Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

DOI: https://doi.org/10.30715/doxa.v24iesp.1.18180 1

“MULHER NÃO CABE EM CAIXINHA”: PROBLEMATIZANDO MACHISMOS E

FEMINILIDADES A PARTIR DA MÚSICA “PERFEITINHA”

“LA MUJER NO CABE EN UNA CAJA”: MÁQUINA DE SOLUCIÓN DE PROBLEMAS

Y FEMINIDAD DE LA MÚSICA “PERFEITINHA”

“WOMAN DOESN'T FIT IN A BOX”: TROUBLESHOOTING MACHINE AND

FEMININITY FROM THE MUSIC “PERFEITINHA”

Elaine de Jesus SOUZA1

e-mail: elaine.souza@ufca.edu.br

Eugerbia Paula ROCHA2

e-mail: eugerbiarochabs@gmail.com

Como referenciar este artigo:

SOUZA, Elaine de Jesus; ROCHA, Eugerbia Paula da.

“Mulher não cabe em caixinha”: Problematizando

machismos e feminilidades a partir da música “Perfeitinha”.

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp.

1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385. DOI:

https://doi.org/10.30715/doxa.v24iesp.1.18180

| Submetido em: 15/02/2023

| Revisões requeridas em: 22/04/2023

| Aprovado em: 11/06/2023

| Publicado em: 01/08/2023

Editor:

Prof. Dr. Paulo Rennes Marçal Ribeiro

Editor Adjunto Executivo:

Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz

Universidade Federal do Cariri Instituição (IFE/UFCA), Brejo Santo – CE – Brasil. Professora Adjunta do

Instituto Formação de Educadores. Professora Permanente do PPGECIMA/UFS. Pós-doutoranda em Educação

na (UFBA).

Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brejo Santo – CE – Brasil. Mestranda em Educação.

“Mulher não cabe em caixinha”: Problematizando machismos e feminilidades a partir da música “Perfeitinha”

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

DOI: https://doi.org/10.30715/doxa.v24iesp.1.18180 2

RESUMO: Os feminismos constituem um movimento que reivindica a equidade de gênero, a

partir da luta pelos direitos sociais e políticos das mulheres. Este estudo trata-se do recorte de uma

pesquisa qualitativa mais abrangente realizada em três escolas da Educação Básica de um

município do Cariri cearense, que objetivou analisar as narrativas de jovens/mulheres estudantes

acerca de feminismos e feminilidades no contexto escolar. Os procedimentos investigativos

envolveram a realização de uma entrevista semiestruturada, a partir da problematização da música

“Perfeitinha”, por meio da análise foucaultiana do discurso. Diante das análises, foi possível

perceber que a cultura machista reflete na sociedade e em diferentes artefatos culturais, inclusive

nas músicas sertanejas, onde se manifestam de forma mais explícita. Assim, destacamos a

necessidade de incorporar, de modo contínuo e sistemático, as temáticas gênero, feminismos e

feminilidades nos currículos escolares e acadêmicos, para que possamos repensar a educação a

partir de uma abordagem queer.

PALAVRAS-CHAVE: Artefatos Culturais. Currículo. Escolas. Feminismo. Feminilidades.

RESUMEN: Los feminismos son un movimiento que reivindica la equidad de género, a partir de

la lucha por los derechos sociales y políticos de las mujeres. Este estudio forma parte de una

investigación cualitativa más amplia realizada en tres escuelas de Educación Básica de un

municipio de Cariri, Ceará, que tuvo como objetivo analizar las narrativas de jóvenes/estudiantes

sobre feminismos y feminidades en el contexto escolar. Los procedimientos de investigación

consistieron en la realización de una entrevista semiestructurada, a partir de la problematización

de la canción “Perfeitinha”, a través del análisis del discurso foucaultiano. En vista de los

análisis, fue posible percibir que la cultura machista se refleja en la sociedad y en las diferencias

culturales preservadas, incluso en la música country donde se manifiestan de manera más

explícita. Así, destacamos la necesidad de incorporar, de manera continua y sistemática, las

temáticas de género, feminismo y feminidad en los currículos escolares y académicos, para que

podamos repensar la educación desde un enfoque queer.

PALABRAS CLAVE: Artefactos Culturales. Plan de estudios. Escuelas. Feminismo.

Feminidades.

ABSTRACT: Feminisms encompass different aspects, but in general, they constitute a movement

that claims gender equity, based on the struggle for women's social and political rights. In this

study, we assume the femininity category as the multiple ways of becoming a woman, covering

different identities/differences, dimensions and social markers. This study is part of a more

comprehensive qualitative research carried out in three Basic Education schools in a municipality

in Cariri, Ceará, which aimed to analyze the narratives of young/women students about feminisms

and femininities in the school context. The investigative procedures involved conducting a semi-

structured interview, based on the problematization of the song “Perfeitinha”, through

Foucauldian discourse analysis. In view of the analyses, it was possible to perceive that macho

culture reflects in society and in different cultural artifacts, including in country music where they

are manifested more explicitly. In this way, we highlight the need to incorporate, in a continuous

and systematic way, the themes of gender, feminism and femininity in school and academic

curricula, so that we can rethink education from a queer approach.

KEYWORDS: Cultural Artifacts. Studio plans. Schools. Feminism. Femininities.

Elaine de Jesus SOUZA e Eugerbia Paula da ROCHA

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 18, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

DOI: https://doi.org/10.30715/doxa.v24iesp.1.18180 3

Introdução

A partir da perspectiva pós-estruturalista, destacamos que os feminismos abrangem

distintas vertentes, mas de modo geral, constituem um movimento que reivindica a equidade

de gênero, a partir da luta pelos direitos sociais e políticos das mulheres, surgindo com a

intenção de desconstruir o patriarcado que alicerça preconceitos como o machismo, sexismo e

a misoginia. Neste estudo, assumimos a categoria feminilidades como as múltiplas formas de

tornar-se mulher abrangendo distintas identidades/diferenças, dimensões e marcadores

sociais.

Nessa ótica, gênero representa uma construção sociocultural em nossa constituição

como homens e mulheres, englobando processos educativos que operam por meio de/ou se

apoiam em distintas instituições, não necessariamente convergentes, harmoniosas e estáveis

(NICHOLSON, 2000; SCOTT, 1995). Além de discutirmos sobre a dimensão de gênero,

também é importante entender que a sexualidade envolve pensamentos, valores,

comportamentos, desejos, fantasias, representações, linguagens e experiências construídas ao

longo da vida das pessoas, por meios de relações sociais e culturais, não existe padrão único,

pois, abrange todo um processo de construção histórico social, além do nosso corpo, passível

de transformação (ABRAMOVAY; CASTRO; SILVA, 2004; LOURO, 2000).

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil, apresenta altos índices de

violência de gênero. Somente no ano de 2021, ocorreram 1.319 feminicídios no país, tendo

em média uma mulher morta a cada sete horas pela condição de seu gênero. Sendo que, na

maioria das vezes, os criminosos foram seus próprios “companheiros” que, em muitos casos,

protagonizaram uma sequência de episódios violentos até se tornarem homicidas. É

importante destacar, também, que a região do Cariri cearense apresenta alto índice de

violência doméstica familiar.

De acordo com Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará

(SSPDS/CE)

, o Ceará está entre os estados que mais mata mulheres no país. Em 2022, os

indicadores criminais apontam que até o mês de junho desse ano, já haviam sido registrados

9.106 de violência com base na Lei nº 11.340/2006 (BRASIL, 2006), no Ceará.

Desse modo, faz-se necessário problematizar e disseminar (in)formações, visando

desconstruir as desigualdades de gênero que permeiam a sociedade e a escola. Sendo

importante trazer essas temáticas para os espaços educacionais, sobretudo, escolas e

Disponível em: https://www.sspds.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/24/2022/07/Lei-Maria-da-Penha-

Estatisticas-Mensais_06_2022.pdf. Acesso em: 05 jun. 2022.

“Mulher não cabe em caixinha”: Problematizando machismos e feminilidades a partir da música “Perfeitinha”

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

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universidades, engajando o público juvenil e adultos/as, para discutir além das desconstruções

de machismo e demais preconceitos, os padrões hegemônicos de feminilidade. Assim, este

trabalho teve como principal objetivo analisar discursos sobre feminismos e feminilidades

juvenis no contexto escolar do cariri cearense a partir da problematização da música

“Perfeitinha” (ENZO RABELO, 2019).

Organizamos o texto nos seguintes blocos: após esta introdução inicial, onde

apresentamos nosso problema de pesquisa, objetivo e alguns conceitos centrais da pesquisa,

apresentaremos os caminhos metodológicos percorridos, bem como faremos uma breve

descrição do artefato cultural escolhido para ser problematizado neste artigo, a música

“Perfeitinha”. Em seguida, apresentaremos as análises das falas das participantes,

problematizando os principais enunciados relacionados com a letra da música “perfeitinha”.

Por fim, tecemos algumas considerações acerca dos estudos Queer.

Caminhos Metodológicos

Este estudo trata-se do recorte de uma pesquisa mais abrangente realizada em três

escolas da educação básica de um município do Cariri cearense, que objetivou analisar as

narrativas de jovens/mulheres estudantes acerca de feminismos e feminilidades no contexto

escolar. Os procedimentos investigativos envolveram a realização de uma entrevista coletiva

com 13 jovens mulheres, estudantes de escolas públicas do Ensino Médio, realizada de forma

virtual por meio da plataforma digital Google Meet, devido ao cenário atual ocasionado pela

pandemia da COVID-19, que estabeleceu o distanciamento social como protocolo de

segurança e saúde pública.

O encontro teve duração aproximadamente 2 horas e 15 minutos para a

problematização da música “Perfeitinha”, buscando relacionar os pontos levantados com a

temática em estudo. Vale ressaltar que nossa conversa foi gravada e posteriormente transcrita;

em seguida, foi iniciada a entrevista coletiva semiestruturada com base nas perguntas gerais

sobre a temática gênero, feminismos, machismos, feminilidades e masculinidades no contexto

escolar.

Como procedimento analítico, adotamos a análise foucaultiana do discurso para

problematizar de que modos os feminismos e as feminilidades são (des)construídas no

contexto escolar e que discursos são (re)produzidos nesse espaço educacional a partir da

problematização de narrativas discentes em relação a música como artefato cultural. Foucault

Elaine de Jesus SOUZA e Eugerbia Paula da ROCHA

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 18, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

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(1996, p. 135) enfatiza “o discurso como um conjunto de enunciados que se apoiem na mesma

formação discursiva.” Vale ressaltar que os enunciados, nesse sentido, não são só as “coisas”,

mas, também os próprios acontecimentos. A análise do enunciado instiga um olhar

investigativo e dialogado para pensar as condições de existências e problematizar a

materialidade e os efeitos de “verdades” que compõem os discursos produzidos por meio de

vivências do cotidiano (SILVEIRA, 2007).

As novas configurações culturais têm ganhado espaço nas instituições educacionais,

constituindo, assim, um novo estado da cultura, fazendo com que muitas das representações

disponibilizadas em distintos artefatos culturais alcancem as escolas e entrem em conflito com

o conteúdo ensinado. Nesse sentido, a cultura da mídia tem ampliado os lugares em que nos

informamos e aprendemos a pensar sobre nós mesmos, e sobre as múltiplas

identidades/diferenças. Portanto, vale reconhecer que “[...] quando um artefato cultural

articula informações, aprendizagens, sentimentos e pensamentos, está compondo o texto de

um currículo” (MAKNAMARA, 2021, p. 206).

Para Hall (1997), a mídia constitui uma das principais instâncias culturais que

veiculam ideias e imagens vigentes da atualidade. Assim, artefatos culturais como a televisão,

o cinema e a música, por exemplo, passam a ser vistos como “maquinarias de ensinar”

(FISCHER, 1997; KELLNER, 2001; GIROUX, 2001). Nesse contexto, a música ocupa uma

posição central no cenário contemporâneo, no qual a cultura da mídia passou a fazer parte da

vida dos sujeitos.

Neste estudo, utilizamos artefatos culturais como instrumentos analítico-

investigativos acerca de discursos referentes aos feminismos e feminilidades no contexto

escolar, em uma perspectiva pós-estruturalista. Destacamos as “pedagogias culturais” como

uma ferramenta teórica produtiva que surgiu a partir da aproximação dos processos

educacionais com a cultura, a política e o poder, promovendo reflexões sobre as

desigualdades e as distintas identidades/diferenças, que aliadas às distintas classes sociais, são

as que mais causam exclusão social e desigualdades de gênero disseminadas na sociedade

(ANDRADE; COSTA, 2015).

Para Maknamara (2014), ao compor a cultura da mídia, a música se faz cada vez mais

presente nas escolas e tem se tornado um objeto privilegiado também para o campo

educacional, constituindo um artefato cultural potente para as análises das pedagogias

culturais. Em outros textos, o autor destaca o reconhecimento de diferentes artefatos culturais

como constituintes de um currículo cultural, posto que vem sendo problematizado por

“Mulher não cabe em caixinha”: Problematizando machismos e feminilidades a partir da música “Perfeitinha”

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

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diferentes pesquisas em educação (MAKNAMARA, 2020, 2021). Em consonância, a noção

de currículo cultural reitera a importância da investigação de “outros currículos (além do

escolar) que contribuem para a formação das pessoas e que disputam espaço na produção de

sentidos e dos sujeitos” (PARAÍSO, 2007, p. 24).

Desse modo, analisaremos a música sertaneja “Perfeitinha”

do cantor Enzo Rabelo,

lançada no ano 2019, que se encontra disponível nas plataformas digitais. A música tenta

passar uma mensagem do amor romantizado na voz infantil, mas, ao observar a letra, nos

deparamos, de forma sutil, com os variados arquétipos do machismo escondidos pela sedução,

pela nomeação da moça como “princesa”, com indicativos da mulher como propriedade, além

do estereótipo de mulher que foge padrões. A “dominação masculina” e a violência emocional

também se fazem presentes na canção.

Desconstruindo o machismo romantizado: “mulher não cabe em caixinha”

Para além da sociedade, a cultura machista reflete, inclusive, nas músicas sertanejas,

onde se manifestam de forma explícita. Ao analisar “Perfeitinha” (2019) do cantor mirim

Enzo Rabelo, a letra, de início, parece inofensiva, mas a canção está repleta de arquétipos do

machismo, camuflados pela sedução através de uma linguagem sutil, pois é vista como

expressão do romantismo de um homem apaixonado. Dessa forma, problematizamos

discursos machistas naturalizados na música, por meio das narrativas estudantis, relacionando

com os feminismos e as feminilidades.

Quando questionadas sobre qual verso da música que mais chamou a atenção, as falas

de Isabela e Lorena convergem ao destacarem o trecho “Ela é uma princesa que não usa

coroa, ela usa boné, ela para o baile só de tênis no pé”, relacionando com as múltiplas

feminilidades, sobretudo ao criticarem a ideia que a “mulher tem que ser “perfeitinha”,

“comportadinha” e que para ser feminina precisariam “usar saltos”. Tais dizeres sinalizam

uma problematização da feminilidade hegemônica, de representações estereotipadas de

gênero e padrões normativos (re)produzidos pela sociedade. Para Silva, Sales e Bastos (2017),

a mídia televisiva, as músicas, os filmes e os desenhos infantis reforçam os padrões

normativos de feminilidades e estereótipos de gênero, ensinando desde a infância como “ser

mulher”, como se comportar socialmente, estabelecendo um padrão normativo que regula

características femininas de “boa moça” para atrair e conquistar um companheiro.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PedrOwqgp8s. Acesso em: 31 ago. 2020.

Elaine de Jesus SOUZA e Eugerbia Paula da ROCHA

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 18, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

DOI: https://doi.org/10.30715/doxa.v24iesp.1.18180 7

O machismo também se faz presente na letra da música conforme mostram as falas de

Kely e Alice, convergindo quando destacam os trechos “ela é toda perfeitinha e o melhor é

que ela é toda minha” “[...] ela é perfeita, só que se terminasse, ele não iria deixar ela viver

com outras pessoas; “ela é toda perfeitinha, dá vontade de guardar em uma caixinha, pra

ninguém roubar”. Relacionando com a possessividade masculina romantizada, um

sentimento de posse e misoginia mascarados de amor. Algumas músicas sertanejas

corroboram com a representação do homem como proprietário da mulher, naturalizando a

violência e a submissão feminina; por circularem nos mais variados espaços, como a escola,

são ouvidas pelos/as estudantes (BLAU; CADONÁ, 2019), logo é imprescindível a

problematização de tais estereótipos de gênero, sobretudo com relação às feminilidades.

Essa ideia de “guardar a mulher em uma caixinha” foi bastante problematizada pelas

participantes Bianca, Lorena e Alice, respectivamente, ao relatarem que já vivenciaram

relacionamentos abusivos: “só quem já passou por um relacionamento, sabe que você é

“pequena” diante daquela pessoa que lhe toma como objeto, que te guarda como posse [...]

Essa parte de guardar em uma caixinha é muito escrota [...] muito abusiva”; “Eu já passei

por um relacionamento abusivo que o cara tentava me privar de muitas coisas e quando

estava naquele relacionamento, eu achava que era preocupação dele sabe?”; “Eu já passei

por isso, durante muito tempo em um relacionamento abusivo, que realmente é doentio, a

pessoa que te prende, [...] controla sua mente de certa forma”.

Tais enunciados nos alertam sobre atitudes machistas que alicerçam relacionamentos

abusivos, pois costumam se manifestar de forma velada, disfarçada de cuidado e preocupação,

tornando difícil o reconhecimento do abuso. Santos, Sanchotene e Vaz (2019, p. 3) explanam

que relacionamento abusivo compreende qualquer tipo de “violência, psicológica e emocional

em relações afetivas. Além da violência física, demonstrações de ciúmes e ações que

diminuiriam a autoestima ou limitariam a autonomia da mulher passam a ser práticas

consideradas abusivas. O autor ainda ressalta que diferente do assédio e do estupro, os

relacionamentos abusivos, muitas vezes, não são reconhecidos, pelo fato de haver uma

intimidade entre a vítima e o agressor (SANTOS; SANCHOTENE; VAZ, 2019).

Ademais, os relatos nos impulsionam a questionar sobre a dificuldade de uma pessoa

sair de um relacionamento abusivo. Muitas vezes, inicia-se de modo sutil ou camuflado, com

a vigilância por meio da invasão de privacidade, tentando controlar o tamanho da roupa e as

amizades, constituindo um jogo de abusos, constrangimento e violências sobre o/a outro/a.

Albertim e Martins (2018) ressaltam que o relacionamento abusivo é constituído por um

“Mulher não cabe em caixinha”: Problematizando machismos e feminilidades a partir da música “Perfeitinha”

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ciclo; primeiro há a tensão; em segundo lugar, uma explosão de violência que vem seguida de

uma “lua de mel” como uma forma de recompensa para prender a vítima nesse ciclo vicioso,

dificultando a pessoa enxergar a violência sofrida. Logo, ao passar por esse percurso, a

mulher fica fragilizada devido à dependência emocional e por desacreditar que é capaz de

viver sem o agressor.

A estudante Lorena destaca: “Não só nessa música, mas, já vi em muitas outras

músicas que falam sobre ciúmes, e acabam colocando de uma forma positiva como se fosse

uma preocupação do parceiro.” Esses enunciados remetem a dois aspectos importantes: o

primeiro é a questão que a mulher não cabe dentro de uma caixinha, visto que somos livres

para vivermos e sermos o que quisermos. E o segundo é a questão de as músicas que veiculam

machismos e misoginias, naturalizando violências contra as mulheres, afinal, as ouvimos

todos os dias nos mais variados espaços sociais. Nesse sentido, Garcia et al. (2017) enfatizam

que as mídias televisas, as rádios e a internet mostram o quanto os machismos estão presentes

no nosso cotidiano disfarçados de amor e proteção, naturalizando as mulheres como objetos

sexuais.

Quando Lorena complementa “Se a pessoa comentar o problema que a música

mostra, as pessoas já falam logo: ai que pessoa mimizenta, só vê o lado ruim da música

[...]”, vale explicar que o termo “mimizenta” geralmente é usado por homens para contornar a

situação e manter as práticas machistas e sexistas intactas, tentando silenciar o lugar de fala

das mulheres. Nesse sentido, é importante problematizar o termo “Gaslighting”, que significa

manipulação e corresponde aos abusos psicológicos expressos, frequentemente, por meio de

enunciados misóginos como “você está louca”, “ela está de TPM”, ou seja, uma forma de

manipular situações fazendo com que a vítima duvide de seu posicionamento e até da sua

lucidez (DÁVILA, 2019).

Nessa perspectiva, ao serem questionadas se conseguiriam relacionar a letra da música

com o tema feminismos e feminilidades, capturamos uma multiplicidade de enunciados

discursivos nas falas das participantes. As falas de Lorena, Isabela e Melissa convergem ao

enunciarem, respectivamente: “a primeira estrofe está relacionada às feminilidades, fala

mais como uma mulher pode ser mais feminina. [...]”; “as feminilidades estão ligadas como

a mulher se comporta, se veste e tudo mais”; “ela não usa salto, para o baile com o tênis no

pé, relacionado ao padrão de feminilidades “tipo atitudes femininas. Tais enunciados se

aproximam do conceito de feminilidades, uma vez que sinalizam a desconstrução de uma

feminilidade hegemônica, possibilitando o reconhecimento e a construção das múltiplas

Elaine de Jesus SOUZA e Eugerbia Paula da ROCHA

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 18, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

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feminilidades. Vale ressaltar que essas são construídas socioculturalmente e abrangem as

distintas formas de se tornar mulher, englobando comportamentos, experiências,

relacionamentos, identidades sexuais e de gênero (BERALDO, 2014).

Beraldo (2014, p. 15) ressalta que “O padrão de feminilidade estaria associado ao que

elas identificam como as armadilhas que a sociedade patriarcal constrói para minar a

capacidade reflexiva das mulheres, a fim de mantê-las sob a dominação masculina”. Dessa

forma, apresenta-se uma crítica aos padrões normativos impostos pela sociedade, que

determinam representações estereotipadas de gênero, principalmente impondo às mulheres

um conjunto de atributos e regras naturalizadas como “características femininas”.

Em contrapartida, a participante Isabela salienta que a segunda estrofe da música

poderia ser relacionada às lutas feministas, posto que: “o feminismo é basicamente a luta que

a gente tem né, nós mulheres diariamente, por igualdade nesse País e no mundo. O

relacionamento abusivo [...] é uma das coisas que as feministas lutam contra”. Nesse

contexto, a participante aponta o feminismo como um movimento social que luta para

combater a dominação masculina e práticas machistas como a possessividade, os

relacionamentos abusivos, as violências, os feminicídios. Para Margaret Rago, o feminismo

consiste em um movimento político e libertador que combate práticas machistas e misoginias,

levantando uma luta contra as desigualdades, visando a equidade de gênero (RAGO, 2001).

Por outro lado, a participante Alice destaca “quando uma mulher não quer fazer o que

o cara quer, acaba sofrendo violência, e muitas vezes pode chegar até a matar a mulher”.

Leia-se feminicídio! Esse enunciado retrata um cenário violento vivenciado por muitas

mulheres que, ao tentarem sair de um relacionamento abusivo, muitas vezes sofrem episódios

de violências, ocasionando o feminicídio. Nesse contexto, torna-se importante entender o

conceito de violência e feminicídio. Jane Felipe e Jéssica Morais, recorrendo a Organização

Mundial de Saúde (OMS), definem o termo violência, como o “uso deliberado da força física,

seja na forma de ameaça efetiva contra si mesmo, ou outra pessoa/grupo/comunidade,

causando ou com probabilidade de causar lesões, morte, danos psicológicos, transtornos

psicológicos ou privações” (FELIPE; MORAIS, 2019, p. 4).

Com relação às violências que ocorrem no âmbito familiar, de acordo com o

Ministério da Saúde, podem ser compreendidas como toda ação ou omissão que prejudique o

bem-estar, a integridade física, emocional ou a liberdade de outra pessoa. Esse tipo de

violência pode ocorrer dentro ou fora do ambiente doméstico, por algum integrante da família,

incluindo pessoas que assumem funções parentais (BRASIL, 2001). Já o feminicídio, segundo

“Mulher não cabe em caixinha”: Problematizando machismos e feminilidades a partir da música “Perfeitinha”

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Radford e Russell (1992), representa o extremo terror das violências contra as mulheres,

incluindo uma grande variedade de abusos verbais e físicos e a motivação do crime está

pautada no gênero da vítima, tendo como alvo principal as mulheres cis e trans. De acordo

com Enríquez (2010), a categoria de feminicídio obriga o Estado a reconhecer a

despolitização da morte da vítima, uma vez que reduz o crime à dimensão passional. Visto

que ocultava as condições sociopolíticas dos crimes, desconsiderando a natureza desse tipo de

violência que se refere ao lugar do feminino nas estruturas de gênero (ENRÍQUEZ, 2010).

Por outro lado, vale destacar que, ao relacionarem a música com feminismos e

feminilidades, as falas das participantes Lorena e Alice, em alguns momentos, apresentam

uma visão equivocada e contraditória sobre o feminismo ao confundirem com o machismo

quando enunciam: “Já a segunda estrofe pode ser relacionada ao feminismo porque fala

muito dessa questão de posse do cara, que ele acha que manda na mulher”; “relacionada ao

feminismo, é quando um cara não deixa a mulher sair de dentro de casa, usar determinada

roupa, é como se realmente fosse pra guardar em uma caixinha [...]”, pois tais enunciados

correspondem a práticas machistas. Para Rosa, Felipe e Leguiça (2019), é comum as pessoas

associarem ou confundirem o feminismo como oposto ao machismo, no entanto, vale ressaltar

que são movimentos bem distintos. O machismo constitui um preconceito baseado na

oposição binária masculino/feminino que, ao propagar uma ideia arbitrária de superioridade

masculina, inferioriza e mata as mulheres, enquanto o feminismo luta contra o machismo e

pela equidade de direitos entre os gêneros.

“Nenhuma mulher gosta de apanhar”: Problematizações necessárias

É possível analisar como as desigualdades de gênero refletem nos artefatos culturais,

perpassando os muros das escolas, uma vez que, as participantes, ao relacionarem a letra da

música com as vivências pessoais e/ou no ambiente escolar, ressaltam uma série de

enunciados que remetem ao machismo, à misoginia e à dominação masculina que oprime a

figura feminina. Além das questões dos relacionamentos tóxicos e abusivos, que manipulam e

causam dependências emocionais em muitas mulheres, bem como chantagens, violências

físicas e emocionais, causadas por atitudes machistas principalmente nos espaços escolares,

visto que é o lugar de fala em que as participantes estão inseridas. Dessa forma, destacamos

os principais fragmentos de falas das entrevistas das jovens/estudantes, problematizando as

divergências e convergências sobre o assunto a partir de suas opiniões, dúvidas e indagações.

Elaine de Jesus SOUZA e Eugerbia Paula da ROCHA

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Nesse contexto, as falas de Bianca e Lorena convergem, respectivamente, ao

relacionarem a letra da música com suas vivências pessoais e escolares quando enunciam “eu

já passei por isso aí na escola. “[...] já disseram que eu era muito fofinha”. E que queriam me

colocar no potinho [...] acho que estavam tentando me elogiar, [...] sei lá isso era tóxico”;

“eu tive um relacionamento abusivo no qual ele realmente queria me privar de tudo, e

conseguia, porque você fica sem saber o que fazer [...] uma coisa que vivi e tinha nessa

música o fato de “guardar em uma caixinha”. Tais enunciados demonstram o machismo

romantizado e os abusos propagados nos artefatos culturais refletem nos espaços escolares e

nas vivências estudantis, pois fazem com que as misoginias e as violências silenciosas não

consigam ser identificadas. Isso posto, a naturalização do machismo convence as pessoas e

faz com que acreditem e vejam tal atitude como algo “natural” em todo relacionamento

afetivo. Porém, tal fato favorece a construção de um jogo de práticas abusivas, criando um

laço cruel e difícil de ser quebrado, que causa danos irreversíveis para as vidas das vítimas

envolvidas nos espaços educacionais e/ou sociais (OLIVEIRA et al., 2016).

Vale enfatizar que os relacionamentos abusivos foram as vivências que mais se

sobressaíram nos relatos estudantis. Ao serem questionadas sobre o conceito de

relacionamentos abusivos, a participante Bianca explana: “é um relacionamento que apaga a

tua luz de verdade”. Visto que, “te priva de fazer as coisas que você fazia antes, de amizades,

de vestir roupas que você quer, te xinga, te maltrata.” Ou seja, “é um relacionamento

realmente tóxico, te faz sentir mal, coloca a culpa em você, sendo que ele é o culpado muitas

vezes em algumas coisas. Ele te pisa, te diminui para elevar o ego dele e te faz se sentir

pequeninha”. Cabe ressaltar que o controle e o cuidado motivados por ciúmes não é amor, é

abuso. Atitudes machistas como controlar as redes sociais, a roupa, as amizades da parceira,

usualmente visto como sintoma de paixão, na verdade consiste em um sinal de que o

relacionamento é abusivo (CAMPOLINA, 2015). Tais práticas também estão presentes nos

espaços escolares, uma vez que ali se iniciam as relações afetivas dos/as jovens estudantes.

Nesse rumo, é importante salientar que um relacionamento abusivo é caracterizado por

excessivo jogo de relações de poder, geralmente do homem sobre a mulher dentro de um

relacionamento afetivo. Além de culpabilizar o/a companheiro/a pela violência sofrida, retira-

se a responsabilidade das suas ações abusivas, buscando justificativas para estas (MOREIRA,

2016).

A participante Lorena ainda enfatiza: “[...] quando você começa perceber que o

relacionamento é toxico, que já está de alerta, o cara percebe e começa a tentar fixar na sua

“Mulher não cabe em caixinha”: Problematizando machismos e feminilidades a partir da música “Perfeitinha”

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

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mente os momentos bons, [...] como se essas coisas boas que passaram compensassem o que

ele estava fazendo de ruim”. Convergindo com Bianca quando enuncia: “quando percebe que

você já está se ligando que aquilo é errado, e que você não quer mais ser submissa e tudo

mais. Ele começa a mudar, talvez ser uma pessoa melhor pra você”, tais enunciados

compõem uma das fases dos relacionamentos abusivos, conforme foi destacado

anteriormente, conhecida com a “lua de mel” (OLIVEIRA et al., 2016).

A fala da participante Kely diverge das demais quando destaca “tem muitas mulheres

que parecem gostar de apanhar, gosta de estar ali naquele aperto, de ser presa” ao relatar o

relacionamento abusivo vivenciado pela tia. Esse enunciado costuma ser repetido em

diferentes contextos sociais, inclusive escolares, para justificar as práticas abusivas e a

dominação masculina. Por outro lado, nesse momento da entrevista, houve certo atrito entre

as participantes, pois, a participante Bianca rebate em um tom repreensivo: “Miga, miga,

tenha calma! Não, nenhuma mulher gosta de apanhar! [...] eu afirmo com toda certeza,

nenhuma mulher gosta de apanhar, gosta de ser xingada, de ser maltratada, ser humilhada”.

Tal advertência evidencia o reconhecimento de que as práticas abusivas são resultantes das

relações de poder que (re)produzem a vulnerabilidade e a submissão feminina como reflexo

do patriarcado que objetifica a mulher como posse da figura masculina (OLIVEIRA et al.,

2016). Nesse olhar, a fala da participante Bianca sinaliza a desconstrução desses discursos

misóginos que causam a opressão e a submissão de muitas mulheres.

A participante Bianca ainda complementa “a mulher que já passou por isso sabe, o

quanto isso é desgastante [...] Muitas mulheres continuam em um relacionamento abusivo,

porque aquele cara te faz se sentir “tão pequena” te diminui tanto, que “você se sente tão

pequenininha”, que você não consegue viver sem aquela pessoa”, representando a violência

psicológica que causa uma dependência emocional, muitas vezes relacionada à condição

financeira, entre outros fatores que condicionam as mulheres a permanecerem em um

relacionamento abusivo. Gomes (2018, p. 49) aponta que “a dependência emocional,

financeira, a valorização da família, preocupação com os filhos, o desamparo e falta de apoio

social aparece como um dos principais fatores que favorece a permanecia da vítima em

relacionamentos abusivos”. Dessa forma, vale destacar que o feminismo possibilita uma

mudança nesse cenário, uma vez que luta pela emancipação política e social, possibilitando às

mulheres terem autonomia e conquistarem sua independência tanto nos espaços escolares

quanto nas demais esferas sociais.

Elaine de Jesus SOUZA e Eugerbia Paula da ROCHA

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Ao relatar suas vivências pessoais, as falas das participantes Lorena e Alice

convergem quando enunciam: “Eu tinha marcas, eu sofri muito nesse relacionamento, as

meninas falavam pra eu denunciar ele.”; “[...] Estou me curando de uma depressão que um

desgraçado me deixou.” E Alice ainda complementa: “sofri agressão física, ele me batia, isso

na escola, uma vez um professor viu ele me chamando de “puta”, me xingando do nada, mas

o cara manipula realmente e faz achar que sem ele você não é ninguém”. Tais enunciados

salientam que a violência de gênero também se faz presente no contexto escolar e nos alerta

que, além das agressões físicas e de destruir muitas vidas, também causa danos psicológicos,

como depressão, podendo levar até o suicídio, além do feminicídio (HIRIGOYEN, 2006).

Vale ressaltar que a violência contra às mulheres em relacionamentos afetivos

perpassa os muros das escolas e reflete nos contextos estudantis, atingindo mulheres de

diferentes raças, etnias e classes sociais. Muitas vezes, inicia-se com as “micro” violências,

que podem ser verbais, morais e, consequentemente, evoluem para agressões físicas que

costumam ser naturalizadas, constituindo um dos fatores que favorecem a permanência da

vítima no relacionamento abusivo (HIRIGOYEN, 2006).

Nesse cenário, torna-se necessário discutir sobre feminismos e feminilidades para

promover e desenvolver diferentes estudos e projetos nas escolas, envolvendo públicos de

todas as faixas etárias, com o objetivo de minimizar os impactos das violências de gênero e

maximizar a compreensão acerca do comportamento feminino em permanecer em um

relacionamento tóxico e abusivo. No entanto, também se torna necessário promover uma rede

de apoio para as vítimas, principalmente no contexto escolar, uma vez que, quando uma

pessoa passa por todo esse processo, afeta diretamente seu rendimento e, muitas vezes,

provoca a evasão e abandono escolar (GOMES, 2018).

Quando Alice destaca “eu acho muito importante, que isso seja falado nas escolas,

desde que as meninas estejam numa idade assim na pré-adolescência, essa pauta do

relacionamento abusivo. Eu era inocente na época, se alguém tivesse chegado em mim e

falado “reparem nisso e tal” teria sido muito importante”. Esse enunciado adverte sobre a

importância e, ao mesmo tempo, a carência das temáticas de gênero, feminismos e

feminilidades nos currículos escolares, não só no período da adolescência, mas em todos os

níveis de ensino, para que as crianças comecem desde a infância a reconhecer e desconstruir

práticas machistas. Portanto, de acordo com Oliveira et al. (2016, p. 02) “essa romantização e

aceitação cultural da violência contra a mulher devem ser discutidas de modo a gerar uma

“Mulher não cabe em caixinha”: Problematizando machismos e feminilidades a partir da música “Perfeitinha”

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reavaliação das relações de gênero”, para desnaturalizar violências que ocorrem dentro de um

relacionamento abusivo.

Nesse caminho, enfatizamos a importância de discutir sobre feminismos e

feminilidades no contexto escolar para que os/as estudantes possam reconhecer e se atentarem

para as práticas de relacionamentos abusivos que, muitas vezes, estão presentes em suas

rotinas e não sabem como se libertar. Vale ressaltar que as práticas abusivas que permeiam os

estudantes não se resumem apenas aos relacionamentos afetivos, mas estão presentes em

todos os aspectos e em todos os espaços, desde o escolar, passando pelo institucional e

chegando no social, por meio de práticas e atitudes que invisibilizam e privam as mulheres de

contemplar sua liberdade.

Considerações Queer

As falas das jovens estudantes a partir da letra da música “Perfeitinha” denunciam uma

série de discursos machistas, misóginos e sexistas que corroboram com as violências físicas e

psicológicas contra as mulheres. Ademais, a problematização da música como artefato

cultural nos permite enxergar as nuances “sutis” e/ou manifestas de relacionamentos abusivos

que antecedem os casos de feminicídio, posto que nossa cultura costuma romantizar práticas

de objetificação e submissão feminina com a justificativa de proteção e até cuidado. Afinal

“quem ama cuida”, porém esse enunciado é usualmente subvertido em favor de um

entendimento errôneo de “cuidado” e “amor romântico”, leia-se manipulação e apropriação

feminina. Tais relatos nos provocam problematizações e questionamentos sobre gênero e

feminismos que instigam diversas reverberações em nossas práticas escolares.

Quais composições queer podemos fazer com gênero? A partir de suas

vivências/narrativas, as estudantes evidenciaram machismos alicerçados em padrões

estereotipados de gênero impostos pela sociedade e (re)produzidos na escola, bem como o não

reconhecimento das múltiplas feminilidades. Nesse horizonte, destacamos a necessidade de

incorporar, de modo contínuo e sistemático, as temáticas gênero, feminismos e feminilidades

nos currículos escolares e acadêmicos, para que possamos repensar a educação a partir de uma

abordagem queer. Isto é, por meio de um incessante exercício de problematização da

linguagem, dos discursos e modelos cisheteronormativos que alicerçam violências,

relacionamentos abusivos, preconceitos e desigualdades de gênero, favorecendo o

reconhecimento das múltiplas identidades/diferenças sexuais, bem como das feminilidades e

Elaine de Jesus SOUZA e Eugerbia Paula da ROCHA

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 18, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

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masculinidades como plurais e cambiantes. Afinal, toda essa multiplicidade evidencia o

quanto nós mulheres (e também os homens) não cabemos em caixinhas...

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“Mulher não cabe em caixinha”: Problematizando machismos e feminilidades a partir da música “Perfeitinha”

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COSTA, M. V. Caminhos investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em

educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina editora, 2007.

CRediT Author Statement

 Reconhecimentos: Agradecemos o apoio da Pró-reitoria de Pesquisa da UFCA/PRPI e ao

CNPq pela bolsa de iniciação científica que permitiu a produção do material empírico.

 Financiamento: Houve bolsa de iniciação de científica do CNPQ/PRPI/UFCA.

 Conflitos de interesse: Não há conflitos de interesse.

 Aprovação ética: O trabalho respeitou todos os procedimentos éticos, com assinatura do

TCLE e esse texto faz parte de um recorte de uma pesquisa mais abrangente aprovada

pelo Comitê de Ética/CEP. O CEP da faculdade de Medicina da Universidade Federal do

Cariri aprovou o projeto de pesquisa intitulado “Educação Sexual, sexualidade e gênero

na escola em uma perspectiva sociocultural”, cujo Certificado de Apresentação de

Apreciação Ética/CAAE é 21861219 0 0000 5698 com número de parecer 3.672.498.

 Disponibilidade de dados e material: Os dados e materiais utilizados no trabalho estão

disponíveis para acesso? Estão disponíveis no projeto de pesquisa mais abrangente que

originou esse artigo e o Trabalho de Conclusão de Curso/TCC da coautora.

 Contribuições das autoras: Elaine de Jesus Souza: Orientação, escrita, correções e

revisão textual; Eugerbia Paula da Rocha: escrita inicial e análise do material empírico.

Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.

Revisão, formatação, normalização e tradução.

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023014, 2023. e-ISSN: 2594-8385

DOI: https://doi.org/10.30715/doxa.v24iesp.1.18180 1

“WOMAN DOESN'T FIT IN A BOX”: TROUBLESHOOTING MACHINE AND

FEMININITY FROM THE MUSIC “PERFEITINHA”

“MULHER NÃO CABE EM CAIXINHA”: PROBLEMATIZANDO MACHISMOS E

FEMINILIDADES A PARTIR DA MÚSICA “PERFEITINHA”

“LA MUJER NO CABE EN UNA CAJA”: MÁQUINA DE SOLUCIÓN DE PROBLEMAS

Y FEMINIDAD DE LA MÚSICA “PERFEITINHA”

Elaine de Jesus SOUZA1

e-mail: elaine.souza@ufca.edu.br

Eugerbia Paula ROCHA2

e-mail: eugerbiarochabs@gmail.com

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SOUZA, Elaine de Jesus; ROCHA, Eugerbia Paula da.

“Woman doesn't fit in a box”: Troubleshooting machine and

femininity from the music “Perfeitinha”. Doxa: Rev. Bras.

Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023014, 2023.

e-ISSN: 2594-8385. DOI:

https://doi.org/10.30715/doxa.v24iesp.1.18180

| Submitted: 15/02/2023

| Revisions required: 22/04/2023

| Approved: 11/06/2023

| Published: 01/08/2023

Editor:

Prof. Dr. Paulo Rennes Marçal Ribeiro

Deputy Executive Editor:

Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz

Federal University of Cariri Institution (IFE/UFCA), Brejo Santo – CE – Brazil. Adjunct Professor of the

Institute for the Training of Educators. Permanent Professor at PPGECIMA/UFS. Post-doctoral student in

Education at (UFBA).

Federal University of Rio Grande (FURG), Brejo Santo – CE – Brazil. Master's Degree in Education.

“Woman doesn't fit in a box”: Troubleshooting machine and femininity from the music “Perfeitinha”