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A tomada de consciência em uma perspectiva metacognitiva: Possibilidades para a sala de aula
A TOMADA DE CONSCIÊNCIA EM UMA PERSPECTIVA METACOGNITIVA:
POSSIBILIDADES PARA A SALA DE AULA
LA TOMA DE LA CONCIENCIA EN UNA PERSPECTIVA METACOGNITIVA:
POSIBILIDADES PARA EL AULA
THE TAKE OF CONSCIOUSNESS IN A METACOGNITIVE PERSPECTIVE:
POSSIBILITIES FOR THE CLASSROOM
Maykon Jhonatan SCHRENK
1
Rodolfo Eduardo VERTUAN
2
RESUMO
: Este artigo objetiva apresentar entendimentos acerca da tomada de consciência
em uma perspectiva metacognitiva. Para isso, trata, inicialmente, de aspectos teóricos de
cognição e de metacognição. Em seguida, discute a tomada de consciência e correlações
percebidas entre ela e a metacognição para, a partir disso, apresentar um entendimento de
tomada de consciência em uma perspectiva metacognitiva. Neste contexto, a tomada de
consciência passa a ser definida como um processo consciente de percepção e reconhecimento
que se dá enquanto o sujeito desenvolve tarefas e lida com situações que envolvem
investigação, de modo que o diálogo empreendido no âmbito de grupos pode suscitar
mediações que provoquem esse processo. A tomada de consciência, nesta perspectiva, tem
como essência a administração, a reflexão e a avaliação das ações dos próprios sujeitos e dos
fenômenos estudados por eles, de modo a potencializar suas próprias atividades cognitivas e
metacognitivas.
PALAVRAS-CHAVE
: Cognição. Metacognição. Monitoramento cognitivo. Educação.
Aprendizagem.
RESUMEN
: Este artículo tiene como objetivo presentar entendimientos sobre la toma de
conciencia en una perspectiva metacognitiva. Para ello, inicialmente se ocupa de los
aspectos teóricos de la cognición y la metacognición. Luego, se discute la toma de conciencia
y las correlaciones percibidas entre ella y la metacognición para, a partir de ahí, presentar
una comprensión de la toma de conciencia en una perspectiva metacognitiva. En este
contexto, la toma de conciencia se define como un proceso consciente de percepción y
reconocimiento que tiene lugar mientras el sujeto desarrolla tareas y afronta situaciones que
involucran investigación, de manera que el diálogo que se lleva a cabo dentro de los grupos
puede generar mediaciones que provoquen este proceso. La toma de conciencia, en esta
perspectiva, tiene como esencia la administración, reflexión y evaluación de las acciones de
los propios sujetos y de los fenómenos estudiados por ellos, con el fin de potenciar sus
propias actividades cognitivas y metacognitivas.
1
Escola Municipal Pedro Álvares Cabral (EMPÁC), Santa Helena – PR – Brasil. Professor dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental. Mestre em Educação em Ciências e Educação Matemática (UNIOESTE). ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-1448-6596. E-mail: maykon_schrenk@hotmail.com
2
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Toledo – PR – Brasil. Professor do Magistério
Superior. Doutorado em Ensino de Ciências e Educação Matemática (UEL). ORCID: https://orcid.org/0000-
0002-0695-3086. E-mail: mailto: rodolfovertuan@utfpr.edu.br
Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ.,
Araraquara, v. 23, n. 00, e022003, jan./dez. 2022 e-ISSN: 2594-8385
DOI:
https://doi.org/10.30715/doxa.v23i00.157951
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Maykon Jhonatan SCHRENK e Rodolfo Eduardo VERTUAN
PALABRAS CLAVE
: Cognición. Metacognición. Monitorización cognitiva. Educación.
Aprendizaje.
ABSTRACT
: This article aims to present understandings about take of consciousness raising
in a metacognitive perspective. To do so, it initially deals with theoretical aspects of cognition
and metacognition. Then, it discusses take of consciousness and perceived correlations
between it and metacognition to, from there, present an understanding of take of
consciousness in a metacognitive perspective. In this context, take of consciousness raising is
defined as a conscious process of perception and recognition that takes place while the
subject develops tasks and deals with situations that involve investigation, so that the
dialogue undertaken within groups can raise mediations that provoke this process. The take
of consciousness, in this perspective, has as its essence the administration, reflection and
evaluation of the actions of the subjects themselves and of the phenomena studied by them, in
order to enhance their own cognitive and metacognitive activities.
KEYWORDS
: Cognition. Metacognition. Cognitive monitoring. Education. Learning.
Introdução
Imagine-se, por um momento, chegando a uma cidade em que nunca esteve. É
possível que comece a pensar: que lugar visitar? Onde é mais seguro? Como identificar os
melhores trajetos? Mesmo que alguém já tenha lhe falado sobre a cidade, ou ainda, que você
se localize com uma ferramenta tecnológica, incertezas aparecem e é preciso construir
conhecimento sobre esta nova situação. Assim, começam-se a se estabelecer relações e
padrões sobre esta cidade, de modo que em um momento futuro você não fique mais perdido
ou preocupado em conseguir se localizar nela.
Esse primeiro “conhecer” pode permitir a você antecipar situações que antes não
podiam ser previstas, ganhando tempo e agilidade. Estas antecipações denotam um
entendimento de como funciona e de como é essa cidade. Todavia, é a partir da tomada de
consciência sobre este entendimento que consideramos possível monitorar as ações baseadas
nos conhecimentos adquiridos. Neste trabalho, que parte da dissertação de mestrado do
primeiro autor
3
, interessamo-nos, de modo especial, em aprofundar e apresentar
entendimentos acerca da tomada de consciência em uma perspectiva metacognitiva.
Reconhecemos a importância de práticas e contextos provocativos da tomada de
consciência no ambiente escolar porque entendemos que o estudante que toma consciência
3
A dissertação de mestrado do primeiro autor teve como objetivo discutir a tomada de consciência de estudantes
de quintos e sextos anos ao desenvolverem atividades de Modelagem Matemática, tomadas na perspectiva da
Educação Matemática.
Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ.,
Araraquara, v. 23, n. 00, e022003, jan./dez. 2022 e-ISSN: 2594-8385
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A tomada de consciência em uma perspectiva metacognitiva: Possibilidades para a sala de aula
dos mecanismos e estratégias que mobiliza para aprender tem condições de recorrer aos
mesmos mecanismos e aos conceitos já utilizados em experiências anteriores no
enfrentamento de novas situações. Esse comportamento denota e contribui para diferentes
aprendizagens. Isso porque concordamos que “[...] o ensino deve estimular a pessoa a parar,
refletir sobre sua própria maneira de ser, pensar, agir e interagir, assim como convidá-la,
conscientemente, a mudar quando for necessário melhorar sua aprendizagem” (PORTILHO,
2011, p. 106).
Neste contexto é que se empreende a escrita deste artigo, que entende a tomada de
consciência em uma perspectiva metacognitiva, tomando o contexto da sala de aula como
plano de reflexão. Para isso, apresenta, inicialmente, considerações acerca da cognição e da
metacognição para, na sequência, discorrer sobre a tomada de consciência e correlações
percebidas entre ela e a metacognição.
Cognição
Considerando o exemplo de visita à cidade, é possível que, ao andar por ela, uma
pessoa aprenda rotas, pontos de referência, modos de se locomover, enfim, construa
conhecimentos ao precisar lidar com diferentes situações. Este conhecimento sobre a cidade é
o que podemos relacionar ao que chamamos de cognição.
Para Beber, Silva e Bonfiglio (2014), todo conhecimento que o sujeito constrói
enquanto desenvolve uma tarefa está relacionado aos seus processos cognitivos. Todavia,
assim como no caso da visita à cidade, para além das aprendizagens adquiridas, consideramos
igualmente importante que os sujeitos reflitam sobre os mecanismos subjacentes ao
conhecimento construído, dito de outro modo, que reflitam sobre as aprendizagens
construídas e sobre os modos de sua construção, o que implicaria na possibilidade de utilizar
essas aprendizagens no enfrentamento de novas situações. No contexto escolar, González
(2009) atenta para a importância de empreender um ensino que privilegie o desenvolvimento
cognitivo dos estudantes, por meio de abordagens que adotem ações de indagação,
investigação e gestão da informação.
Mas como é possível ao sujeito tomar consciência sobre suas ações e processos
cognitivos e compreender como “produz conhecimento”? Neste sentido, passamos a discutir o
que tem sido denominado na literatura de metacognição, um processo também cognitivo, mas
de segundo nível, como quando o sujeito toma como objeto de reflexão e ação, os seus
próprios conhecimentos e “jeitos” de conhecer.
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Araraquara, v. 23, n. 00, e022003, jan./dez. 2022 e-ISSN: 2594-8385
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Maykon Jhonatan SCHRENK e Rodolfo Eduardo VERTUAN
Metacognição
No exemplo de visita à cidade é possível considerar dois cenários: um, em que, ao se
andar pela cidade com vistas a chegar a algum destino, não se estabelecem de modo
consciente pontos de referência, ou mesmo busca-se relações entre as ruas; e outro, em que o
estabelecimento de relações entre pontos de referência e ruas é feito com vistas a facilitar uma
próxima visita, como quem constrói um “um mapa mental” da cidade. Em ambas as situações,
temos exemplos de atividades cognitivas relativas à localização na referida cidade, mas
apenas no segundo cenário é que a atividade cognitiva de “se localizar” é assistida por outra
atividade cognitiva, tão importante quanto a primeira, mas considerada de segundo nível, uma
vez que trata da reflexão sobre a atividade cognitiva anterior. Trata-se, portanto, da
metacognição.
A metacognição foi considerada, inicialmente, por Flavell (1976, p. 232, tradução
nossa) como “o conhecimento que uma pessoa tem acerca dos próprios processos cognitivos
ou qualquer coisa relacionada a eles”. Segundo González (1996, p. 109, tradução nossa),
metacognição “é um termo usado para designar uma série de operações, atividades e funções
cognitivas empreendidas por uma pessoa mediante um conjunto interiorizado de mecanismos
intelectuais”. Portilho (2011, p. 110) afirma que “o termo metacognição se pode aplicar, de
forma geral, aos conhecimentos que as pessoas têm sobre a cognição, enquanto estão
resolvendo uma determinada tarefa”. Beber, Silva e Bonfiglio (2014, p. 146), ao encontro de
Flavell, apresentam a metacognição como “o conhecimento dos próprios produtos cognitivos,
isto é, o conhecimento que o sujeito tem sobre seu conhecimento”. Desse modo, a
metacognição pode ser entendida como um pensamento que se dá enquanto desenvolvemos
uma tarefa e lidamos com as situações, que coloca as ações empreendidas nessas situações
como foco de análise e reflexão.
Ainda que a metacognição nem sempre seja manifestada explicitamente por um
sujeito, as reflexões advindas deste tipo de pensamento, de processo mental, influenciam e
desencadeiam ações em outras atividades cognitivas. Yanni-Plantevin (1999) atenta que a
metacognição do sujeito pode ser a base para que tome decisões relativas à própria atividade
cognitiva.
Neste sentido, Grangeat (1999) apresenta que duas vias abrem acesso à metacognição,
sendo a primeira, o sucesso frente a reais obstáculos cognitivos enfrentados na resolução de
problemas e, o segundo, as relações advindas do trabalho em grupo mediadas por outro.
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A tomada de consciência em uma perspectiva metacognitiva: Possibilidades para a sala de aula
Segundo Beber, Silva e Bonfiglio (2014), em contextos escolares, quando o estudante passa a
entender como ele pensa para aprender, aumenta as possibilidades de superar suas limitações.
Além de aprender sobre os conceitos, ao compreender os processos cognitivos que realiza
nesse aprender, o estudante pode potencializar o desenvolvimento de competências,
fortalecendo áreas já desenvolvidas e estruturadas bem como possibilitando novas
aprendizagens e o preparo para o enfrentamento de novos obstáculos.
Para González (2009, p. 133), os processos metacognitivos
[...] são exercidos nos processos cognitivos; eles implicam o conhecimento
de nossos próprios modos de desempenho cognitivo (tanto gerais quanto
específicos), a capacidade de controlá-los simultaneamente (isto é, durante a
realização de alguma tarefa que requer seu uso) e regulá-los, isto é, usá-los
ou parar de fazê-lo, quando é conveniente alcançar os objetivos que a tarefa
procura.
No exemplo da visita à cidade, o conhecimento dos processos cognitivos está
relacionado ao momento em que compreendemos que podemos utilizar os pontos de
referência de forma útil e eficaz. Já a capacidade de regulá-los, se refere ao monitoramento
deste conhecimento a fim de chegar ou retornar a um determinado local e avaliar como foi
percorrido o trajeto, ou seja, realizar ações e avaliar como foi esta experiência. Neste
contexto, consideramos interessante aprofundar a ideia de metacognição destacando duas
vertentes: o “Conhecimento Sobre a Cognição” e o “Monitoramento Cognitivo”.
Metacognição nas vertentes Conhecimento Sobre a Cognição e Monitoramento
Cognitivo
Ao desenvolver uma tarefa, espera-se que o sujeito busque em sua experiência
conceitos e estratégias que podem facilitar o seu desenvolvimento. Neste momento a
metacognição se apresenta na sua vertente “conhecimento sobre a cognição”. Quando o
sujeito passa a monitorar este processo de revisão de conceitos ou mesmo quando realiza o
acompanhamento consciente da execução de um planejamento de resolução, ele está
realizando a metacognição na vertente do “monitoramento cognitivo”.
Vertuan e Almeida (2016) apresentam que a metacognição pode ser tomada como
produto quando se refere ao conhecimento acerca da cognição ou como processo quando se
relaciona ao monitoramento que um sujeito exerce sobre sua própria atividade cognitiva.
Essas duas vertentes já haviam sido apontadas por González (2009), quando este afirma que a
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Maykon Jhonatan SCHRENK e Rodolfo Eduardo VERTUAN
metacognição está associada ao conhecimento de si próprio, possibilitando a autoconsciência,
regulação e controle de sua própria atividade cognitiva.
Doly (1999) afirma que os conhecimentos sobre a cognição e os produtos da cognição
podem guiar a atividade cognitiva do sujeito, ou seja, podem incidir no “como” o pensamento
e as funções mentais (memória, o raciocínio, a atenção, entre outros) de um sujeito funcionam
enquanto desenvolvem uma tarefa ou resolvem um problema.
Beber, Silva e Bonfiglio (2014) atentam para a “autorregulação”
4
. Para os autores, a
autorregulação permite ao sujeito desenvolver competências sobre o que é importante
aprender, e não somente aprender, mas sim organizar e executar adequadamente as ideias,
para que o desenvolvimento da tarefa apresente um resultado satisfatório.
Uma tarefa pode tomar diferentes caminhos e requerer diferentes conceitos para seu
desenvolvimento. Estas vertentes da metacognição contribuem para que o sujeito, frente a um
repertório de estratégias e conceitos construídos em sua formação, em suas experiências
anteriores, possa identificar, analisar e utilizar a estratégia e/ou conceito que considera mais
adequado para o contexto. A partir do momento em que o sujeito passa a “refletir sobre” e a
“monitorar” seus processos cognitivos enquanto desenvolve uma tarefa, passa a ter algum
controle sobre ela. Segundo Doly (1999, p. 24), “o controle da tarefa se efetua através dos
mecanismos de monitorização e das experiências metacognitivas que podem evocar os
metaconhecimentos úteis à gestão da tarefa”.
Vertuan (2013) apresenta um esquema (Figura 1), baseado na perspectiva de
metacognição de Flavell, que contribui para a compreensão acerca da metacognição nas suas
duas vertentes – conhecimento sobre a cognição e monitoramento cognitivo.
4
Neste trabalho, as palavras “monitoramento”, “monitoramento cognitivo” e “autorregulação” serão tratadas
como sinônimas.
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A tomada de consciência em uma perspectiva metacognitiva: Possibilidades para a sala de aula
Figura 1
– Esquema sobre a metacognição na perspectiva de Flavell
Fonte: Vertuan (2013, p. 63)
No esquema da Figura 1, a vertente conhecimento sobre a cognição envolve dois
aspectos:
sensibilidade
e
conhecimento das variáveis pessoa, estratégia e tarefa
. Segundo
Rosa (2011, p. 43),
[...] tem-se por “sensibilidade” a capacidade do indivíduo de decidir sobre a
necessidade ou não de utilizar estratégias para desenvolver determinada
atividade. [...] É a tomada de decisão do estudante sobre recorrer ou não ao
pensamento metacognitivo. [...] As variáveis da pessoa, da tarefa e da
estratégia, assim como de suas relações, resultam das crenças do indivíduo
como ser cognitivo; é o conhecimento que as pessoas têm sobre elas
mesmas, o qual afeta o seu rendimento na realização de suas tarefas
(aprendizagem). É estabelecido por meio da tomada de consciência das
próprias variáveis mencionadas, bem como pelo modo como interagem e
influenciam no alcance do objetivo cognitivo.
A autora afirma que é por meio da tomada de consciência que se estabelece o
conhecimento sobre a cognição (sobre as variáveis pessoa, estratégia e tarefa), de modo a
possibilitar o alcance do objetivo cognitivo, como resolver um problema matemático, por
exemplo.
No caso da visita à cidade, a sensibilidade é que possibilita ao sujeito decidir se
recorre ao seu pensamento metacognitivo enquanto anda por ela (cidade). Os conhecimentos
das variáveis pessoa, tarefa e estratégia, denominados conhecimentos metacognitivos, “são
constituídos pelos sujeitos, portanto, na reflexão que esses fazem em relação aos próprios
processos cognitivos postos em ação nas situações cotidianas e na resolução de problemas”
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Maykon Jhonatan SCHRENK e Rodolfo Eduardo VERTUAN
(VERTUAN, 2013, p. 58) e, no nosso exemplo, são postos em ação pelo sujeito para permitir
trafegar pela cidade e alcançar seu objetivo. Analogamente, no contexto da sala de aula,
enquanto desenvolvem uma tarefa, a tomada de consciência dos estudantes se relaciona à
reflexão de seus próprios processos cognitivos de modo a possibilitar o pensamento
metacognitivo.
Explorando o esquema (Figura 1), evidenciamos que a vertente conhecimento sobre a
cognição constitui um dos quatro fenômenos que interagem na vertente monitoramento
cognitivo -
conhecimento metacognitivo
(ou conhecimento acerca da cognição), que já
apresentamos. Vertuan (2013), com base em Flavell (1979), explica sobre os outros três:
experiências metacognitivas
“são experiências conscientes, afetivas e cognitivas,
que acompanham um empreendimento cognitivo” (VERTUAN, 2013, p. 61);
objetivos cognitivos
“são os responsáveis por impulsionar e mover a realização de
ações cognitivas” (VERTUAN, 2013, p. 61). Segundo o autor, é a partir de um
objetivo cognitivo que o sujeito busca em seus conhecimentos metacognitivos, já
incluindo as experiências metacognitivas, maneiras de pensar a tarefa e realizá-la;
e ações (ou estratégias) cognitivas
, que podem assumir um caráter cognitivo
(quando visa atingir um objetivo cognitivo) ou metacognitivo (quando intenta
avaliar a situação em estudo, monitorar o processo de resolução, verificar se o
modo como está conduzindo a resolução tende a atingir o objetivo almejado).
De acordo com Vertuan (2013, p. 62), “a ação do tipo metacognitiva produz também
experiências metacognitivas que, por sua vez, agem e modificam os conhecimentos
metacognitivos que, novamente, influenciam os objetivos e ações cognitivas”. Portanto, os
quatro fenômenos se interagem instantânea, dinâmica e continuamente.
Na seção anterior, apresentamos que, no exemplo de visita à cidade, o conhecimento
dos processos cognitivos está relacionado ao momento em que compreendemos que podemos
utilizar os pontos de referência de forma útil e eficaz. Já a capacidade de regulá-los se refere
ao monitoramento deste conhecimento a fim de chegar ou retornar a um determinado local e
avaliar como foi percorrido o trajeto, ou seja, realizar ações e avaliar como foi esta
experiência.
Neste momento podemos ampliar este conceito, pois em relação à experiência
metacognitiva utilizamos o conhecimento que adquirimos sobre a cidade, para atingir um
objetivo cognitivo, um destino, e as ações e estratégias visam avaliar a situação durante e após
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atingir o objetivo. Desse modo, percebemos que a metacognição na vertente do
monitoramento se manifesta por meio da reflexão que o sujeito realiza sobre os processos
cognitivos utilizados na visita à cidade e na administração e avaliação desta experiência.
Vertuan (2013, p. 64), baseado em Tovar-Gálvez (2008), Flavell (1976) e Flavell e
Wellman (1977, s/p), apresenta que a reflexão, administração e avaliação se manifestam como
dimensões do monitoramento cognitivo:
a) dimensão da reflexão na qual o sujeito reconhece e avalia suas próprias
estruturas cognitivas, possibilidades metodológicas, processos, habilidades e
desvantagens; b) dimensão da administração durante a qual o indivíduo, que
já conhece seu estado, passa a combinar os componentes cognitivos
diagnosticados, a fim de formular estratégias para resolver a tarefa; e c)
dimensão de avaliação, através da qual o sujeito valida a implementação de
suas estratégias e o grau em que se está alcançando o objetivo cognitivo.
Para Vertuan (2013), as três dimensões atuam simultaneamente durante o
desenvolvimento de uma tarefa e apresentam um caráter dinâmico, possibilitando que o
sujeito passe, conforme evolui em suas experiências metacognitivas, a usufruir dos
conhecimentos que construiu a fim de potencializar suas aprendizagens.
De todo modo, para que o sujeito possa identificar quais processos cognitivos utilizar
em diferentes momentos de enfrentamento de um problema, precisa ter sensibilidade para
discernir o que utilizar e estar aberto para diferentes possibilidades. Trata-se de
tomar
consciência sobre as ações, os conceitos e as estratégias que são necessárias no
desenvolvimento de uma tarefa
.
Destarte, se é por meio da tomada de consciência do sujeito que acontece o
conhecimento sobre a cognição (ROSA, 2011) e se este é um dos fenômenos que se relaciona
ao monitoramento cognitivo, torna-se significativo investigar “se” e “como” a tomada de
consciência influencia esta relação. Com efeito, apresentamos na próxima seção do texto
relações entre a tomada de consciência e a metacognição, de modo a esclarecermos o
entendimento da tomada de consciência em uma perspectiva metacognitiva.
Tomada de consciência
Voltando ao exemplo do início deste artigo, da visita à uma cidade, atentamos para as
experiências que vamos acumulando nas passagens pela cidade e como elas tendem a facilitar
caso vislumbremos realizar nova visita, principalmente se para além de passar pela cidade,
buscarmos estabelecer relações e construir lembranças em relação ao vivido. Quais ações
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tomar quando do retorno para a cidade? Quais experiências selecionar como “melhores ou
certas”? Neste contexto, abordaremos a “tomada de consciência”, apresentando como as
reflexões realizadas a partir da consciência que tomamos sobre nossas opções e ações se
relacionam com nossas escolhas.
Considerando o dicionário
5
, a palavra “
tomada
”, entre seus significados, traz a ideia de
“
ação ou efeito de tomar; ação ou efeito de invadir
”. Já a palavra “
consciência
”, entre seus
significados considera a “
percepção dos fenômenos próprios da existência
”, “
noção do que se
passa em nós
” e “
[Medicina] condição do sistema nervoso central que ocasiona a
caracterização precisa, o pensamento lógico e o comportamento coerente
”. A tomada de
consciência (“
tomada
” + “
consciência
”), nesse contexto, pode ser entendida como a ação de
invadir e/ou pegar a consciência, no sentido de tomar para si a percepção, noção ou
pensamento sobre algo.
Consciência para Vygotsky, segundo Guimarães, Stoltz e Bosse (2008, p. 16), é um
termo utilizado
[...] para referir-se à percepção da atividade da mente, ou seja, a consciência
de estar consciente. Tal consciência, segundo o autor, é a que a criança
pequena ainda não possui, e que sua entrada na escola irá ativar, pois o
aprendizado escolar induz a percepções generalizantes.
Vygotsky (1987, p. 78) exemplifica:
Antes de prosseguir, queremos esclarecer o termo consciência, no sentido
em que o empregamos ao falar das funções não conscientes “que se tornam
conscientes” [...]. A atividade da consciência pode seguir rumos diferentes;
pode explicar apenas alguns aspectos de um pensamento ou de um ato.
Acabei de dar um nó — fiz isso conscientemente, mas não sei explicar como
o fiz, porque minha consciência estava centrada mais no nó do que nos meus
próprios movimentos, o como da minha ação. Quando este último torna-se
objeto de minha consciência, já terei me tornado plenamente consciente.
Utilizamos a palavra consciência para indicar a percepção da atividade da
mente — a consciência de estar consciente. Uma criança em idade pré-
escolar que, em resposta à pergunta: “Você sabe o seu nome?”, diz como se
chama, não possui essa percepção autorreflexiva; ela sabe o seu nome, mas
não está consciente de que sabe.
Alinhando nossa compreensão de consciência à definição vygotskyana é que
apropriamos a tomada de consciência em uma perspectiva metacognitiva, pois entendemos
que leva em consideração uma percepção, noção ou pensamento de segundo nível, consciente,
em que está presente a reflexão. Quando um sujeito identifica, entende e reflete sobre o
processo que realizou para desenvolver determinada tarefa, pode-se dizer que ele está
5
https://www.dicio.com.br/.
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A tomada de consciência em uma perspectiva metacognitiva: Possibilidades para a sala de aula
empreendendo uma atividade metacognitiva. De acordo com Beber, Silva e Bonfiglio (2014),
este monitoramento lhe será útil no enfrentamento de novas situações, pois ao possuir
conhecimento das facilidades e limitações, consegue refletir sobre a estratégia adequada e as
ações necessárias para este enfrentamento.
Segundo Doly (1999, p. 23), as competências metacognitivas “designam os processos
pelos quais o indivíduo exerce o controle ou autorregulação de sua atividade quando resolve
um problema”. A autora afirma, ainda, que a vigilância do controle ou autorregulação
acontece por meio das experiências metacognitivas, sendo estas, por sua vez, consideradas
“tomadas de consciência” do sujeito sobre o problema enfrentado. Então, apoiando-se em
Yanni-Plantevin (1999), consideramos que quando o sujeito recorda o processo que realizou e
como o realizou, consegue tomar consciência de sua ação como uma interação entre ele e o
objeto.
Mas seria por meio da tomada de consciência que se dá o desenvolvimento do
monitoramento cognitivo? Ou é o processo metacognitivo que permite a tomada de
consciência?
Para Doly (1999, p. 27), “a tomada de consciência é [...] um processo que intervém
mais tarde para operar uma reformulação conceitualizada dos procedimentos postos em ação
para atingir um fim”. Com efeito, mesmo que aconteça a
posteriori
, a tomada de consciência
refaz todo o processo metacognitivo realizado pelo sujeito, ou seja, “implica toda a atividade
metacognitiva que passa desde os diferentes níveis de consciência, de intencionalidade até a
introspecção” (PORTILHO, 2011, p. 111). No exemplo de visita à cidade, a atividade
metacognitiva realizada pelo sujeito permite que ele tome consciência dos pontos que são
referência para aquela situação. No entanto, é devido à consciência que o sujeito toma sobre
este local ou situação, que se torna possível o monitoramento dos processos, experiências e
ações cognitivas, potencializando novas situações de enfrentamento naquele local.
Nesta linha, Guimarães, Stoltz e Bosse (2008) afirmam que é a partir do acesso ao
próprio pensamento que se torna possível o seu controle. Porém, se a tomada de consciência
implica a atividade metacognitiva, também ela é condição para que ocorra a própria tomada
de consciência. Disso se infere que, de acordo com Marini-Filho e Stoltz (2008), situações
que estimulem a tomada de consciência podem resultar no desenvolvimento da metacognição.
Guimarães, Stoltz e Bosse (2008, p. 25-26) destacam correlações entre a tomada de
consciência e a metacognição, que organizamos em alguns tópicos:
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Maykon Jhonatan SCHRENK e Rodolfo Eduardo VERTUAN
- A metacognição pode ser classificada como ferramenta necessária ao
processo de tomada de consciência, visto que não é possível ao sujeito
alcançar níveis mais elevados de consciência de suas condutas sem lançar
mão de suas habilidades metacognitivas. Por outro lado, não é possível
exercer metacognição sem que haja um objeto de conhecimento acessível à
consciência do sujeito;
- Para que as habilidades metacognitivas possam ser aplicadas sobre um
conhecimento, portanto, é necessário que o sujeito possa ter tomado
consciência desse saber;
- O processo de tomada de consciência e a metacognição são duas instâncias
inseparáveis e complementares;
- Na prática, esses dois processos se intermeiam e se complementam.
É a partir destas correlações que passamos a esclarecer nosso entendimento da tomada
de consciência em uma perspectiva metacognitiva.
Reflexões e considerações sobre Tomada de Consciência em uma perspectiva
metacognitiva
O enfrentamento de uma situação, como no exemplo da visita à cidade, pode tomar
diferentes direções/rumos dependendo da necessidade ou interesse do sujeito. Neste
momento, o “tomar consciência” permite ao sujeito decidir sobre a necessidade ou não de
recorrer aos processos cognitivos (o que implica no empreendimento da sensibilidade e na
aplicação dos conhecimentos construídos) e age como pontapé inicial do monitoramento a fim
de refletir, administrar e avaliar a melhor estratégia a ser utilizada.
Igualmente, é pela metacognição que se faz possível tomar consciência sobre estes
processos cognitivos empregados na ação cognitiva de resolução de um problema. Assim,
percebemos uma correlação entre a tomada de consciência e a metacognição, de modo que
atuam simultaneamente frente à uma situação que exige reflexão.
González (2009) afirma que a metacognição está associada ao conhecimento de si
próprio e, por isso, possibilita a autoconsciência, regulação e controle da própria atividade
cognitiva. Ante ao exposto, a tomada de consciência, como a entendemos, em uma
perspectiva metacognitiva, tem por essência tanto a presença da sensibilidade e do
conhecimento dos processos cognitivos, quanto o seu monitoramento, manifestados nas ações
de refletir, administrar e avaliar conhecimentos, experiências, objetivos e ações cognitivas,
permitindo conhecer, reconhecer, regular e valorar os componentes cognitivos do sujeito.
De modo a sistematizar todo o processo destacado neste trabalho, buscamos
representar na Figura 2 nosso entendimento da tomada de consciência em uma perspectiva
metacognitiva.
Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ.,
Araraquara, v. 23, n. 00, e022003, jan./dez. 2022 e-ISSN: 2594-8385
DOI:
https://doi.org/10.30715/doxa.v23i00.1579512
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