Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 23, n. esp. 1, e023007, 2023. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v23iesp.1.18358 1
CULTURA ALIMENTAR DIGITAL, PODER E A VIDA COTIDIANA
1
CULTURA ALIMENTARIA DIGITAL, PODER Y VIDA COTIDIANA
DIGITAL FOOD CULTURE, POWER AND EVERYDAY LIFE
Zeena FELDMAN2
e-mail: zeena.feldman@kcl.ac.uk
Michael K. GOODMAN3
e-mail: m.k.goodman@reading.ac.uk
Como referenciar este artigo:
FELDMAN, Z.; GOODMAN, M. K. Cultura Alimentar
Digital, Poder e a Vida Cotidiana. Rev. Cadernos de
Campo, Araraquara, v. 23, n. esp. 1, e023007. e-ISSN:
2359-2419. DOI:
https://doi.org/10.47284/cdc.v23iesp.1.18358
| Submetido em: 10/01/2023
| Revisões requeridas em: 22/03/2023
| Aprovado em: 18/05/2023
| Publicado em: 23/08/2023
Editores:
Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy
Profa. Me. Aline Cristina Ferreira
Prof. Me. Mateus Tobias Vieira
Prof. Me. Matheus Garcia de Moura
1
A tradução do manuscrito é de responsabilidade dos organizadores do dossiê.
2
King’s College London (KCL), Londres Reino Unido Londres. Professora sênior de Cultura Digital no
Departamento de Humanidades Digitais do King's College London. Sua pesquisa examina a relação entre
tecnologias digitais e a vida cotidiana das pessoas. Ela possui ampla publicação, incluindo sobre economia
compartilhada, comunidades online, detox digital e aplicativos de saúde mental.
3
University of Reading, Londres Reino Unido Londres. Professor do Environment and Development/Human
Geography da University of Reading. Geógrafo humano interdisciplinar focado na política cultural de alimentos,
humanitarismo e meio ambiente. Sua pesquisa atual analisa as personas digitais do cenário alimentar, o
#COVIDtwitter e os discursos de crise e urgência em torno de proteínas alternativas.
Cultura Alimentar, Poder e a Vida Cotidiana
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 23, n. esp. 1, e023007, 2023. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v23iesp.1.18358 2
RESUMO: A relação entre comida e cultura digital desempenha um papel fundamental nos
processos contemporâneos de produção de conhecimento e contestação de poder em todo o
mundo. A introdução e os artigos presentes nesta edição especial do European Journal of
Cultural Studies buscam explorar as interações, semelhanças e interseções entre comida e o
digital, com o intuito de oferecer perspectivas críticas sobre as capacidades, paradoxos e
impactos da cultura alimentar digital na vida cotidiana. Levantamos uma série de questões
centradas nas dinâmicas de poder que apontam para um aspecto crucial na (re)produção e
disseminação das desigualdades na interseção entre comida e tecnologia digital. Os Estudos
Culturais proporcionam um terreno particularmente fecundo para analisar a comida no contexto
digital, graças ao compromisso intrínseco dessa disciplina em examinar criticamente o poder e
as desigualdades, e sua subsequente habilidade em iluminar as dimensões políticas da cultura
alimentar digital, bem como seus impactos sociais, culturais e éticos. Este artigo apresenta e
destaca questões essenciais, introduzindo conceitos correlatos e debates teóricos que orientam
a trajetória dessa pesquisa. Ademais, é abordado a maneira como os artigos presentes nesta
edição se relacionam com a cultura alimentar digital e as dinâmicas de poder após a pandemia
de COVID-19. Ao final, é apresentado um resumo dos artigos contidos nesta edição e suas
contribuições para o estudo da cultura alimentar digital e os Estudos Culturais em um sentido
mais amplo.
PALAVRAS-CHAVE: Cultura alimentar digital. Poder. Desigualdade. Vida cotidiana.
COVID-19.
RESUMEN: La comida y la cultura digital están mutuamente implicadas en los procesos
contemporáneos de producción de conocimiento y contestación de poder en todo el mundo. La
introducción y los artículos en esta edición especial de la European Journal of Cultural Studies
buscan trazar distinciones, paralelismos y superposiciones entre la comida y lo digital para
ofrecer perspectivas críticas sobre las capacidades, paradojas e impactos de la cultura
alimentaria digital en la vida cotidiana. Planteamos una serie de cuestiones fundamentalmente
enfocadas en temas de poder que señalan un problema crucial para la (re)producción y
circulación de la desigualdad en la relación entre la comida y lo digital. Para nosotros y para
los autores aquí presentes, los Estudios Culturales son un terreno particularmente fértil para
analizar la comida digital precisamente debido al compromiso de la disciplina de criticar el
poder y la desigualdad, y su subsiguiente capacidad para esclarecer la política de la comida
digital cotidiana y sus impactos sociales, culturales y éticos. Este artículo presenta y destaca
cuestiones esenciales, e introduce conceptos relacionados y debates teóricos que guían la
agenda de esta investigación. Además, abordamos cómo los artículos de esta edición se
conectan con la cultura alimentaria digital y el poder después de la COVID-19. Concluimos
con el resumen de los artículos de esta edición y sus contribuciones a la investigación sobre la
cultura alimentaria digital y los estudios culturales en general.
PALABRAS CLAVE: Cultura alimentaria digital. Poder. Desigualdad. Vida cotidiana.
COVID-19.
Zeena FELDMAN e Michael K. GOODMAN
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 23, n. esp. 1, e023007, 2023. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v23iesp.1.18358 3
ABSTRACT: The relationship between food and digital culture plays a pivotal role in
contemporary knowledge production and power contestation processes. The introduction and
articles featured in this special edition of the European Journal of Cultural Studies seek to
explore the interactions, similarities, and intersections between food and the digital realm to
provide critical perspectives on the capabilities, paradoxes, and impacts of digital food culture
on everyday life. We raise questions centered around power dynamics that point to a crucial
aspect in the (re)production and dissemination of inequalities at the intersection of food and
digital technology. Cultural Studies offer a particularly fertile ground for analyzing food in the
digital context, thanks to the intrinsic commitment of this discipline to critically examine power
and inequalities and its subsequent ability to shed light on the political dimensions of digital
food culture, as well as its social, cultural, and ethical impacts. This article presents and
underscores essential questions, introducing related concepts and theoretical debates that
guide the trajectory of this research. Furthermore, it addresses how the articles in this edition
relate to digital food culture and power dynamics in the aftermath of the COVID-19 pandemic.
In conclusion, a summary of the articles in this edition is provided, along with their
contributions to the study of digital food culture and Cultural Studies in a broader sense.
KEYWORDS: Digital food culture. Power. Inequality. Everyday life. COVID-19.
Introdução
A comida é uma substância fundamental para a vida cotidiana. Ela está presente tanto
na construção literal quanto figurativa do ego, bem como nas estruturas culturais e sociais.
Através dela, reproduzimos e desafiamos normas e hierarquias (GOODY, 1982, 1998; JULIER,
2013; WATSON; CALDWELL, 2005). Simultaneamente, a cultura digital é também um
elemento essencial da vida cotidiana, tanto em sua reprodução quanto em suas resistências
(MCCHESNEY, 2013; THUMIM, 2012; VAN DIJCK, 2013). Isso é especialmente verdadeiro
em nosso mundo pós-covid (WHEELER, 2020). Ao redor do globo, as tecnologias digitais
estão ajudando a organizar e constituir o cotidiano, desde trabalho e educação até
relacionamentos e formação de identidade. A comida e o digital são considerados importantes,
até mesmo em sua ausência, conforme visto nos estudos acadêmicos sobre a fome e a exclusão
digital (RUNGE et al., 2003; VAN DEURSEN; VAN DIJK, 2014).
A comida e a cultura digital estão, assim, mutuamente implicadas nos processos
contemporâneos de produção de conhecimento e distribuição de poder, por meio daquilo que
nós (p. ex. GOODMAN; JAWORSKA, 2020; LUPTON; FELDMAN, 2020) e outros colegas
Cultura Alimentar, Poder e a Vida Cotidiana
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 23, n. esp. 1, e023007, 2023. e-ISSN: 2359-2419
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(p. ex. LUPTON, 2018) chamamos de cultura alimentar digital
4
. Contudo, cada domínio possui
regras, valores e aspirações distintas. Esta edição especial busca traçar essas distinções,
paralelos e sobreposições para oferecer insights valiosos e importantes sobre as capacidades,
possibilidades, paradoxos e impactos da cultura alimentar digital na vida cotidiana.
Como uma lente conceitual, a cultura alimentar digital se dedica a localizar a
importância da comida por meio de seu relacionamento com e através do digital. Por exemplo,
quais ideologias permeiam as infraestruturas da culinária digital de hoje, e o que essas
intervenções de criação, comunicação e crítica revelam sobre as visões atuais tanto sobre a
‘comida boa’ quanto sobre a ‘vida boa’? Como a produção culinária de sentido está atrelada à
economia política da Internet atual? Quais reivindicações socioculturais, econômicas, políticas
e éticas, a digitalidade exerce sobre o encontro mediado da comida? Essas questões são
importantes, pois são fundamentalmente perguntas de poder; elas indicam uma questão crucial,
tanto no sentido político quanto conceitual, para a (re)produção e circulação de desigualdade
na ligação entre a comida e o digital. Estudos culturais é um campo particularmente fértil para
se fazer essas indagações, precisamente devido ao compromisso da disciplina em fazer a crítica
do poder e da desigualdade, um compromisso também embutido em nosso projeto de cultura
alimentar digital.
Onde a comida é subsistência no sentido mais primitivo do termo, a cultura digital
oferece um tipo diferente de alimentação: ela oferece a infraestrutura e gramática
contemporâneas por meio das quais a comida é cada vez mais comunicada e disputada. Ambas
são tecnologias prosaicas de criação de identidade. Ambas têm dimensões materiais e
importância estrutural, simbólica e ideológica. De fato, não há como superestimar a intimidade
existencial entre comida e cultura digital. Hoje, as tecnologias digitais impactam
profundamente a totalidade do ciclo de vida da comida, desde a produção, passando pelo
consumo, até a representação, e tudo envolvido nesse ínterim. Desde robôs, drones e
ferramentas de inteligência artificial (IA) que ajudam fazendeiros a monitorarem as condições
das plantações e a saúde dos rebanhos (SAIZ-RUBIO; ROVIRA-MÁS, 2020), passando por
vlogueiros e blogueiros compartilhando receitas (FINLEY, 2016) e influenciadores de
Instagram documentando circuitos de restaurantes locais (ATKINS, 2021), até a ascensão
meteórica dos aplicativos de delivery de comida e contra o desperdício de alimentos
4
Seja dito que reconhecemos plenamente que culturas alimentares digitais diferentes, adversárias e diversas,
no múltiplo. Nesta introdução, utilizamos o singular por motivos de simplicidade, mas também para nos permitir
encapsular as generalidades que se entrelaçam, constroem e conectam esses múltiplos.
Zeena FELDMAN e Michael K. GOODMAN
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 23, n. esp. 1, e023007, 2023. e-ISSN: 2359-2419
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(BRADSHAW, 2021; SHERWOOD, 2021), a cultura alimentar digital é tão diversa quanto
abundante.
Contudo, a teorização da relação entre comida e cultura digital foi, até recentemente,
uma questão relativamente negligenciada, tanto pelos estudos culturais quanto alimentares (n.b.
LEER; GUNDER; KROGAGER, 2021; LEWIS, 2020; PHILLIPOV; KIRKWOOD, 2019;
ROUSSEAU, 2012a; SCHNEIDER et al., 2018). Isso é surpreendente, dado o longo histórico
de atenção crítica à mídia de alimentos, incluindo pesquisas revolucionárias sobre o complexo
trabalho cultural feito por livros de culinária, revistas de culinária, programas televisivos
gastronômicos, publicidade de comida e celebridades gastronômicas (p. ex. ASHLEY et al.,
2004; CASEY, 2019; COLLINS, 2009; DE SOLIER, 2013; JOHNSTON; RODNEY; CHONG,
2014; JOHNSTON; GOODMAN, 2015; LEER; POVLSEN, 2018; MADDOCK; HILL, 2016;
MARTIN, 2021; ROUSSEAU, 2012b). Enquanto estes continuam a ser artefatos culinários
essenciais, a domesticação e a onipresença da cultura digital significam que a mídia de
alimentos não está mais confinada ao mundo da imprensa e dos meios de transmissão. Esta
edição especial busca trazer ao primeiro plano o modo como a digitalidade contemporânea, com
suas especificidades de smartphones com acesso à Internet, às plataformas de redes sociais e
aos algoritmos mapeia o diálogo atual entre comida, conhecimento e poder.
Este diálogo é importante, como demonstram os inovadores estudos acadêmicos
interdisciplinares nesta edição. Os contribuidores mostram que a passagem da comida ‘para o
virtual’ introduz questões urgentes sobre criação culinária de sentido na era digital. O que, por
exemplo, a expertise culinária significa em um mundo de conteúdos gerados por usuários? De
que formas o registro intensamente comercializado da Internet contemporânea impacta a
produção de conhecimento culinário? A cultura digital está reescrevendo as narrativas de
autoridade, autenticidade e acessibilidade, por meio das quais as culturas alimentares foram
tradicionalmente analisadas (p. ex. GOODMAN; MAYE; HOLLOWAY, 2010; JOHNSTON;
BAUMANN, 2010; NACCARATO; LEBESCO, 2012)? Como o capitalismo de plataforma
molda e estreita nossos apetites sociais e ambientais? Como as tecnologias digitais contribuem
para o entendimento normativo da comida ‘boa’ e da comida ‘ruim’? E como vetores de
identidade essenciais, incluindo gênero, classe, raça, etnia e sexualidade, encontram expressão
nas articulações digitais de culinária e alimentação?
Por meio desses tipos de questões, esta edição especial decifra as convergências e
rupturas propiciadas pela cultura alimentar digital. Mas tais convergências e rupturas não são
puramente acadêmicas. De fato, o que as torna academicamente interessantes e importantes é
Cultura Alimentar, Poder e a Vida Cotidiana
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sua miríade de manifestações cotidianas. O curta Sunday With the Girls do cineasta canadense
Peter Huang (2016), oferece uma ilustração brilhante e hilária disso. Em seu filme, três
mulheres brancas jovens, vestidas com elegância, saíram para tomar um brunch e estão sentadas
em uma mesa de restaurante. Estão em silêncio, cada uma focada no conteúdo da tela de seu
smartphone. Quando a comida finalmente chega, elas param para anunciar: ‘Estou tão animada’
e ‘Estou morrendo de fome’. Porém, em vez de começarem a devorar a refeição, as mulheres
imediatamente pegam o celular para fotografar o prato. Em sua busca por uma imagem perfeita
de #brunch, uma mulher empurra sua colega para tirá-la do caminho com a advertência: ‘Seu
chapéu está tapando!’ Aqui, além de documentar a obsessão da sociedade com a representação
da comida (digital) e do ‘trabalho’ com comida, Huang captura de maneira mordaz uma das
muitas formas de como as tecnologias digitais complicam a materialidade culinária,
sociabilidade e convivência cotidianas.
De forma similar, os contribuidores atentam para o registro diário da cultura alimentar
digital, decifrando o trabalho simbólico ali realizado. Nesse processo, esses estudiosos
demonstram que comida jamais é somente comida, e o digital jamais é somente a tecnologia.
Ambos são partes ordinárias do cotidiano que podem ter consequências extraordinárias sobre
como compreendemos a nós próprios, os outros e a vida (alimentar).
A introdução a este conjunto de artigos prossegue da seguinte maneira: primeiramente,
irá ser apresentada uma breve discussão sobre a lógica desta edição. Em segundo lugar, será
fornecido descrições sucintas das contribuições da edição e estas serão conectadas através de
temas, abordagens e análises relacionadas. Por fim, irá ser abordado uma série de pontos
essenciais sobre a cultura alimentar digital pós-covid para contextualizar melhor o foco
abrangente da edição e sugerir caminhos, à luz das contribuições dos artigos, para futuras
pesquisas críticas.
Zeena FELDMAN e Michael K. GOODMAN
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 23, n. esp. 1, e023007, 2023. e-ISSN: 2359-2419
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Background desta edição temática
Esta edição especial teve início como um workshop de um dia, realizado em julho de
2017, no King’s College London. Com apoio do Department of Digital Humanities e do Centre
for Digital Culture, o workshop trouxe consigo um grupo de acadêmicos de todo o Reino Unido.
O propósito desse evento era explorar a cultura alimentar digital como uma estrutura teórica
em ascensão e um campo de estudo emergente. Além disso, almejava-se considerar os aspectos
fundamentais da culinária e da alimentação no contexto da vida digita (life-with-screen n.b.
TURKLE, 1995). Por fim, o mencionado workshop buscava promover um avanço nas
compreensões relativas à cultura alimentar digital, enxergando-a como uma convergência
comum entre as ferramentas online e as práticas offline. Através de uma contínua atenção aos
denominados "territórios do cotidiano", os participantes do workshop realizaram análises das
interações entre comida e digitalidade, examinando como tais interações contribuem para as
construções éticas, políticas, econômicas e socioculturais de conhecimento e influência em
escala cotidiana.
Também havia interesse pela dimensão temporal inerente à cultura alimentar digital,
considerando, por exemplo, a justaposição dos imperativos e do ethos always-on da
modernidade digital (SMITHIES, 2019; WAJCMAN, 2014) com a popularidade do movimento
Slow Food e dos discursos de sustentabilidade alimentar (p. ex. ANDREWS, 2008; JAROSZ,
2014; VAN BOMMEL; SPICER, 2011). Por exemplo, como essas perspectivas temporais se
entrelaçam e contribuem para a ética contemporânea do consumo culinário (c.f. LITTLER,
2011)? Como as tecnologias digitais de produção, consumo e representação estiveram
moldando as articulações do poder culinário? O workshop tinha como objetivo principal
elaborar uma teorização sobre as interações entre os estudos alimentares e a cultura digital. Foi
focado especialmente nas esferas online e offline de prática, poder e construção de
conhecimento, intrinsecamente relacionadas a ambos os campos de estudo.
Ao longo de oito artigos e de uma resenha de livro, os contribuidores avaliam as
formações culinário-culturais que povoam alguns dos mais populares dispositivos de
comunicação digital e plataformas de redes sociais. Alguns destes exemplos ilustram
conotações sexistas, racistas e classistas. Outros fornecem evidências da influência neoliberal
na esfera da saúde e do bem-estar. Adicionalmente, abordam-se as potencialidades e limitações
do ativismo no contexto da comida digital. Considerando essas intervenções em conjunto,
emergem reflexões significativas sobre o trabalho tanto material quanto simbólico
Cultura Alimentar, Poder e a Vida Cotidiana
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desempenhado pela cultura alimentar digital, bem como os interesses de poder subjacentes a
esse campo de atuação.
A cultura alimentar digital após a COVID-19
O workshop e a subsequente edição dele resultante foram concebidos em um contexto
anterior à pandemia de COVID-19. Desde então, a crise global provocada pelo COVID-19
reconfigurou significativamente e continua a fazê-lo a rotina diária em todo o mundo. Para
certos indivíduos, as medidas de confinamento impostas pelos governos resultaram em uma
mudança para o trabalho remoto, o entretenimento domiciliar e outras atividades dentro do
ambiente doméstico. Em regiões como o Reino Unido, onde o cenário pré-pandêmico era
caracterizado por uma disseminada conectividade virtual, um uso intensivo de redes sociais e a
onipresença de dispositivos móveis (FELDMAN, 2021; OFCOM, 2020), a pandemia
amplificou a proximidade anterior das pessoas com a cultura digital. Para um número
considerável, a interação com a realidade passou a se dar, mais do que nunca, através de
interfaces digitais (JONES, 2020; KOEZE; POPPER, 2020). Nesse processo, o COVID-19
provocou uma influência notável nas práticas de culinária, consumo alimentar e na relação mais
ampla com a comida. Mas essas mudanças não afetaram a todos do mesmo modo.
O COVID desnudou, e, em alguns casos, exacerbou, desigualdades existentes em
relação à acessibilidade, sociabilidade e economia da comida e da cultura alimentar digital. O
objetivo é abordar esses realinhamentos neste contexto, uma vez que eles ampliam muitos dos
argumentos desenvolvidos ao longo desta Edição Especial. Ademais, essa abordagem nos
possibilita identificar áreas de interesse para pesquisas acadêmicas no campo da cultura
alimentar digital no período pós-covid.
Uma das transformações essenciais que é observado no cenário pós-covid diz respeito
às alterações na dinâmica da sociabilidade culinária. O vírus alterou tanto o modo quanto o
local em que ocorrem as atividades culinárias, relacionadas à alimentação e à hospitalidade.
Para alguns, isso resultou em situações de extrema carência alimentar, levando a um aumento
na dependência de bancos de alimentos e outros recursos da infraestrutura emergencial de
combate à fome. Para outros, o impacto da COVID-19 implicou o fechamento de restaurantes
e a desaceleração geral no setor da hospitalidade, o que por sua vez obrigou a redefinição da
noção de “compartilhar uma refeição”, adaptando-a às restrições domiciliares impostas pelo
distanciamento social. Com a impossibilidade da presença física compartilhada, encontros para
Zeena FELDMAN e Michael K. GOODMAN
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jantares entre amigos adquiriram um formato virtual, e as pessoas se voltaram para plataformas
digitais em particular, aplicativos de videoconferência para partilharem suas refeições.
Naturalmente, a prática de alimentação online não é um fenômeno novo. Yeran Kim
(2018) e Hanwool Choe (2019), por exemplo, exploram o conceito de mukbang na Coreia do
Sul: vídeos gastronômicos nas redes sociais associados ao excesso alimentar,
empreendedorismo e performance online. No entanto, a alimentação virtual durante a pandemia
de COVID-19 direciona o foco para as formas cotidianas, privadas e íntimas de interação. As
pessoas estão compartilhando refeições com seus amigos e familiares por meio de plataformas
como Zoom, Houseparty, Skype e FaceTime, não com o intuito de alcançar uma audiência
ampla (ao contrário do mukbang), mas sim como meio de sustentar uma convivialidade
socioalimentar à distância. Nesse contexto, as funcionalidades digitais operam como conectores
do cotidiano, oferecendo um espaço de conexão para um dos prazeres mais simples da vida:
uma refeição recreativa compartilhada com outras pessoas.
Com o fechamento dos restaurantes, a COVID-19 também impactou o âmbito da
produção e compartilhamento do conhecimento culinário. Isso resultou em uma reconfiguração
das formas e lugares nos quais adquirimos conhecimento sobre alimentos. Nos ‘tempos de
antes’, sair para jantar representava uma atividade de lazer que frequentemente desempenhava
um papel educativo, introduzindo as pessoas a novos ingredientes, combinações de sabores e
técnicas culinárias. Durante a pandemia, grande parte desse processo educacional migrou para
o cenário das mídias de culinária digital, tais como bancos de dados de receitas online, blogs de
culinária e vídeos instrucionais presentes no YouTube e Instagram. É importante enfatizar que
essas práticas e recursos existiam antes da COVID-19, porém ganharam uma maior
predominância e aceitação no cenário mainstream após o surgimento da pandemia. Tal cenário
demanda uma atenção renovada não apenas para o conteúdo desses recursos digitais, mas
também para os atores (‘who’) digitalizados que os produzem (c.f. GOODMAN; JAWORSKA,
2020). Quem são as pessoas (ou instituições) criando esses recursos, e sob quais condições esse
trabalho ocorre?
Diante das restrições impostas pela COVID-19 em relação ao acesso a restaurantes,
muitos aumentaram seu envolvimento na culinária, compartilhando os resultados de suas
atividades culinárias na internet. Durante os primeiros dias da pandemia, as redes sociais foram
inundadas com imagens de pães de fermentação natural e bolos de banana (BAINES, 2020;
GAMMON, 2020). No entanto, é importante reconhecer que nem todos tiveram a oportunidade
de participar dessas representações de domesticidade tradicional. Assim, a pesquisa deve
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considerar quem possui acesso, tempo e recursos para criar, consumir e empregar esses
elementos da cultura culinária digital em um mundo caracterizado pela desigualdade.
Contudo, nem todos aumentaram suas atividades culinárias durante a pandemia de
COVID-19, como evidenciado pelo notável aumento nas vendas de refeições para viagem e o
uso de aplicativos de entrega de alimentos. A alta demanda gerada pelos clientes resultou em
lucros substanciais para as plataformas de entrega, como Just Eat, Uber Eats, Deliveroo,
Grubhub, Postmates, Seamless e Caviar (DURBIN, 2021; SUMAGAYSAY, 2020). Essa
expansão na economia de plataformas também evidencia algumas das desigualdades presentes
na cultura alimentar digital. Essas desigualdades afetam não apenas os restaurantes, motoristas
de entrega e desenvolvedores de tecnologia, mas também os consumidores de alimentos e sua
relação com a cultura digital. Especificamente, os proprietários de restaurantes têm se queixado
das taxas exorbitantes cobradas pelas plataformas de entrega. Por exemplo, o Deliveroo cobra
mais de 35% por pedido (SHEAD, 2020). Apesar do custo significativo, os donos de
restaurantes reconhecem que não podem se dar ao luxo de não estarem presentes nessas
plataformas, devido à queda na receita proveniente do atendimento presencial e ao controle
desses aplicativos sobre o mercado de refeições para viagem (OVIDE, 2020). Para os
estabelecimentos gastronômicos, isso reflete o dilema da participação digital na era pós-covid.
Essa situação de dualidade também impacta as pessoas encarregadas de coletar e
entregar nossas refeições. Enquanto a COVID-19 teve um impacto devastador em grande parte
do setor de serviços, ela também gerou a criação de muitos novos postos de trabalho na área de
entregas (CLARK, 2020). No entanto, como a pesquisa sobre trabalho temporário e a economia
compartilhada muito tempo mostraram, não se trata de ‘bonstrabalhos (HUWS et al., 2017;
SCHOR et al., 2020). Os trabalhadores nesse campo são frequentemente classificados como
trabalhadores autônomos, o que implica em falta de acesso a direitos como férias remuneradas,
licença por doença, regimes previdenciários, horários de trabalho fixos e outras proteções
normalmente garantidas a funcionários formais. Além disso, o trabalho temporário geralmente
é mal remunerado. Desde 2016, motoristas do Deliveroo no Reino Unido têm manifestado
preocupações de que seus ganhos frequentemente fiquem abaixo do salário mínimo nacional
(FARREL; OSBORNE, 2016, HAYNS, 2016), e em abril de 2021, centenas de condutores
entraram em greve (CANT, 2020; RAWLINSON, 2021).
É importante considerar que, em meio a uma pandemia global, esses entregadores estão
se expondo a riscos à saúde a cada entrega. Apesar de visões utópicas sobre entregas de pizza
por drones (METZ, 2021), a realidade é bem menos glamorosa para aqueles que atualmente
Zeena FELDMAN e Michael K. GOODMAN
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estão executando o árduo trabalho de entregas de alimentos. Esses trabalhos são fisicamente
exigentes, frequentemente adotados por necessidade urgente ou como último recurso (HUWS;
JOYCE, 2016), especialmente em momentos de crise econômica. Adicionalmente, tais
ocupações costumam ser predominantemente desempenhadas por imigrantes e trabalhadores
não brancos (SCHOR et al., 2020). Isso nos leva a uma reflexão profunda sobre o custo
implícito ao solicitar uma refeição por meio de um aplicativo de smartphone.
Um desenvolvimento promissor nessa esfera é o recente e malsucedido lançamento
público de ações (IPO) do Deliveroo (STEPEK, 2021). O fracasso da IPO representou uma
contundente rejeição ao modelo de negócios da plataforma. Após a oferta pública inicial,
diversos investidores institucionais anunciaram a decisão de não reinvestir na empresa,
justamente em virtude de suas práticas trabalhistas questionáveis (TOPHAM, 2021). Porém,
nem todos estão sofrendo com o crescimento exponencial das plataformas relacionadas à
cultura alimentar digital contemporânea. De fato, a COVID-19 impulsionou a ascensão de
muitos novos intermediários digitais que conectam consumidores a restaurantes. No Reino
Unido, plataformas de comércio virtual, como Supper, Slerp, Dishpatch, Big Night, RestoKit e
Restaurant Box, ganharam notoriedade, especialmente entre os restaurantes de alto nível. A
quantidade e a vitalidade dessas novas plataformas sugerem uma certa estratificação no âmbito
da cultura alimentar digital, a qual provavelmente foi exacerbada pela marcante disparidade
entre os mais ricos e os mais desfavorecidos durante a pandemia de COVID-19. Vale ressaltar
que nem todos têm os recursos para solicitar refeições para viagem, e menos ainda têm meios
para encomendá-las de restaurantes com estrelas Michelin que oferecem serviços de entrega.
A pandemia provocou consideráveis impactos no setor de hospitalidade e em suas
respectivas cadeias de suprimentos. Produtores, fazendeiros e atacadistas que anteriormente
forneciam exclusivamente para restaurantes se viram obrigados a adaptar suas estratégias
rapidamente. Muitos desses atores recorreram às tecnologias digitais como forma de transição
para a venda direta ao consumidor. Um exemplo é a conceituada fornecedora de produtos
hortifrútis, a Natoora, que lançou um aplicativo de compras para smartphones poucos dias após
o primeiro período de confinamento no Reino Unido. Paralelamente, tanto cozinheiros
amadores quanto chefs desempregados encontraram nas redes sociais em particular,
Instagram e Facebook um meio para promover e comercializar refeições caseiras. Alguns
também se engajaram em emergentes plataformas digitais, como o projeto de comércio online
HomeCooks, que é administrado por voluntários e convida “chefs locais para fazer comida em
seus lares e vendê-la para sua comunidade local” (HOMECOOKS, [21--]).
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Grandes corporações também aderiram à tendência da venda direta ao consumidor,
sendo que companhias aéreas passaram a ofertar refeições de bordo para clientes em terra: “Em
Hong Kong, a Cathay Pacific está vendendo refeições para funcionários do aeroporto, enquanto
a empresa de aviação nacional da Indonésia, Garuda, está oferecendo sua comida como
refeições para viagem em uma bandeja” (RATCLIFFE, 2020). A Singapore Airlines (2021),
lançou um serviço de delivery doméstico “que vem com artigos de mesa e cortesias de luxo
exclusivamente disponíveis a bordo de nossos voos.” Adicionalmente, para aqueles que sentem
saudades das refeições de primeira classe, a All Nippon Airways do Japão proporciona aos
clientes a oportunidade de vivenciá-las em uma aeronave em solo (GORMAN, 2020).
Contudo, algumas das mais notáveis inovações no âmbito do serviço direto ao
consumidor emergiram diretamente dos restaurantes, especialmente na forma de kits de
refeições preparados por restaurantes. Desde pizzarias artesanais até renomados
estabelecimentos detentores de estrelas Michelin, muitos restaurantes, inclusive os de alta
gastronomia, ajustaram-se ao fechamento de seus espaços para refeições, unindo forças com as
novas plataformas de comércio online mencionadas anteriormente para disponibilizar
“[entregar] comida feita no restaurante, pré-preparada, em uma caixa para reaquecer, finalizar
e comer em casa” (LOW, 2020). Esses kits englobam ingredientes cuidadosamente embalados,
pré-preparados e frequentemente pré-cozidos, vindo acompanhado de instruções detalhadas
sobre como combiná-los. Apesar de muitos desses kits exigirem que parte da preparação seja
realizada pelo próprio consumidor, alguns têm preços que ultrapassam centenas de libras.
No entanto, a cultura alimentar digital durante a era da pandemia não se limita às
camadas elitistas. A notável (re)emergência de iniciativas e grupos de ajuda mútua agora
coordenados através de websites e outras ferramentas de compartilhamento online apresenta
um contraponto inspirador, embora preocupante. Em várias partes do mundo, essas redes de
mediação digital proporcionam alimento e assistência aos mais vulneráveis em nossas
comunidades. Isso se concretiza por meio de cozinhas comunitárias, serviços de entrega de
refeições para pessoas confinadas em suas residências e outros projetos que empregam soluções
digitais para combater a insegurança alimentar (SANDERSON BELLAMY et al., 2021). Em
estados desprovidos de redes de segurança social ou que continuam a enfraquecê-las (por
exemplo, no caso do Reino Unido), redes virtuais e sites de crowdfunding oferecem
infraestruturas e linhas de valorização da vida (life-lines) fundamentais (RICHARDSON, 2020)
para algumas das pessoas que historicamente têm sido marginalizadas estruturalmente e/ou
negligenciadas. Esses exemplos ilustram de maneira convincente a tecnologia em prol do bem,
Zeena FELDMAN e Michael K. GOODMAN
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em que as habilidades de comunicação e organização da internet são direcionadas a auxiliar os
necessitados quando os atores governamentais locais, regionais e nacionais falham em fazê-lo,
mesmo diante de circunstâncias emergenciais sem precedentes. Aqui reside o risco do sucesso
dessas iniciativas voluntárias, filantrópicas e de mediação digital em termos de segurança
alimentar: ao manter os vulneráveis afastados da fome e da morte durante as restrições e
confinamentos decorrentes da pandemia, essas ões podem levar os governos a concluir que
essas medidas são suficientes. Como resultado, isso pode legitimar a implementação de cortes
mais amplos e profundos nos serviços sociais e no apoio aos grupos e indivíduos mais
vulneráveis em nossas comunidades.
A diversidade dos desdobramentos culinários no cenário pós-covid, abordados aqui,
aponta para a heterogeneidade dos impactos potenciais, atuais e futuros da cultura alimentar
digital. As vantagens e desvantagens no contexto da cultura alimentar digital não são
distribuídas de maneira equitativa, e as manifestações online e offline dessas desigualdades
requerem nossa contínua avaliação crítica. Compreender as assimetrias de poder presentes e
futuras, bem como as variáveis políticas culturais dentro e ao redor da cultura alimentar digital,
é de suma importância para a compreensão da interseção entre comida e digitalidade.
As contribuições desta edição em resumo
Iniciamos esta edição com a análise crítica, conduzida por Ben Little Alison Winch, do
“ano de viagem” de Mark Zuckerberg. Durante esse período, ele utilizou o Facebook e o
Instagram para documentar sua grandiosa (e ostentatória) jornada por todos os 50 estados
americanos. Concentrando-se em seus encontros “informais” e cotidianos com cidadãos
americanos “comuns” os quais frequentemente eram mediados por refeições caseiras
compartilhadas, o artigo explora como as visitas de Zuckerberg incorporam elementos de
autenticidade, diversidade e hospitalidade cuidadosamente encenados. Essa estratégia visa
construir uma espécie de liderança masculina que se opõe tanto a Trump quanto ao estereótipo
de anti-Tech-Bro. Zuckerberg e seu império, o Facebook e o Instagram, de forma intencional,
embarcaram em uma campanha de sedução política e politicamente orientada, utilizando
encontros alimentares mediados por meios digitais. Como argumentam Little e Winch:
O Ano de Viagem explora isso para promover a marca presidencial de
Zuckerberg: isto é, explorando os tropos de um típico democrata aberto ao
progressismo e à diversidade ao menos na aparência. O compartilhamento
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de refeições pessoalmente, porém posteriormente por meio de imagens na
plataforma revelam Zuckerberg e o Facebook tanto como convidado quanto
como anfitrião hospitaleiro (WINCH; LITTLE, 2021, p. 9, tradução nossa).
A cultura alimentar digital é examinada neste contexto com o propósito de realizar uma
forma de “trabalho diário de diversidade” (AHMED, 2017) que não apenas se distancia do
etnonacionalismo branco, da misoginia e da manipulação eleitoral que circulam nas plataformas
do Facebook, mas também trabalha de maneira problemática para solidificar o poder dos
bilionários da tecnologia e a hegemonia capitalista neoliberal, racializada e fundamentada em
gênero e classe, no cerne de nossas interações sociais e realidades cotidianas.
Os dois próximos artigos também abordam a intersecção com o capitalismo, porém com
enfoque nas chamadas “empreendedoras digitais do bem-estar” relacionadas a glow,
Gwyneth Paltrow e sua plataforma de lifestyle Goop, e Ella Mills e sua bem-sucedida marca de
alimentos multiplataforma, Deliciously Ella. Em sua análise crítica da Goop, Bridget Conor
adota a perspectiva do “bem-estar cósmico” uma abordagem que ela descreve como
abrangendo “uma ampla constelação de materiais, comidas, imagens e discursos que falam
primariamente e são vendidos a mulheres brancas “ricas em bem-estar (well-thy) para
examinar uma forma de alimentação digital que molda e oferece uma resposta aparentemente
essencial a “formas nocivamente, violentamente neoliberais de trabalho e vida.” Ao mesmo
tempo, a Goop pode ser vista como uma expressão contraditória de auto-absorção narcisista,
que por vezes pode ser notadamente prejudicial e perigosa para a saúde das mulheres.
Utilizando uma combinação de ferramentas teóricas provenientes dos estudos sobre
alimentação digital, pesquisa em espiritualidade, pós-feminismo e estudos críticos sobre
branquitude, em sua análise do conteúdo do Instagram da Goop Glow, Conor argumenta que o
“bem-estar cósmico... poderosamente esclarece as conexões contemporâneas por vezes
contraditórias entre mulheres, bem-estar e branquitude” em seus “afetos neoliberais de
otimismo e energia”, destinados a “consertar” corpos e psiques prejudicados pelos excessos de
um capitalismo pós-industrial tumultuado.
Rachel O’Neill desenvolve adiante a noção do empreendedor do bem-estar por meio de
sua análise pós-feminista da problemática cultura alimentar digital articulada por Deliciously
Ella, conforme mediada pelo projeto de “aprimoramento da saúde, um projeto para o qual
comida e nutrição são centrais”, de Ella Mills. O’Neill argumento que “[p]ara essa pessoa e
seus seguidores predominantemente compostos de mulheres jovens a saúde é entendida não
simplesmente como ausência de doença, mas como um tipo de exuberância sobrenatural e
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vitalidade luminosa, frequentemente denotadas por referências a glow”. Contudo, em
semelhança à crítica de Conor à Goop, nem tudo é tão radiante na ambiciosa criação virtual do
universo de Deliciously Ella: por meio de narrativas pessoais e midiáticas de sucesso
empreendedor, “a saúde é entendida como um bem privado e uma responsabilidade pessoal”
que omite as formas pelas quais a compreensão do “bem-estar no Reino Unido deve estar
relacionada ao declínio do sistema de bem-estar social, à medida que a precariedade ameaça as
concepções coletivas e os compromissos com o bem-estar.” Nesse sentido, tanto Conor quanto
O’Neill nos relembram que o poder cotidiano da cultura alimentar digital está profundamente
enredado em desigualdades poderosas não apenas de gênero, raça e classe, mas também nos
tentáculos fundamentalmente interseccionais da política cultural capitalista neoliberal e suas
manifestações econômicas mais amplas.
No próximo artigo, Fay Bound Alberti examina a histeria moral em torno da
fetichização digitalizada dos corpos e apetites femininos. Ela explora a normatividade do
comportamento alimentar “apropriado” que emerge quando culturas de vigilância patriarcal se
encontram com a monitoração do consumo alimentar público baseado em gênero. Por meio da
análise da página de Facebook Women Who Eat On Tubes (WWEOT) “Mulheres Que
Comem no Metrô” , que capta fotografias ilícitas e moralmente problemáticas embora
legalmente permitidas de mulheres no “condenável” ato de comer em público, Bound Alberti
considera as formas pelas quais o olhar masculino, central nesta cultura alimentar digital, resulta
não somente em sentimentos de humilhação e constrangimento para as mulheres, mas também
na amplificação do assédio e abuso virtual de gênero. Concentrando-se em aspectos de
personificação, emoção e afeto, o artigo analisa a maneira pela qual a página WWEOT “destaca
uma contínua resposta misógina historicamente situada ao apetite feminino, e às formas como
classe, gênero e etnia se cruzam com comida e consumo”. Conforme Bound Alberti conclui, a
existência da WWEOT “mostra acima de tudo... a forma como os espaços nas mídias sociais
pode se tornar sites para patrulhamento e controle contínuo dos apetites e desejos femininos”
representando um aspecto essencial da “lógica da misoginia” digitalizada que permeia alguns
dos aspectos mais sombrios da cultura alimentar digital.
O próximo artigo desta edição muda o foco de gênero para raça, no qual Elaine Swan
argumenta persuasivamente que “as construções digitais da branquitude em relação a cenários
alimentares (foodscapes na escala do cotidiano foram pouco estudadas. Em resposta a essa
lacuna, Swan utiliza a seleção de fotos da Internet do Welcome Dinner Project (WDP) da
Austrália para sugerir que o WDP “reproduz diferentes visualizações das práticas de
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hospitalidade e espaços comensais cotidianos que se utilizam de ideias e conotações
racializadas sobre o lar como o local de políticas cívicas na construção da boa nação
australiana”. Projetado para demonstrar as possibilidades de uma Austrália acolhedora e
multicultural, o WDP traz novos imigrantes não-brancos aos lares de australianos estabelecidos,
tipicamente brancos, para comer e compartilhar comida a fim de “romper barreiras... [e]
oferecer encontros íntimos, corpóreos e significativos para desafiar a falta de hospitalidade
nacional em relação a grupos racialmente minoritários”. Por meio de uma análise de três
visualizações “motivadas” de jantares para compartilhar comida e suas representações de
comensalidade cotidiana, Swan sugere que, trabalhando por formas de inclusão e ideais
progressistas, as imagens do WDP também reproduzem a branquitude como “o modo
normativo de pertencimento” (DUE, 2008), por meio do qual, corpos brancos digitalizados são
os “administradores nacionais-territoriais” regulando e tolerando o outro racializado como
“objeto nacional de administração” (HAGE, 1998).
Os três próximos artigos chamam à atenção para as formas como plataformas como
Instagram, aplicativos de smartphone e blogs de bem-estar mediam nossas relações existentes
e emergentes com a chamada “boa comida” ao longo do cenário da cultura alimentar digital.
Por meio de uma comparação única do venerável e elitista Guia Michelin e do papel expandido
que o Instagram assumiu no mundo da crítica gastronômica contemporânea, Zeena Feldman
propõe o dispositivo conceitual do “Olhar Instagram” em sua análise da crítica de restaurantes
em Londres. Para ela, o Instagram realiza algo novo e fundamentalmente importante para a
forma como a “boa comida” é articulada: a crítica gastronômica amadora, com foco visual,
fornece novos espaços e dias pelas quais algumas das promessas democráticas e inclusivas
da vida digital podem se concretizar. Contudo, esse não é um caso claro e simples de
aficionados por comida no mundo se unindo para derrubar a cultura (alimentar) elitista. Como
ela argumenta e mostra com detalhamento conceitual e empírico “’a boa comida’ na era do
Instagram é uma história de duas metades: uma reproduz muitas das reivindicações associadas
às instituições tradicionais da autoridade culinária [como o Guia Michelin], enquanto a outra
ativamente desafia certas formas de exclusão”. Para Feldman, “o Olhar Instagram oferece um
insight sobre como a crítica gastronômica opera neste momento tecno-social de smartphones,
redes sociais e conectividade virtual onipresente, e até que ponto isso se afasta das hierarquias
e instituições pré-digitais de produção de gosto gastronômico”.
Em um artigo que simultaneamente categoriza e analisa aplicativos relacionados a
comida na Google Play Store através da lente de materialidades feministas, Deborah Lupton
Zeena FELDMAN e Michael K. GOODMAN
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emprega o conceito de narrativas promissórias” para explorar as formas como as descrições
de aplicativos “revelam os complexos significados e vibrações da comida”. Oferecendo uma
variedade de opções que vão desde entretenimento (por meio de aplicativos de jogos),
conveniência (através de aplicativos de planejamento e entrega de refeições), controle corporal,
autoconhecimento corpóreo e bem-estar (por meio de aplicativos de dieta e nutrição) até
experimentação e inspiração criativa (por meio de aplicativos de receitas), o artigo avalia as
forças afetivas, as conexões relacionais e as capacidades de agência que os aplicativos
relacionados à comida geram em suas narrativas de promessa para um público ávido por
consumo. Conforme argumentado por Lupton, enquanto o “poder-coisa” (thing-power) dos
aplicativos de comida tende a “remover, da comida, as sensualidades, a sujeira e as forças
viscerais que são evidentes em outras mídias digitais visuais”, suas funcionalidades e descrições
promissórias “apresentam os aplicativos como soluções ou fugas dos estresses e dificuldades
da vida cotidiana”. Nesse cenário da cultura alimentar digital, as interações cotidianas do
público com a comida, a alimentação e o corpo estão de maneira semelhante à parte da
promessa promovida pelo Olhar Instagram’ de Feldman aparentemente contribuindo para a
descentralização do poder de maneiras mais abrangentes.
Kaisa Tiusanen se concentra em analisar as maneiras pelas quais o conceito do “sujeito
ideal de bem-estar” é construído por meio de blogs de comida administrados por mulheres
finlandesas. Ao traçar as técnicas narrativas de mudança, espiritualidade, clareza,
transformação e determinação pelas quais emerge uma subjetividade de bem-estar, o artigo
explora como essas cnicas são moldadas pelas governamentalidades pós-feministas,
neoliberais e “saudistas” (healthist) que ressoam e contribuem para a cultura alimentar digital
cotidiana contemporânea. Por meio da análise de três blogs sobre bem-estar, emprega o
conceito de “tecnologias do eu” de Foucault e teorias relacionadas de governamentalidade para
examinar as três maneiras pelas quais o sujeito do bem-estar é construído em relação à
alimentação “limpa”. Ela demonstra que o bem-estar deve ser equilibrado para ser saudável,
mas não excessivamente saudável; deve fortalecer o corpo e curar a alma; e deve se
comprometer com “a infindável jornada rumo à plenitude e o bem-estar”. Conforme Tiusanen
sugere, “o sujeito do bem-estar persiste por meio do emprego de técnicas (discursivas, afetivas
e corpóreas) de balanceamento, cura e auto-narrativização para que se continue a lutar em
direção a um eu que cumpre os requisitos colocados sobre um indivíduo neoliberal”. Ela conclui
que:
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[e]m um espaço cultural tão intensamente baseado em gênero com o mundo
da alimentação para o bem-estar, essas técnicas se combinam com
sensibilidades culturalmente femininas e pós-femininas que exigem que
mulheres... lutem por uma feminilidade normativa e palatável, autocuidado e
amor próprio rigorosos, auto-labor contínuo, bem como perfeição corporal
(TIUSANEN, 2021, p. 1397, tradução nossa).
A análise de Tiusanen como a de Conor destaca, portanto, uma contradição
significativa na cultura contemporânea de bem-estar: o impulso exaustivo, se não
explicitamente insalubre para o corpo e a mente, e o impulso patológico de autovigilância e
controle dos corpos femininos em prol da saúde e do equilíbrio.
Zeena Feldman encerra a edição com uma alusão à obra Alternative Food Politics: From
the Margins to the Mainstream, editada por Michelle Phillipov e Katherine Kirkwood (2019).
Através da lente analítica da mídia alimentar, essa coleção considera de maneira habilidosa
“como as críticas sistemáticas das práticas de consumo e produção culinária podem convergir
(e de fato o fazem) com a forma de discurso individual que domina a cultura consumidora
atual”. Oferecendo um conjunto astuto de argumentos explicando por que a mídia alimentar
tanto no âmbito digital quanto além dele deve ser estudada de maneira intensa e crítica, os
capítulos do livro “observam repetidamente como as tecnologias de representação ajudam a
moldar ideias populares sobre o que se qualifica como ‘boa’ comida e ‘boapolítica alimentar”,
bem como a forma como essas ideias circulam nos domínios do 'alternativo' e do 'mainstream'.
Diretamente relacionado a vários dos temas discutidos nesta Edição Especial, Feldman conclui
sobre o livro e seus capítulos:
Por fim, o livro de Phillipov e Kirkwood é uma importante contribuição
interdisciplinar para o estudo sobre comida, cultura popular e mídia. Ele
apresenta uma análise convincente e urgente das plataformas, reivindicações
e vicissitudes do poder culinário hoje, e como estas impactam em projetos
individuais e coletivos de criação de sentido. Ao fazê-lo, a antologia também
chama atenção para o registro moral pelo qual a política contemporânea
opera... Esse registro convenientemente complica a política de qualquer
“alternativa” (FELDMAN, 2021, tradução nossa).
AGRADECIMENTOS: Os autores são gratos a Sylvia Jaworska, Marianne Franklin, Eva
Giraud, Nancy Thumim, Joanne Hollows, Sara Marino, Christine Barnes, Jilly Kay e Jo Littler
por seu apoio e insights, especialmente como participantes do nosso workshop original.
Agradecimento especial a Jo Littler por sugerir-lhes propor esta edição ao jornal e por apoiá-
los ao longo do processo de revisão e publicação. Também são imensamente gratos aos autores
Zeena FELDMAN e Michael K. GOODMAN
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 23, n. esp. 1, e023007, 2023. e-ISSN: 2359-2419
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e aos revisores dos artigos que ajudaram a tornar esta Edição Especial possível. Os editores
agradecem imensamente pelo apoio do Department of Digital Humanities e do Centre for
Digital Culture do King’s College London por apoio financeiro ao workshop.
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Notas biográficas
Zeena Feldman é Professora Sênior em Cultura Digital no Department of Digital Humanities,
King’s College London. Sua pesquisa abrange a relação entre tecnologias digitais e a vida
cotidiana das pessoas. Ela possui uma extensa publicação, abordando tópicos como economia
compartilhada, comunidades online, detox digital e aplicativos de saúde mental. Além disso, é
co-editora, junto com Deborah Lupton, do livro Digital Food Cultures (Routledge, 2020).
Michael K. Goodman é um geógrafo humano interdisciplinar cujo foco está na política cultural
alimentar, humanitarismo e meio ambiente. Recentemente, juntamente com diversos co-
autores, publicou Geographies of Food: An Introduction (Bloomsbury) e co-edita séries de
livros sobre políticas alimentares em parceria com Routledge, Bloomsbury e Bristol University
PIress. Sua pesquisa atual se concentra em personas do cenário alimentar digital,
#COVIDtwitter e os discursos de “crise” e “urgência” em torno de proteínas alternativas.
Cultura Alimentar, Poder e a Vida Cotidiana
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 23, n. esp. 1, e023007, 2023. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v23iesp.1.18358 26
Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.
Revisão, formatação e normalização.