.
Notes on the Jurema ritual: people-relations and the enchanted among the Ibiramã Kiriri people of Acré
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e024009, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.1.18331 22
CRediT Author Statement
Acknowledgements: I thank the Ibiramã Kiriri people of Acre for the opportunities.
Funding: Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES).
Conflicts of interest: There are no conflicts of interest.
Ethical approval: The research adhered to ethical guidelines throughout the study.
Availability of data and material: The data and materials used in this work are available
for access, including links where applicable, and are properly cited.
Author contributions: This piece is the result of the author’s master’s dissertation.
Processing and editing: Editora Ibero-Americana de Educação.
Proofreading, formatting, normalization and translation.