image/svg+xml
Subjetivação moral e poder: Contribuições
Foucaultianas
para a sociologia da moralidade
Estud. sociol., Araraquara,
v.
27
, n.
00
, e022011
, jan./
dez
.
2022
e
-
ISSN: 1982
-
4718
DOI:
https://doi.org/
10.52780/res.v27i00.13891
1
SUBJETIVAÇÃO MORAL E PODER
:
CONTRIBUIÇÕES FOUCAULTIANAS PARA
A SOCIOLOGIA DA MORALIDADE
SUBJETIVACIÓN MORAL Y PODER: CONTRIBUCIONES FOUCAULTIANAS A LA
SOCIOLOGIA DE LA MORALIDADE
MORAL SUBJECTIVATION AND POWER: FOUCAULTIAN
CONTRIBUTIONS TO
SOCIOLOGY OF MORALITY
Alyson Thiago Fernandes FREIRE
1
RESUMO
:
Este artigo discute a sistematização teórico
-
metodológica proposta por Michel
Foucault para estudar a moral. Com intuito de extrair lições e subsídios para a
pesquisa
sociológica das moralidades, em especial para fundamentar a noção de subjetivação moral,
sustenta
-
se que os estudos tardios foucaultianos aportam uma perspectiva praxiológica capaz
de conectar moralidade, agência e poder.
PALAVRAS
-
CHAVE
:
Michel F
oucault. Moralidade. Subjetivação. Sociologia da moral.
Teoria Social.
RESUMEN
:
Este artículo discute la sistematización teórica y metodológica propuesta por
Michel Foucault para estudiar la moral. Con el fin de extraer lecciones y subsidios para la
inve
stigación sociológica de la moralidad, especialmente para apoyar la noción de
subjetivación moral, se argumenta que los últimos estudios foucaultianos proporcionan una
perspectiva praxiológica capaz de conectar la moralidad, la agencia y el poder.
PALA
B
R
AS
CLAVE
:
Michel Foucault. Moralidad. Subjetivación. Sociología de la
moralidade. Teoría social.
ABSTRACT:
This paper discusses the theoretical and methodological systematization
proposed by Michel Foucault to study morality. In order to extract
lessons and subsidies for
sociological research on moralities, especially to ground the notion of moral subjectivation, it
is argued that late Foucauldian studies provide a praxeological perspective capable of
connecting morality, agency, and power.
KEYWO
RDS:
Michel Foucault. Morality. Subjectivation. Sociology of morality. Social
theory.
1
Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Mossoró
–
RN
–
Brasil.
Professor de Sociologia
.
Doutorando
no Programa de Pós
-
Graduação em Sociologia
(
UFPB
)
.
Mestre em Ciências Sociais
(UFRN).
ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0001
-
6673
-
6289
.
E
-
mail:
alyson.f
reire@ifrn.edu.br
image/svg+xml
Alyson Thiago Fernandes FREIRE
Estud. sociol., Araraquara,
v. 27, n. 00, e022011, jan./
dez
. 2022
e
-
ISSN: 1982
-
4718
DOI:
https://doi.org/
10.52780/res.v27i00.13891
2
Introdução
Além do recuo temporal para a Antiguidade clássica e para os primeiros séculos do
cristianismo, os trabalhos derradeiros de Michel Foucault na década 1980
realiza
m
um
segundo e relevante movimento. O filósofo francês a
bre
sua
“genealogia do sujeito na
civilização ocidental” em direção a uma nova trilha das práticas socia
is humanas
(FOUCAULT, 2006a, p.
95), qual seja: a moral.
Os volumes subsequentes à
Vonta
de de saber
2
(1988)
destacam
-
se por
essa nova e
inquietante preocupação com o papel da moral na história dos modos de subjetivação e
das
formas de gov
erno criados nas sociedades do O
cidente. Em
seus últimos
estudos, Foucault
está interessado em
entender como a atividade sexual foi constituída enquanto “problema
moral”
–
uma questão, à primeira vista, peculiar
,
mas de amplos desdobramentos histórico
-
políticos. Sobre esses estudos acerca das moralidades dos prazeres, escreve: “Se fosse
pretensioso,
daria o título ao que faço de: genealogia
da moral” (FOUCAULT, 2006b, p.
174).
Portanto, o consagrado giro para o problema da subjetividade, que diversos
especialis
tas na obra de Foucault sublinham
, está estreitamente vinculado a esse
súbito
interesse te
órico e empírico do filósofo com o tema da moralidade. Em Foucault, a moral é
pensada como um campo histórico
-
cultural de problematização
3
da conduta humana. Como
tal, ela pode abranger diferentes dimensões da experiência humana e, dessa maneira,
comporta
r diferentes níveis analíticos para o trabalho de pesquisa. Seu maior interesse, como
se verá neste artigo, recaí
sobre o
que o filósofo nomeia como “ética”
–
que constitui, no
esquema geral do seu pensamento, um terceiro domínio dos modos de objetivação d
o ser
humano em sujeito em nossa cultura
4
.
Neste artigo, apresento a sistematização teórico
-
metodológica proposta por Foucault
para estudar a moral com o intuito de extrair contribuições e subsídios para a pesquisa
sociológica das moralidades. Sustento o
argumento de que a análise foucaultiana da
moralidade fornece uma perspectiva praxiológica que aporta, ao menos, duas contribuições e
avanços pertinentes para o campo da sociologia da moral
: primeiro, um contraponto aos
2
L’usage des plaisirs
traduzido no Brasil como
O uso dos prazeres
(1984
a
)
,
Le souci de soi
, traduzido como
O
cuidado de si
(1985)
e, por último,
Le aveux de la chair,
traduzido como
As confissões da carne
(2020)
, quarto
volume,
publicado postumamente.
3
Esse conceito não se refere às representações sociais sobre um objeto preexistente. Por problematização,
Foucault quer dizer “o conjunto de práticas discursivas e não discursivas que faz alguma coisa entrar no jogo do
verdadeiro e
do falso e o constitui como objeto para o pensamento (seja sob a forma da reflexão moral, do
conhecimento científico, da análise política etc.) (FOUCAULT, 2006c
, p.
242).
4
Os outros dois domínios referem
-
se à constituição
como sujeitos de conhecimento at
ravés de relações com a
verdade e à constituição dos sujeitos, agindo uns sobre os outros, através de relaçõe
s de poder (FOUCAULT,
2014a, p.
223).
image/svg+xml
Subjetivação moral e poder: Contribuições
Foucaultianas
para a sociologia da moralidade
Estud. sociol., Araraquara,
v.
27
, n.
00
, e022011
, jan./
dez
.
2022
e
-
ISSN: 1982
-
4718
DOI:
https://doi.org/
10.52780/res.v27i00.13891
3
entendimentos mais holistas, cultura
listas e cognitivistas da moral; e, segundo, a conexão
entre moralidade, agência e poder a partir de uma teoria da prática sobre a subjetividade
moral.
Sociologia
da moralidade
O interesse da sociologia pelo fenômeno da moral não é uma novidade. As soci
ologias
de Emile Durkheim, Max Weber e Talcott Parsons atestam cabalmente esse interesse
precípuo, ao ponto da sociologia se confundir com uma ciência da vida moral (ABEND,
2010). Em todos eles,
encontra
-
se o problema dos valores, das normas e da moralidad
e
enquanto uma condição necessária e privilegiada para estudar a vida social humana e a
história de suas transformações. No entanto, apesar do interesse e da marcante presença da
moralidade e dos valores como tópico sociológico nos clássicos, não há propri
amente uma
sociologia da moralidade neles.
Ao contrário do que ocorreu em outras áreas, como a antropologia, a psicologia, a
filosofia social e até mesmo a neurociência e a biologia, o interesse com o tema da moral na
sociologia passou por um hiato tempora
l. Pode
-
se falar, aliás, de perda do status privilegiado
que outrora a moralidade usufruía como problema chave da disciplina. Sua identificação com
o funcionalismo parsoniano, que esteve ao longo da segunda metade do século XX sob
cerrad
a
e intensa crítica
na sociologia, principalmente nos EUA, é um dos fatores explicativos
para o ostracismo do tema na disciplina (HITLIN
;
VAISEY,
2010
,
p.
53).
Enquanto especialidade disciplinar, a sociologia da moralidade só emergiu, de fato,
recentemente,
desenvolvendo
-
se entre o final dos anos 1980 e começo dos anos 2000
(ABEND, 2008)
.
É
, nesse sentido,
um campo “redescoberto”
pela sociologia
(
M
c
CAFFREE
,
2016).
S
ob a influência de alguns
trabalhos de outras
áreas, em particular da filosofia social e
polí
tica, sociólogas e sociólogos voltaram novamente suas atenções para as dimensões morais
dos fenômenos sociais e para o lugar dos valores na experiência cotidiana das pessoas.
Os
enfoques sociológicos
mais recentes acerca da
moralidade tentam definir uma mu
dança de
escala e tratamento em relação
à perspectiva dos clássicos acerca da moralidade
(ABEND,
2010)
. Com o intento de renovar sua abordagem e explicação
(HITLIN, 2015),
o papel dos
valores e das normas morais na internalização, integração e consenso soc
ial perde sua
centralidade, assim como a dependência da moral em relação à lógicas de ação estratégica e
de dominação subjacentes. Em seu lugar,
ganham prioridade analítica
os contextos e os
image/svg+xml
Alyson Thiago Fernandes FREIRE
Estud. sociol., Araraquara,
v. 27, n. 00, e022011, jan./
dez
. 2022
e
-
ISSN: 1982
-
4718
DOI:
https://doi.org/
10.52780/res.v27i00.13891
4
processos socioculturais heterogêneos que constituem as pressupos
ições, os significados e os
sistemas morais que moldam e orientam indivíduos, grupos e organizações em suas
percepções, relações, interações e padrões de comportamento em termos de valores,
avaliações, obrigações e compromissos nos mais diversos domínios d
a interação social
(H
ITLIN;
VAISEY, 201
0
).
Nesse sentido, ao contrário de uma perspectiva macrossociológica e estrutural,
privilegia
-
se um tratamento de orientação microssociológica, contextualista e estratificada da
moralidade. Esta é estudada tanto como variável independente quanto como variável
dependente dos fenômenos sociais. Ou seja, busca
-
se elucidar os seus diversos níveis de
relacionamento e de determinação com fatores variados de ordem histórica, econômica,
cultural, política e institucional
(H
ITLIN;
VAISEY
, 2010
).
Entre a variedade de tóp
icos de reflexão e pesquisa no campo das moralidades
5
, a
questão das dimensões morais das relações de poder constitui, conforme o mais importante
manual de divulgação e balanço da área, um dos mais destacados e relevantes temas
(H
ITLIN;
VAYSEY, 201
0
, p.
0
8). Nessa seara, duas perspectivas são bastante influentes e
utilizadas para apreender a dinâmica e os nexos entre moralidade e poder,
são elas
:
a
“
sociologia
pragmática da crítica e
dos regimes de ação”, cujos expoentes são Boltanski e
Thevenot
(1991)
, e
a sociologia
cultura
l
de inspiração bourdieusiana da socióloga canadense
Michèle Lamont
(
2000;
1992)
com suas
pesquisas com respeito ao problema das
fronteiras
morais entre as
classes sociais e outras coletividades
6
.
Na primeira abordagem,
moralidade e poder são entendidos como processos
discursivos interrelacionados às “lutas de justificação”
em que as práticas e relações humanas
ordinárias estão, irremediavelmente, implicadas nas mais diversas situações cotidianas e
públicas de controvérsia e divergência.
Para Boltanski e Thevenot (1991)
, as pessoas comuns,
em diferentes contextos de interação e a partir de uma pluralidade de princípios de valor,
invocam, avaliam e contrapõem razões morais e visões de bem comum divers
as para
justificar, questionar ou confirmar a legitimidade de determinados arranjos coletivos e seus
consensos provisórios
.
5
Para um balanço bibliográfico mais detalhado acerca da sociologia da moralidade
, ver
:
BRITO, Simone
Magalhães; FREIRE, Alyson Thiago Fernandes; FREITAS, Carlos Eduardo. Sociologia da moral: temas e
problemas.
In:
FAZZI, Rita de Cássia; LIMA, Jair Araújo.
Campos das Ciências Sociais
: figuras do mosaico
das pesquisas no Brasil e em Portugal. Petropólis
,
RJ
:
Vozes, 2020, p. 481
-
497.
6
Os estudos de pânico moral, cruzadas morais e escândalos e, por outro, ainda
que mais forte e recorrente na
antropologia, os e
studos das tecnologias de governo são outros exemplos importantes de perspectivas
que se
preocupam em articular moralidade e poder
. Para maiore
s detalhes
consultar
o texto
Sociologia da moral:
temas
e problemas
(
BRITO; FREIRE; FREITAS,
2020)
.
image/svg+xml
Subjetivação moral e poder: Contribuições
Foucaultianas
para a sociologia da moralidade
Estud. sociol., Araraquara,
v.
27
, n.
00
, e022011
, jan./
dez
.
2022
e
-
ISSN: 1982
-
4718
DOI:
https://doi.org/
10.52780/res.v27i00.13891
5
Em outras palavras,
poder e moralidade
coexistem
de maneira agonística
nos
contingentes
acordos normativos
que sustentam o mundo so
cial,
principalmente
nos
momentos críticos e provas por meio dos quais este último, em seus diferentes domínios,
é
posto
em xeque
quanto aos seus princípios de validade e justificação.
Ambos
, portanto, pode
-
se dizer,
são
parte
s
inerentes
da
s relaç
ões
intersubjetivas e da
capacidade de agir e
intervir das
pessoas na construção e transformação do mundo social (BOLTANSKI
;
THEVENOT, 1991).
Na segunda abordagem, por sua vez,
moralidade e poder se interligam como processos
culturais por meio dos quais grupos
autocompreendem suas identidades e diferenças em
relação à outros grupos, estabelecen
do e justificando
distinções e desigualdades
materiais e
simbólicas entre si.
Para Michèle Lamont
(2000
;
1992)
, as relações sociais são atravessadas
por padrões de avalia
ção com cujos significados e representações, disponíveis na forma de
repertórios culturais compartilhados e estratificados, as pessoas desenham e
instituem
“fronteiras morais” entre elas
. Os valores e as crenças morais
são, com efeito, conteúdos
cruciais p
ara dar sentido às identidades, hierarquias e as fronteiras de classe,
raça, gênero e
nacionalidade. As lógicas morais fundamentam e
legitimam
a produção de diferentes
lógicas
de poder e dominação, tais como as de superioridade e
inferioridade
e de discrim
inação e
estigmatização, assim como também atuam nas maneiras e respostas construídas e
mobilizadas no enfrentamento e contestação dessas últimas
(LAMONT,
2000;
1992).
Consideradas em seu conjunto, esses dois enfoques
apresentam
, em diferentes graus,
alguns
déficits e sobredeterminações, que, a meu ver, a análise foucaultiana da moralidade
pode contribuir para calibrar. Embora competentes pa
ra identificação e descrição das
linguagens
,
regras e regularidades
do discurso moral,
ass
im como sua situacionalidade,
relacionalidade e efeitos,
eles sobredeterminam certas dimensões, como o papel da
reflexividade e do simbólico, sem vinculá
-
las a um outro ponto fundamental da ação moral, a
saber: a produção do sujeito moral.
Como tentarei de
monstrar, Foucault desenvolve uma abordagem praxiológica da
moral. Nela, as práticas constitutivas da subjetiv
idade, em
um dado contexto
sociocultural e
histórico, figuram no centro da análise
da experiência moral
. É por meio delas que o filósofo
busca exa
minar e compreender como os indivíduos produzem a si mesmos como sujeitos
morais e, ao mesmo tempo, sujeitam
-
se a certos tipos de poder e instituições.
Sua genealogia das tecnologias de subjetivação moral ainda não recebeu a devida
atenção quanto ao seu p
otencial teórico para a pesquisa sociológica da moralidade,
especialmente na produção das ciências sociais brasileiras
-
em que predominam as
perspectivas de inspiração interacionista e pragmática, com forte inclinação para a sociologia
image/svg+xml
Alyson Thiago Fernandes FREIRE
Estud. sociol., Araraquara,
v. 27, n. 00, e022011, jan./
dez
. 2022
e
-
ISSN: 1982
-
4718
DOI:
https://doi.org/
10.52780/res.v27i00.13891
6
da “economia dos re
gimes de justificação” de Luc Boltanski e
Laurent
Thevenot (FREIRE,
2013; WERNECK, 2016
; WERNECK; OLIVEIRA, 2014
)
7
.
Este artigo procura colaborar,
portanto, para aumentar o interesse de sociólogas e sociólogos nas contribuições da
“genealogia da ética” de
Foucault para a pesquisa sociológica das moralidades
–
algo que a
antropologia já tem assinalado e colocado em prática há algum tempo (
FAUBION, 2011;
LAIDLAW
, 2002).
Foucault redescobre a questão moral
A atenção foucaultiana pela que
stão moral se
deve, sobretudo, à
s implicações e
exigências teórico
-
empíricas que a reavaliação do seu projeto inicial de uma história da
sexualidade
,
colocaram para o filósofo francês. Antes disso, as passagens em que Foucault
dedicou
-
se a tratar diretamente questões re
lacionadas ao tema da moralidade são raras e
bastante
marcadas por sua crítica ao humanismo moderno. Com respeito às modificações do
projeto de uma história da sexualidade, o autor é categórico a propósito do novo patamar que
a dimensão moral adquiriu em s
eu trabalho: “Eu tentei reequilibrar todo o meu projeto em
torno de uma questão simples: por que se faz do comportamento sexual uma questão moral, e
uma questão moral importante?” (FOUCAULT, 2014a, p.
216).
Investigar as transformações na constituição do s
ujeito em relação à sexualidade o
conduziu para um campo de experiência em que a arqueologia do saber e a analítica dos
dispositivos de poder pareciam insuficientes para esclarecer. Até então, a obra de Foucault
tinha como principal preocupação examinar co
mo, no Ocidente moderno, o sujeito foi
formado e disciplinado pela produção de discursos de verdade e por estratégias de saber
-
poder.
A partir do final
da década 1970, o desafio intelectual que para ele com
eça a se impor
passa a ser de outra ordem
: não mai
s o de relacionar
sujeito e
verdade, e a sexualidade em
especial, à
emergência e
funcionamento de dispositivos de poder, senão às maneiras pelas
quais os indivíduos preocupam
-
se e tentam governar e moldar suas existências, desejos e
condutas enquanto uma “
relação do ser consigo mesmo”
–
rapport à soi
(FOUCAULT,
1984
a
, p. 10
).
7
Por outro lado, esforços para construir perspectivas alternativas no est
udo dos valores e moralidades tê
m sido
realizados no país. Cumpre mencionar alguns deles: Edmilson Lopes Junior (2010) a partir dos aportes da
sociologia econômica de Mark Granovetter
; Simone Brito (
2019;
2011), que tem se apoiado em Theodor Adorno
e Zygmunt Bauman, assim como empregado a sociologia
figuracionista de Norbert Elias
; e, por último, Carlos
Eduardo Freitas (2018), que em sua tese de doutoramento construiu seu quadro analít
ico a partir da teoria da
agência e da identidade moral de Charles Taylor e da sociologia da gênese dos valores de Hans Joas.
image/svg+xml
Subjetivação moral e poder: Contribuições
Foucaultianas
para a sociologia da moralidade
Estud. sociol., Araraquara,
v.
27
, n.
00
, e022011
, jan./
dez
.
2022
e
-
ISSN: 1982
-
4718
DOI:
https://doi.org/
10.52780/res.v27i00.13891
7
Pode
-
se constatar esse esforço de reformulação e a preocupação do filósofo com a
questão moral em seus cursos no
Collège de France
dos anos 1980, nas palestras e
entrevistas
8
desse p
eríodo e, por último, no próprio material histórico e documental que
Foucault começou a pesquisar com mais afinco e interesse: “O campo que analisarei é
constituído por textos que pretendem estabelecer regras, dar opiniões, conselhos, para se
comportar com
o convém” (FOUCAULT
, 1984
a
, p.
15). Especialmente na análise de como
cultura greco
-
latina problematiza as condutas sexuais, Foucault exam
ina um tipo de literatura
moral:
textos filosóficos, tratados de existência, manuais de conduta, reflexões sobre a arte
de
viver
, uma
série de escritos elaborados por filósofos, médicos e moralistas das culturas
helênica e romana.
Não é por acaso que, discorrendo acerca do lapso temporal entre os volumes de
história da sexualidade, o filósofo francês responde que se
trata, agora, de estudar o
“nascimento de uma moral, de uma moral uma vez que ela é uma reflexão sobre a
sexualidade, sobre o desejo, o prazer” (FOUCAULT, 2004, p.
241).
Estudar a moral: das regras à constituição do sujeito
Na programática introdução d
o
Uso dos prazeres
, Foucault (1984
a
) afirma que o seu
trabal
ho sobre
as práticas de austeridade sexual do mundo
antigo lhe trouxe uma inesperada e
instigante
surpresa, qual seja: um sentido
peculiar e distinto de moral quando comparado
ao
entendimento mode
rno e sua ênfase na universalidade de um código.
Nas teorias modernas da moralidade, sustenta Foucault, existe uma
importante
questão
negligenciada. Ele está se referindo a um componente crucial da vida moral,
o qual, a seu ver,
é analiticamente distinto d
as regras, valores, princípios e códigos morais. Trata
-
se das práticas
por meio das quais os indivíduos buscam transformar a si mesmos, suas atitudes e hábitos,
em
um modo de ser moral culturalmente valorizado e pessoalmente significativo (FOUCAULT,
1984
a
)
.
Com isso, Foucault quer chamar a atenção para o fato de que na história da moral não
há apenas códigos e discursos de proibições e advertências. Nela, pode
-
se encontrar
também
a
8
Os cursos
Subjectivité et verité
, de 1980
-
81,
L’hermeneutic du sujet,
de 1981
-
82,
Le gouvernement de soi et des
autres
, de 1982
-
83
e
La courage de la verité
, de 1983
-
84
. Entre
as
entrevistas
,
pode
-
se mencionar
:
Sobre a
genealogia da ética: resumo de um trabalho em curso
, realizada e publicada em inglês em 1983
(FOUCAULT,
M.
On the Genealogy of Ethics, An Overview of Work in Progres
s.
In
: DREYFUS, H., RABINOW, P.
Michel
Foucault
. Beyond Structuralisme and Hermeneutics.
2. ed. Chicago, The University
Chicago Press, 1983, p.
229
-
252
)
e a
A ética do cuidado de si como prática da liberdade
, realizada e public
ada em 1984 (FOUCAULT,
M. À propos de la généalogie de l’éthique, un aperçu du travail en cours.
In
: DREYFUS, H.
;
RABINOW,
P.
Michel Foucault
: un parcours philosophique.
Paris, Gallimard, 1984
b
.
p.
322
-
346).
image/svg+xml
Alyson Thiago Fernandes FREIRE
Estud. sociol., Araraquara,
v. 27, n. 00, e022011, jan./
dez
. 2022
e
-
ISSN: 1982
-
4718
DOI:
https://doi.org/
10.52780/res.v27i00.13891
8
existência de uma variedade de práticas e técnicas históricas norteadas pel
a preocupação em
moldar a existência e as maneiras de ser através de uma relação moral e reflexiva com as
próprias condutas,
pensamentos
, enfim, consigo próprio. Uma relação, frisa Foucault,
dedicada à produção de determinadas disp
osições e formas morais d
e ser, sentir e
viver
enquanto condição indispensável para atingir certos estados ideais e realizar concepções
estimadas de pessoa e de vida plena.
Como se pode notar,
no campo das tradições da filosofia moral,
Foucault
está mais
próximo das
preocupações da ética das virtudes
(M
ACINTYRE, 2001)
do que do utilitarismo
(MILL,
2005)
e da deontologia (KANT,
2013)
. I
s
t
o é,
da questão
do que significa ser virtuoso
e agir segundo uma concepç
ão valorizada de
bem
do que da
questão
abstrata a propósito da
descoberta e fundamentação de critérios para
definir o que é uma
ação correta
.
Desse modo,
ele tenta
incluir no campo da reflexão
e pesquisa
sobre a moral um problema t
eórico e
empírico singular
: “as formas e as modalidades da rela
ção consigo através das quais o
indivíduo se constitui e se reconhece como sujeito” (FOUCAULT, 1984
a
, p.
10)
. P
ropõe
,
assim
,
um deslocamento de ênfase na investigação da vida moral:
em vez de simplesmente os
sistemas e códigos normativos e avaliativos
que
informam ao longo do tempo e do espaço um
dado campo de condut
a, de raciocínio e
de relações, as experiências morais e práticas de
produção das f
ormas de ser moral
em contextos histórico
-
culturais específicos
.
Para
Foucault
(1984
a
, p. 26