image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 1O POLO DE CONFECÇÕES DO AGRESTE PERNAMBUCANO: ORIGENS E CONFIGURAÇÕES ATUAIS EL POLO DE CONFECCIONES DEL AGRESTE PERNAMBUCANO: ORÍGENES Y CONFIGURACIONES ACTUALES THE AGRESTE PERNAMBUCANO CLOTHING CLUSTER: ORIGINS AND CURRENT CONFIGURATIONS Felipe RANGEL1Roseli de Fátima CORTELETTI2RESUMO: Este artigo discute o histórico de formação do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano e suas relações com as configurações atuais desse território produtivo. Procuramos traçar o percurso de um território que superou as crises econômicas provocadas pelo declínio da produção rural – principalmente em razão das grandes secas na região – e hoje aparece como um dos principais centros de produção de confecções e comércio popular do Brasil. A partir de pesquisa realizada entre 2017 e início de 2020 – com visitas a unidades produtivas, realização de entrevistas com trabalhadores e empresários e levantamento de dados sobre a indústria de confecções local –, buscamos discutir a organização produtiva do Polo e as percepções dos trabalhadores em relação à valorização do trabalho autônomo, ainda que na informalidade. Argumentamos que, forjadas na dialética entre privação e inventividade, as configurações atuais do Polo e seu poder de competitividade residem, em grande medida, na homologia entre as disposições fundadas num “imperativo da independência”, relacionado ao histórico da região, e a lógica neoliberal contemporânea da responsabilização individual, cuja sustentação material se verifica em formas flexíveis e intensas de trabalho autônomo e informal. PALAVRAS-CHAVE: Polo de confecções do Agreste Pernambucano. Informalidade. Trabalho autônomo. Empreendedorismo. RESUMEN: Este artículo analiza la historia de la formación del Polo de Confecciones del Agreste Pernambucano y sus relaciones con las configuraciones actuales de este territorio productivo. Buscamos trazar la trayectoria de un territorio que superó las crisis económicas provocadas por el declive de la producción rural -principalmente debido a las grandes sequías de la región- y hoy aparece como uno de los principales centros de producción de confecciones y comercio popular de Brasil. A partir de la investigación realizada entre 2017 y principios de 2020 -con visitas a las unidades productivas, entrevistas con trabajadores y empresarios, y recolección de datos sobre la industria local de la confección- buscamos 1Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos – SP – Brasil. Pesquisador de pós-doutorado no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP). Pós-Doutorado. Doutorado em Sociologia. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0679-3756. E-mail: feliperangelm@gmail.com 2Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande – PB – Brasil. Professora Efetiva. Doutorado em Sociologia (UFPB). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0277-3344. E-mail: roselicortel@yahoo.com.br
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 2 discutir la organización productiva del Polo y las percepciones de los trabajadores respecto a la valoración del trabajo autónomo, aunque sea en la informalidad. Argumentamos que, forjadas en la dialéctica entre privación e inventiva, las configuraciones actuales del Polo y su poder de competitividad residen, en gran medida, en la homología entre las disposiciones fundadas en un "imperativo de independencia", relacionado con la historia de la región, y la lógica neoliberal contemporánea de la responsabilidad individual, cuyo soporte material se verifica en formas flexibles e intensas de trabajo autónomo e informal.PALAVRAS CHAVE: Polo de Confecciones del Agreste Pernambucano. Informalidad. Trabajo autónomo. Emprendimiento. ABSTRACT: This article discusses the formation of the Agreste Pernambucano Clothing Cluster and its relations with the current configurations of this productive territory. We traced the history of a territory that overcame the economic crises caused by the decline in rural production - mainly due to the great droughts in the region - and today it appears as one of the main centers of production of clothing in Brazil. Based on research carried out between 2017 and the beginning of 2020 - with visits to production units, interviews with workers and data collection on the local clothing industry -, we seek to discuss the productive organization of the Pole and the perceptions of workers concerning the valorization of autonomous work, even in informality. We argue that, forged in the dialectic between privation and inventiveness, the current configurations of the Pole and its competitive power reside, to a large extent, in the homology between the culture founded on an “imperative of independence”, related to the region's history, and the neoliberal logic contemporary of individual responsibility, whose material support is verified in flexible and intense forms of autonomous and informal work. KEYWORDS: Agreste Pernambucano clothing cluster. Informality. Self-employment. Entrepreneurship. Introdução Grandes outdoors anunciando jeans, roupas de praias e vestidos dão as boas-vindas a quem chega à região de Santa Cruz do Capibaribe, no agreste pernambucano. [...] Muitos dos habitantes do lugar se orgulham de ter o DNA do empreendedorismo e seguem à risca o mantra do governo de “menos direitos, mais empregos”. [...] A informalidade no mercado de trabalho é de cerca de 80%. Não há estatísticas confiáveis sobre emprego, mas na região se repete a todo tempo que só não trabalha quem não quer. (ZANINI, 2019)3O trecho acima descreve o impacto da chegada a Santa Cruz do Capibaribe, uma das principais cidades que compõem o chamado Polo de Confecções do Agreste Pernambucano. Em uma região sem tradição industrial, marcada pela precariedade infraestrutural, por 3ZANINI, F. No agreste, polo de confecções serve de laboratório para reforma de Guedes. Folha de São Paulo, abr. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/04/no-agreste-polo-de-confeccoes-serve-de-laboratorio-para-reforma-de-guedes.shtml. Acesso em: 11 out. 2019.
image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 3carências de serviços públicos e por um passado identificado com a decadência da economia baseada na pecuária, algodão e agricultura, a emergência de um polo com tamanha vitalidade chama a atenção, especialmente pela presença massiva do “empreendedorismo informal”. Com base nas numerosas pesquisas realizadas na região (BURNETT, 2013; LIMA; SOARES, 2002; MILANÊS, 2019; SÁ, 2018; VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013), verifica-se que a informalidade nas relações de trabalho, o trabalho feminino, domiciliar e familiar são características marcantes desde a origem da produção local e do comércio nas feiras populares até a atualidade. Assim como merece destaque o forte discurso empreendedor propagado em meio ao trabalho intenso e precário, realizado em um sem-número de unidades produtivas informais. Considerando esses aspectos, a partir de pesquisa realizada no polo entre 2017 e 20204e da literatura sobre suas origens, buscaremos recuperar o percurso de uma região que superou as crises econômicas provocadas pelo declínio da produção rural – principalmente em razão das grandes secas na região – e que hoje aparece como um dos principais centros de produção de confecções e comércio popular do Brasil, mobilizando circuitos comerciais extensos e nos quais milhares de pessoas ganham a vida em ocupações informais ou nas “zonas cinzentas do trabalho” (AZAÏS, 2012). Em seguida, trataremos de apresentar alguns aspectos relacionados ao trabalho e organização da produção de confecções do polo, identificados em suas configurações atuais. Por fim, a partir de entrevistas realizadas com produtores formais e informais, discutiremos questões relativas à ampla valorização do trabalho autônomo nesse território – mesmo que na informalidade e por meio do trabalho intenso –, que é frequentemente percebido como forma de empreendedorismo individual. Origem e desenvolvimento As origens do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano situam-se em meados da década de 1950, a partir da produção artesanal em Santa Cruz do Capibaribe que era distribuída nas feiras populares tradicionalmente realizadas nas cidades da região. Contudo, antes de encontrar na produção de confecções o principal recurso para o desenvolvimento e geração de trabalho e renda para a população, a região do Agreste Pernambucano tinha como atividade econômica fundamental a pecuária, o cultivo do algodão e a pequena produção agrícola, atividades que sempre conviveram com certa dificuldade, dadas as condições 4A pesquisa que deu origem ao presente artigo esteve vinculada ao Projeto Trabalho e Globalização Periférica no Brasil: um estudo comparativo em três setores produtivos, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Processo 402354/2016-8.
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 4 climáticas – tendo em vista os períodos significativos de seca, característicos da região. Segundo Milanês (2019), as características do clima prejudicavam as possibilidades de uma fonte de renda permanente e estável para a população. É nesse cenário que as atividades de confecção aparecem como alternativas de trabalho e renda para a população agrestina, sendo as mulheres as principais protagonistas do processo, mobilizando técnicas e experiências adquiridas como herança geracional (BEZERRA, 2018; PEREIRA, 2019). Assim, contando fundamentalmente com a mobilização da população local, começou-se a produzir grandes quantidades de peças em malhas, brim e jeans. Por conta desse surgimento não planejado, forjado nas práticas de populações que buscavam alternativas econômicas frente à escassez de recursos, há certo debate nos estudos sobre a formação desse território produtivo. Parte das explicações recuperam a origem do polo de confecções atribuindo-a ao imperativo da sobrevivência dessa população e a um posterior desenvolvimento “espontâneo” (LYRA, 2006). Em uma perspectiva distinta, narra-se a emergência desse espaço ressaltando as experiências coletivas ancestrais, transmitidas pelas gerações, que culminaram em formas inventivas de produção da vida (ESPÍRITO SANTO, 2013; MILANÊS, 2019). Nesta última, focaliza-se então a agência das pessoas que construíram o polo de maneira “inventiva”. Entendemos, porém, que essas abordagens não são, necessariamente, excludentes, uma vez que o surgimento da produção local pode ser considerado uma forma criativa e coletiva de responder a uma necessidade objetiva de sobrevivência. Até o final da década de 1940 e início de 1950, a atividade de confecção consistia basicamente no trabalho artesanal com retalhos aproveitados dos rejeitos das indústrias têxteis de Recife (BURNETT, 2013). Esses retalhos eram levados para Santa Cruz do Capibaribe no retorno de moradores, pequenos produtores e criadores que viajavam à capital pernambucana para vender galinhas, carvão vegetal, queijo, dentre outros produtos (LYRA, 2006). Com esse material, produziam-se roupas íntimas femininas (LIMA; SOARES, 2002), peças simples de vestuário e mantas de retalhos (que se tornaram uma espécie de produto típico da região). Esses produtos eram então comercializados nas feiras livres que historicamente ocorriam nas principais cidades do Agreste Pernambucano, figurando como importantes espaços não só econômicos, mas também sociais e culturais (SÁ, 2018). A unidade produtiva fundamental dessa atividade era o ambiente familiar e doméstico. Em posse de uma máquina de costura e sob o comando da “mãe de família”, como observa Burnett (2013), confeccionavam-se as roupas por encomenda ou por iniciativa própria, destinadas ao consumo popular. De acordo com Lyra (2006), era comum que confeccionistas
image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 5maiores, de áreas urbanas, emprestassem máquinas de costura para mulheres que residiam nas áreas rurais próximas, inserindo-as na cadeia produtiva como subcontratadas (situação que lembra o chamado putting-out system, característico das primeiras configurações do capitalismo). Assim, pode-se observar que a produção do Agreste já nasce marcada pela flexibilidade e sustentada no trabalho informal, doméstico, familiar, autônomo e com a presença marcante da subcontratação. Com o crescimento dessa produção e a intensificação dos circuitos comerciais em torno dela, as fábricas do Recife passaram a cobrar pelos retalhos, antes coletados gratuitamente. Nesse contexto, ao longo da década de 1960, grandes quantidades de retalhos também começaram a ser trazidos de São Paulo, dando novo impulso à indústria agrestina. De acordo com Campello (1983), toneladas de retalhos oriundas dos descartes das fábricas do Brás – coração da indústria paulista no período – eram levadas para Pernambuco e destinadas à produção de confecções de baixo valor agregado. Teria sido essa origem sulina do material que deu o nome pelo qual passou a ser conhecida a produção do Agreste Pernambucano: sulanca; contração da palavra “helanca” (material dos retalhos) e Sul (origem geográfica). O termo sulanca passou a representar as peças de vestuário produzidas com acabamentos simples, destinados principalmente ao consumo de populações de baixa renda (LIMA; SOARES, 2002; LYRA, 2006). É com a relativa fama adquirida pela sulancae aconsequente identificação do potencial econômico dessa atividade que Caruaru e Toritama “entram no negócio”, ao longo da década de 1970 (MILANÊS, 2019), pelo menos no que se refere à atividade mais intensa de produção (tendo em vista que na dimensão da circulação de mercadorias, Caruaru já era um importante centro). Vale dizer que até meados da década de 1960, a cidade de Santa Cruz do Capibaribe, hoje considerada a capital da sulanca (MORAES, 2013), era um centro urbano inexpressivo no contexto do estado de Pernambuco (BURNETT, 2013). Pode-se justificar por isso a associação da popularização da sulancano Nordeste e em outras regiões do Brasil com as atividades comerciais de Caruaru, considerada a “verdadeira capital econômica” do Agreste Pernambucano (CARDOSO, 1965, p. 60). A importância econômica de Caruaru “pré-sulanca” fica evidente na caracterização feita por Cardoso na década de 1960, em que o autor destaca as características econômicas e sociais desta cidade como importante entreposto de produtos nordestinos e sulinos por meio de suas feiras, sem sequer mencionar a sulanca. O comércio de artigos de confecções aparecia sem destaque em meio a diversos outros produtos, como as frutas da região, o charque, itens de couro e outros artesanatos.
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 6 A injeção de grandes quantidades de retalhos paulistas na produção da sulancacontribuiu para a expansão dessa produção, induzindo um salto de escala. As feiras populares locais cresceram e ganharam ainda mais importância, passando a ser denominadas Feiras da Sulanca. Esses espaços de comércio no varejo e no atacado ativaram então expressivos circuitos de “sacoleiros” de diferentes regiões do país (RABOSSI, 2008). Figura 1– Vista da Feira da Sulanca, em Santa Cruz do Capibaribe Fonte: Arquivo pessoal cedido por José de Oliveira Góis Nesse contexto, a partir da década de 1970, a figura do sulanqueiroaparece com um papel importante (MILANÊS, 2019). Sulanqueiroera o termo que denominava os mascates que viajavam vendendo essas confecções para fora do Agreste, uma versão interiorana dos camelôs urbanos (BURNETT, 2013). Segundo Milanês (2019), os sulanqueirospartiam com peças de roupas, em geral produzidas no seio de sua própria família, e viajavam durante semanas por cidades do Norte e Nordeste, expondo o produto nas ruas. Ao lado dos circuitos de “sacoleiros”, o papel dos sulanqueirosfoi importante para a divulgação e estabelecimento de outros mercados para a sulanca, o que também demandou intensificação da oferta e o engajamento de muitas outras famílias em sua produção (MILANÊS, 2019). Figura 2– Sulanqueiros Fonte: Autor não identificado. Arquivo pessoal cedido por José de Oliveira Góis.
image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 7Como consequência, nos anos 1970, já não se tratava mais de uma pequena produção de confecções, mas sim de uma miríade de pequenos negócios informais movimentados com trabalho familiar e domiciliar. O crescimento econômico e as oportunidades de emprego e renda na região atraíram muitos moradores de cidades circunvizinhas, bem como a população da área rural. Desse modo, a importância da produção de confecções para a região pode ser verificada pelos impactos na urbanização de suas principais cidades, que resultaram da concentração das unidades produtivas e atividades comerciais e das novas oportunidades econômicas criadas (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013). Ainda nesse processo, vale também considerar os efeitos do desenvolvimento do polo de confecções sobre os processos migratórios. Historicamente caracterizada por ser uma região de “expulsão” de migrantes, a partir da década 1980 o cenário se alterou, relativamente, com a intensificação da migração de retorno (LYRA, 2005). Além da crise de emprego que marcou a indústria brasileira nessa época, retraindo as possibilidades de inserção econômica dos migrantes no Sudeste, a dinamização das atividades econômicas no Agreste contribuiu tanto para a diminuição da migração quanto para o movimento de retorno. Por outro lado, as redes previamente estabelecidas pelos circuitos de migração que ligavam o Agreste a grandes centros no Sudeste apareciam como ainda mais importantes para a circulação econômica dasulanca, formando uma espécie de “rede nacional de parentesco e amizade de arranjos produtivos e comerciais” (BURNETT, 2013, p. 11). A partir da recuperação do histórico da economia da sulanca, fica claro que a origem e o desenvolvimento dessa forma de produção e comércio não podem ser atribuídos somente à ação de pioneiros e figuras emblemáticas, ainda que estas existam – como mostram Gomes (2002) e Rabossi (2008) –, muito menos a projetos e incentivos governamentais. Segundo Véras de Oliveira (2013), mesmo as políticas desenvolvimentistas presentes no Nordeste a partir dos anos 1960, implementadas principalmente através da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), não chegaram a incidir diretamente sobre essa região. Lembrando ainda que, no período, a região praticamente inexistia do ponto de vista institucional, em termos da produção de dados sobre atividade industrial. Trata-se então de um espaço produtivo que surgiu e se desenvolveu praticamente sem apoio estatal e cujo histórico esteve relacionado a uma “divisão nacional do trabalho” (BURNETT, 2013, p. 11), em que o êxodo rural agrestino nos anos 1950 favoreceu o crescimento das indústrias no sudeste enquanto se originavam – na dialética entre privação e ação criativa – as atividades das retalheiras, dos sulanqueirose de toda uma população engajada na produção de confecções no Agreste Pernambucano.
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 8 O Polo de confecções do Agreste Pernambucano: configurações atuais A produção e o comércio dasulanca construíram um território industrial que se desenvolveu “fora do guarda-chuva estatal” e, também por isso, foi subestimado durante décadas pelas estatísticas oficiais (LIMA; CORTELETTI; ARAÚJO, 2020). Portador da fama de produtor de peças populares, com baixo valor agregado e itens de baixa qualidade voltados principalmente para o consumo de populações mais pobres, o polo tem crescido e se reconfigurado desde a década de 1990, quando passou a ser percebido como uma possibilidade de enfrentar o produto chinês (o que tem de fato ocorrido em alguns segmentos), que já ameaçava a indústria nacional (LIMA; RANGEL, 2019). Desde então, sua importância tornou-se evidente, dada a proporção da produção, do número de trabalhadores e trabalhadoras engajadas, da multiplicação de unidades produtivas e da extensão das redes comerciais. As atividades produtivas e comerciais ali desenvolvidas foram se consolidando e se associando mais estreitamente ao ramo da moda e serviços diversos, como consultorias de gestão e marketing e participação em eventos de moda; foi nesse período também que surgiram as primeiras marcas próprias de produtores do polo (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013). De acordo com Chang e Corteletti (2019), atualmente o polo compreende uma extensão de aproximadamente 15 municípios, tendo se expandido para cidades menores do Agreste Pernambucano, em regiões rurais e urbanas. Os principais centros continuam sendo Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru e Toritama. Cada um desses três municípios possui características diferenciadas no que se refere ao segmento geral das peças produzidas: Santa Cruz tem se especializado em confecções em malhas de algodão, em moda íntima e moda praia; Toritama é reconhecida pela produção de jeans; e Caruaru produz e comercializa artigos de vestuário variados, mas principalmente confecções em tecido de malha (SEBRAE/UFPE, 2013). Segundo o relatório do SEBRAE/UFPE (2013), o polo é o segundo maior centro de confecções do Brasil, gerando um faturamento total de cerca de R$1 bilhão, em 2011. 80% da produção total do polo é realizada em unidades produtivas informais. O caráter da produção pode ser definido como produção em série, mas seguindo as tendências que aparecem nas grandes mídias, ou seja, da moda fast fashion (popularmente conhecida como modinha), onde as peças, modelos, cores e tecidos mudam rapidamente e os fabricantes precisam estar sempre atentos à velocidade da demanda. Além disso, o comércio em atacado é outra característica do polo, modalidade em que os produtores têm uma pequena margem de lucro sobre cada peça e
image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 9dependem das vendas em grande quantidade. Por isso, constata-se a importância dos circuitos de sacoleiros que compram para a revenda em outras cidades e estados.Como já mencionado, o trabalho informal no Polo é preponderante, principalmente em unidades produtivas menores denominadas de fabricose facções. Pode-se dizer que formas de organização do trabalho características no início da produção da sulancapermanecem sendo reproduzidas amplamente no polo. Nesse sentido, os chamados fabricos representam as pequenas unidades produtivas nas quais ocorre a produção das confecções. Muitos funcionam em galpões alugados, mas geralmente são instalados no interior do ambiente doméstico, em garagens ou “puxadinhos” de fundos de quintais (LIMA; CORTELETTI; ARAÚJO, 2020). Vale dizer que nos últimos anos muitos fabricos têm crescido, desenvolvido marcas próprias e modernizado sua estrutura física e organizacional, tornando-se verdadeiras fábricas. As facções, por sua vez, tendem a operar em condições ainda mais precárias do que os fabricos, inserindo-se na cadeia produtiva como terceirizadas para estes e para empresas maiores, atuando na realização de determinadas tarefas da produção. Enquanto unidades prestadoras de serviço, o trabalho pode envolver desde a produção individual de costureiras no seu ambiente doméstico até pequenos galpões adaptados com máquinas próprias. Ao mesmo tempo, em parte por conta do aumento da produção impulsionado pelo engajamento crescente de novos trabalhadores e trabalhadoras e da consequente multiplicação de unidades produtivas (formais e informais), os modos de comercialização local têm sido reconfigurados, visto que as tradicionais Feiras da Sulanca não mais comportavam os fluxos de mercadorias, de pessoas e a entrada incessante de novos produtores-comerciantes. Assim, a partir do início dos anos 2000, como resultado de investimentos privados e algumas parcerias com governos locais, foram construídos grandes centros comerciais em Toritama, Caruaru e Santa Cruz do Capibaribe. Esses empreendimentos são, ao mesmo tempo, efeitos e parte da estratégia dos governos locais e investidores privados para mudar o estigma da produção e dos mercados locais associados a imagem histórica da sulanca (RANGEL, 2020). Numa perspectiva mais ampla, esses centros comerciais fazem parte dos processos de formalização que já há algumas décadas têm sido verificados nesse território, principalmente por parte de empresas maiores, que atendem grandes cadeias nacionais de lojas (LIMA; RANGEL, 2019). Além disso, a própria mudança do nome Feiras da Sulancapara Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco foi uma estratégia para melhorar a imagem do polo, já que o termo sulanca, é imediatamente associado a “sacoleiros”, sulanqueirose produtos populares de baixa qualidade e baixo custo (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013). Essa mudança formal e simbólica também tem a ver com o crescimento de produtores que buscam confeccionar
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 10 artigos de melhor qualidade, e recusam o estigma da sulanca. Um dos entrevistados em nossa pesquisa realizada em Santa Cruz do Capibaribe explica essa passagem: Eu fui em uma palestra em Taquaritinga e o professor lá [disse] “vocês aqui na sulanca”; eu disse, “professor (até na hora o pessoal aplaudiu), a gente não fala mais sulanca, a gente faz é confecção”. Porque você pode ver que o pessoal procura mais agora é qualidade, coisa que antigamente era troncho, era assim, agora não. Então agora a gente confecciona, a gente não faz sulanca, a gente confecciona, tanto que meus filhos, eu, Nana [irmã], a gente se veste daqui. Toda roupa nossa a gente compra aqui, entendeu? (Rodrigo, 39 anos). No entanto, o aspecto da formalização e “modernização” é parcial. O negócio no centro comercial pode ser formalizado, ao passo que a produção da mercadoria vendida ali – em geral, fabricada pelo próprio comerciante – está estruturada no uso de variados graus de trabalho informal, terceirizado, subcontratado e precário. Por outro lado, essa situação nos provoca justamente a complexificar categorias dicotômicas como formal e informal, bem como trabalho autônomo e subordinado, e a própria dimensão da exploração do trabalho, tal como experienciada pelos agentes. Se considerarmos a “economia moral” (THOMPSON, 1998) característica desse trabalho, veremos que grande parte dos trabalhadores nessas unidades produtivas organizam suas relações econômicas a partir dos laços sociais e de parentesco fundamentados na confiança, situações em que a noção de “ajuda” é determinante, conforme observa Moraes (2013). Nesse sentido, as categorias patrão e empregado pouco auxiliam na compreensão dessas relações, bem como a formalização dos contratos parece muito menos importante do que tratos estabelecidos através das relações de confiança e princípios de ajuda mútua (MORAES, 2013). Isso implica também considerar que a informalidade que marca grande parte da produção do Polo, representada principalmente pelos fabricose facções, em vez de significar apenas um resquício de formas produtivas arcaicas, é constituinte da forma “moderna” desse território produtivo, fundamental à sua configuração contemporânea. Por um lado, é condição para rebaixamento de custos e manutenção da competitividade; por outro, o significado das relações informais e as expectativas construídas no trabalho precário e informal vão muito além disso. Dada a estrutura de oportunidades no polo, as facçõesinformais aparecem como verdadeiras “portas de entrada” para a valorizada condição de trabalhador autônomo, no setor de confecções (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013).
image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 11Observa-se na realidade do polo que a informalidade adquire diversas configurações, mas sem deixar de reproduzir práticas antigas da tradição e dos costumes, ou seja, o novo surge a partir aspectos tradicionais, mantendo elementos essenciais da condição anterior. Nesse sentido, destaca-se o processo de “empreendedorismo informal” que marca as configurações atuais da produção e do trabalho no território; uma espécie de empreendedorismo popular que, como observam Penteado e Cruz Junior (2020), não pode ser completamente reduzido à racionalidade neoliberal. Empreendedorismo e informalidade no Polo Como já discutido, se há um protagonista na história da formação deste polo de confecções, ele é o sujeito coletivo da população do Agreste, habituada historicamente ao “imperativo da independência”. Ainda que nas últimas décadas o polo seja objeto de novos projetos de desenvolvimento e investimentos privados e públicos, o ethos da autonomia que marca as percepções dos trabalhadores e trabalhadoras ali engajados pode ser relacionado à sua origem, bem como à cultura local, habituada a sobreviver às margens dos grandes projetos governamentais. A própria figura do Estado, como destacado, sempre apareceu como algo distante ao desenvolvimento da região, só recentemente envolvendo-se mais diretamente através dos projetos de modernização e formalização, após certa consolidação da produção de confecções no Agreste. A ação estatal é geralmente verificada nas tentativas de regulação do trabalho, no combate à circulação de mercadorias sem nota fiscal ou no controle dos impactos ambientais dessa produção, como no que se refere à poluição das águas provocadas pelas lavanderias de jeans (SÁ, 2018). Disso deriva certa visão negativa da regulação estatal, raramente associada à maior proteção social (RANGEL, 2020), o que legitima a adesão ao discurso do “menos direitos, mais empregos” propalado pelo governo Bolsonaro, tal como expresso no trecho de notícia que abre este texto5. Refletindo sobre as raízes da busca pela autonomia no povo agrestino, Milanês (2015) destaca como sintomática a entrada dos homens agricultores para o mundo da costura e se reporta à relação do trabalho enquanto interação do homem com a natureza, em que a demarcação do tempo e o ritmo de trabalho agrícola são estabelecidos pela relação humana 5O texto de Zanini (2019) ainda destaca o fato de que, nas eleições de 2018, Jair Bolsonaro venceu nos dois turnos em Santa Cruz do Capibaribe, contrariando o que ocorreu no resto do estado de Pernambuco. Isso indica a possível identificação do discurso de livre mercado propalado pela campanha do candidato com as expectativas presentes na “cultura do trabalho” local.
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 12 com o natural, e não pelas demandas da produção industrial. O reconhecimento de relativa autonomia ligada ao trabalho rural aproxima essa análise do trabalho de Juarez Brandão Lopes (2008), que, no início dos anos 1960, observou um desajustamento entre a cultura do trabalho por conta própria, especialmente entre os migrantes nordestinos, e os princípios do sistema industrial de produção – racionalizado, disciplinado e subordinado. Assim, pode-se considerar que o valor da autonomia, independência e não subordinação no trabalho precede, no caso em questão, a “racionalidade neoliberal” (DARDOT; LAVAL, 2016), identificada com a expansão do individualismo e do princípio da concorrência, veiculados atualmente pelo discurso do empreendedorismo. Considerando então o aspecto histórico da formação fundamentalmente autônoma do polo, sem maiores apoios governamentais, e as características atuais da produção, com hegemonia dos pequenos empreendimentos6, pode-se compreender a plausibilidade do discurso empreendedor que orienta os comportamentos e as escolhas de grande parte dos trabalhadores. Tornar-se um empreendedor de si mesmo e iniciar uma marca própria de confecções é o sonho da maioria das pessoas que trabalham com costura na região, ainda que, tal como verificamos ao longo da pesquisa realizada, algumas famílias reconheçam a importância de ter algum membro trabalhando de forma regular, com carteira assinada. Segundo entrevistados, isso pode representar uma segurança maior para enfrentar a atual crise econômica, apesar de os ganhos financeiros serem mais atrativos quando trabalham de modo autônomo e por produtividade. Na região, as trajetórias empíricas daqueles que ascenderam socialmente são bastante conhecidas por conta da proximidade das redes de relações pessoais. Também por isso, criou-se a percepção de que o caminho mais “possível” para a ascensão econômica é através do próprio negócio (FREIRE, 2016). Percepção frequentemente validada por situações reais e próximas, ao lado de uma maioria que segue tentando engajada no trabalho intenso, precário e desprotegido. De qualquer forma, segundo Milanês (2015), temos que a maioria dos grandes atacadistas de Santa Cruz, por exemplo, é formada por descendentes dos pioneiros da produção e comércio da sulanca, o que tende a reforçar o valor do trabalho autônomo. Considerando essa situação, Freire (2016) buscou compreender as configurações do trabalho no polo através da análise das trajetórias de empresários, de como estes partiram da condição de trabalhadores em fabricose facçõespara a posição atual. A autora verificou que 6Segundo dados do SEBRAE/UFPE (2013), no Polo mais de 70% das unidades produtivas funcionam com até duas pessoas ocupadas.
image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 13essa mudança não está ligada apenas a uma vontade individual, mas à experiência familiar trazida na memória dos empreendedores, desde suas infâncias. Nas palavras da autora: A herança social recebida dos pais, familiares e conhecidos, considerados a primeira leva de empreendedores das confecções, aliada aos costumes rurais e ao comércio de feira, fazia com que todos quisessem ter seu próprio negócio. Essa seria a forma de superar as condições difíceis de vida (FREIRE, 2016, p. 176). Além disso, o trabalho autônomo e informal no polo é favorecido pela própria natureza da produção de confecções. O acesso a uma única máquina de costura é a condição para o início de uma facção. De acordo com Milanês (2019), a maior parte dos empreendimentos no Polo começam de maneira semelhante: a atividade de costura e outras atividades no interior do ambiente doméstico, trabalho familiar, prestação de serviço para outras empresas e, com o tempo, a consolidação de uma unidade produtiva mais estruturada. Uma entrevistada, que hoje produz a mercadoria que vende em uma loja no Moda Center7, ilustra esse processo através da própria trajetória: [...] Aí mamãe e papai trabalhavam na empresa e tal, só que confecção aqui você tira muito dinheiro. É a economia daqui. Aí mamãe começou como sócia, que mamãe também não sabia, não entendia de nada e a pessoa entendia. Mamãe comprou as máquinas e elas começaram, aí foi indo. [...] E nisso eu estava na confecção todo dia. [...] Aí, comecei a costurar, curiosa, e eu ia lá e costurava. Aí mamãe fechou, parou, fechou, fechou, fechou. Só que as máquinas continuaram em casa e eu queria dinheiro, então comecei a pegar costura, [...] para costurar em casa, aí eu comecei aqui, aí depois eu disse “vou começar para mim”. E eu não sei quanto tempo isso faz, uns 10 [anos]. Faz, faz mais, faz mais de, quando eu comecei a faculdade, eu já fazia, aí comecei, aí a gente, aí vai, vai indo, vai indo, você vai numa dessa. Não é que nem “eu vou fazer medicina”, “eu vou fazer direito”, porque eu tenho aptidão para aquilo; não, você cai nessa e você sem querer começa. (Tatiana, 42 anos). Segundo a trajetória apresentada acima, a entrada na costura não é uma escolha puramente individual, mas um trabalho que vai aparecendo como alternativa de renda e faz parte da vida da maioria dos moradores da região. É relativamente fácil começar um negócio no polo, bastando apenas a posse de uma máquina; o tecido pode ser compra “a fiado” (na base da amizade e confiança) em alguma loja da cidade. Em seguida, as peças são confeccionadas e vendidas para contratantes maiores ou diretamente nas feiras e centros comerciais. Com o dinheiro adquirido na venda, paga-se o tecido na loja e parte é reinvestida na compra de mais material para confecção de novas peças, e assim por diante. 7Grande shopping popular de Santa Cruz do Capibaribe.
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 14 Por conta dessa dinâmica, há na região certo discurso de que não há desemprego e que só não trabalha quem não quer. Lyra (2006), também destaca esta percepção, situando-a no contexto geral de precariedade que originou e ainda circunda o polo de confecções do agreste. Numa região com vários problemas sociais, este passa a ser um “oásis” no meio do semi-árido. O crescimento econômico é referenciado como símbolo do progresso e da riqueza, onde o desemprego é quase inexistente e as pessoas possuem renda, pelo menos para sobreviver. (LYRA, 2006, p. 107). Muitos empregadores reclamam que os jovens têm se mostrado resistentes a trabalhar como assalariados. Nesse aspecto, é importante considerar que a “escolha” entre o trabalho autônomo (informal ou não) e os empregos assalariados disponíveis só pode ser entendida levando em conta as diferentes possibilidades anunciadas e percebidas em cada condição (RANGEL, 2021). Assim, Lima, Corteletti e Araújo (2020) destacam que, para muitos, o valor da remuneração do trabalho na produção autônoma, mesmo informal e precária, é um dos principais critérios de atração. Em geral, os pagamentos são por produtividade, quanto mais peças produzidas maiores serão os rendimentos. A diferença na renda do trabalho autônomo é explicitada por outra entrevistada, que deixou o trabalho assalariado para trabalhar por conta própria: Olha, vamos botar [que se ganha] em média 50% a mais. Até as meninas que trabalham comigo, que trabalham em casa. Hoje elas estão preferindo mais é trabalhar em casa do que estar trabalhando em fábricas, a liberdade ganha muito mais. Porque, até então, trabalhar por produção, se a costureira trabalhar e fizer 100 peças, ela recebeu por aquelas 100 peças, tu tá entendendo? (Carla, 44 anos). A tensão entre empreendedorismo e informalidade, ou melhor, estratégias consideradas empreendedoras no trabalho informal e precário, tem convivido com tentativas de formalização desse trabalho, colocadas em prática nos últimos anos no polo. Pereira (2019) cita como exemplo o projeto “Redução da informalidade por meio do Diálogo Social”, o qual foi realizado no ano de 2010 e coordenado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Segundo a autora, o propósito seria “promover ações coordenadas que favoreçam a formalização por meio do diálogo social e da articulação de um sistema de redes de organizações locais, nacional e regional (na América Latina)” (PEREIRA, 2019, p. 162). Outro projeto a ser destacado é o “Vozes da Moda – Agreste 2030”, o qual foi promovido por instituições como InPACTO, Instituto Ethos, Repórter Brasil, DIEESE, e Instituto C&A, sendo que o principal objetivo era melhorar as condições de trabalho e promover o desenvolvimento socioeconômico da região (PEREIRA, 2019). Também vale
image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 15mencionar o projeto “Expresso da Moda”, criado pela Secretaria da Fazenda de Pernambuco, que buscou facilitar a emissão de notas fiscais eletrônicas, visando reduzir a insegurança fiscal dos comerciantes e compradores, melhorar a competitividade e, principalmente, aumentar o controle sobre as trocas comerciais informais. Para além dessas estratégias locais, pode-se dizer que a principal política de formalização dos empreendimentos na região consiste no incentivo ao registro dos produtores e comerciantes informais sob a figura do Microempreendedor Individual (MEI). No entanto, como demonstram Lima, Corteletti e Araújo (2020), o regulamento do MEI não é suficiente para abarcar a realidade do trabalho nos fabricos e facções do Polo, uma vez que, raramente, o produtor informal conta com apenas um funcionário, o que termina por criar uma situação em que o negócio é oficialmente formal, mas se mantém operando com “contratos” informais. Ou seja, verifica-se que o trabalho formal e o informal se complementam e se confundem em “zonas cinzentas” (AZAÏS, 2012), nas quais os vínculos são pouco claros. Como observa Véras de Oliveira (2013), com a modernização do Polo de Confecções do Agreste, a sulanca,naquilo que representa em termos de organização da produção e mobilização da força de trabalho e modos de comercialização, não desapareceu. E também não se trata apenas de um hibridismo entre modelos arcaicos e modernos de produção. São novas relações em que as transformações na sulanca provocadas pelas estratégias de desenvolvimento do polo configuram uma situação complexa que extrapola a caracterização sob os termos do trabalho informal, precário e familiar, e que, ao mesmo tempo, permanece muito distante do ideal normativo da economia formal. Considerações finaisA experiência social produzida pela carência material provocada pelas grandes secas que assolaram a região, pelo declínio dos ciclos econômicos da pecuária e algodão e pela posição marginal na dinâmica nacional de desenvolvimento, estimulou a população agrestina a mobilizar pragmática e inventivamente atividades produtivas vinculadas a aspectos culturais característicos, associados à relativa autonomia da pequena propriedade rural, à fusão entre espaço reprodutivo e produtivo e à importância das feiras livres na vida econômica e social do Agreste. Assim, a origem do polo remonta ao aproveitamento do que, inicialmente, era considerado lixo pelas indústrias de tecidos, mobilizando o ambiente doméstico como unidade produtiva e a divisão sexual do trabalho na confecção e comércio itinerante da sulanca.Esses
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 16 elementos combinados garantiram o baixo custo de produção e sua adequação a um amplo mercado consumidor popular. A informalidade que marcou o início dessa produção e foi condição para seu desenvolvimento, continua presente e com o mesmo papel de colaborar para a maior competitividade do polo. Atualmente, existem empresas bem constituídas de pequeno e médio porte, mas os fabricos e facçõesainda representam a maioria das unidades produtivas. A produção em larga escala, o trabalho feminino, familiar, domiciliar, sem nenhum tipo de regulação, permanecem aspectos ordinários e caracterizam o empreendedorismo por necessidade que ali vigora. Entretanto, é possível perceber uma reconfiguração da informalidade e das diversas formas de organização do trabalho e gestão da produção. Novas tecnologias vêm sendo aos poucos incorporadas aos processos de trabalho, especialmente pelas empresas formais e de maior porte. Mesmo nas demais tem aumentado o uso de dispositivos que permitem expor e mesmo vender mercadorias nas redes sociais virtuais. O poder público, universidades e grandes empreendimentos privados também têm se mostrado mais presentes no setor de confecções do Agreste Pernambucano, identificando a importância econômica da produção local e operando processos de modernização do polo, que se desenvolvem junto com a manutenção das condições de trabalho pouco reguladas. Através da análise das relações sociais de trabalho presentes no polo, percebe-se que, desde sua origem, verifica-se o uso costumeiro de formas flexíveis de produção, como o recurso à subcontratação e a utilização do trabalho em negociações alheias à norma salarial. Pode-se então dizer que a tradicional estrutura da produção de confecções agrestina guarda afinidades com as tendências contemporâneas da “empresa enxuta”; e, no contexto atual, aquilo antes visto como arcaico e avesso à tendência de modernização das práticas de trabalho e produção passa a ser identificado como modelo de estratégia competitiva. Nesse cenário, verifica-se também no Polo um processo comum em economias periféricas atravessadas pela lógica neoliberal, qual seja a reconfiguração da informalidade em empreendedorismo. No entanto, conforme demonstrado, a valorização do trabalho autônomo na região precede a expansão da ideologia neoliberal do empreendedorismo, remetendo à certa cultura do trabalho rural e às origens relativamente autônomas da produção da sulanca, forjadas na dialética da privação e inventividade. Assim, pode-se dizer que, nas configurações atuais do polo, seu poder de competitividade reside, em grande medida, nessa homologia entre as disposições dos trabalhadores e trabalhadoras, fundadas no “imperativo da independência”, relacionado ao histórico da região, e a lógica neoliberal contemporânea da
image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 17responsabilização individual, sendo materialmente sustentada em formas flexíveis e intensas de trabalho autônomo, informal e precário. AGRADECIMENTOS: Agradecemos à estudante Kerilin Laine Andrade Chang (bolsista do PIBIC da UFCG), pelas contribuições na pesquisa com registros fotográficos, gravações e transcrições de entrevistas. Agradecemos também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pelo apoio financeiro ao projeto “Trabalho e Globalização Periférica no Brasil: um estudo comparativo em três setores produtivos”, coordenado por Jacob Carlos Lima. REFERÊNCIAS AZAÏS, C. As zonas cinzentas no assalariamento: propostas de leitura do emprego e do trabalho. In: AZAÏS, C.; KESSLER, G.; TELLES, V. (org.). Ilegalismos, cidade e política.Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. BEZERRA, E. Trabalho de mulher, trabalho de homem no polo de confecções do agreste de Pernambuco. 2018. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2018. BURNETT, A. A saga dos retalheiros: um estudo sobre a instituição da feira da Sulanca no Agreste Pernambucano. Século XXI Revista de Ciências Sociais, v. 3, n. 2, p. 09-40, 2013. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/270299414.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021. CAMPELLO, G. M. C. A atividade de confecções e a produção do espaço em Santa Cruz do Capibaribe. 1983. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1983. CARDOSO, M. F. Caruaru: A cidade e sua área de influência. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, ano 27, n. 4, p. 587-614, 1965. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/115/rbg_1965_v27_n4.pdf. Acesso em: 10 abr. 2021. CHANG, K.; CORTELETTI, R. Formas flexíveis de assalariamento: Terceirização e informalidade na produção de confecções na região nordeste, Relatório do PIBIC. Campina Grande: CNPq/Universidade Federal de Campina Grande-UFCG, 2019. DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. ESPÍRITO SANTO, W. Sulanqueiras: o trabalho com vestuário e outros ofícios no agreste pernambucano. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de Janeiro, 2013.
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 18 FREIRE, C. Da Sulanca à fábrica: Configurações do trabalho no polo de confecções do agreste de Pernambuco. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de Campina Grande – Campina Grande, 2016. GOMES, S. C. Do comércio de retalhos à Feira da Sulanca: Uma inserção de migrantes em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2002. LIMA, J.; SOARES, M. Trabalho flexível e o novo informal. Caderno CRH, Salvador, v. 15, n. 37, p. 163-180, 2002. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/18606/11980. Acesso em: 18 jan. 2021. LIMA, J.; CORTELETTI, R.; ARAÚJO, I. Empreendedorismo, informalidade e terceirização na produção de confecções: Experiências no nordeste brasileiro. In: LIMA, J. (org.). O trabalho em territórios periféricos:Estudos em três setores produtivos. São Paulo: Annablume, 2020. LIMA, J.; RANGEL, F. Dimensões da nova informalidade no Brasil: Considerações sobre o trabalho em polos industriais e no comércio popular. In: RODRIGUES, I. Trabalho e ação coletiva no Brasil: Contradições, impasses, perspectivas (1978-2018). São Paulo: Anablume, 2019. LYRA, S. Os aglomerados de micro e pequenas indústrias de confecções do Agreste/PE: Um espaço construído na luta pela sobrevivência. Revista de Geografia UFPE, v. 23, n. 1, p. 98-114, 2006. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistageografia/article/view/228657. Acesso em: 20 dez. 2020. LOPES, J. B. Sociedade Industrial no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. LYRA, M. Sulanca X muamba: rede social que alimenta a migração de retorno. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 144-154, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/spp/a/8V5rX3LTxwD6ZMT3B9rsjXv/?lang=pt. Acesso em: 30 mar. 2021. MILANÊS, R. Costurando roupa e roçados: As linhas que tecem trabalho e gênero no agreste pernambucano. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Seropédica, 2015. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=2833739#. Acesso em: 20 nov. 2020. MILANÊS, R. Aqui é muito fácil começar um negócio: trajetórias empresariais no mercado de roupas do Agreste de Pernambuco. In:REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL, 8., 2019, Porto Alegre. Anais [...]. Porto Alegre: UFRGS, 2019. MORAES, A. Da casa à Feira: trabalho independente e estratégias econômicas no Polo de Confecções do Agreste Pernambucano. In: VÉRAS DE OLIVEIRA, R.; SANTANA, M. A. (org.). Trabalho em territórios produtivos reconfigurados no Brasil. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013.
image/svg+xmlO polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuaisEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 19PENTEADO, C.; CRUZ JUNIOR, B. A germinação do empreendedor do Brasil contemporâneo: O neoliberalismo visto sob o contexto nacional recente.Estudos de Sociologia, v. 25, n. 49, p. 343-366, 2020. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/12815. Acesso em: 14 jun. 2021. PEREIRA, J. Empreendedoras das confecções: Um estudo sobre a implementação do MEI e o trabalho faccionado no Agreste de Pernambuco. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de Campina Grande, 2019. Disponível em: http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/riufcg/10195. Acesso em: 20 mar. 2021. RABOSSI, F. En la ruta de las confecciones. Crítica en desarrollo, v. 2, n.2, p. 151-171, 2008. Disponível em: https://www.academia.edu/1100705/En_la_ruta_de_las_confecciones. Acesso em: 20 mar. 2021. RANGEL, F. Das feiras aos shoppings: Contrastes e aproximações entre o comércio popular de São Paulo e do Agreste Pernambucano. In. LIMA, J. (org.). O trabalho em territórios periféricos: Estudos em três setores produtivos. São Paulo: Annablume, 2020. RANGEL, F. A empresarização dos mercados populares: Trabalho e formalização excludente. Belo Horizonte: Fino Traço, 2021. SÁ, M. Filhos das feiras: Uma composição do campo de negócios agreste. Recife: Editora Massangana, 2018. SEBRAE. Estudo Econômico do Arranjo Produtivo Local de Confecções do Agreste Pernambucano, 2012. Recife: FADE/UFPE, 2013. Disponível em: https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/Estudo%20Economico%20do%20APL%20de%20Confeccoes%20do%20Agreste%20-%20%2007%20de%20MAIO%202013%20%20docx.pdf. Acesso em: 10 abr. 2021. THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. VÉRAS DE OLIVEIRA, R. O Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco: Elementos para uma visão panorâmica. In: VÉRAS DE OLIVEIRA, R.; SANTANA, M. A. (org.). Trabalho em territórios produtivos reconfigurados no Brasil. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. ZANINI, F. No agreste, polo de confecções serve de laboratório para reforma de Guedes. Folha de São Paulo, abr. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/04/no-agreste-polo-de-confeccoes-serve-de-laboratorio-para-reforma-de-guedes.shtml. Acesso em: 11 out. 2019.
image/svg+xmlFelipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 20 Como referenciar este artigo RANGEL, F.; CORTELETTI, R. O polo de confecções do agreste pernambucano: origens e configurações atuais. Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 27, n.00, e022013, jan./dez. 2022. ISSN: 2358-4238. DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 Submetido em:04/07/2020 Revisões requeridas em: 28/05/2021 Aprovado em: 20/04/2022 Publicado em:30/06/2022
image/svg+xmlThe Agreste Pernambucano clothing cluster: Origins and current configurationsEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 1THE AGRESTE PERNAMBUCANO CLOTHING CLUSTER: ORIGINS AND CURRENT CONFIGURATIONS O POLO DE CONFECÇÕES DO AGRESTE PERNAMBUCANO: ORIGENS E CONFIGURAÇÕES ATUAIS EL POLO DE CONFECCIONES DEL AGRESTE PERNAMBUCANO: ORÍGENES Y CONFIGURACIONES ACTUALES Felipe RANGEL1Roseli de Fátima CORTELETTI2ABSTRACT: This article discusses the formation of the Agreste Pernambucano Clothing Cluster and its relations with the current configurations of this productive territory. We traced the history of a territory that overcame the economic crises caused by the decline in rural production - mainly due to the great droughts in the region - and today it appears as one of the main centers of production of clothing in Brazil. Based on research carried out between 2017 and the beginning of 2020 - with visits to production units, interviews with workers and data collection on the local clothing industry -, we seek to discuss the productive organization of the Pole and the perceptions of workers concerning the valorization of autonomous work, even in informality. We argue that, forged in the dialectic between privation and inventiveness, the current configurations of the Pole and its competitive power reside, to a large extent, in the homology between the culture founded on an “imperative of independence”, related to the region's history, and the neoliberal logic contemporary of individual responsibility, whose material support is verified in flexible and intense forms of autonomous and informal work. KEYWORDS: Agreste Pernambucano clothing cluster. Informality. Self-employment. Entrepreneurship. RESUMO: Este artigo discute o histórico de formação do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano e suas relações com as configurações atuais desse território produtivo. Procuramos traçar o percurso de um território que superou as crises econômicas provocadas pelo declínio da produção rural – principalmente em razão das grandes secas na região – e hoje aparece como um dos principais centros de produção de confecções e comércio popular do Brasil. A partir de pesquisa realizada entre 2017 e início de 2020 – com visitas a unidades produtivas, realização de entrevistas com trabalhadores e empresários e levantamento de dados sobre a indústria de confecções local –, buscamos discutir a organização produtiva do Polo e as percepções dos trabalhadores em relação à valorização do trabalho autônomo, ainda que na informalidade. Argumentamos que, forjadas na dialética entre privação e inventividade, as configurações atuais do Polo e seu poder de competitividade residem, em grande medida, 1Federal University of São Carlos (UFSCAR), São Carlos – SP – Brazil. Postdoctoral researcher at the Institute of Architecture and Urbanism at the University of São Paulo (IAU-USP). Postdoc. Doctorate in Sociology. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0679-3756. E-mail: feliperangelm@gmail.com 2Federal University of Campina Grande (UFCG), Campina Grande – PB – Brazil. Effective Teacher. PhD in Sociology (UFPB). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0277-3344. E-mail: roselicortel@yahoo.com.br
image/svg+xmlFelipe RANGEL and Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 2 na homologia entre as disposições fundadas num “imperativo da independência”, relacionado ao histórico da região, e a lógica neoliberal contemporânea da responsabilização individual, cuja sustentação material se verifica em formas flexíveis e intensas de trabalho autônomo e informal. PALAVRAS-CHAVE: Polo de confecções do Agreste Pernambucano. Informalidade. Trabalho autônomo. Empreendedorismo. RESUMEN: Este artículo analiza la historia de la formación del Polo de Confecciones del Agreste Pernambucano y sus relaciones con las configuraciones actuales de este territorio productivo. Buscamos trazar la trayectoria de un territorio que superó las crisis económicas provocadas por el declive de la producción rural -principalmente debido a las grandes sequías de la región- y hoy aparece como uno de los principales centros de producción de confecciones y comercio popular de Brasil. A partir de la investigación realizada entre 2017 y principios de 2020 -con visitas a las unidades productivas, entrevistas con trabajadores y empresarios, y recolección de datos sobre la industria local de la confección- buscamos discutir la organización productiva del Polo y las percepciones de los trabajadores respecto a la valoración del trabajo autónomo, aunque sea en la informalidad. Argumentamos que, forjadas en la dialéctica entre privación e inventiva, las configuraciones actuales del Polo y su poder de competitividad residen, en gran medida, en la homología entre las disposiciones fundadas en un "imperativo de independencia", relacionado con la historia de la región, y la lógica neoliberal contemporánea de la responsabilidad individual, cuyo soporte material se verifica en formas flexibles e intensas de trabajo autónomo e informal.PALAVRAS CHAVE: Polo de Confecciones del Agreste Pernambucano. Informalidad. Trabajo autónomo. Emprendimiento. Introduction Large billboards advertising jeans, beachwear and dresses welcome anyone who arrives in the Santa Cruz do Capibaribe region, in the countryside of Pernambuco. [...] Many of the inhabitants of the place are proud to have the DNA of entrepreneurship and strictly follow the government's mantra of “fewer rights, more jobs”. [...] Informality in the labor market is around 80%. There are no reliable statistics on employment, but in the region it is repeated all the time that are without work only those who do not want to work (ZANINI, 2019, our translation).3The excerpt above describes the impact of arriving in Santa Cruz do Capibaribe, one of the main cities that make up the so-called Clothing Pole of Agreste Pernambucano. In a region without an industrial tradition, marked by precarious infrastructure, lack of public services and a past identified with the decadence of the economy based on livestock, cotton and agriculture, 3ZANINI, F. No agreste, polo de confecções serve de laboratório para reforma de Guedes. Folha de São Paulo, abr. 2019. Available: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/04/no-agreste-polo-de-confeccoes-serve-de-laboratorio-para-reforma-de-guedes.shtml. Access: 11 Oct. 2019.
image/svg+xmlThe Agreste Pernambucano clothing cluster: Origins and current configurationsEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 3the emergence of a pole with such vitality draws attention, especially due to the presence mass of “informal entrepreneurship”. Based on the numerous surveys carried out in the region (BURNETT, 2013; LIMA; SOARES, 2002; MILANÊS, 2019; SÁ, 2018; VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013), it appears that informality in work relationships, female, home work and family are striking features from the origin of local production and trade in popular fairs to the present. As well as the strong entrepreneurial discourse propagated in the midst of intense and precarious work, carried out in countless informal productive units. Considering these aspects, based on research carried out at the pole between 2017 and 20204and on the literature on its origins, we will seek to recover the path of a region that has overcome the economic crises caused by the decline of rural production - mainly due to the great droughts in the region - and which today appears as one of the main centers of production of clothing and popular commerce in Brazil, mobilizing extensive commercial circuits and in which thousands of people earn their living in informal occupations or in the “gray areas of work” (AZAÏS, 2012). Next, we will try to present some aspects related to the work and organization of the polo apparel production, identified in its current configurations. Finally, based on interviews with formal and informal producers, we will discuss issues related to the broad appreciation of self-employment in this territory - even if informally and through intense work -, which is often perceived as a form of individual entrepreneurship. Origin and development The origins of the Clothing Pole of Agreste Pernambucano date back to the mid-1950s, from the artesanal production in Santa Cruz do Capibaribe that was distributed at popular fairs traditionally held in the cities of the region. However, before finding in the production of clothing the main resource for the development and generation of work and income for the population, the region of Agreste Pernambucano had livestock, cotton cultivation and small agricultural production as its fundamental economic activity even if they always lived with some difficulty, given the climatic conditions – in view of the significant periods of drought, characteristic of the region. According to Milanês (2019), the characteristics of the climate hampered the possibilities of a permanent and stable source of income for the population. It is 4The research that gave rise to this article was linked to the Projeto Trabalho e Globalização Periférica no Brasil: um estudo comparativo em três setores produtivos, funded by the National Council for Scientific and Technological Development – CNPq. Process 402354/2016-8.
image/svg+xmlFelipe RANGEL and Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 4 in this scenario that clothing activities appear as alternatives for work and income for the Agreste population, with women being the main protagonists of the process, mobilizing techniques and experiences acquired as a generational heritage (BEZERRA, 2018; PEREIRA, 2019). Thus, relying primarily on the mobilization of the local population, large quantities of knitwear, denim and jeans were produced. Due to this unplanned emergence, forged in the practices of populations that sought economic alternatives in the face of scarcity of resources, there is some debate in studies on the formation of this productive territory. Part of the explanations recover the origin of the clothing pole, attributing it to the imperative of survival of this population and to a later “spontaneous” development (LYRA, 2006). From a different perspective, the emergence of this space is narrated, highlighting the ancestral collective experiences, transmitted by generations, which culminated in inventive ways of producing life (ESPÍRITO SANTO, 2013; MILANÊS, 2019). In the latter, the agency of the people who built the pole in an “inventive” way is then focused. We understand, however, that these approaches are not necessarily exclusive, since the emergence of local production can be considered a creative and collective way of responding to an objective need for survival. Until the late 1940s and early 1950s, the clothing industry basically consisted of artesanal work using scraps made from waste from the textile industries in Recife (BURNETT, 2013). These scraps were taken to Santa Cruz do Capibaribe on the return of residents, small producers and breeders who traveled to the capital of Pernambuco to sell chickens, charcoal, cheese, among other products (LYRA, 2006). With this material, women's underwear was produced (LIMA; SOARES, 2002), simple pieces of clothing and patchwork blankets (which became a kind of typical product in the region). These products were then sold at the street markets that historically took place in the main cities of Agreste Pernambucano, appearing as important not only economic, but also social and cultural spaces (SÁ, 2018). The fundamental productive unit of this activity was the family and domestic environment. In possession of a sewing machine and under the command of the “mother of the family”, as Burnett (2013) observes, clothes were made to order or on their own initiative, intended for popular consumption. According to Lyra (2006), it was common for larger clothing manufacturers from urban areas to lend sewing machines to women who lived in nearby rural areas, inserting them into the production chain as subcontractors (a situation that resembles the so-called putting-out system, characteristic of the first configurations of capitalism). Thus, it can be observed that the production of the Agreste is already marked by flexibility and sustained
image/svg+xmlThe Agreste Pernambucano clothing cluster: Origins and current configurationsEstud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 5in informal, domestic, family, autonomous work and with the marked presence of subcontracting. With the growth of this production and the intensification of the commercial circuits around it, the factories of Recife began to charge for the scraps, previously collected for free. In this context, throughout the 1960s, large quantities of scraps also began to be brought from São Paulo, giving new impetus to the Agreste industry. According to Campello (1983), tons of scraps from the discards of factories in Brás – the heart of São Paulo's industry at the time – were taken to Pernambuco and destined for the production of low value-added garments. It would have been this southern origin of the material that gave the name by which the production of Agreste Pernambucano came to be known: sulanca; contraction of the word “helanca(patchwork material) and Sul (geographical origin). The term sulancacame to represent garments produced with simple finishes, intended mainly for the consumption of low-income populations (LIMA; SOARES, 2002; LYRA, 2006). It is with the relative fame acquired by sulanca and the consequent identification of the economic potential of this activity that Caruaru and Toritama “entered the business”, throughout the 1970s (MILANÊS, 2019), at least regarding the more intense activity of production (considering that in terms of the circulation of goods, Caruaru was already an important center). It is worth mentioning that until the mid-1960s, the city of Santa Cruz do Capibaribe, today considered the capital of sulanca(MORAES, 2013), was an inexpressive urban center in the context of the state of Pernambuco (BURNETT, 2013). The association between the popularization of sulancain the Northeast and other regions of Brazil with the commercial activities of Caruaru, considered the “true economic capital” of the Agreste Pernambucano, can therefore be justified (CARDOSO, 1965, p. 60). The economic importance of “pre-sulanca” Caruaru is evident in the characterization made by Cardoso in the 1960s, in which the author highlights the economic and social characteristics of this city as an important warehouse for Northeastern and Southern products through its fairs, without even mention sulanca. The trade of clothing items appeared without prominence among several other products, such as the region's fruits, jerked beef, leather items and other handicrafts. The injection of large quantities of scraps from São Paulo into the production of sulanca contributed to the expansion of this production, inducing a leap in scale. Local popular fairs grew and gained even more importance, becoming known as Sulanca Fairs. These retail and wholesale trade spaces then activated expressive circuits of “scholars” from different regions of the country (RABOSSI, 2008).
image/svg+xmlFelipe RANGEL and Roseli de Fátima CORTELETTI Estud. sociol., Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718 DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897 6 Figure 1– View of the Sulanca Fair, in Santa Cruz do Capibaribe Source: Personal file provided by José de Oliveira Góis In this context, from the 1970s onwards, the figure of the sulanqueiroappears with an important role (MILANÊS, 2019). Sulanqueirowas the term used to describe the peddlers who traveled selling these confections outside the Agreste, a rural version of urban street vendors (BURNETT, 2013). According to Milanês (2019), the sulanqueirosleft with pieces of clothing, usually produced within their own family, and traveled for weeks through cities in the North and Northeast, exposing the product on the streets. Alongside the “sacoleiros” (peddlers) circuits, the role of the sulanqueiroswas important for the dissemination and establishment of other markets for the sulanca, which also demanded an intensification of supply and the engagement of many other families in their production (MILANÊS, 2019). Figure 2SulanqueirosSource: Unidentified author. Personal file provided by José de Oliveira Góis. As a result, in the 1970s, it was no longer a small production of clothing, but a myriad of small informal businesses with family and home work. Economic growth and employment and income opportunities in the region have attracted many residents of surrounding towns, as well as the rural population. Thus, the importance of clothing production for the region can be verified by the impacts on the urbanization of its main cities, which resulted from the