Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.2.18991 1
O ACESSO DIFERENCIADO À CIDADANIA NA BIOÉTICA FEMINISTA: UMA
REVISÃO DAS CRÍTICAS EM TORNO DOS IDEAIS DE IMPARCIALIDADE E
AUTONOMIA ABSOLUTA NA BIOÉTICA PREDOMINANTE
EL ACCESO DIFERENCIADO A LA CIUDADANÍA EN LA BIOÉTICA FEMINISTA:
UNA REVISIÓN DE LAS CRÍTICAS EN TORNO A LOS IDEALES DE
IMPARCIALIDAD Y AUTONOMÍA ABSOLUTA EN LA BIOÉTICA PREDOMINANTE
DIFFERENTIATED ACCESS TO CITIZENSHIP IN FEMINIST BIOETHICS: A
REVIEW OF CRITICISMS REGARDING THE IDEALS OF IMPARTIALITY AND
ABSOLUTE AUTONOMY IN THE PREDOMINANT BIOETHICS
Jessica Marcela KAUFMAN1
e-mail: kaufjm@gmail.com
Como referenciar este artigo:
KAUFMAN, J. M. O acesso diferenciado à cidadania na
bioética feminista: uma revisão das críticas em torno dos
ideais de imparcialidade e autonomia absoluta na bioética
predominante. Rev. Cadernos de Campo, Araraquara v.
24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-2419. DOI:
https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.2.18991
| Submetido em: 31/01/2024
| Revisões requeridas em: 09/05/2024
| Aprovado em: 10/07/2024
| Publicado em: 27/11/2024
Editores:
Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy
Profa. Me. Thaís Cristina Caetano de Souza
Prof. Me. Paulo Carvalho Moura
Prof. Thiago Pacheco Gebara
1
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte MG Brasil. Doutora em Ciência Política
(UFMG), Mestra em Bioética (FLACSO-Argentina) e Licenciada em Filosofia (UNT-Argentina).
O acesso diferenciado à cidadania na bioética feminista: uma revisão das críticas em torno dos ideais de imparcialidade e autonomia
absoluta na bioética predominante
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.2.18991 2
RESUMO: A partir do final da década de 1960, as reivindicações feministas e de outros
movimentos sociais por um acesso diferenciado à cidadania têm colocado em segundo plano
as demandas tradicionais pela extensão de uma cidadania universal sem distinções. Este artigo
tem como objetivo explorar, especificamente, as abordagens da bioética feminista em relação
ao acesso diferenciado à cidadania nos campos da saúde e da ética médica. Através de uma
revisão bibliográfica dessa literatura, este trabalho reconstrói essas reivindicações a partir das
críticas formuladas pela bioética feminista contra dois ideais assumidos pela bioética
predominante: o da imparcialidade e o da autonomia absoluta. A análise dessas abordagens
revela a importância de promover, nos campos da saúde e da ética médica, uma política
igualitária da diferença baseada na paridade participativa de agentes entendidos como concretos
e inter-relacionados.
PALAVRAS-CHAVE: Bioética. Feminismo. Cidadania. Diferença.
RESUMEN: Desde finales de la década del sesenta, las reivindicaciones feministas y de otros
movimientos sociales por un acceso diferenciado a la ciudadanía han ido desplazando a las
tradicionales demandas por la extensión de una ciudadanía universal sin distinciones. Este
artículo se propone explorar, específicamente, los abordajes de la bioética feminista respecto
al acceso diferenciado a la ciudadanía en los campos de la salud y de la ética médica. Mediante
una revisión bibliográfica de ese marco teórico, este trabajo reconstruye esas reivindicaciones
a partir de las críticas formuladas por la bioética feminista contra dos ideales asumidos por el
marco bioético predominante: el de imparcialidad y el de autonomía absoluta. El análisis de
sus abordajes revela la importancia de promover, en los ámbitos de la salud y de la ética
médica, una política igualitaria de la diferencia basada en la paridad participativa de agentes
entendidos como concretos e interrelacionados.
PALABRAS CLAVE: Bioética. Feminismo. Ciudadanía. Diferencia.
ABSTRACT: Since the late sixties, feminist claims, alongside those of other social movements,
advocating for differentiated access to citizenship have gradually displaced traditional
demands for the extension of a universal citizenship without distinctions. This paper aims to
explore specifically the approaches of feminist bioethics regarding differentiated access to
citizenship in the fields of health and medical ethics. Through a bibliographic review within
this theoretical framework, this paper reconstructs these claims from criticisms formulated by
feminist bioethics against two ideals assumed by the predominant bioethical framework:
impartiality and absolute autonomy. The analysis of their approaches reveals the importance
of promoting, in the fields of health and medical ethics, egalitarian politics of difference based
on the participatory parity of agents seen as concrete and interrelated individuals.
KEYWORDS: Bioethics. Feminism. Citizenship. Difference.
Jessica Marcela KAUFMAN
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-2419
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Introdução
O surgimento da bioética como campo de estudo ocorreu durante a década de setenta,
na América do Norte, no contexto de profundas transformações sociais, científicas e
tecnológicas (Post, 2004). Nesse contexto, Rensselaer Van Potter (1971) utilizou o termo
bioética com o propósito de construir um diálogo entre as tecnociências e as humanidades que
desse conta do impacto das novas tecnologias na sobrevivência do ecossistema, mas logo o
escopo do conceito começaria a se restringir à ética no âmbito da prática médica (Garrafa;
Osorio, 2009). Assim, durante a década de 1980, a bioética seria identificada, principalmente,
com os quatro princípios prima facie da ética biomédica propostos, em 1979, pelos filósofos
Beauchamp e Childress (2001): respeito à autonomia, beneficência, não maleficência e justiça.
Principialismo ─batizado desta forma por dois de seus críticos (Clouser; Gert, 1990)
inauguraria uma nova etapa no desenvolvimento da bioética: sua expansão e consolidação
como campo (Garrafa, 2005; Lua; Salles, 2008). No entanto, no final dos anos oitenta, um
período de segunda reflexão começaria (Luna; Salles, 2008), o que levaria ao surgimento de
várias abordagens da bioética, incluindo as chamadas teorias críticas (Diniz; Guilhem, 2009), a
partir de estudos sobre nero, raça e classe, entre outros. Particularmente, a partir do subcampo
da bioética que se consolidou como a bioética feminista ─cujo referencial teórico é objeto de
análise deste trabalho ─, tem sido criticado que o Principialismo assume como imparcial o
ponto de vista dos setores privilegiados da sociedade, a partir do qual sustenta e invisibiliza as
assimetrias de poder baseadas, entre outros aspectos, em gênero, raça e classe (Sherwin, 1992;
Lobo, 1996; Lindemann, 2000; Walker, 2009), ignora as visões igualmente tendenciosas das
mulheres e de outros grupos subalternos (Mahowald, 1996; Lobo, 1996; Donchin, 2001) e
ignora sutilezas contextuais e vínculos relacionais eticamente relevantes (Tronto, 1993;
Sevenhuijsen, 1998; Held, 2006; Mahowald, 2006).
Embora o chamado feminismo de segunda onda tenha surgido durante a década de 1960
e se consolidado na década seguinte, ele não manteve nenhum tipo de diálogo com a bioética
até o final da cada de 1980. Nesse período, o movimento feminista havia formulado
demandas que disputavam os direitos das mulheres no campo da saúde, enquanto as feministas
acadêmicas abordavam as questões associadas a essas disputas, como a subordinação das
mulheres no sistema de saúde (Ehrenreich; English, 1973) e feminização da loucura (Chesler,
1972; Rosenberg, 1972). Naquela época, as teorizações sobre a reprodução ocupavam um lugar
de destaque nas abordagens feministas da saúde: além da defesa do direito ao aborto (Thomson,
2016/1971), proliferaram as discussões sobre a barriga de aluguel (Raymond, 1989; Shalev,
O acesso diferenciado à cidadania na bioética feminista: uma revisão das críticas em torno dos ideais de imparcialidade e autonomia
absoluta na bioética predominante
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1989) e discussões sobre tecnologias de reprodução assistida (Coréia, 1985; Stolcke, 1988;
Firestone, 2003/1970), entre outros temas. Outra discussão - crucial para a incursão do
feminismo na bioética - girou em torno da exclusão das mulheres dos ensaios clínicos e a
consequente ausência de dados e tratamentos para suas necessidades de saúde (Kinney et al.,
1981). No final da década de 1980, as demandas e abordagens teóricas acima mencionadas
foram transferidas por acadêmicas feministas para o campo da bioética, a fim de enfrentar o
androcentrismo do quadro bioético predominante. Em 1989, a revista Hypatia marcou o
surgimento da bioética feminista ao publicar duas edições especiais dedicadas ao feminismo e
à ética médica, posteriormente compiladas como uma coleção (Holmes; Purdy, 1992).
Dado que, a partir da segunda metade do século XX, rios movimentos sociais
passaram a exigir acesso diferenciado à cidadania isto é, acesso baseado na expressão positiva
e no orgulho da especificidade do grupo, em contraposição ao ideal tradicional de cidadania
universal indiferenciada (Young, 1989; 2000), não é de se estranhar que a incursão do
feminismo na bioética tenha continuado, em grande medida, o mesmo caminho. Isso fica mais
evidente quando se analisa a incursão de um movimento mais específico da coalizão feminista
na bioética: o movimento de saúde da mulher que, desde o final dos anos 1960, tem sido
reivindicado, nos Estados Unidos, contra a medicalização da feminilidade, os impedimentos
para decidir sobre a própria reprodução, misoginia no sistema de saúde e assimetrias na relação
médico-paciente, entre outras diretrizes (The Boston Women's Health Book Collective, 1973).
Ao longo deste artigo, serão exploradas as abordagens da bioética feminista para o acesso
diferenciado à cidadania nos campos da saúde e da ética médica. Por meio de uma revisão
bibliográfica desse referencial teórico, este artigo reconstrói essas abordagens a partir das
críticas formuladas pela bioética feminista contra dois ideais assumidos pelo referencial
bioético predominante: o da imparcialidade e o da autonomia absoluta. Enquanto a primeira
seção apresentará os aspectos gerais da demanda feminista e de outros movimentos sociais
por acesso diferenciado à cidadania, a segunda abordará os aspectos específicos dessa
demanda nos campos da saúde e da ética médica e, com isso, as críticas mencionadas à
bioética feminista contra os ideais de imparcialidade e autonomia absoluta.
Jessica Marcela KAUFMAN
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A demanda por acesso diferenciado à cidadania
O conhecido slogan feminista da década de 1970 "o pessoal é político" que
denunciava a dominação das mulheres em esferas tradicionalmente consideradas pessoais e
privadas, como a família e a sexualidade (Millett, 1970) se tornaria, a partir da década de
1980, o estopim para uma ampla discussão em torno da dicotomia liberal público/privado
(Benhabib, 1990; Fraser, 1990; Pateman, 1996; Young, 2000) por meio das quais se
visibilizariam duas maneiras diferentes pelas quais o movimento feminista reivindicou, ao
longo do tempo, o acesso das mulheres à cidadania: uma baseada na igualdade
(tradicionalmente ligada ao público) e outra na diferença (tradicionalmente ligada ao privado).
De acordo com Pateman (1989), as demandas do movimento feminista seguiram dois caminhos
não apenas diferentes, mas também mutuamente exclusivos, o que gerou uma situação
dilemática que a autora chamou de dilema de Wollstonecraft com base no fato de que esse
dilema foi delineado pela primeira vez pela autora inglesa em sua obra Vindication of the Rights
of Women (2018/1792) ─. De fato, por um lado, as feministas reivindicaram que o ideal de
cidadania universal deveria ser estendido às mulheres, com uma agenda "neutra" em termos de
gênero e, por outro, sustentaram que a expressão de sua cidadania deveria ser distinguida da
dos homens: ou seja, reivindicaram sua incorporação à cidadania como mulheres, avaliação de
suas necessidades, preocupações e atributos específicos. De acordo com Pateman (1989), o
dilema reside no fato de que ambas as demandas constituem alternativas incompatíveis que,
além disso, são problemáticas em si mesmas, uma vez que, no primeiro caso, reivindicar a
extensão da cidadania implica aceitar a concepção patriarcal de cidadão, que pressupõe que as
mulheres devem se tornar (como) homens. Por sua vez, no segundo caso, insistir em que as
especificidades distintivas das mulheres sejam expressas e valorizadas como forjadoras da
cidadania implica pedir o impossível, uma vez que tal diferença é precisamente o que a
cidadania patriarcal exclui.
Certamente, o dilema de Wollstonecraft ─ou, em outras palavras, a discussão em torno
das dicotomias igualdade/diferença, público/privado ou justiça/cuidado─ continuou a percorrer
a teoria política feminista. Nesse contexto, a resposta de Young (1989) ao dilema consiste no
acesso diferenciado à cidadania que, segundo o autor, tem sido reivindicado pelos chamados
novos movimentos sociais: ou seja, aqueles movimentos que, surgidos a partir da segunda
metade do século XX, têm se caracterizado pela promoção de reivindicações identitárias de
especificidade de grupo. em uma luta contínua contra visões essencialistas em torno dessas
especificidades. A partir da análise de Young (1989), a cidadania diferenciada envolve duas
O acesso diferenciado à cidadania na bioética feminista: uma revisão das críticas em torno dos ideais de imparcialidade e autonomia
absoluta na bioética predominante
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críticas às alternativas colocadas no dilema. A primeira é dirigida contra o ideal de
imparcialidade pressuposto na concepção tradicional de cidadania, uma vez que esse ideal
supõe a universalização do ponto de vista dos setores privilegiados. Por sua vez, a segunda é
dirigida contra a visão essencialista da diferença pressuposta na expressão da cidadania
específica das mulheres, uma vez que, segundo a autora, o que é problemático em relação à
diferença não está na diferença em si, mas em uma visão essencialista a respeito dela: ou seja,
O problema está na consideração da diferença como um desvio da norma ou como uma
deficiência. Nesse sentido, segundo o filósofo, os novos movimentos sociais encontraram na
auto-organização e na expressão positiva da especificidade do grupo ─ não essencialista uma
melhor estratégia para alcançar poder e participação nas instituições dominantes. É claro que,
segundo o autor (1989; 2000), a demanda por acesso diferenciado à cidadania não leva a negar
a importância que o ideal de cidadania universal teve para os movimentos anteriores. Pelo
contrário, esse ideal tradicional baseado na eliminação da diferença e na igualdade de
tratamento tem sido crucial na luta contra a exclusão e a diferenciação por categorias, na
medida em que permitiu que vários movimentos sociais reivindicassem o igual valor moral de
todas as pessoas e, com isso, a inclusão dos grupos que representavam em status de cidadania
plena sob a igual proteção da lei. Esse ideal de assimilação foi apoiado, por exemplo, pelas lutas
bem-sucedidas do movimento sufragista e do movimento pelos direitos civis, que buscavam
estender os direitos de cidadania dos homens brancos às mulheres e pessoas negras. Na época,
muitos desses ativistas pensavam que o status de cidadania plena - isto é, direitos políticos e
civis iguais - os levaria à liberdade e à igualdade. No entanto, como alerta o autor, após os
direitos de cidadania pelos quais lutaram terem sido formalmente estendidos nas sociedades
capitalistas liberais, novos movimentos sociais surgiram com a questão de porque os setores
que representavam continuavam a ser tratados como cidadãos de segunda classe. Dessa forma,
o ideal de assimilação começou a dar lugar ao ideal de positividade e orgulho na especificidade
do grupo.
Jessica Marcela KAUFMAN
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-2419
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Bioética Feminista e Cidadania Diferenciada
Como mencionado, a incursão do feminismo na bioética seguiu, em grande medida, o
caminho dos novos movimentos sociais ao reivindicar uma incorporação diferenciada à
cidadania, o que é evidenciado em uma série de críticas formuladas por bioeticistas feministas
contra dois ideais que sustentam o quadro bioético predominante: o da imparcialidade e,
intimamente relacionado a isso, o da autonomia. Em geral, no que diz respeito ao primeiro,
várias bioeticistas feministas (Little, 1996; Mahowald, 1996; Lobo, 1996; Sherwin, 2001;
Walker, 2009; Scully, 2021) questionaram a existência de um ponto de vista neutro a partir do
qual seria possível considerar o acesso integral à saúde para todas as pessoas, uma vez que as
necessidades, entre outros fatores, são específicas de cada grupo social. Nesse sentido, desde
seus primórdios, a bioética feminista alertou para a existência de preconceitos ─gênero, raça e
sexualidade, entre outros no quadro bioético predominante, pois universalizou o ponto de
vista de setores privilegiados como neutros e eles mesmos como representantes genéricos da
humanidade, o que contribuiu para invisibilizar os modos pelos quais as relações de poder
estruturaram as práticas de cuidado e pesquisa em saúde Biomédico. Em contraste, os
bioeticistas mencionados promoveram embora nem sempre explicitamente uma política
igualitária da diferença baseada na paridade participativa e na inclusão da especificidade nas
abordagens bioéticas como um projeto emancipatório.
Por sua vez, a crítica ao ideal de autonomia absoluta implicou um questionamento da
maneira como a bioética tradicional concebeu o agente moral. Certamente, essas não são duas
críticas separadas, uma vez que ambos os ideais estão intimamente relacionados.
Paradigmaticamente, no modelo rawlsiano de justiça (Rawls, 1995), o que garante a
imparcialidade do ponto de vista consensual consiste no fato de que os agentes que fazem o
acordo são absolutamente livres, racionais e independentes para tomar decisões. Em contraste,
algumas bioeticistas feministas (Little, 1996; Mackenzie; Stoljar, 2000; Kittay, 2011; Scully,
2021) destacaram que os agentes são, além de racionais, seres corpóreos e emocionais, e que se
inter-relacionam por meio de dependências e responsabilidades que, em repetidas ocasiões, não
são recíprocas. As subseções seguintes explorarão, respectivamente, as críticas aos ideais de
imparcialidade e autonomia absoluta.
O acesso diferenciado à cidadania na bioética feminista: uma revisão das críticas em torno dos ideais de imparcialidade e autonomia
absoluta na bioética predominante
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Desafiando o ideal de imparcialidade e a visão essencialista da diferença na bioética
predominante
Nos primórdios da bioética feminista, a exclusão das mulheres como sujeitos de
pesquisa em ensaios clínicos foi uma das primeiras situações em que muitos bioeticistas
(Sherwin, 1994; Little, 1996; Corrigan, 2002) observou a presença ─e consequências─ da
suposição de neutralidade no campo da ética em pesquisa. As razões para a exclusão foram
baseadas em dois aspectos. O primeiro residia no fato de que o corpo masculino era percebido
como um padrão fisiológico, o que significava que o corpo feminino era considerado anormal
e, portanto, indesejável no âmbito de pesquisas que buscavam produzir resultados objetivos. A
segunda baseou-se na discussão em torno da possibilidade de engravidar durante o estudo e dos
possíveis riscos para o feto caso isso acontecesse, o que implicava, no mínimo, na exclusão
rotineira de mulheres em idade fértil. Ambos os motivos transformaram o homem adulto
(cisgênero) no "representante" genérico da humanidade em ensaios clínicos, o que gerou, como
consequência, uma notável ausência de dados e tratamentos relacionados às necessidades de
saúde das mulheres. Ao mesmo tempo, como Little (1996) apontou, as necessidades de saúde
das mulheres têm repetidamente não sido levadas em consideração no seguro de saúde porque
são consideradas muito "específicas", em oposição às necessidades de saúde dos homens - como
aquelas relacionadas a prostatectomias, vasectomias e circuncisões - que, apesar de igualmente
específicas, foram consideradas "padrão".
De acordo com Scully (2021), a categorização do corpo feminino como "anômalo" tem
sido particularmente óbvia ao longo da história da medicina, por isso não é surpreendente que
tenha sido um dos eixos centrais da bioética feminista. Como vários bioeticistas alertaram
(Sherwin, 1992; Pouco, 1996; Morgan, 1998; Harbin, 2014; Mackay, 2017), a padronização do
corpo masculino ─além de ser branco, heterossexual, cisgênero, adulto, entre outros aspectos─
no campo da saúde e da pesquisa biomédica não implicou na exclusão das mulheres dos
ensaios clínicos e na consequente escassez de dados e tratamentos para suas necessidades de
saúde, como também na falta de cobertura médica para suas demandas específicas de saúde,
mas também envolveu processos de medicalização da diferença. Em outras palavras, implicou
a transformação das diferenças humanas em questões de preocupação e intervenção médica, a
partir das quais as bioeticistas feministas acima mencionadas apontaram que as decisões
relacionadas à reprodução, menopausa, gordura, experiências emocionais das mulheres e a
recusa em cumprir mandatos sociais, entre outros aspectos, muitas vezes se tornaram "doenças"
em vários contextos e, ocasionalmente, diferentes tipos de tratamento foram indicados para
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"normalizar" a condição de saúde. Assim, por exemplo, a terapia hormonal tem sido
frequentemente indicada para tratar os "sintomas" da menopausa, enquanto o repouso e certos
psicotrópicos têm sido prescritos para "redefinir" as reações emocionais "normais" quando as
emoções negativas causadas pela insatisfação de viver em condições opressivas vêm à tona.
Além disso, como MacKay (2017) apontou, as campanhas de saúde pública também
desempenharam um papel crucial na formação de corpos e subjetividades de acordo com
parâmetros médicos. Da mesma forma, em algumas ocasiões, diante da percepção de
impossibilidade ou improbabilidade de "restauração", a medicalização da diferença levou ao
isolamento e confinamento em instituições psiquiátricas. Em todos esses casos, segundo
Sherwin (1992), os profissionais de saúde tendem a justificar suas ações injustas em termos de
"beneficência", por meio do princípio da ética biomédica segundo o qual uma obrigação
moral de agir para maximizar os benefícios dos pacientes. Esse recurso tem sido amplamente
utilizado quando se trata de conferir legitimidade ética a processos de medicalização que
contribuem para reforçar concepções essencialistas de diferença, por meio da caracterização de
grupos subalternos como anômalos, doentes, específicos, incapazes, perigosos, entre outras
denominações, em oposição aos grupos dominantes.
É claro que as caracterizações acima mencionadas não foram a única consequência dos
processos de medicalização da diferença: esses processos também contribuíram para reforçar a
caracterização de corpos não padronizados como informantes não confiáveis. Por exemplo,
como Thachuk (2011) observou ─com base nos estudos de Fricker (2009) sobre injustiça
epistêmica testemunhal─, o testemunho de mulheres que receberam um diagnóstico
psiquiátrico muitas vezes gera desconfiança sobre sua veracidade e é frequentemente
descartado. De fato, de acordo com o bioeticista, para as mulheres, cujo status epistêmico ainda
mantém certas associações entre o feminino, a irracionalidade e o excessivamente sentimental,
o diagnóstico psiquiátrico ameaça ainda mais sua consideração como informantes confiáveis e
valiosas. Assim, como aponta a autora, nos casos em que mulheres com diagnóstico psiquiátrico
denunciam, por exemplo, uma situação de abuso sexual, seus depoimentos são muitas vezes
descartados desde o início. Essa distribuição desigual de autoridade e credibilidade epistêmica
gerou, como consequência, que as queixas, preocupações, necessidades e conhecimentos
daqueles que foram caracterizados como "desviantes do padrão" são, em repetidas ocasiões,
ignorados, tanto dentro quanto fora do campo da saúde e da pesquisa biomédica.
Com base no exposto, a universalização do ponto de vista dos setores dominantes nos
campos da saúde e da pesquisa biomédica, bem como nos marcos bioéticos hegemônicos,
O acesso diferenciado à cidadania na bioética feminista: uma revisão das críticas em torno dos ideais de imparcialidade e autonomia
absoluta na bioética predominante
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resultou na implementação de vários mecanismos de exclusão, silenciamento, subvalorização,
invalidação e promoção de concepções essencialistas da diferença. Como Starr (1982) aponta,
desde o final dos anos 1960, o movimento de saúde da mulher acima mencionado - o
antecedente da bioética feminista - objetou que muito do que era considerado conhecimento
científico era, na verdade, viés sexista, e que os médicos do sexo masculino haviam
deliberadamente excluído as mulheres do campo da medicina. Diante dessa situação, segundo
a autora, a resposta mais direta das feministas consistiu em um aumento considerável no número
de mulheres ingressantes na carreira médica, mas uma resposta menos direta envolveu a
promoção de uma contracultura no campo da saúde. Nesse sentido, enquanto as primeiras
gerações de mulheres na medicina se sentiam obrigadas a demonstrar sua competência de
acordo com os termos estabelecidos pelos médicos homens, as jovens médicas dos anos setenta
começaram a exigir a revisão e transformação desses termos. Especificamente, eles exigiram
mudanças nas atitudes e comportamentos de seus colegas homens, bem como nas práticas
institucionais para que pudessem ser adaptados às necessidades das mulheres. Segundo Starr
(1982), os setores mais "radicais" do movimento chegaram a sustentar que as mulheres
deveriam "tomar o remédio com as próprias mãos". Nesse contexto de transformação, algumas
organizações feministas passaram a oferecer serviços ginecológicos de forma clandestina, tanto
para a realização de abortos ─antes que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidisse legalizá-
los em 1973─, quanto para a assistência em partos domiciliares ─ tendo em vista que algumas
feministas argumentavam que o parto não era uma doença e que, portanto, não exigiu
hospitalização ou supervisão de um obstetra. Embora, como observado, o movimento de saúde
da mulher defendesse a transformação da cultura médica em duas direções diferentes - com
alguns setores exigindo mudanças institucionais para atender às necessidades das mulheres e
outros promovendo uma contracultura terapêutica destinada a desinstitucionalizar a medicina e
desmedicalizar a vida das mulheres - Ambas as abordagens buscaram descartar o ideal de
imparcialidade na medicina, seja na esfera institucional ou extra-institucional, denunciando que
a suposta neutralidade da ciência era, em grande medida, reflexo de preconceitos sexistas. Nesse
sentido, os diferentes setores do movimento promoveram, cada um a seu modo, a participação
das mulheres na definição de suas próprias necessidades, na construção de alternativas
terapêuticas e na reconfiguração dos vínculos entre profissionais de saúde e pacientes, e entre
colegas homens e mulheres. Essa promoção do acesso diferenciado à cidadania em saúde foi
retomada, como mencionado, pela bioética feminista e, por isso, o movimento pela saúde da
mulher constitui um importante precedente para sua consolidação.
Jessica Marcela KAUFMAN
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Um último tipo de questionamento sobre o ideal de imparcialidade e a visão
essencialista da diferença no campo da saúde e na ética médica que será referido nesta subseção
está ligado às abordagens feministas do cuidado, tanto em relação ao silenciamento das
experiências morais de cuidado quanto à desvalorização do trabalho de cuidado. De fato, a
questão de por que a maioria dos cuidadores em saúde deve ser cuidadora tem sido um dos
gatilhos para a análise e intervenção da bioética feminista (López de la Vieja, 2014) por dois
motivos. Por um lado, confrontar uma visão essencialista da diferença segundo a qual o trabalho
de cuidado no campo da saúde como em outras áreas corresponde, por essência, às
mulheres. Por outro lado, reivindicar o valor bioético do cuidado e dos vínculos relacionais,
tradicionalmente ignorados pelos quadros bioéticos predominantes ─ que se concentraram, em
vez disso, nos ideais mais abstratos de imparcialidade e pura autonomia ─. Embora ambas as
abordagens do cuidado possam ser interpretadas como duas faces da mesma moeda, vale
ressaltar que, em suas formulações iniciais, geraram discussões dentro da bioética feminista e,
por vezes, foram concebidas como mutuamente exclusivas, no estilo do dilema de
Wollstonecraft.
Enquanto a primeira abordagem se concentrou nas assimetrias de poder que impactaram
nas cargas desiguais de cuidado de acordo com o gênero e buscou reverter essa desigualdade
em termos de justiça universal sem diferenciação, a outra perspectiva buscou a revalorização
de certas intuições morais que considerava culturalmente femininas como cuidado, afeto e
empatia ─. Em termos gerais, a primeira abordagem (Tong, 1995; Kuhse, 1997) confrontou o
estereótipo de que as responsabilidades de cuidar da saúde eram inerentemente femininas,
rejeitando qualquer associação entre cuidado e feminilidade como fortalecendo esse
estereótipo, enquanto a segunda abordagem ─ focada na ética do cuidado de Gilligan (1982) ─
pesou as intuições morais acima mencionadas que, segundo essa perspectiva, as mulheres
haviam desenvolvido em função de seu confinamento na esfera privada e que constituíam
elementos eticamente relevante para capturar os detalhes contextuais que as abordagens
tradicionais da bioética - orientadas para princípios abstratos - desconsideraram. Nesse sentido,
os defensores da primeira abordagem argumentaram que a ética do cuidado poderia contribuir
para naturalizar o mandato social da maternidade em profissões exercidas majoritariamente por
mulheres, como a enfermagem. Nos termos de Kuhse (1997), a ética do cuidado fortaleceu a
fórmula "mulher-boa mãe-boa enfermeira" e, com isso, reforçou a divisão moral do trabalho
baseada nas desigualdades de gênero ao realocar as enfermeiras como agentes passivos das
decisões técnicas e éticas dos médicos. Com base nessa crítica, a primeira abordagem recusou-
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se a reconhecer a ética do cuidado como uma perspectiva feminista da bioética: Tong (1995),
por exemplo, distinguiu entre uma bioética feminista (centrada no poder ou na justiça) e uma
bioética feminina (centrada no cuidado). Somente em seus trabalhos posteriores a autora
começou a se referir a ambas as abordagens como duas perspectivas da bioética feminista
(Tong, 1996), enquanto outras bioeticistas (Mahowald, 1996; 2006; Martin, 2001) se propôs a
conciliar as duas abordagens.
Uma das bioeticistas feministas que mais enfatizou a ideia de que o dilema entre justiça
─entendida como igualdade─ e cuidado ─entendido como diferença─ constitui, na verdade,
um falso dilema, foi Mahowald (1996; 2006). De fato, segundo o autor, considerar as duas
abordagens separadamente pode levar, em cada caso, a conclusões problemáticas. De fato,
quando o cuidado é considerado uma categoria ética fundamental, mas ao mesmo tempo as
assimetrias e visões essencialistas em torno dos papéis de gênero são desconsideradas, as
relações de cuidado podem ser identificadas com o auto sacrifício por parte das mulheres ─ em
nome de "um ato de amor", "intuição feminina" ou "instinto maternal". Ao mesmo tempo,
quando se consideram as assimetrias de poder e se reivindicam os direitos correspondentes a
partir de uma abordagem abstrata da justiça e, portanto, se desconsidera o contexto como
emoções, necessidades, interesses, saberes e relações concretas ─, corre-se o risco de
identificar, a partir dessa abordagem abstrata, as reivindicações da "humanidade" com as dos
grupos dominantes. Com base nessa reformulação do dilema de Wollstonecraft, adaptada ao
campo da bioética feminista, Mahowald ─em analogia à análise de Young (1989; 2000)
argumentou que uma abordagem baseada na diferença ─cuidado, neste caso─ se torna
problemática quando é considerada a partir de uma perspectiva essencialista.
Especificamente, para não ter que escolher entre a identificação do cuidado com o auto
sacrifício das mulheres a partir de uma perspectiva essencialista da diferença e a
identificação das reivindicações da humanidade com as dos grupos dominantes a partir do
ideal tradicional de cidadania ─, Mahowald (2006) propôs dar mais atenção à teoria feminista
do ponto de vista de que, de sua perspectiva, baseia-se em dois eixos centrais. O primeiro
consiste no reconhecimento de que as experiências das quais o conhecimento depende são
incompletas e parciais, enquanto o segundo consiste no desejo de reduzir essa limitação por
meio da pesquisa colaborativa. Segundo o autor, a desigualdade no campo da saúde é
atravessada pela miopia em relação aos pontos de vista dos grupos subalternos, segundo os
quais os quadros bioéticos tradicionais assumem o ponto de vista dos grupos dominantes da
sociedade como universal. Para enfrentar essa assimetria, segundo a autora, é necessária a
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participação colaborativa de todos os setores sociais nas decisões de suas próprias necessidades
de saúde e cuidado, para que cada um possa receber e prestar de forma equitativa, cuidados
diferenciados de acordo com suas diferentes necessidades de saúde. Nesse sentido, os pontos
de vista dos grupos tradicionalmente excluídos tornam-se cruciais para identificar essas
diferenças e reduzir a miopia dos grupos dominantes. Ao mesmo tempo, essa perspectiva
contrasta com aquela que associa o cuidado ao autos sacrifício das mulheres: retomando as
contribuições de Held (2006), a autora defende que o cuidado deve ser cultivado e exercido por
todas as pessoas, independentemente de gênero, raça, classe ou outro status social. Na mesma
linha, alguns autores (Tronto, 1993; Sevenhuijsen, 1998) têm buscado reverter a concepção
unidirecional das relações de cuidado, promovendo a caracterização dessas relações como
recíprocas e interdependentes. Na próxima subseção, aspectos relacionados ao cuidado e à
dependência serão retomados analisando as críticas da bioética feminista ao ideal de autonomia
absoluta no quadro bioético predominante.
Desafiando o ideal de autonomia na bioética predominante
Como mencionado, existe uma estreita ligação entre os ideais de imparcialidade e
autonomia absoluta que sustenta o quadro bioético vigente. Isso pode ser claramente
visualizado no modelo rawlsiano de justiça, que constitui o ponto de partida para as discussões
sobre justiça sanitária no campo da bioética (por exemplo, Daniels, 1988). De acordo com
Rawls (1995), o consenso sobre quais princípios de liberdade e igualdade devem regular a
estrutura básica de uma sociedade democrática para que ela seja considerada justa só pode ser
alcançado por meio da presença de duas condições que o autor propõe a partir de um exercício
mental inspirado nas abordagens contratualistas clássicas. A primeira condição implica a
desconsideração prévia de todas as diferenças entre as pessoas que participam do acordo,
enquanto a segunda pressupõe que todas as partes do acordo sejam igualmente racionais e livres
para tomar decisões. Assim, o que torna possível o consenso e, ao mesmo tempo, o que garante
a imparcialidade dos princípios acordados, é o fato de as partes do acordo serem completamente
livres, autossuficientes, racionais e desprovidas de fatores sociais, culturais, emocionais e
relacionais que possam interferir em suas decisões.
O pressuposto de liberdade e racionalidade dos pactuantes assumido pelo modelo
rawlsiano de justiça é, como Okin (1989) apontou, uma consequência da herança kantiana em
Rawls no que diz respeito à ideia de autonomia absoluta, uma vez que o pacto pode ser
alcançado se as pessoas que dele participam forem plenamente capazes de se autogovernar com
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total liberdade. De acordo com Young (2000), a ontologia social que subjaz a essa concepção
de autonomia é individualista na medida em que, ao assumir a independência absoluta do agente
de qualquer fator que possa interferir em suas decisões ─, pressupõe que o indivíduo é
anterior à sociedade e, dessa forma, o eu autêntico é entendido como um ser unificado.
autoconstruídos, a-históricos, não afiliados e absolutamente independentes para escolher seu
próprio plano de vida para si mesmos. Essa visão individualista da autonomia foi desenvolvida
principalmente por duas tradições: a já mencionada tradição kantiana (Kant, 1999) e a tradição
liberal utilitarista de Mill (2001). Enquanto o primeiro entende o respeito pela autonomia como
o reconhecimento do valor incondicional da pessoa e de sua capacidade de autodeterminação,
o segundo lhe um significado diferente: respeitar a autonomia de um indivíduo equivale a
não interferir em suas escolhas pessoais. Embora, ao contrário da tradição kantiana, Mill
formule o respeito pela liberdade de um indivíduo de forma negativa - isto é, como a ausência
de interferência externa em suas ações e pensamentos, desde que não prejudiquem os outros -
ambas as tradições compartilham os pressupostos de absoluta independência e
autodeterminação, que também foram adotados pela estrutura bioética tradicional. Com efeito,
segundo Beauchamp e Childress (2001), o respeito à autonomia implica, no nimo, reconhecer
o direito dos agentes autônomos de tomar decisões com base em suas próprias crenças e valores,
livres de qualquer tipo de interferência, o que pressupõe o ideal do indivíduo abstrato e isolado.
Nessa perspectiva individualista, particularidades contextuais, assimetrias de poder e relações
familiares não são fatores relevantes que devem ser levados em consideração e podem até ser
considerados obstáculos (interferências) contra a plena autodeterminação.
Nos referenciais predominantes da bioética e da ética em pesquisa, o princípio do
respeito à autonomia tem sido associado à necessidade de obter o consentimento informado de,
respectivamente, pacientes e sujeitos de pesquisa. Desde o início, a ética biomédica enfatizou
a importância do consentimento: as atrocidades cometidas por cientistas nazistas destacaram,
durante os Julgamentos de Nuremberg, a necessidade de estabelecer diretrizes éticas no que diz
respeito à experimentação em seres humanos e, com base nisso, a indispensabilidade do
consentimento voluntário foi estabelecida, pela primeira vez, no documento resultante ─o
Código de Nuremberg de 1947─. O fundamento da indispensabilidade do consentimento tem
sido baseado, desde aquela primeira formulação, na liberdade de decisão neste caso,
participar ou não de um experimento científico ─ sem qualquer tipo de interferência. Da mesma
forma, a necessidade do consentimento informado no campo clínico também se baseou no
respeito à autonomia de suas formulações iniciais, no âmbito dos levantes dos novos
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movimentos sociais mencionados. De fato, durante as mobilizações das décadas de 1960 e 1970
nos Estados Unidos, surgiu especificamente um movimento pelos direitos dos pacientes que
questionava o paternalismo médico e, em resposta a isso, exigia uma série de direitos:
consentimento informado, recusa informada, acesso aos próprios prontuários, participação nas
decisões terapêuticas e devido processo legal em qualquer procedimento de internação
involuntária em uma instituição mental (Starr, 1982). Em linhas gerais, o movimento pelos
direitos dos pacientes promoveu um novo quadro de atenção à saúde baseado no
reconhecimento de sua autonomia para tomar decisões terapêuticas informadas, o que permitiu
a passagem de um modelo paternalista que concedeu aos médicos liberdade absoluta para
agir, presumivelmente, em benefício dos pacientes─ a um modelo contratualista que impunha
limites à autoridade médica por meio da necessidade de consentimento dos pacientes─.
Nesse contexto de mobilizações, a crítica ao modelo paternalista e à autoridade médica
absoluta na atenção à saúde também foi promovida pelo referido movimento de saúde da
mulher. De fato, as feministas alegaram que em seus diferentes papéis dentro da assistência
médica - principalmente como pacientes e enfermeiras - os médicos paternalistas negavam-lhes
o direito de participar das decisões terapêuticas, não compartilhando informações com elas ou
não levando a sério sua capacidade de tomada de decisão (Starr, 1982). Nesse ponto, é
importante mencionar que a perspectiva tradicional de autonomia também foi promovida pelo
movimento feminista ao reivindicar o direito das mulheres de decidir, o que tem sido
paradigmático em sua luta pela legalização do aborto. Com efeito, o movimento pró-escolha
americano enquadrou sua demanda pelo aborto legal em termos de liberdade de decisão sobre
o próprio corpo sem interferência externa, em linha com as formulações teóricas de uma série
de acadêmicas feministas e liberais que defenderam o direito de interromper a gravidez com
base no direito à autonomia corporal (Thomson, 2016/1971; Geral, 1987).
Embora a transição do modelo paternalista para o modelo contratualista de atenção à
saúde tenha possibilitado ampliar o escopo da autonomia em termos liberais para reconhecer o
direito de decisão de pacientes e mulheres, entre outros grupos sociais, parte do movimento
feminista também começou a suspeitar de uma rie de vieses envolvidos nesse modelo. Um
ponto de partida ─embora não específico para o campo da saúde─ consistiu na advertência de
Pateman (1988) sobre a exclusão das mulheres do contrato social no âmbito da tradição
contratualista ─ na qual, como mencionado, se inspira a proposta de Rawls (1995) ─. De fato,
segundo a autora, a história do contrato original constitui, ao mesmo tempo, a história das
liberdades civis dos homens e a história menos contada─ da subordinação das mulheres na
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esfera privada. Nesse sentido, segundo o autor, a liberdade civil não era universal, mas apenas
um atributo masculino, na medida em que os homens foram, no âmbito do pacto social, as
únicas pessoas propriamente consideradas como indivíduos: livres, independentes, donos de
sua própria pessoa. A partir desse alerta, muitas feministas passaram a desconfiar da
identificação entre relações livres e contratuais e, com isso, do modelo contratualista no campo
da saúde. Como enfatizou a bioeticista feminista Kittay (2011), a autossuficiência dos homens
pressuposta na tradição contratualista tem sido uma ficção, uma vez que só foi possível propor
tal independência dos homens na medida em que sua dependência do trabalho de cuidado
realizado pelas mulheres foi invisibilizada, tanto na esfera doméstica quanto na esfera da saúde.
Especificamente, com relação a esta segunda área, Kittay e Feder (2003) destacaram que as
relações de cuidado são diárias, mas que muitas vezes recebem muito pouca atenção da bioética
em comparação com inovações biomédicas sofisticadas que podem ser muito menos
significativas no dia a dia. Na mesma linha, Held (2006) argumentou que, embora o cuidado e
as relações de interdependência façam parte da condição humana e da vida cotidiana, tendem a
predominar teorias que ignoram essa realidade, construídas sobre a falsa imagem do indivíduo
absolutamente independente.
De acordo com o exposto, a bioética tradicional e a ética em pesquisa tendem a assumir
um ideal de autonomia segundo o qual os indivíduos que atendem a certas condições mínimas
para consentir de maneira informada (competência e voluntariedade) ─ou, ao contrário, para
informar rejeitar um tratamento ou um convite para participar de pesquisas científicas─ têm
independência absoluta para tomar suas próprias decisões sem interferência. Como resultado,
as estruturas predominantes da bioética e da ética em pesquisa tendem a tornar invisíveis as
relações interdependentes cotidianas. No entanto, é importante mencionar que essa
invisibilização tem sido acompanhada por outra forma de desvalorizar a dependência: uma
visão essencialista desse conceito. Com efeito, segundo Scully (2021), por meio de processos
de patologização da dependência, a condição de exigir determinados tipos de cuidados tem sido
concebida, em sentido essencialista, como inevitavelmente anômala e patológica. Em outras
palavras, a dependência tem sido pejorativamente entendida como a falta do que a tradição
bioética tem considerado ser o padrão, o normal, o saudável ou o que se espera do ser humano:
a autonomia.
Juntamente com a patologização da dependência, as abordagens relacionais baseadas no
cuidado também têm sido subestimadas nas estruturas bioéticas predominantes, pois são
consideradas apropriadas para abordar, mal, a relação entre enfermeiros e pacientes (Edwards,
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2009). Pelo contrário, de acordo com Little (1996), a relação médico-paciente tem sido
concebida como um contrato entre partes iguais, independentes e autossuficientes: ao
considerar em que consiste o respeito à autonomia do paciente, tem havido uma tendência a
adotar um modelo consumidor-provedor em que a alternativa de simplesmente informar e
depois realizar os desejos do paciente deve ser considerada como uma atitude paternalista.
Segundo o autor, embora tal modelo possa ser apropriado para relações comerciais entre iguais,
parece inadequado como modelo para relações marcadas pelas assimetrias de poder típicas da
relação entre médicos e pacientes. Scully (2021) considera, inclusive, que essa abordagem de
autonomia se torna mais problemática quando se trata de relações envolvendo grupos
subalternos, para os quais as estruturas materiais, sociais e políticas podem limitar severamente
o exercício de sua autodeterminação. Da mesma forma, McLeod e Sherwin (2000) argumentam
que estruturas sociais opressivas afetam o desenvolvimento da autoestima e da autoconfiança
em pessoas que fazem parte de grupos subalternos, de modo que, no âmbito da relação médico-
paciente, a falta de autoconfiança pode reduzir a competência do agente para tomar decisões
autônomas quanto ao cuidado de sua própria saúde. De acordo com esses autores, as abordagens
tradicionais da autonomia na bioética predominante investigaram certos fatores que interferem
na autodeterminação dos indivíduos coerção, compulsão interna e ignorância ignorando
assim o fato de que a opressão afeta a autodeterminação de grupos sociais inteiros, em vez de
simplesmente interferir nas decisões autônomas de indivíduos isolados.
Depois de ter descrito uma série de críticas a partir de perspectivas feministas contra o
ideal de autonomia assumido pelo arcabouço bioético predominante, é interessante mencionar
que, segundo Mackenzie e Stoljar (2000), nenhuma objeção justifica descartar completamente
o conceito de autonomia. Pelo contrário, segundo as autoras, o desafio para as teóricas
feministas é aproveitar essas questões para reconceituar a autonomia a partir de uma perspectiva
feminista. Esses esforços resultaram na criação do conceito de autonomia relacional, cujos
pressupostos básicos, segundo Mackenzie e Stoljar (2000), são que as pessoas estão inseridas
socialmente e que as identidades dos agentes são formadas no âmbito das relações sociais e são
moldadas por uma série de fatores como gênero, gênero e gênero raça e classe, de modo que a
autonomia individual não pode ser entendida separadamente das dimensões social e
intersubjetiva. Com base nisso, segundo os autores, a autonomia individual deve ser
diferenciada das concepções individualistas de autonomia individual: ou seja, deve ser
diferenciada daquelas abordagens predominantes que visualizam o indivíduo de forma isolada
e abstrata. Nesse sentido, a problemática das abordagens hegemônicas da autonomia não reside
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na consideração da agência individual, mas na maneira descontextualizada como ela concebe o
agente: isto é, separado de qualquer vínculo social, histórico, emocional e corporal. Pelo
contrário, as abordagens relacionais da autonomia se distinguem das individualistas por
reconhecerem que os agentes não são atômicos ou absolutamente autossuficientes, mas estão
imersos em contextos sociais e históricos complexos ─que, quando opressivos, podem até
minar sua autonomia ─; e que também não são puramente racionais, mas também emocionais,
corpóreas, desejosas, criativas e sensíveis (Mackenzie; Stoljar, 2000).
Como mencionado, uma das características centrais das abordagens relacionais da
autonomia consiste no reconhecimento do agente como, para colocá-lo nos termos de Baier
(1985), uma "segunda pessoa". Esse conceito enfatiza a dimensão sócio-histórica da
subjetividade ao significar que as pessoas são, fundamentalmente, herdeiras de outras pessoas
que as precederam e, ao mesmo tempo, destaca as relações de dependência como condição
necessária para o desenvolvimento humano, significando que as pessoas são herdeiras do
trabalho daquelas outras pessoas das quais dependeram para seu cuidado e treinamento. Por sua
vez, como mencionado, outra das características centrais das abordagens relacionais consiste
na consideração do agente como, para colocá-lo nos termos de Benhabib (1990), um "outro
concreto", contextualizado, situado, corporificado. Segundo o autor, a consideração de um
outro concreto leva a desvelar o mito do ideal de autonomia que a ética tradicional sustenta no
pressuposto de um "outro generalizado" ─isto é, de um agente abstrato, puramente racional e
independente─. Em suma, conceber o agente como uma segunda pessoa e como um outro
concreto implica considerar que o exercício de sua autonomia não pode ser entendido
separadamente de seus vínculos de interdependência com outros agentes, das relações de poder
que afetam sua vida e suas oportunidades, de sua história, de suas circunstâncias atuais e de
suas emoções. entre outros fatores que as abordagens predominantes da autonomia
desconsideram.
Jessica Marcela KAUFMAN
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Palavras finais
Ao longo deste artigo, foram reconstruídas as diferentes abordagens da bioética
feminista que promovem o acesso diferenciado à cidadania nos campos da saúde e da ética
médica, por meio da análise de uma série de críticas formuladas por bioeticistas feministas
contra dois ideais sustentados pelo referencial bioético predominante: a da imparcialidade e a
da autonomia absoluta. Com relação à primeira, que tem sido analisada em conjunto com as
objeções às visões essencialistas da diferença, a bioética feminista tem criticado o fato de que
o quadro bioético predominante tem assumido o ponto de vista dos setores privilegiados como
neutros e eles próprios como representantes genéricos da humanidade, que, longe de constituír,
Um pressuposto teórico tem contribuído ativamente para a exclusão, silenciamento e
fortalecimento de estereótipos sobre mulheres e outros grupos subalternos. De fato, em primeiro
lugar, as bioeticistas feministas denunciaram que a presunção do representante genérico da
humanidade levou à exclusão das mulheres como sujeitos de pesquisa em ensaios clínicos e,
consequentemente, à ausência de dados e tratamentos relacionados às suas necessidades de
saúde. Em segundo lugar, criticaram que a mesma presunção resultou na falta de cobertura
médica para as necessidades de saúde das mulheres para as quais existem tratamentos, pois
foram classificados como "específicos", em contraste com as necessidades masculinas,
concebidas como universais. Em terceiro lugar, eles se manifestaram contra os processos de
medicalização destinados a reforçar as visões essencialistas da diferença, bem como contra a
justificativa das intervenções médicas associadas a esses processos por meio do princípio da
beneficência. Em quarto lugar, denunciaram que o fortalecimento dessas visões essencialistas
da diferença contribuiu para reforçar a caracterização dos grupos subalternos como informantes
não confiáveis no campo da saúde. Por fim, criticaram que a presunção do ideal de
imparcialidade e a promoção de concepções essencialistas da diferença tenham promovido o
silenciamento e a desvalorização das experiências morais das mulheres, de seus saberes e de
seus papéis no campo da saúde, ao mesmo tempo em que contribuem para a invisibilização das
relações de poder que atravessam essa área.
No que diz respeito ao ideal de autonomia absoluta, a bioética feminista tem criticado o
fato de que o quadro bioético predominante tem assumido uma imagem fictícia do agente moral:
tem assumido ele como um indivíduo abstrato, isolado de seu ambiente, autossuficiente,
racional e completamente independente de fatores culturais, emocionais ou de vínculo que
possam interferir em suas decisões. Embora, às vezes, o feminismo tenha usado essa abordagem
individualista da autonomia para enquadrar reivindicações relacionadas ao direito das mulheres
O acesso diferenciado à cidadania na bioética feminista: uma revisão das críticas em torno dos ideais de imparcialidade e autonomia
absoluta na bioética predominante
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de decidir, várias autoras e ativistas feministas também começaram a suspeitar de uma série de
preconceitos envolvidos nessa perspectiva. Nesse contexto, as bioeticistas feministas
apontaram, em primeiro lugar, que a independência dos homens pôde ser considerada na
medida em que sua dependência do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres, tanto no
âmbito doméstico quanto na saúde, foi invisibilizada. Em segundo lugar, destacaram que,
apesar de seu cotidiano, as relações de cuidado no campo da saúde têm recebido pouca atenção
do referencial bioético predominante. Em terceiro lugar, destacaram que a invisibilização do
cuidado tem sido acompanhada por processos de patologização da dependência. Por fim,
criticaram o fato de a relação médico-paciente ter sido concebida pelo arcabouço bioético
predominante como um contrato entre partes iguais, independentes e autossuficientes,
desconsiderando as assimetrias de poder inerentes ao vínculo entre ambos os atores,
especialmente quando a relação envolve grupos subalternos, para os quais as estruturas
materiais, sociais e políticas podem limitar severamente o exercício de sua autodeterminação.
Herdeira do movimento de saúde da mulher, a bioética feminista reivindicou o acesso
diferenciado à cidadania nos campos da saúde e da ética médica: ou seja, o acesso a esses
campos a partir da expressão antiessencialista da especificidade, em oposição ao ideal
tradicional de cidadania universal indiferenciada e visões essencialistas da diferença. Nesse
sentido, a bioética feminista tem argumentado que, para reverter a miopia que o quadro bioético
predominante apresenta em relação aos pontos de vista dos grupos subalternos ─e, portanto,
para contrapor sua presunção de um ponto de vista neutro─, torna-se imprescindível promover,
nos campos da saúde e da ética médica, uma política igualitária da diferença baseada na
paridade participativa. Essa política exige, portanto, a participação ativa dos setores sociais
tradicionalmente silenciados nos processos democráticos de deliberação e tomada de decisão
relacionados, entre outros aspectos, à definição de suas próprias necessidades de saúde, à
construção de opções terapêuticas e à reconfiguração dos vínculos entre profissionais de saúde
e pacientes. bem como entre colegas de diferentes setores sociais.
Da mesma forma, a incorporação diferenciada à cidadania reivindicada pela bioética
feminista não se relaciona apenas à expressão não essencialista da especificidade nos campos
da saúde e da ética dica, mas também à perspectiva não essencialista dos agentes que
acessam diferencialmente a cidadania nessas áreas. Nesse sentido, as bioeticistas feministas têm
levantado a necessidade de abandonar a concepção fictícia do agente abstrato e isolado, para o
qual é imprescindível atentar para os aspectos sociais, políticos, familiares, contextuais,
históricos e emocionais que influenciam o exercício da autonomia. Afinal, a especificidade não
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pode ser expressa de maneira não essencialista por um agente geral, mas apenas por um agente
concreto. Nesse sentido, a bioética feminista tem apontado que a autodeterminação de um
agente não pode ser entendida isoladamente dos vínculos de interdependência que ele mantém
com outros agentes, das relações de poder que o atravessam, de sua história, de suas
circunstâncias atuais e de suas emoções, entre outros fatores que as abordagens predominantes
da autonomia ignoram.
AGRADECIMENTOS: Agradeço ao PICT-2021-GRF-TI-00786, "Ética e direito humano à
saúde em uma perspectiva interseccional", pelos diálogos que contribuíram para a realização
deste artigo.
REFERÊNCIAS
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CRediT Author Statement
Reconocimientos: No aplicable.
Financiación: Esta investigación no recibió financiamiento.
Conflictos de intereses: No fueron identificados conflictos de interés.
Aprobación ética: Por tratarse de una investigación de revisión bibliográfica, este trabajo
no fue sometido a la evaluación de un comité de ética.
Disponibilidad de datos y materiales: El material utilizado para este trabajo es el que se
indica en las referencias bibliográficas.
Contribuciones de los autores: La investigación fue realizada de manera integral por la
autora.
Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.
Revisão, formatação, normalização e tradução.
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EL ACCESO DIFERENCIADO A LA CIUDADANÍA EN LA BIOÉTICA
FEMINISTA: UNA REVISIÓN DE LAS CRÍTICAS EN TORNO A LOS IDEALES DE
IMPARCIALIDAD Y AUTONOMÍA ABSOLUTA EN LA BIOÉTICA
PREDOMINANTE
O ACESSO DIFERENCIADO À CIDADANIA NA BIOÉTICA FEMINISTA: UMA
REVISÃO DAS CRÍTICAS EM TORNO DOS IDEAIS DE IMPARCIALIDADE E
AUTONOMIA ABSOLUTA NA BIOÉTICA PREDOMINANTE
DIFFERENTIATED ACCESS TO CITIZENSHIP IN FEMINIST BIOETHICS: A
REVIEW OF CRITICISMS REGARDING THE IDEALS OF IMPARTIALITY AND
ABSOLUTE AUTONOMY IN THE PREDOMINANT BIOETHICS
Jessica Marcela KAUFMAN1
e-mail: kaufjm@gmail.com
Como referenciar este artigo:
KAUFMAN, J. M. El acceso diferenciado a la ciudadanía
en la bioética feminista: una revisión de las críticas en torno
a los ideales de imparcialidad y autonomía absoluta en la
bioética predominante. Rev. Cadernos de Campo,
Araraquara v. 24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-
2419. DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.2.18991
| Submetido em: 31/01/2024
| Revisões requeridas em: 09/05/2024
| Aprovado em: 10/07/2024
| Publicado em: 27/11/2024
Editores:
Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy
Profa. Me. Thaís Cristina Caetano de Souza
Prof. Me. Paulo Carvalho Moura
Prof. Thiago Pacheco Gebara
1
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte MG Brasil. Doutora em Ciência Política
(UFMG), Mestra em Bioética (FLACSO-Argentina) e Licenciada em Filosofia (UNT-Argentina).
El acceso diferenciado a la ciudadanía en la bioética feminista: una revisión de las críticas en torno a los ideales de imparcialidad y
autonomía absoluta en la bioética predominante
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-2419
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RESUMEN: Desde finales de la década del sesenta, las reivindicaciones feministas y de otros
movimientos sociales por un acceso diferenciado a la ciudadanía han ido desplazando a las
tradicionales demandas por la extensión de una ciudadanía universal sin distinciones. Este
artículo se propone explorar, específicamente, los abordajes de la bioética feminista respecto al
acceso diferenciado a la ciudadanía en los campos de la salud y de la ética médica. Mediante
una revisión bibliográfica de ese marco teórico, este trabajo reconstruye esas reivindicaciones
a partir de las críticas formuladas por la bioética feminista contra dos ideales asumidos por el
marco bioético predominante: el de imparcialidad y el de autonomía absoluta. El análisis de sus
abordajes revela la importancia de promover, en los ámbitos de la salud y de la ética médica,
una política igualitaria de la diferencia basada en la paridad participativa de agentes entendidos
como concretos e interrelacionados.
PALABRAS CLAVE: Bioética. Feminismo. Ciudadanía. Diferencia.
RESUMO: A partir do final da década de 1960, as reivindicações feministas e de outros
movimentos sociais por um acesso diferenciado à cidadania têm colocado em segundo plano
as demandas tradicionais pela extensão de uma cidadania universal sem distinções. Este artigo
tem como objetivo explorar, especificamente, as abordagens da bioética feminista em relação
ao acesso diferenciado à cidadania nos campos da saúde e da ética médica. Através de uma
revisão bibliográfica dessa literatura, este trabalho reconstrói essas reivindicações a partir
das críticas formuladas pela bioética feminista contra dois ideais assumidos pela bioética
predominante: o da imparcialidade e o da autonomia absoluta. A análise dessas abordagens
revela a importância de promover, nos campos da saúde e da ética médica, uma política
igualitária da diferença baseada na paridade participativa de agentes entendidos como
concretos e inter-relacionados.
PALAVRAS-CHAVE: Bioética. Feminismo. Cidadania. Diferença.
ABSTRACT: Since the late sixties, feminist claims, alongside those of other social movements,
advocating for differentiated access to citizenship have gradually displaced traditional
demands for the extension of a universal citizenship without distinctions. This paper aims to
explore specifically the approaches of feminist bioethics regarding differentiated access to
citizenship in the fields of health and medical ethics. Through a bibliographic review within
this theoretical framework, this paper reconstructs these claims from criticisms formulated by
feminist bioethics against two ideals assumed by the predominant bioethical framework:
impartiality and absolute autonomy. The analysis of their approaches reveals the importance
of promoting, in the fields of health and medical ethics, egalitarian politics of difference based
on the participatory parity of agents seen as concrete and interrelated individuals.
KEYWORDS: Bioethics. Feminism. Citizenship. Difference.
Jessica Marcela KAUFMAN
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-2419
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Introducción
El surgimiento de la bioética como campo de estudio se produjo durante los años setenta,
en Norteamérica, en el marco de las profundas transformaciones sociales, científicas y
tecnológicas (Post, 2004). En ese contexto, Rensselaer Van Potter (1971) empleó el término
bioética con el propósito de construir un diálogo entre las tecnociencias y las humanidades que
diera cuenta del impacto de las nuevas tecnologías en la supervivencia del ecosistema, pero
pronto comenzaría a restringirse el alcance del concepto a la ética en el marco de la práctica
médica (Garrafa; Osorio, 2009). Así, durante la década de 1980, la bioética sería identificada,
principalmente, con los cuatro principios prima facie de la ética biomédica propuestos, en 1979,
por los filósofos Beauchamp y Childress (2001): respeto por la autonomía, beneficencia, no
maleficencia y justicia. El Principialismo ─bautizado de esa manera por dos de sus críticos
(Clouser; Gert, 1990) inauguraría una nueva etapa en el desarrollo de la bioética: su
expansión y consolidación como campo (Garrafa, 2005; Luna; Salles, 2008). Sin embargo, a
fines de los años ochenta comenzaría un período de segunda reflexión (Luna; Salles, 2008), que
daría lugar al surgimiento de diversos enfoques de la bioética, entre los que se incluyen las
llamadas teorías críticas (Diniz; Guilhem, 2009), provenientes de los estudios sobre género,
raza y clase, entre otros. Particularmente, desde del subcampo de la bioética que se ha
consolidado como bioética feminista ─cuyo marco teórico es objeto de análisis de este
trabajo─, se ha criticado que el Principialismo asume como imparcial el punto de vista de los
sectores privilegiados de la sociedad, en función de lo cual sostiene e invisibiliza las asimetrías
de poder basadas, entre otros aspectos, en el género, la raza y la clase (Sherwin, 1992; Wolf,
1996; Lindemann, 2000; Walker, 2009), ignora los puntos de vista ─igualmente parciales─ de
las mujeres y de otros grupos subalternos (Mahowald, 1996; Wolf, 1996; Donchin, 2001) y
pasa por alto las sutilezas contextuales y los vínculos relacionales éticamente relevantes
(Tronto, 1993; Sevenhuijsen, 1998; Held, 2006; Mahowald, 2006).
Si bien el llamado feminismo de la segunda ola emergió durante la década de 1960 y se
consolidó en la década siguiente, no mantuvo ningún tipo de diálogo con la bioética hasta fines
de los años ochenta. Durante ese período, el movimiento feminista ya había formulado
demandas que disputaban los derechos de las mujeres en el ámbito de la salud, al tiempo que
las feministas académicas abordaban los temas asociados a esas disputas, tales como la
subordinación de las mujeres en el sistema sanitario (Ehrenreich; English, 1973) y feminización
de la locura (Chesler, 1972; Rosenberg, 1972). En aquel entonces, las teorizaciones sobre la
reproducción ocuparon un lugar destacado en los abordajes feministas sobre la salud: además
El acceso diferenciado a la ciudadanía en la bioética feminista: una revisión de las críticas en torno a los ideales de imparcialidad y
autonomía absoluta en la bioética predominante
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-2419
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de la defensa del derecho al aborto (Thomson, 2016/1971), proliferaron las discusiones sobre
la gestación subrogada (Raymond, 1989; Shalev, 1989) y los debates sobre las tecnologías de
reproducción asistida (Corea, 1985; Stolcke, 1988; Firestone, 2003/1970), entre otros temas.
Otra discusión ─crucial para la incursión del feminismo en la bioética─ giró en torno a la
exclusión de las mujeres en los ensayos clínicos y la consecuente ausencia de datos y
tratamientos para sus necesidades en salud (Kinney et al., 1981). Hacia fines de los años
ochenta, las demandas y abordajes teóricos mencionados fueron trasladados por académicas
feministas al ámbito de la bioética con el fin de confrontar el androcentrismo del marco bioético
predominante. En 1989, la revista Hypatia marcó el surgimiento de la bioética feminista al
publicar dos números especiales dedicados al feminismo y la ética médica, posteriormente
compilados como una colección (Holmes; Purdy, 1992).
Dado que, desde la segunda mitad del siglo XX, varios movimientos sociales
comenzaron a reclamar un acceso diferenciado a la ciudadanía ─esto es, un acceso basado en
la expresión positiva y en el orgullo de la especificidad del grupo, en oposición al ideal
tradicional de ciudadanía universal no diferenciada─ (Young, 1989; 2000), no es de sorprender
que la incursión del feminismo en la bioética siguiera, en gran medida, el mismo camino. Esto
se torna más evidente al analizar la incursión de un movimiento más específico de la coalición
feminista en la bioética: el movimiento por la salud de las mujeres que, desde fines de la década
de 1960, se reivindicó, en Estados Unidos, contra la medicalización de la feminidad, los
impedimentos para decidir sobre la propia reproducción, la misoginia en el sistema sanitario y
las asimetrías en la relación médico/a-paciente, entre otras pautas (The Boston Women's Health
Book Collective, 1973). A lo largo de este artículo, se explorarán los abordajes de la bioética
feminista respecto al acceso diferenciado a la ciudadanía en los campos de la salud y de la ética
médica. Mediante una revisión bibliográfica de ese marco teórico, este trabajo reconstruye esos
abordajes a partir de las críticas formuladas por la bioética feminista contra dos ideales
asumidos por el marco bioético predominante: el de imparcialidad y el de autonomía absoluta.
Mientras que en la primera sección serán presentados los aspectos generales de la reivindicación
feminista ─y de otros movimientos sociales─ por un acceso diferenciado a la ciudadanía, en la
segunda serán abordados los aspectos específicos de esa reivindicación en los campos de la
salud y de la ética médica y, con esto, las mencionadas críticas de la bioética feminista contra
los ideales de imparcialidad y de autonomía absoluta.
Jessica Marcela KAUFMAN
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La reivindicación por un acceso diferenciado a la ciudadanía
El conocido lema feminista de los años setenta “lo personal es político” ─que
denunciaba la dominación hacia las mujeres en las esferas que tradicionalmente han sido
consideradas como personales y privadas, tales como la familia y la sexualidad (Millett, 1970)─
se convertiría, desde la década de 1980, en el disparador de una extensa discusión en torno a la
dicotomía liberal público/privado (Benhabib, 1990; Fraser, 1990; Pateman, 1996; Young, 2000)
por medio de la cual se visibilizarían dos formas diferentes en las que el movimiento feminista
ha reclamado, a lo largo del tiempo, el acceso a la ciudadanía de las mujeres: una basada en la
igualdad (tradicionalmente vinculada a lo público) y otra en la diferencia (tradicionalmente
vinculada a lo privado). De acuerdo con Pateman (1989), las reivindicaciones del movimiento
feminista han seguido dos caminos no solo diferentes, sino también mutuamente excluyentes,
lo que ha generado una situación dilemática a la que la autora denominó dilema de
Wollstonecraft ─en función de que esa disyuntiva fue esbozada, primeramente, por la autora
inglesa en su obra Vindicación de los derechos de la mujer (2018/1792) . En efecto, por un
lado, las feministas han reivindicado que el ideal de ciudadanía universal fuera extendido a las
mujeres, con una agenda “neutra” en rminos de género y, por otro, han sostenido que la
expresión de su ciudadanía debería ser distinguida de la de los varones: es decir, han
reivindicado su incorporación a la ciudadanía en tanto mujeres, con la valoración de sus
necesidades, preocupaciones y atributos específicos. De acuerdo con Pateman (1989), el dilema
radica en que ambas demandas constituyen alternativas incompatibles que, además, en
mismas son problemáticas, puesto que, en el primer caso, reivindicar la extensión de la
ciudadanía implica aceptar la concepción patriarcal de ciudadano, la cual supone que las
mujeres deberían llegar a ser (como) los varones. A su vez, en el segundo caso, insistir en que
a las especificidades distintivas de las mujeres se les de expresión y sean valoradas como
forjadoras de la ciudadanía implica pedir lo imposible, dado que tal diferencia es precisamente
lo que la ciudadanía patriarcal excluye.
Ciertamente, el dilema de Wollstonecraft ─o, en otros términos, la discusión en torno a
las dicotomías igualdad/diferencia, público/privado o justicia/cuidado─ ha continuado
atravesando la teoría política feminista. En ese marco, la respuesta de Young (1989) al dilema
consiste en el acceso diferenciado a la ciudadanía que, de acuerdo con la autora, han
reivindicado los denominados nuevos movimientos sociales: esto es, aquellos movimientos que,
surgidos desde la segunda mitad del siglo XX, se han caracterizado por la promoción de
reivindicaciones identitarias de especificidad de grupo, en continua lucha contra las visiones
El acceso diferenciado a la ciudadanía en la bioética feminista: una revisión de las críticas en torno a los ideales de imparcialidad y
autonomía absoluta en la bioética predominante
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esencialistas en torno a esas especificidades. Desde el análisis de Young (1989), la ciudadanía
diferenciada supone dos críticas a las alternativas planteadas en el dilema. La primera está
dirigida contra el ideal de imparcialidad presupuesto en la concepción tradicional de la
ciudadanía, puesto que ese ideal supone la universalización del punto de vista de los sectores
privilegiados. A su vez, la segunda está dirigida contra la visión esencialista de la diferencia
presupuesta en la expresión de la ciudadanía específica de las mujeres, puesto que, de acuerdo
con la autora, lo problemático con relación a la diferencia no radica en la diferencia en misma,
sino en una visión esencialista respecto de esta: es decir, el problema reside en la consideración
de la diferencia como desviación de la norma o como deficiencia. En este sentido, según la
filósofa, los nuevos movimientos sociales han encontrado en la autoorganización y en la
expresión positiva de la especificidad de grupo ─no esencialista─ una mejor estrategia para
conseguir poder y participación en las instituciones dominantes. Desde luego, de acuerdo con
la autora (1989; 2000), la reivindicación del acceso diferenciado a la ciudadanía no conduce a
negar la importancia que ha tenido el ideal de ciudadanía universal para los movimientos
anteriores. Antes bien, ese ideal tradicional ─basado en la eliminación de la diferencia y en el
trato igualitario─ ha sido crucial en la lucha contra la exclusión y la diferenciación por
categorías, en la medida que permitió que diversos movimientos sociales pudieran reivindicar
el igual valor moral de todas las personas y, con esto, la inclusión de los grupos a los que
representaban en pleno estatus de ciudadanía bajo la igual protección de la ley. En este ideal de
asimilación se apoyaron, por ejemplo, las luchas exitosas del movimiento sufragista y del
movimiento por los derechos civiles, que buscaban extender los derechos ciudadanos de los
hombres blancos a las mujeres y a las personas negras. En aquel entonces, muchos/as de esos/as
activistas pensaban que el estatus de ciudadanía plena ─esto es, la igualdad de derechos
políticos y civiles─ los y las conduciría a la libertad e igualdad. Sin embargo, como advierte la
autora, luego de que los derechos de ciudadanía por los que luchaban se hubieran extendido
formalmente en las sociedades capitalistas liberales, los nuevos movimientos sociales
emergieron con la pregunta sobre por qué los sectores a los que representaban continuaban
siendo tratados como ciudadanos de segunda clase. De este modo, el ideal de asimilación
comenzó a dar paso al ideal de positividad y orgullo en la especificidad del grupo.
Jessica Marcela KAUFMAN
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Bioética feminista y ciudadanía diferenciada
Como se ha mencionado, la incursión del feminismo en la bioética siguió, en gran
medida, el camino de los nuevos movimientos sociales al reivindicar la incorporación
diferenciada a la ciudanía, lo cual se evidencia en una serie de críticas formuladas por las
bioeticistas feministas contra dos ideales que sostiene el marco bioético predominante: el de
imparcialidad y, en estrecha relación con este, el de autonomía. De manera general, en lo que
respecta al primero, diversas bioeticistas feministas (Little, 1996; Mahowald, 1996; Wolf, 1996;
Sherwin, 2001; Walker, 2009; Scully, 2021) han cuestionado la existencia de un punto de vista
neutro desde el cual pudiera ser posible considerar un acceso pleno a la salud para todas las
personas, puesto que las necesidades, entre otros factores, son específicos de cada grupo social.
En este sentido, desde sus inicios, la bioética feminista advirtió la existencia de sesgos ─de
género, raza y sexualidad, entre otros─ en el marco bioético predominante, en tanto
universalizaba el punto de vista de los sectores privilegiados como neutro y a ellos mismos
como representantes genéricos de la humanidad, lo cual contribuía a invisibilizar las formas en
las que las relaciones de poder habían estructurado las prácticas de atención a la salud y de
investigación biomédica. En contraste, las bioeticistas mencionadas han promovido ─aunque
no siempre de manera explícita─ una política igualitaria de la diferencia basada en la paridad
participativa e inclusión de la especificidad en los abordajes bioéticos como proyecto
emancipatorio.
Por su parte, la crítica al ideal de autonomía absoluta ha implicado un cuestionamiento
en torno al modo en que la bioética tradicional ha concebido al agente moral. Ciertamente, no
se trata de dos críticas separadas, puesto que ambos ideales se relacionan de manera estrecha.
De modo paradigmático, en el modelo rawlsiano de justicia (Rawls, 1995), lo que garantiza la
imparcialidad del punto de vista consensuado consiste en el hecho de que los agentes que
realizan el acuerdo son absolutamente libres, racionales e independientes para tomar decisiones.
En contraste, algunas bioeticistas feministas (Little, 1996; Mackenzie; Stoljar, 2000; Kittay,
2011; Scully, 2021) han destacado que los agentes son, además de racionales, seres corpóreos
y emocionales, y que se encuentran interrelacionados a través de dependencias y
responsabilidades que, en reiteradas ocasiones, no son recíprocas. Las siguientes subsecciones
explorarán, respectivamente, las críticas a los ideales de imparcialidad y de autonomía absoluta.
El acceso diferenciado a la ciudadanía en la bioética feminista: una revisión de las críticas en torno a los ideales de imparcialidad y
autonomía absoluta en la bioética predominante
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Desafiando el ideal de imparcialidad y la visión esencialista de la diferencia en la bioética
predominante
En los inicios de la bioética feminista, la exclusión de mujeres como sujetas de
investigación en los ensayos clínicos constituyó una de las primeras situaciones en las que
numerosas bioeticistas (Sherwin, 1994; Little, 1996; Corrigan, 2002) advirtieron la presencia
─y consecuencias─ del presupuesto de neutralidad en el campo de la ética de la investigación.
Los motivos de la exclusión se basaban en dos aspectos. El primero radicaba en el hecho de que
se percibiera el cuerpo masculino como estándar fisiológico, lo que suponía considerar el
cuerpo femenino como anómalo y, por lo tanto, como no deseable en el marco de las
investigaciones que pretendían arrojar resultados objetivos. El segundo se fundaba en el
argumento en torno a la posibilidad de embarazarse durante el estudio y los posibles riesgos
para el feto en el caso de que eso aconteciera, lo que implicaba, al menos, la exclusión rutinaria
de las mujeres en edad fértil. Ambos motivos transformaron al varón (cisgénero) adulto en el
“representante” genérico de la humanidad en los ensayos clínicos, lo cual generó, como
consecuencia, una notable ausencia de datos y tratamientos vinculados con las necesidades de
salud de las mujeres. Al mismo tiempo, como ha señalado Little (1996), en reiteradas ocasiones,
las necesidades de salud de las mujeres no han sido contempladas en los seguros médicos por
ser consideradas demasiado “específicas”, en contraposición a las necesidades sanitarias
masculinas ─como, por ejemplo, aquellas vinculadas con prostatectomías, vasectomías y
circuncisiones─ que, a pesar de ser igualmente específicas, eran consideradas “estándar”.
De acuerdo con Scully (2021), la categorización del cuerpo femenino como “anómalo”
ha sido particularmente obvia a lo largo de la historia de la medicina, de manera que no resulta
sorprendente que haya sido uno de los ejes centrales de abordaje de la bioética feminista. Como
han advertido diversas bioeticistas (Sherwin, 1992; Little, 1996; Morgan, 1998; Harbin, 2014;
Mackay, 2017), la estandarización del cuerpo masculino ─además de blanco, heterosexual,
cisgénero, adulto, entre otros aspectos─ en el ámbito de la salud y de la investigación biomédica
no solo ha implicado la exclusión de las mujeres en los ensayos clínicos y la consecuente
escasez de datos y tratamientos para sus necesidades en salud, así como la falta de cobertura
médica para sus demandas sanitarias específicas, sino que también ha supuesto procesos de
medicalización de la diferencia. En otros términos, ha implicado la transformación de las
diferencias humanas en asuntos de incumbencia e intervención médica, en función de lo cual
las bioeticistas feministas mencionadas han señalado que las decisiones vinculadas con la
reproducción, la menopausia, la gordura, las experiencias emocionales de las mujeres y la
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negación a cumplir con los mandatos sociales, entre otros aspectos, han devenido, con
frecuencia, “enfermedades” en diversos contextos y que, en ocasiones, han sido indicados
diferentes tipos de tratamiento para “normalizar” la condición de salud. Así, por ejemplo, la
terapia hormonal ha sido indicada con frecuencia para tratar los “síntomas” de la menopausia,
mientras que el reposo y ciertos psicotrópicos han sido recetados para “restablecer” las
reacciones emocionales “normales” cuando han aflorado emociones negativas causadas por la
insatisfacción de vivir bajo condiciones opresivas. Adicionalmente, como ha apuntado MacKay
(2017), las campañas de salud pública también han jugado un papel crucial para moldear los
cuerpos y las subjetividades en concordancia con los parámetros médicos. Asimismo, en
ocasiones, ante la percepción de imposibilidad o improbabilidad de “restablecimiento”, la
medicalización de la diferencia ha conducido al aislamiento y encierro en instituciones
psiquiátricas. En todos estos casos, de acuerdo con Sherwin (1992), los y las profesionales de
la salud han tendido a justificar su accionar injusto en términos de “beneficencia”, mediante el
principio de la ética biomédica según el cual existe una obligación moral de actuar en función
de la maximización de los beneficios de los y las pacientes. Ese recurso ha sido ampliamente
usado a la hora de otorgar legitimidad ética a los procesos de medicalización que contribuyen
a reforzar las concepciones esencialistas de la diferencia, mediante la caracterización de los
grupos subalternos como anómalos, enfermos, específicos, incapaces o peligrosos, entre otras
denominaciones, en oposición a los grupos dominantes.
Desde luego, las caracterizaciones mencionadas no han constituido la única
consecuencia de los procesos de medicalización de la diferencia: esos procesos también han
contribuido a reforzar la caracterización de los cuerpos no estándar como informantes poco
confiables. Por ejemplo, como ha observado Thachuk (2011) ─a partir de los estudios de
Fricker (2009) sobre injusticia epistémica testimonial─, el testimonio de las mujeres que han
recibido un diagnóstico psiquiátrico a menudo genera desconfianza sobre su veracidad y suele
ser desestimado. En efecto, de acuerdo con la bioeticista, para las mujeres, cuyo estatus
epistémico todavía conserva ciertas asociaciones entre lo femenino, la irracionalidad y lo
excesivamente sentimental, el diagnóstico psiquiátrico amenaza aún más su consideración
como informantes confiables y valiosas. De este modo, como señala la autora, en los casos en
que mujeres con diagnóstico psiquiátrico denuncian, por ejemplo, una situación de abuso
sexual, sus testimonios son, frecuentemente, desestimados desde el inicio. Esa distribución
desigual de la autoridad y credibilidad epistémicas ha generado, como consecuencia, que las
denuncias, preocupaciones, necesidades y saberes de quienes han sido caracterizados/as como
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autonomía absoluta en la bioética predominante
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“desviados/as de lo estándar” sean, en reiteradas ocasiones, ignorados/as, tanto dentro como
fuera del ámbito de la atención a la salud y de la investigación biomédica.
En función de lo mencionado, la universalización del punto de vista de los sectores
dominantes en los ámbitos de la atención a la salud y de la investigación biomédica, así como
en los marcos bioéticos hegemónicos, ha resultado en la implementación de diversos
mecanismos de exclusión, silenciamiento, infravaloración, invalidación y promoción de
concepciones esencialistas de la diferencia. Como señala Starr (1982), desde fines de la década
de 1960, el ya mencionado movimiento por la salud de las mujeres ─antecedente de la bioética
feminista─ objetaba que gran parte de lo que se consideraba conocimiento científico era, en
realidad, prejuicio sexista, y que los médicos varones habían excluido deliberadamente a las
mujeres del ámbito de la medicina. Ante esa situación, de acuerdo con el autor, la respuesta
más directa de las feministas consistió en un aumento considerable del número de mujeres
ingresantes a la carrera de medicina, pero una respuesta menos directa supuso la promoción de
una contracultura en el ámbito de la salud. En este sentido, mientras que las primeras
generaciones de mujeres en la medicina se sentían obligadas a demostrar su competencia según
los términos establecidos por los médicos varones, las jóvenes médicas de los años setenta
comenzaron a exigir la revisión y transformación de esos términos. Concretamente, exigían
modificaciones en las actitudes y comportamientos de sus colegas masculinos, así como
también en las prácticas institucionales para que pudieran adaptarse a las necesidades de las
mujeres. Incluso, según Starr (1982), los sectores más “radicales” del movimiento sostenían
que las mujeres debían “tomar la medicina en sus propias manos”. En ese contexto de
transformación, algunas organizaciones feministas comenzaron a ofrecer servicios
ginecológicos de manera clandestina, tanto para la realización de abortos ─antes de que la Corte
Suprema de los Estados Unidos decidiera su legalización, en 1973─, como para la asistencia en
partos domiciliarios ─dado que algunas feministas argumentaban que el parto no constituía una
enfermedad y que, por lo tanto, no requería hospitalización ni la supervisión de un obstetra─.
Aunque, como se ha señalado, el movimiento por la salud de las mujeres abogó por la
transformación de la cultura médica en dos direcciones distintas ─con algunos sectores
demandando cambios institucionales para abordar las necesidades de las mujeres, y otros
fomentando una contracultura terapéutica orientada a desinstitucionalizar la medicina y
desmedicalizar la vida de las mujeres─, ambos enfoques buscaron destituir el ideal de
imparcialidad en la medicina, ya fuera en la esfera institucional o en la extrainstitucional,
denunciando que la supuesta neutralidad de la ciencia era, en gran medida, un reflejo de
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prejuicios sexistas. En este sentido, los diferentes sectores del movimiento promovieron, cada
uno a su manera, la participación de las mujeres en la definición de sus propias necesidades, en
la construcción de alternativas terapéuticas y en la reconfiguración de los vínculos entre
profesionales de la salud y pacientes, y entre colegas varones y mujeres. Esta promoción de
acceso diferenciado a la ciudadanía en salud fue retomada, como se ha mencionado, por la
bioética feminista y, por ese motivo, el movimiento por la salud de las mujeres constituye un
antecedente importante para su consolidación.
Un último tipo de cuestionamiento en torno al ideal de imparcialidad y a la visión
esencialista de la diferencia en el ámbito de la salud y en la ética médica al que se hará referencia
en esta subsección está vinculado con los abordajes feministas en torno al cuidado, tanto con
relación al silenciamiento de las experiencias morales del cuidado como a la desvalorización
del trabajo de cuidado. En efecto, la pregunta sobre por qué la mayoría de los cuidadores en la
atención a la salud han de ser cuidadoras ha constituido uno de los disparadores para el análisis
y la intervención de la bioética feminista (López de la Vieja, 2014) por dos motivos. Por un
lado, para confrontar una visión esencialista de la diferencia según la cual el trabajo de cuidado
en el ámbito de la salud ─al igual que en otros ámbitos─ le corresponde, por esencia, a las
mujeres. Por otro, para reivindicar el valor bioético del cuidado y de los vínculos relacionales,
tradicionalmente ignorados por los marcos bioéticos predominantes ─que han estado centrados,
en cambio, en los ideales más abstractos de imparcialidad y de autonomía pura─. Aunque
ambos abordajes en torno al cuidado puedan ser interpretados como dos caras de una misma
moneda, interesa mencionar que, en sus formulaciones iniciales, generaron discusiones al
interior de la bioética feminista y fueron concebidos, en ocasiones, como mutuamente
excluyentes, al estilo dilema de Wollstonecraft.
Mientras que el primer enfoque se centraba en las asimetrías de poder que repercutían
en las cargas desiguales de cuidado en función del género y procuraba revertir esa desigualdad
en términos de justicia universal sin diferenciación, la otra perspectiva buscaba la
revalorización de ciertas intuiciones morales a las que consideraba culturalmente femeninas
─como el cuidado, los afectos y la empatía─. A grandes rasgos, el primer enfoque (Tong, 1995;
Kuhse, 1997) confrontaba el estereotipo de que las responsabilidades de cuidado en salud eran
inherentemente femeninas, rechazando cualquier asociación entre cuidado y feminidad por
considerar que fortalecía ese estereotipo, mientras que el segundo enfoque ─centrado en la ética
del cuidado de Gilligan (1982)─ ponderaba las intuiciones morales mencionadas que, según
esta perspectiva, las mujeres habían desarrollado en función de su confinamiento en la esfera
El acceso diferenciado a la ciudadanía en la bioética feminista: una revisión de las críticas en torno a los ideales de imparcialidad y
autonomía absoluta en la bioética predominante
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privada y que constituían elementos éticamente relevantes para captar los detalles contextuales
que los abordajes tradicionales de la bioética ─orientados hacia principios abstractos─
desconsideraban. En este sentido, las defensoras del primer enfoque argumentaban que la ética
del cuidado podía contribuir a naturalizar el mandato social de la maternidad en profesiones
ejercidas mayoritariamente por mujeres, como la enfermería. En términos de Kuhse (1997), la
ética del cuidado fortalecía la fórmula “mujer-buena madre-buena enfermera” y, con esto,
reforzaba la división moral del trabajo basada en las desigualdades de género al reubicar a las
enfermeras como agentes pasivas de las decisiones técnicas y éticas de los médicos. En función
de esta crítica, el primer enfoque se rehusaba a reconocer a la ética del cuidado como una
perspectiva feminista de la bioética: Tong (1995), por ejemplo, distinguía entre una bioética
feminista (centrada en el poder o en la justicia) y una bioética femenina (centrada en el cuidado).
Solo en sus trabajos posteriores, la autora comenzó a referirse a ambos enfoques como dos
perspectivas de la bioética feminista (Tong, 1996), al tiempo que otras bioeticistas (Mahowald,
1996; 2006; Martin, 2001) se propusieron conciliar ambos enfoques.
Una de las bioeticistas feministas que más ha enfatizado en la idea de que la disyuntiva
entre la justicia ─entendida como igualdad─ y el cuidado ─entendido como diferencia─
constituye, en verdad, una falsa disyuntiva, ha sido Mahowald (1996; 2006). De hecho, según
la autora, la consideración de ambos enfoques por separado puede conducir, en cada caso, a
conclusiones problemáticas. En efecto, cuando se considera al cuidado como una categoría ética
fundamental, pero, al mismo tiempo, se desconsideran las asimetrías y las visiones esencialistas
en torno a los roles de género, las relaciones de cuidado pueden identificarse con autosacrificio
por parte de las mujeres ─en nombre de “un acto de amor”, “la intuición femenina” o “el instinto
maternal” . A su vez, cuando se consideran las asimetrías de poder y se reivindican los
derechos correspondientes desde un enfoque abstracto de la justicia y, por ende, se desconsidera
el contexto ─como las emociones, las necesidades, los intereses, los conocimientos y las
relaciones concretas─, se corre el riesgo de identificar, desde ese enfoque abstracto, las
reivindicaciones de la “humanidad” con las de los grupos dominantes. A partir de esta
reformulación del dilema de Wollstonecraft, adaptado al campo de la bioética feminista,
Mahowald ─en analogía al análisis de Young (1989; 2000) ha sostenido que un enfoque
basado en la diferencia ─el cuidado, en este caso─ sólo se torna problemático cuando es
considerado desde una visión esencialista.
Concretamente, a fin de no tener que optar entre la identificación del cuidado con el
autosacrificio de las mujeres ─desde una perspectiva esencialista de la diferencia─ y la
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identificación de las reivindicaciones de la humanidad con las de los grupos dominantes ─desde
el ideal tradicional de ciudadanía─, Mahowald (2006) ha propuesto prestar más atención a la
teoría feminista del punto de vista que, desde su perspectiva, se basa en dos ejes centrales. El
primero consiste en el reconocimiento de que las experiencias de las que depende el
conocimiento son incompletas y parciales, mientras que el segundo consiste en el deseo de
reducir esta limitación a través de la investigación colaborativa. De acuerdo con la autora, la
desigualdad en el ámbito de la salud está atravesada por la miopía respecto a los puntos de vista
de los grupos subalternos, en función de lo cual los marcos bioéticos tradicionales asumen como
universal el punto de vista de los grupos dominantes de la sociedad. Para confrontar esa
asimetría se requiere, según la autora, de la participación colaborativa de todos los sectores
sociales en las decisiones de sus propias necesidades de salud y de cuidados, a fin de que cada
uno pueda recibir ─y proporcionar─, de manera equitativa, diferentes cuidados según sus
distintas necesidades sanitarias. En este sentido, los puntos de vista de los grupos
tradicionalmente excluidos se tornan cruciales para identificar esas diferencias y reducir la
miopía de los grupos dominantes. Al mismo tiempo, esta perspectiva contrasta con aquella que
asocia al cuidado con el autosacrificio de las mujeres: retomando los aportes de Held (2006), la
autora sostiene que el cuidado debería ser cultivado y ejercido por todas las personas,
independientemente de su género, raza, clase u otra condición social. En esta misma línea,
algunas autoras (Tronto, 1993; Sevenhuijsen, 1998) han procurado revertir la concepción
unidireccional de las relaciones de cuidado, promoviendo la caracterización de esas relaciones
como recíprocas y de interdependencia. En la próxima subsección se retomarán aspectos
vinculados con el cuidado y la dependencia al analizar las críticas de la bioética feminista contra
el ideal de autonomía absoluta en el marco bioético predominante.
Desafiando el ideal de autonomía en la bioética predominante
Como se ha mencionado, existe un vínculo estrecho entre los ideales de imparcialidad
y autonomía absoluta que sostiene el marco bioético predominante. Esto puede visualizarse de
manera clara en el modelo rawlsiano de justicia, que constituye el punto de partida de las
discusiones sobre justicia en salud en el campo de la bioética (por ejemplo, Daniels, 1988).
Según Rawls (1995), el consenso sobre cuáles principios de libertad e igualdad deberían regular
la estructura básica de una sociedad democrática para que pueda considerarse justa, solo puede
lograrse mediante la presencia de dos condiciones que el autor plantea a partir de un ejercicio
mental inspirado en los clásicos abordajes contractualistas. La primera condición implica la
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autonomía absoluta en la bioética predominante
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previa desconsideración de todas las diferencias entre las personas que participan en el acuerdo,
mientras que la segunda presupone que todos los pactantes son igualmente racionales y libres
para tomar decisiones. Así, lo que posibilita el consenso y, al mismo tiempo, lo que garantiza
la imparcialidad de los principios acordados, es el hecho de que los pactantes sean
completamente libres, autosuficientes, racionales y despojados de factores sociales, culturales,
emocionales y relacionales que pudieran interferir en sus decisiones.
El presupuesto de libertad y racionalidad de los pactantes que asume el modelo
rawlsiano de justicia es, como ha señalado Okin (1989), consecuencia de la herencia kantiana
en Rawls en lo que respecta a la idea de autonomía absoluta, puesto que el pacto solo puede
alcanzarse si las personas que participan en él son plenamente capaces de autogobernarse con
total libertad. Según Young (2000), la ontología social que subyace a esta concepción de
autonomía es individualista en la medida que, al asumir la absoluta independencia del agente
─de cualquier factor que pudiera interferir en sus decisiones─, presupone que el individuo es
anterior a la sociedad y, de esta manera, el yo autentico es entendido como un ser unificado,
autoconstruido, ahistórico, sin afiliaciones y absolutamente independiente para elegir su propio
plan de vida por mismo. Esta visión individualista de la autonomía ha sido desarrollada,
principalmente, por dos tradiciones: la referida tradición kantiana (Kant, 1999) y la tradición
liberal utilitarista de Mill (2001). Mientras que la primera entiende el respeto por la autonomía
como el reconocimiento del valor incondicional de la persona y de su capacidad de
autodeterminación, la segunda le otorga un significado diferente: respetar la autonomía de un
individuo equivale a no interferir en sus elecciones personales. Si bien, a diferencia de la
tradición kantiana, Mill formula el respeto por la libertad de un individuo de manera negativa
─es decir, como la ausencia de interferencia externa en sus acciones y pensamientos siempre
que no supongan un perjuicio para terceros─, ambas tradiciones comparten los presupuestos de
independencia y autodeterminación absolutas, los cuales también han sido adoptados por el
marco bioético tradicional. En efecto, de acuerdo con Beauchamp y Childress (2001), el respeto
por la autonomía implica, como nimo, reconocer el derecho de los agentes autónomos a
tomar decisiones basadas en sus propias creencias y valores, libres de cualquier tipo de
interferencia, lo que presupone el ideal del individuo abstracto y aislado. Desde esa perspectiva
individualista, las particularidades contextuales, las asimetrías de poder y las relaciones
familiares no constituyen factores relevantes que deban ser tenidos en cuenta e, incluso, podría
considerarse que constituyen obstáculos (interferencias) contra la plena autodeterminación.
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En los marcos predominantes de la bioética y de la ética de la investigación, el principio
de respeto por la autonomía ha estado asociado a la necesidad de obtener el consentimiento
informado de, respectivamente, pacientes y sujetos de investigación. Desde sus inicios, la ética
biomédica destacó la importancia del consentimiento: las atrocidades cometidas por científicos
nazis pusieron de manifiesto, durante los Juicios de Núremberg, la necesidad de establecer
pautas éticas en lo que respecta a la experimentación con seres humanos y, en función de eso,
se estableció la indispensabilidad del consentimiento voluntario, por primera vez, en el
documento resultante ─el Código de Núremberg de 1947─. El fundamento de la
indispensabilidad del consentimiento ha estado basado, desde esa primera formulación, en la
libertad de decisión ─en ese caso, para participar o no en un experimento científico─ sin ningún
tipo de interferencia. De manera análoga, la necesidad del consentimiento informado en el
ámbito clínico también ha estado fundamentado en el respeto por la autonomía desde sus
formulaciones iniciales, en el marco de los levantamientos de los ya mencionados nuevos
movimientos sociales. En efecto, durante las movilizaciones de los años sesenta y setenta en
los Estados Unidos, emergió, específicamente, un movimiento por los derechos de los y las
pacientes que cuestionaba el paternalismo médico y, frente a esto, reivindicaba una serie de
derechos: al consentimiento informado, al rechazo informado, al acceso a los propios registros
médicos, a la participación en las decisiones terapéuticas y a un debido proceso legal en
cualquier procedimiento de internación involuntaria en una institución mental (Starr, 1982). En
términos generales, el movimiento por los derechos de los y las pacientes promovía un nuevo
marco de atención a la salud basado en el reconocimiento de su autonomía para tomar
decisiones terapéuticas informadas, lo que permitió el pase de un modelo paternalista ─que
concedía a los y las médicos/as absoluta libertad para actuar, presuntamente, en beneficio de
los y las pacientes─ a un modelo contractualista ─que imponía mites a la autoridad médica
mediante la necesidad del consentimiento de los y las pacientes─.
En aquel contexto movilizaciones, las críticas al modelo paternalista y a la absoluta
autoridad médica en la atención de la salud también fueron promovidas por el mencionado
movimiento por la salud de las mujeres. En efecto, las feministas afirmaban que en sus
diferentes roles dentro la atención médica ─principalmente, como pacientes y enfermeras─, los
médicos paternalistas les negaban el derecho a participar en las decisiones terapéuticas al no
compartirles información o al no tomar en serio su capacidad para decidir (Starr, 1982). En este
punto, es importante mencionar que la perspectiva tradicional de la autonomía también ha sido
promovida por parte del movimiento feminista al reivindicar el derecho de las mujeres a decidir,
El acceso diferenciado a la ciudadanía en la bioética feminista: una revisión de las críticas en torno a los ideales de imparcialidad y
autonomía absoluta en la bioética predominante
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lo cual ha sido paradigmático en su lucha por la legalización del aborto. En efecto, el
movimiento estadunidense denominado pro-choice enmarcó su demanda por el aborto legal en
términos de libertad de decisión sobre el propio cuerpo sin interferencias externas, en sintonía
con las formulaciones teóricas de una serie de académicos/as feministas y liberales que han
defendido el derecho a la interrupción del embarazo sobre la base del derecho a la autonomía
corporal (Thomson, 2016/1971; Overall, 1987).
Si bien el paso del modelo paternalista al modelo contractualista de la atención a la salud
permitió ampliar el alcance de la autonomía en términos liberales para reconocer el derecho a
decidir de pacientes y mujeres, entre otros grupos sociales, parte del movimiento feminista
comenzó a sospechar, también, de una serie de sesgos involucrados en ese modelo. Un punto
de partida ─aunque no específico del ámbito de la salud─ consistió en la advertencia de
Pateman (1988) respecto a la exclusión de las mujeres del contrato social en el marco de la
tradición contractualista ─en la cual, como se ha mencionado, se inspira la propuesta de Rawls
(1995) . En efecto, de acuerdo con la autora, la historia del contrato original constituye, al
mismo tiempo, la historia de las libertades civiles de los varones y la historia ─menos contada─
de la subordinación de las mujeres en la esfera privada. En este sentido, según la autora, la
libertad civil no era universal, sino apenas un atributo masculino, en la medida que los varones
han sido, en el marco del pacto social, las únicas personas consideradas propiamente como
individuos: libres, independientes, propietarios de su propia persona. En función de esa
advertencia, muchas feministas comenzaron a sospechar de la identificación entre relaciones
libres y relaciones contractuales y, con esto, del modelo contractualista en el ámbito de la salud.
Como ha enfatizado la bioeticista feminista Kittay (2011), la autosuficiencia de los varones
presupuesta en la tradición contractualista ha constituido una ficción, puesto que solo se ha
podido plantear tal independencia de los hombres en la medida que se ha invisibilizado su
dependencia del trabajo de cuidado realizado por mujeres, tanto en el ámbito doméstico como
en el de la atención a la salud. Específicamente, con respecto a ese segundo ámbito, Kittay y
Feder (2003) han destacado que las relaciones de cuidado son cotidianas, pero que a menudo
reciben muy poca atención por parte de la bioética en comparación con las innovaciones
biomédicas sofisticadas que pueden ser mucho menos significativas en el día a día. En una línea
similar, Held (2006) ha sostenido que, aunque el cuidado y las relaciones de interdependencia
forman parte de la condición humana y de la vida cotidiana, han tendido a predominar las teorías
que pasan por alto esa realidad, las cuales han sido construidas sobre la imagen falsa del
individuo absolutamente independiente.
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De acuerdo con lo mencionado, la bioética y la ética de la investigación tradicionales
han tendido a asumir un ideal de autonomía según el cual los individuos que reúnen ciertas
condiciones mínimas para consentir de manera informada (competencia y voluntariedad) ─o
bien, en el caso contrario, para rechazar informadamente un tratamiento o una invitación para
participar en una investigación científica─ poseen absoluta independencia para tomar sus
propias decisiones sin interferencias, en función de lo cual los marcos predominantes de la
bioética y de la ética de la investigación han tendido a invisibilizar las relaciones de
interdependencia cotidianas. Ahora bien, resulta importante mencionar que esa invisibilización
ha estado acompañada por otro modo de infravaloración de la dependencia: una visión
esencialista de ese concepto. En efecto, de acuerdo con Scully (2021), mediante procesos de
patologización de la dependencia, la condición de precisar de ciertos tipos de cuidados ha sido
concebida, en un sentido esencialista, como inevitablemente anómala y patológica. En otros
términos, la dependencia ha sido entendida peyorativamente como la carencia de lo que la
tradición bioética ha considerado como lo estándar, lo normal, lo saludable o lo esperable en el
ser humano: la autonomía.
Junto con la patologización de la dependencia, los enfoques relacionales basados en el
cuidado también han sido infravalorados en los marcos bioéticos predominantes al ser
considerados, en última instancia, apropiados para abordar, apenas, la relación entre enfermeras
y pacientes (Edwards, 2009). Por el contrario, de acuerdo con Little (1996), la relación médico-
paciente ha sido concebida como un contrato entre partes iguales, independientes y
autosuficientes: al considerar en qué consiste el respeto por la autonomía del paciente, se ha
tendido a adoptar un modelo de consumidor-proveedor en el que la alternativa a simplemente
informar y luego llevar a cabo los deseos del paciente debe ser considerada como una actitud
paternalista. Según la autora, si bien tal modelo podría ser apropiado para las relaciones
comerciales entre iguales, parece inadecuado como modelo para las relaciones marcadas por
las asimetrías de poder propias de la relación entre médicos/as y pacientes. Incluso, Scully
(2021) considera que ese enfoque de autonomía se torna más problemático cuando se trata de
relaciones que involucran a grupos subalternos, para quienes las estructuras materiales, sociales
y políticas pueden limitar de manera severa el ejercicio de su autodeterminación.
Análogamente, McLeod y Sherwin (2000) sostienen que las estructuras sociales opresivas
afectan el desarrollo de la autoestima y de la autoconfianza en personas que forman parte de
grupos subalternos, de manera que, en el marco de la relación médico-paciente, la falta de
autoconfianza puede reducir la competencia del agente para tomar decisiones autónomas en lo
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que respecta al cuidado de su propia salud. De acuerdo con esas autoras, los abordajes
tradicionales de la autonomía en la bioética predominante han profundizado en ciertos factores
que interfieren en la autodeterminación de los individuos ─la coerción, la compulsión interna
y la ignorancia─, en función de lo cual han ignorado el hecho de que la opresión afecta la
autodeterminación de grupos sociales enteros en lugar de simplemente interferir en las
decisiones autónomas de individuos aislados.
Luego de haber descripto una serie de críticas desde perspectivas feministas contra el
ideal de autonomía que asume el marco bioético predominante, interesa mencionar que, de
acuerdo con Mackenzie y Stoljar (2000), ninguna objeción justifica descartar por completo el
concepto de autonomía. Por el contrario, según las autoras, el desafío para las teóricas
feministas consiste en aprovechar esos cuestionamientos para reconceptualizar la autonomía
desde un enfoque feminista. Esos esfuerzos han resultado en la creación del concepto de
autonomía relacional, cuyos presupuestos básicos, de acuerdo con Mackenzie y Stoljar (2000),
consisten en que las personas están insertadas socialmente y que las identidades de los agentes
se forman en el marco de las relaciones sociales y están moldeadas por una serie de factores
como el género, la raza y la clase, de manera que la autonomía individual no puede entenderse
separadamente de las dimensiones sociales e intersubjetivas. En función de esto, de acuerdo
con las autoras, la autonomía individual debe distinguirse de las concepciones individualistas
de la autonomía individual: es decir, debe diferenciarse de aquellos enfoques predominantes
que visualizan al individuo de manera aislada y abstracta. En este sentido, lo problemático de
los abordajes hegemónicos de la autonomía no reside en la consideración de la agencia
individual, sino en el modo descontextualizado en que concibe al agente: esto es, escindido de
cualquier vínculo social, histórico, emocional y corporal. Por el contrario, los abordajes
relacionales de la autonomía se distinguen de los individualistas al reconocer que los agentes
no son atómicos ni absolutamente autosuficientes, sino que están inmersos en contextos sociales
e históricos complejos ─que, cuando son opresivos, pueden, incluso, socavar su autonomía─;
y que tampoco son puramente racionales, sino que, también, son emocionales, corpóreos,
deseantes, creativos y sensibles (Mackenzie; Stoljar, 2000).
En una línea similar, McLeod y Sherwin (2000) entienden la autonomía relacional como
el reconocimiento explícito del hecho de que la autonomía se define y lleva a cabo en un
contexto social que influye significativamente en las oportunidades que tiene un agente para
desarrollar o manifestar habilidades para el ejercicio de la autonomía. Así, según las autoras, el
concepto de autonomía relacional demanda la necesidad de examinar la posición que el agente
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ocupa en la sociedad, considerando seriamente cómo las estructuras sociales y políticas afectan
su vida y sus oportunidades. Por su parte, las autoras que promueven la ya mencionada ética
del cuidado también reconocen que la autonomía de un agente no puede entenderse de manera
separada de su contexto social, si bien se centran en aspectos que difieren de los que McLeod
y Sherwin destacan. El abordaje relacional de Held (2006), por ejemplo, enfatiza la
interdependencia como condición humana básica y el cuidado como experiencia moralmente
significativa. En este sentido, tanto McLeod y Sherwin (2000) como Held (2006) reconocen la
dimensión social de la autonomía, pero mientras que las primeras se centran en el impacto de
las relaciones de poder en el desarrollo y ejercicio de la autodeterminación, la segunda destaca
que la autonomía que se busca dentro de la ética del cuidado consiste en la capacidad de
remodelar y cultivar nuevas relaciones.
Según lo mencionado, una de las características centrales de los enfoques relacionales
de la autonomía consiste en el reconocimiento del agente como, para decirlo en términos de
Baier (1985) una “segunda persona”. Este concepto enfatiza la dimensión sociohistórica de la
subjetividad al significar que las personas son, fundamentalmente, herederas de otras personas
que las han precedido y, al mismo tiempo, destaca las relaciones de dependencia como
condición necesaria para el desarrollo humano al significar que las personas son herederas de
la labor de aquellas otras personas de las que han dependido para su cuidado y formación. A su
vez, según lo mencionado, otra de las características centrales de los enfoques relacionales
consiste en la consideración del agente como, para decirlo en términos de Benhabib (1990), un
“otro concreto”, contextualizado, situado, corporizado. De acuerdo con la autora, la
consideración de un otro concreto conduce a desvelar el mito del ideal de autonomía que la
ética tradicional sostiene en el presupuesto de un “otro generalizado” ─es decir, de un agente
abstracto, puramente racional e independiente─. En definitiva, concebir al agente como una
segunda persona y como un otro concreto implica considerar que el ejercicio de su autonomía
no puede entenderse separadamente de sus vínculos de interdependencia con otros agentes, de
las relaciones de poder que afectan su vida y sus oportunidades, de su historia, de sus
circunstancias actuales y de sus emociones, entre otros factores que los enfoques predominantes
de la autonomía desconsideran.
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Palabras finales
A lo largo de este artículo, se han reconstruido los diferentes abordajes de la bioética
feminista que promueven un acceso diferenciado a la ciudadanía en los campos de la salud y de
la ética médica, a través del análisis de una serie de críticas formuladas por las bioeticistas
feministas contra dos ideales sostenidos por el marco bioético predominante: el de
imparcialidad y el de autonomía absoluta. Con respecto al primero, que ha sido analizado
conjuntamente con las objeciones en torno a las visiones esencialistas de la diferencia, la
bioética feminista ha criticado que el marco bioético predominante ha asumido el punto de vista
de los sectores privilegiados como neutro y a ellos mismos como representantes genéricos de
la humanidad, lo cual, lejos de constituir, apenas, un presupuesto teórico, ha contribuido
activamente a la exclusión, al silenciamiento y al fortalecimiento de estereotipos en torno a las
mujeres y a otros grupos subalternos. En efecto, en primer lugar, las bioeticistas feministas
denunciaron que la presunción del representante genérico de la humanidad había derivado en
la exclusión de las mujeres como sujetas de investigación en los ensayos clínicos y,
consecuentemente, en la ausencia de datos y tratamientos vinculados con sus necesidades de
salud. En segundo lugar, criticaron que la misma presunción había resultado en la falta de
cobertura médica para aquellas necesidades de salud de las mujeres para las cuales existen
tratamientos, al ser catalogadas como “específicas”, en contraste con las necesidades
masculinas, concebidas como universales. En tercer lugar, se pronunciaron contra los procesos
de medicalización dirigidos a reforzar las visiones esencialistas de la diferencia, así como contra
la justificación de las intervenciones médicas asociadas a esos procesos mediante el principio
de beneficencia. En cuarto lugar, denunciaron que el fortalecimiento de esas visiones
esencialistas de la diferencia había contribuido a reforzar la caracterización de los grupos
subalternos como informantes poco confiables en el ámbito de la atención a la salud. Por último,
criticaron que la presunción del ideal de imparcialidad y la promoción de las concepciones
esencialistas de la diferencia han promovido el silenciamiento y la infravaloración de las
experiencias morales de las mujeres, de sus conocimientos y de sus funciones desempeñadas
en el ámbito de la salud, a la vez que han contribuido a invisibilizar las relaciones de poder que
atraviesan ese ámbito.
En lo que respecta al ideal de autonomía absoluta, la bioética feminista ha criticado que
el marco bioético predominante ha asumido una imagen ficticia del agente moral: lo ha
presupuesto como un individuo abstracto, aislado de su entorno, autosuficiente, racional y
completamente independiente de factores culturales, emocionales o vinculares que pudieran
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interferir en sus decisiones. Si bien, en ocasiones, el feminismo se ha servido de ese enfoque
individualista de la autonomía para enmarcar reivindicaciones vinculadas con el derecho de las
mujeres a decidir, diversas autoras y activistas feministas comenzaron a sospechar, también, de
una serie de sesgos involucrados en esa perspectiva. En ese contexto, las bioeticistas feministas
han señalado, en primer lugar, que la independencia de los hombres solo ha podido plantearse
en la medida que se ha invisibilizado su dependencia del trabajo de cuidado realizado por
mujeres, tanto en el ámbito doméstico como en el de la salud. En segundo lugar, han destacado
que, a pesar de su cotidianidad, las relaciones de cuidado en el ámbito de la salud han recibido
escasa atención por parte del marco bioético predominante. En tercer lugar, han resaltado que
la invisibilización del cuidado ha estado acompañada por procesos de patologización de la
dependencia. Por último, han criticado el hecho de que la relación médico-paciente haya sido
concebida por el marco bioético predominante como un contrato entre partes iguales,
independientes y autosuficientes, desconsiderando las asimetrías de poder propias del vínculo
entre ambos actores, especialmente cuando la relación involucra a grupos subalternos, para
quienes las estructuras materiales, sociales y políticas pueden limitar de manera severa el
ejercicio de su autodeterminación.
Como heredera del movimiento por la salud de las mujeres, la bioética feminista ha
reivindicado el acceso diferenciado a la ciudadanía en los campos de la salud y de la ética
médica: esto es, un acceso a esos campos basado en la expresión antiesencialista de la
especificidad, en oposición al ideal tradicional de ciudadanía universal no diferenciada y a las
visiones esencialistas de la diferencia. En este sentido, la bioética feminista ha planteado que,
para revertir la miopía que el marco bioético predominante presenta respecto a los puntos de
vista de los grupos subalternos ─y, por ende, para contrarrestar su presunción de un punto de
vista neutro─, se torna esencial promover, en los ámbitos de la salud y de la ética médica, una
política igualitaria de la diferencia basada en la paridad participativa. Esta política requiere,
entonces, de la participación activa de los sectores sociales tradicionalmente silenciados en los
procesos democráticos de deliberación y toma de decisiones relacionados, entre otros aspectos,
con la definición de sus propias necesidades en salud, con la construcción de opciones
terapéuticas y con la reconfiguración de los vínculos entre profesionales de la salud y pacientes,
así como entre colegas provenientes de diferentes sectores sociales.
Asimismo, la incorporación diferenciada a la ciudadanía reivindicada por la bioética
feminista no solo se relaciona con la expresión no esencialista de la especificidad en los campos
de la salud y de la ética médica, sino también con la perspectiva no esencialista de los agentes
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que acceden diferencialmente a la ciudadanía en esos ámbitos. En este sentido, las bioeticistas
feministas han planteado la necesidad de abandonar la concepción ficticia del agente abstracto
y aislado, para lo cual se torna esencial prestar atención a los aspectos sociales, políticos,
familiares, contextuales, históricos y emocionales que influyen en el ejercicio de la autonomía.
Después de todo, la especificidad no puede ser expresada de manera no esencialista por un
agente general, sino solamente por uno concreto. En este sentido, la bioética feminista ha
señalado que la autodeterminación de un agente no puede entenderse aisladamente de los
vínculos de interdependencia que mantiene con otros agentes, de las relaciones de poder que lo
atraviesan, de su historia, de sus circunstancias actuales y de sus emociones, entre otros factores
que los enfoques predominantes de la autonomía ignoran.
AGRADECIMENTOS: Agradezco al PICT-2021-GRF-TI-00786, Ética y derecho humano
a la salud desde una mirada interseccional”, por los diálogos que contribuyeron a la realización
de este artículo.
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Jessica Marcela KAUFMAN
Rev. Cadernos de Campo, Araraquara, v. 24, n. esp. 2, e024016, 2024. e-ISSN: 2359-2419
DOI: https://doi.org/10.47284/cdc.v24iesp.2.18991 27
CRediT Author Statement
Reconocimientos: No aplicable.
Financiación: Esta investigación no recibió financiamiento.
Conflictos de intereses: No fueron identificados conflictos de interés.
Aprobación ética: Por tratarse de una investigación de revisión bibliográfica, este trabajo
no fue sometido a la evaluación de un comité de ética.
Disponibilidad de datos y materiales: El material utilizado para este trabajo es el que se
indica en las referencias bibliográficas.
Contribuciones de los autores: La investigación fue realizada de manera integral por la
autora.
Procesamiento y edición: Editora Iberoamericana de Educación - EIAE.
Corrección, formateo, normalización y traducción.