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O polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuais
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897
1
O POLO DE CONFECÇÕES DO AGRESTE PERNAMBUCANO: ORIGENS E
CONFIGURAÇÕES ATUAIS
EL POLO DE CONFECCIONES DEL AGRESTE PERNAMBUCANO: ORÍGENES Y
CONFIGURACIONES ACTUALES
THE AGRESTE PERNAMBUCANO CLOTHING CLUSTER: ORIGINS AND
CURRENT CONFIGURATIONS
Felipe RANGEL
1
Roseli de Fátima CORTELETTI
2
RESUMO
: Este artigo discute o histórico de formação do Polo de Confecções do Agreste
Pernambucano e suas relações com as configurações atuais desse território produtivo.
Procuramos traçar o percurso de um território que superou as crises econômicas provocadas
pelo declínio da produção rural – principalmente em razão das grandes secas na região – e
hoje aparece como um dos principais centros de produção de confecções e comércio popular
do Brasil. A partir de pesquisa realizada entre 2017 e início de 2020 – com visitas a unidades
produtivas, realização de entrevistas com trabalhadores e empresários e levantamento de
dados sobre a indústria de confecções local –, buscamos discutir a organização produtiva do
Polo e as percepções dos trabalhadores em relação à valorização do trabalho autônomo, ainda
que na informalidade. Argumentamos que, forjadas na dialética entre privação e
inventividade, as configurações atuais do Polo e seu poder de competitividade residem, em
grande medida, na homologia entre as disposições fundadas num “imperativo da
independência”, relacionado ao histórico da região, e a lógica neoliberal contemporânea da
responsabilização individual, cuja sustentação material se verifica em formas flexíveis e
intensas de trabalho autônomo e informal.
PALAVRAS-CHAVE
: Polo de confecções do Agreste Pernambucano. Informalidade.
Trabalho autônomo. Empreendedorismo.
RESUMEN:
Este artículo analiza la historia de la formación del Polo de Confecciones del
Agreste Pernambucano y sus relaciones con las configuraciones actuales de este territorio
productivo. Buscamos trazar la trayectoria de un territorio que superó las crisis económicas
provocadas por el declive de la producción rural -principalmente debido a las grandes
sequías de la región- y hoy aparece como uno de los principales centros de producción de
confecciones y comercio popular de Brasil. A partir de la investigación realizada entre 2017
y principios de 2020 -con visitas a las unidades productivas, entrevistas con trabajadores y
empresarios, y recolección de datos sobre la industria local de la confección- buscamos
1
Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos – SP – Brasil. Pesquisador de pós-doutorado no
Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP). Pós-Doutorado. Doutorado em
Sociologia. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0679-3756. E-mail: feliperangelm@gmail.com
2
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande – PB – Brasil. Professora Efetiva.
Doutorado em Sociologia (UFPB). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0277-3344. E-mail:
roselicortel@yahoo.com.br
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Felipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
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2
discutir la organización productiva del Polo y las percepciones de los trabajadores respecto
a la valoración del trabajo autónomo, aunque sea en la informalidad. Argumentamos que,
forjadas en la dialéctica entre privación e inventiva, las configuraciones actuales del Polo y
su poder de competitividad residen, en gran medida, en la homología entre las disposiciones
fundadas en un "imperativo de independencia", relacionado con la historia de la región, y la
lógica neoliberal contemporánea de la responsabilidad individual, cuyo soporte material se
verifica en formas flexibles e intensas de trabajo autónomo e informal.
PALAVRAS CHAVE
: Polo de Confecciones del Agreste Pernambucano. Informalidad.
Trabajo autónomo. Emprendimiento.
ABSTRACT
: This article discusses the formation of the Agreste Pernambucano Clothing
Cluster and its relations with the current configurations of this productive territory. We
traced the history of a territory that overcame the economic crises caused by the decline in
rural production - mainly due to the great droughts in the region - and today it appears as
one of the main centers of production of clothing in Brazil. Based on research carried out
between 2017 and the beginning of 2020 - with visits to production units, interviews with
workers and data collection on the local clothing industry -, we seek to discuss the productive
organization of the Pole and the perceptions of workers concerning the valorization of
autonomous work, even in informality. We argue that, forged in the dialectic between
privation and inventiveness, the current configurations of the Pole and its competitive power
reside, to a large extent, in the homology between the culture founded on an “imperative of
independence”, related to the region's history, and the neoliberal logic contemporary of
individual responsibility, whose material support is verified in flexible and intense forms of
autonomous and informal work.
KEYWORDS
: Agreste Pernambucano clothing cluster. Informality. Self-employment.
Entrepreneurship.
Introdução
Grandes outdoors anunciando jeans, roupas de praias e vestidos dão as boas-
vindas a quem chega à região de Santa Cruz do Capibaribe, no agreste
pernambucano. [...] Muitos dos habitantes do lugar se orgulham de ter o
DNA do empreendedorismo e seguem à risca o mantra do governo de
“menos direitos, mais empregos”. [...] A informalidade no mercado de
trabalho é de cerca de 80%. Não há estatísticas confiáveis sobre emprego,
mas na região se repete a todo tempo que só não trabalha quem não quer.
(ZANINI, 2019)
3
O trecho acima descreve o impacto da chegada a Santa Cruz do Capibaribe, uma das
principais cidades que compõem o chamado Polo de Confecções do Agreste Pernambucano.
Em uma região sem tradição industrial, marcada pela precariedade infraestrutural, por
3
ZANINI, F. No agreste, polo de confecções serve de laboratório para reforma de Guedes.
Folha de São Paulo
,
abr. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/04/no-agreste-polo-de-confeccoes-
serve-de-laboratorio-para-reforma-de-guedes.shtml. Acesso em: 11 out. 2019.
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Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
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carências de serviços públicos e por um passado identificado com a decadência da economia
baseada na pecuária, algodão e agricultura, a emergência de um polo com tamanha vitalidade
chama a atenção, especialmente pela presença massiva do “empreendedorismo informal”.
Com base nas numerosas pesquisas realizadas na região (BURNETT, 2013; LIMA;
SOARES, 2002; MILANÊS, 2019; SÁ, 2018; VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013), verifica-se que
a informalidade nas relações de trabalho, o trabalho feminino, domiciliar e familiar são
características marcantes desde a origem da produção local e do comércio nas feiras populares
até a atualidade. Assim como merece destaque o forte discurso empreendedor propagado em
meio ao trabalho intenso e precário, realizado em um sem-número de unidades produtivas
informais.
Considerando esses aspectos, a partir de pesquisa realizada no polo entre 2017 e 2020
4
e da literatura sobre suas origens, buscaremos recuperar o percurso de uma região que superou
as crises econômicas provocadas pelo declínio da produção rural – principalmente em razão
das grandes secas na região – e que hoje aparece como um dos principais centros de produção
de confecções e comércio popular do Brasil, mobilizando circuitos comerciais extensos e nos
quais milhares de pessoas ganham a vida em ocupações informais ou nas “zonas cinzentas do
trabalho” (AZAÏS, 2012). Em seguida, trataremos de apresentar alguns aspectos relacionados
ao trabalho e organização da produção de confecções do polo, identificados em suas
configurações atuais. Por fim, a partir de entrevistas realizadas com produtores formais e
informais, discutiremos questões relativas à ampla valorização do trabalho autônomo nesse
território – mesmo que na informalidade e por meio do trabalho intenso –, que é
frequentemente percebido como forma de empreendedorismo individual.
Origem e desenvolvimento
As origens do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano situam-se em meados da
década de 1950, a partir da produção artesanal em Santa Cruz do Capibaribe que era
distribuída nas feiras populares tradicionalmente realizadas nas cidades da região. Contudo,
antes de encontrar na produção de confecções o principal recurso para o desenvolvimento e
geração de trabalho e renda para a população, a região do Agreste Pernambucano tinha como
atividade econômica fundamental a pecuária, o cultivo do algodão e a pequena produção
agrícola, atividades que sempre conviveram com certa dificuldade, dadas as condições
4
A pesquisa que deu origem ao presente artigo esteve vinculada ao
Projeto Trabalho e Globalização Periférica
no Brasil: um estudo comparativo em três setores produtivos
, financiado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Processo 402354/2016-8.
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Felipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI
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climáticas – tendo em vista os períodos significativos de seca, característicos da região.
Segundo Milanês (2019), as características do clima prejudicavam as possibilidades de uma
fonte de renda permanente e estável para a população. É nesse cenário que as atividades de
confecção aparecem como alternativas de trabalho e renda para a população agrestina, sendo
as mulheres as principais protagonistas do processo, mobilizando técnicas e experiências
adquiridas como herança geracional (BEZERRA, 2018; PEREIRA, 2019). Assim, contando
fundamentalmente com a mobilização da população local, começou-se a produzir grandes
quantidades de peças em malhas, brim e jeans.
Por conta desse surgimento não planejado,
forjado nas práticas de populações que
buscavam alternativas econômicas frente à escassez de recursos, há certo debate nos estudos
sobre a formação desse território produtivo. Parte das explicações recuperam a origem do
polo de confecções atribuindo-a ao imperativo da sobrevivência dessa população e a um
posterior desenvolvimento “espontâneo” (LYRA, 2006). Em uma perspectiva distinta, narra-
se a emergência desse espaço ressaltando as experiências coletivas ancestrais, transmitidas
pelas gerações, que culminaram em formas inventivas de produção da vida (ESPÍRITO
SANTO, 2013; MILANÊS, 2019). Nesta última, focaliza-se então a agência das pessoas que
construíram o polo de maneira “inventiva”. Entendemos, porém, que essas abordagens não
são, necessariamente, excludentes, uma vez que o surgimento da produção local pode ser
considerado uma forma criativa e coletiva de responder a uma necessidade objetiva de
sobrevivência.
Até o final da década de 1940 e início de 1950, a atividade de confecção consistia
b
asicamente no trabalho artesanal com retalhos aproveitados dos rejeitos das indústrias têxteis
de Recife (BURNETT, 2013). Esses retalhos eram levados para Santa Cruz do Capibaribe no
retorno de moradores, pequenos produtores e criadores que viajavam à capital pernambucana
para vender galinhas, carvão vegetal, queijo, dentre outros produtos (LYRA, 2006). Com esse
material, produziam-se roupas íntimas femininas (LIMA; SOARES, 2002), peças simples de
vestuário e mantas de retalhos (que se tornaram uma espécie de produto típico da região).
Esses produtos eram então comercializados nas feiras livres que historicamente ocorriam nas
principais cidades do Agreste Pernambucano, figurando como importantes espaços não só
econômicos, mas também sociais e culturais (SÁ, 2018).
A u
nidade produtiva fundamental dessa atividade era o ambiente familiar e doméstico.
Em posse de uma máquina de costura e sob o comando da “mãe de família”, como observa
Burnett (2013), confeccionavam-se as roupas por encomenda ou por iniciativa própria,
destinadas ao consumo popular. De acordo com Lyra (2006), era comum que confeccionistas
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maiores, de áreas urbanas, emprestassem máquinas de costura para mulheres que residiam nas
áreas rurais próximas, inserindo-as na cadeia produtiva como subcontratadas (situação que
lembra o chamado
putting-out system,
característico das primeiras configurações do
capitalismo). Assim, pode-se observar que a produção do Agreste já nasce marcada pela
flexibilidade e sustentada no trabalho informal, doméstico, familiar, autônomo e com a
presença marcante da subcontratação.
Com o crescimento dessa produção e a intensificação dos circuitos comerciais em
torno dela, as fábricas do Recife passaram a cobrar pelos retalhos, antes coletados
gratuitamente. Nesse contexto, ao longo da década de 1960, grandes quantidades de retalhos
também começaram a ser trazidos de São Paulo, dando novo impulso à indústria agrestina. De
acordo com Campello (1983), toneladas de retalhos oriundas dos descartes das fábricas do
Brás – coração da indústria paulista no período – eram levadas para Pernambuco e destinadas
à produção de confecções de baixo valor agregado. Teria sido essa origem sulina do material
que deu o nome pelo qual passou a ser conhecida a produção do Agreste Pernambucano:
sulanca
; contração da palavra “helanca” (material dos retalhos) e Sul (origem geográfica). O
termo
sulanca
passou a representar as peças de vestuário produzidas com acabamentos
simples, destinados principalmente ao consumo de populações de baixa renda (LIMA;
SOARES, 2002; LYRA, 2006).
É com a relativa fama adquirida pela
sulanca
e a
consequente identificação do
potencial econômico dessa atividade que Caruaru e Toritama “entram no negócio”, ao longo
da década de 1970 (MILANÊS, 2019), pelo menos no que se refere à atividade mais intensa
de produção (tendo em vista que na dimensão da circulação de mercadorias, Caruaru já era
um importante centro). Vale dizer que até meados da década de 1960, a cidade de Santa Cruz
do Capibaribe, hoje considerada a capital da sulanca (MORAES, 2013), era um centro urbano
inexpressivo no contexto do estado de Pernambuco (BURNETT, 2013). Pode-se justificar por
isso a associação da popularização da
sulanca
no Nordeste e em outras regiões do Brasil com
as atividades comerciais de Caruaru, considerada a “verdadeira capital econômica” do
Agreste Pernambucano (CARDOSO, 1965, p. 60). A importância econômica de Caruaru “pré-
sulanca” fica evidente na caracterização feita por Cardoso na década de 1960, em que o autor
destaca as características econômicas e sociais desta cidade como importante entreposto de
produtos nordestinos e sulinos por meio de suas feiras, sem sequer mencionar a
sulanca
. O
comércio de artigos de confecções aparecia sem destaque em meio a diversos outros produtos,
como as frutas da região, o charque, itens de couro e outros artesanatos.
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Felipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI
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A injeção de grandes quantidades de retalhos paulistas na produção da
sulanca
contribuiu para a expansão dessa produção, induzindo um salto de escala. As feiras populares
locais cresceram e ganharam ainda mais importância, passando a ser denominadas
Feiras da
Sulanca
. Esses espaços de comércio no varejo e no atacado ativaram então expressivos
circuitos de “sacoleiros” de diferentes regiões do país (RABOSSI, 2008).
Figura 1
– Vista da Feira da Sulanca, em Santa Cruz do Capibaribe
Fonte: Arquivo pessoal cedido por José de Oliveira Góis
Nesse contexto, a partir da década de 1970, a figura do
sulanqueiro
aparece com um
papel importante (MILANÊS, 2019).
Sulanqueiro
era o termo que denominava os mascates
que viajavam vendendo essas confecções para fora do Agreste, uma versão interiorana dos
camelôs urbanos (BURNETT, 2013). Segundo Milanês (2019), os
sulanqueiros
partiam com
peças de roupas, em geral produzidas no seio de sua própria família, e viajavam durante
semanas por cidades do Norte e Nordeste, expondo o produto nas ruas. Ao lado dos circuitos
de “sacoleiros”, o papel dos
sulanqueiros
foi importante para a divulgação e estabelecimento
de outros mercados para a
sulanca
, o que também demandou intensificação da oferta e o
engajamento de muitas outras famílias em sua produção (MILANÊS, 2019).
Figura 2
– Sulanqueiros
Fonte: Autor não identificado. Arquivo pessoal cedido por José de Oliveira Góis.
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Como consequência, nos anos 1970, já não se tratava mais de uma pequena produção
de confecções, mas sim de uma miríade de pequenos negócios informais movimentados com
trabalho familiar e domiciliar. O crescimento econômico e as oportunidades de emprego e
renda na região atraíram muitos moradores de cidades circunvizinhas, bem como a população
da área rural. Desse modo, a importância da produção de confecções para a região pode ser
verificada pelos impactos na urbanização de suas principais cidades, que resultaram da
concentração das unidades produtivas e atividades comerciais e das novas oportunidades
econômicas criadas (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013).
Ainda nesse processo, vale também considerar os efeitos do desenvolvimento do polo
de confecções sobre os processos migratórios. Historicamente caracterizada por ser uma
região de “expulsão” de migrantes, a partir da década 1980 o cenário se alterou,
relativamente, com a intensificação da migração de retorno (LYRA, 2005). Além da crise de
emprego que marcou a indústria brasileira nessa época, retraindo as possibilidades de inserção
econômica dos migrantes no Sudeste, a dinamização das atividades econômicas no Agreste
contribuiu tanto para a diminuição da migração quanto para o movimento de retorno. Por
outro lado, as redes previamente estabelecidas pelos circuitos de migração que ligavam o
Agreste a grandes centros no Sudeste apareciam como ainda mais importantes para a
circulação econômica da
sulanca
, formando uma espécie de “rede nacional de parentesco e
amizade de arranjos produtivos e comerciais” (BURNETT, 2013, p. 11).
A partir da recuperação do histórico da economia da
sulanca,
fica claro que a origem e
o desenvolvimento dessa forma de produção e comércio não podem ser atribuídos somente à
ação de pioneiros e figuras emblemáticas, ainda que estas existam – como mostram Gomes
(2002) e Rabossi (2008) –, muito menos a projetos e incentivos governamentais. Segundo
Véras de Oliveira (2013), mesmo as políticas desenvolvimentistas presentes no Nordeste a
partir dos anos 1960, implementadas principalmente através da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), não chegaram a incidir diretamente sobre essa
região. Lembrando ainda que, no período, a região praticamente inexistia do ponto de vista
institucional, em termos da produção de dados sobre atividade industrial.
Trata-se
então de um espaço produtivo que surgiu e se desenvolveu praticamente sem
apoio estatal e cujo histórico esteve relacionado a uma “divisão nacional do trabalho”
(BURNETT, 2013, p. 11), em que o êxodo rural agrestino nos anos 1950 favoreceu o
crescimento das indústrias no sudeste enquanto se originavam – na dialética entre privação e
ação criativa – as atividades das retalheiras, dos
sulanqueiros
e de toda uma população
engajada na produção de confecções no Agreste Pernambucano.
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Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
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O Polo de confecções do Agreste Pernambucano: configurações atuais
A produção e o comércio da
sulanca
construíram um território industrial que se
desenvolveu “fora do guarda-chuva estatal” e, também por isso, foi subestimado durante
décadas pelas estatísticas oficiais (LIMA; CORTELETTI; ARAÚJO, 2020). Portador da fama
de produtor de peças populares, com baixo valor agregado e itens de baixa qualidade voltados
principalmente para o consumo de populações mais pobres, o polo tem crescido e se
reconfigurado desde a década de 1990, quando passou a ser percebido como uma
possibilidade de enfrentar o produto chinês (o que tem de fato ocorrido em alguns segmentos),
que já ameaçava a indústria nacional (LIMA; RANGEL, 2019). Desde então, sua importância
tornou-se evidente, dada a proporção da produção, do número de trabalhadores e
trabalhadoras engajadas, da multiplicação de unidades produtivas e da extensão das redes
comerciais.
As atividades produtivas e comerciais ali desenvolvidas foram se consolidando e se
associando mais estreitamente ao ramo da moda e serviços diversos, como consultorias de
gestão e marketing e participação em eventos de moda; foi nesse período também que
surgiram as primeiras marcas próprias de produtores do polo (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013).
De acordo com Chang e Corteletti (2019), atualmente o polo compreende uma
extensão de aproximadamente 15 municípios, tendo se expandido para cidades menores do
Agreste Pernambucano, em regiões rurais e urbanas. Os principais centros continuam sendo
Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru e Toritama. Cada um desses três municípios possui
características diferenciadas no que se refere ao segmento geral das peças produzidas: Santa
Cruz tem se especializado em confecções em malhas de algodão, em moda íntima e moda
praia; Toritama é reconhecida pela produção de
jeans
; e Caruaru produz e comercializa
artigos de vestuário variados, mas principalmente confecções em tecido de malha
(SEBRAE/UFPE, 2013).
Segundo o relatório do SEBRAE/
UFPE (2013), o polo é o segundo maior centro de
confecções do Brasil, gerando um faturamento total de cerca de R$1 bilhão, em 2011. 80% da
produção total do polo é realizada em unidades produtivas informais. O caráter da produção
pode ser definido como produção em série, mas seguindo as tendências que aparecem nas
grandes mídias, ou seja, da moda
fast fashion
(popularmente conhecida como modinha), onde
as peças, modelos, cores e tecidos mudam rapidamente e os fabricantes precisam estar sempre
atentos à velocidade da demanda. Além disso, o comércio em atacado é outra característica do
polo, modalidade em que os produtores têm uma pequena margem de lucro sobre cada peça e
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dependem das vendas em grande quantidade. Por isso, constata-se a importância dos circuitos
de sacoleiros que compram para a revenda em outras cidades e estados.
Como já mencionado, o trabalho informal no Polo é preponderante, principalmente em
unidades produtivas menores denominadas de
fabricos
e
facções
. Pode-se dizer que formas de
organização do trabalho características no início da produção da
sulanca
permanecem sendo
reproduzidas amplamente no polo. Nesse sentido, os chamados
fabricos
representam as
pequenas unidades produtivas nas quais ocorre a produção das confecções. Muitos funcionam
em galpões alugados, mas geralmente são instalados no interior do ambiente doméstico, em
garagens ou “puxadinhos” de fundos de quintais (LIMA; CORTELETTI; ARAÚJO, 2020).
Vale dizer que nos últimos anos muitos
fabricos
têm crescido, desenvolvido marcas próprias e
modernizado sua estrutura física e organizacional, tornando-se verdadeiras fábricas.
As
facções
, por sua vez, tendem a operar em condições ainda mais precárias do que os
fabricos,
inserindo-se na cadeia produtiva como terceirizadas para estes e para empresas
maiores, atuando na realização de determinadas tarefas da produção. Enquanto unidades
prestadoras de serviço, o trabalho pode envolver desde a produção individual de costureiras
no seu ambiente doméstico até pequenos galpões adaptados com máquinas próprias.
Ao mesmo tempo, em parte por conta do aumento da produção impulsionado pelo
engajamento crescente de novos trabalhadores e trabalhadoras e da consequente multiplicação
de unidades produtivas (formais e informais), os modos de comercialização local têm sido
reconfigurados, visto que as tradicionais
Feiras da Sulanca
não mais comportavam os fluxos
de mercadorias, de pessoas e a entrada incessante de novos produtores-comerciantes. Assim, a
partir do início dos anos 2000, como resultado de investimentos privados e algumas parcerias
com governos locais, foram construídos grandes centros comerciais em Toritama, Caruaru e
Santa Cruz do Capibaribe. Esses empreendimentos são, ao mesmo tempo, efeitos e parte da
estratégia dos governos locais e investidores privados para mudar o estigma da produção e
dos mercados locais associados a imagem histórica da
sulanca
(RANGEL, 2020)
.
Numa
perspectiva mais ampla, esses centros comerciais fazem parte dos processos de formalização
que já há algumas décadas têm sido verificados nesse território, principalmente por parte de
empresas maiores, que atendem grandes cadeias nacionais de lojas (LIMA; RANGEL, 2019).
Além disso, a própria mudança do nome
Feiras da Sulanca
pa
ra Polo de Confecções
do Agreste de Pernambuco foi uma estratégia para melhorar a imagem do polo, já que o termo
sulanca
, é imediatamente associado a “sacoleiros”
, sulanqueiros
e produtos populares de
baixa qualidade e baixo custo (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013). Essa mudança formal e
simbólica também tem a ver com o crescimento de produtores que buscam confeccionar
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Felipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI
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artigos de melhor qualidade, e recusam o estigma da
sulanca.
Um dos entrevistados em nossa
pesquisa realizada em Santa Cruz do Capibaribe explica essa passagem:
Eu fui em uma palestra em Taquaritinga e o professor lá [disse] “vocês aqui
na
sulanca
”; eu disse, “professor (até na hora o pessoal aplaudiu), a gente
não fala mais
sulanca
, a gente faz é confecção”. Porque você pode ver que o
pessoal procura mais agora é qualidade, coisa que antigamente era troncho,
era assim, agora não. Então agora a gente confecciona, a gente não faz
sulanca
, a gente confecciona, tanto que meus filhos, eu, Nana [irmã], a gente
se veste daqui. Toda roupa nossa a gente compra aqui, entendeu? (Rodrigo,
39 anos).
No entanto, o aspecto da formalização e “modernização” é parcial. O negócio no
centro comercial pode ser formalizado, ao passo que a produção da mercadoria vendida ali –
em geral, fabricada pelo próprio comerciante – está estruturada no uso de variados graus de
trabalho informal, terceirizado, subcontratado e precário. Por outro lado, essa situação nos
provoca justamente a complexificar categorias dicotômicas como formal e informal, bem
como trabalho autônomo e subordinado, e a própria dimensão da exploração do trabalho, tal
como experienciada pelos agentes.
Se considerarmos a “economia moral” (THOMPSON, 1998) característica desse
trabalho, veremos que grande parte dos trabalhadores nessas unidades produtivas organizam
suas relações econômicas a partir dos laços sociais e de parentesco fundamentados na
confiança, situações em que a noção de “ajuda” é determinante, conforme observa Moraes
(2013). Nesse sentido, as categorias patrão e empregado pouco auxiliam na compreensão
dessas relações, bem como a formalização dos contratos parece muito menos importante do
que tratos estabelecidos através das relações de confiança e princípios de ajuda mútua
(MORAES, 2013).
Isso implica também considerar que a informalidade que marca grande pa
rte da
produção do Polo, representada principalmente pelos
fabricos
e
facções
, em vez de significar
apenas um resquício de formas produtivas arcaicas, é constituinte da forma “moderna” desse
território produtivo, fundamental à sua configuração contemporânea. Por um lado, é condição
para rebaixamento de custos e manutenção da competitividade; por outro, o significado das
relações informais e as expectativas construídas no trabalho precário e informal vão muito
além disso. Dada a estrutura de oportunidades no polo, as
facções
informais aparecem como
verdadeiras “portas de entrada” para a valorizada condição de trabalhador autônomo, no setor
de confecções (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013).
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O polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuais
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897
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Observa-se na realidade do polo que a informalidade adquire diversas configurações,
mas sem deixar de reproduzir práticas antigas da tradição e dos costumes, ou seja, o novo
surge a partir aspectos tradicionais, mantendo elementos essenciais da condição anterior.
Nesse sentido, destaca-se o processo de “empreendedorismo informal” que marca as
configurações atuais da produção e do trabalho no território; uma espécie de
empreendedorismo popular que, como observam Penteado e Cruz Junior (2020), não pode ser
completamente reduzido à racionalidade neoliberal.
Empreendedorismo e informalidade no Polo
Como já discutido, se há um protagonista na história da formação deste polo de
confecções, ele é o sujeito coletivo da população do Agreste, habituada historicamente ao
“imperativo da independência”. Ainda que nas últimas décadas o polo seja objeto de novos
projetos de desenvolvimento e investimentos privados e públicos, o
ethos
da autonomia que
marca as percepções dos trabalhadores e trabalhadoras ali engajados pode ser relacionado à
sua origem, bem como à cultura local, habituada a sobreviver às margens dos grandes projetos
governamentais.
A própria figura do Estado, como destacado, sempre apareceu como algo distante ao
desenvolvimento da região, só recentemente envolvendo-se mais diretamente através dos
projetos de modernização e formalização, após certa consolidação da produção de confecções
no Agreste. A ação estatal é geralmente verificada nas tentativas de regulação do trabalho, no
combate à circulação de mercadorias sem nota fiscal ou no controle dos impactos ambientais
dessa produção, como no que se refere à poluição das águas provocadas pelas lavanderias de
jeans (SÁ, 2018). Disso deriva certa visão negativa da regulação estatal, raramente associada
à maior proteção social (RANGEL, 2020), o que legitima a adesão ao discurso do “menos
direitos, mais empregos” propalado pelo governo Bolsonaro, tal como expresso no trecho de
notícia que abre este texto
5
.
Refletindo sobre as raízes da busca pela autonomia no povo agrestino, Milanês (2015)
destaca como sintomática a entrada dos homens agricultores para o mundo da costura e se
reporta à relação do trabalho enquanto interação do homem com a natureza, em que a
demarcação do tempo e o ritmo de trabalho agrícola são estabelecidos pela relação humana
5
O texto de Zanini (2019) ainda destaca o fato de que, nas eleições de 2018, Jair Bolsonaro venceu nos dois
turnos em Santa Cruz do Capibaribe, contrariando o que ocorreu no resto do estado de Pernambuco. Isso indica a
possível identificação do discurso de livre mercado propalado pela campanha do candidato com as expectativas
presentes na “cultura do trabalho” local.
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Felipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
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com o natural, e não pelas demandas da produção industrial. O reconhecimento de relativa
autonomia ligada ao trabalho rural aproxima essa análise do trabalho de Juarez Brandão
Lopes (2008), que, no início dos anos 1960, observou um desajustamento entre a cultura do
trabalho por conta própria, especialmente entre os migrantes nordestinos, e os princípios do
sistema industrial de produção – racionalizado, disciplinado e subordinado. Assim, pode-se
considerar que o valor da autonomia, independência e não subordinação no trabalho precede,
no caso em questão, a “racionalidade neoliberal” (DARDOT; LAVAL, 2016), identificada
com a expansão do individualismo e do princípio da concorrência, veiculados atualmente pelo
discurso do empreendedorismo.
Considerando então o aspecto histórico da formação fundamentalmente autônoma do
polo, sem maiores apoios governamentais, e as características atuais da produção, com
hegemonia dos pequenos empreendimentos
6
, pode-se compreender a plausibilidade do
discurso empreendedor que orienta os comportamentos e as escolhas de grande parte dos
trabalhadores. Tornar-se um empreendedor de si mesmo e iniciar uma marca própria de
confecções é o sonho da maioria das pessoas que trabalham com costura na região, ainda que,
tal como verificamos ao longo da pesquisa realizada, algumas famílias reconheçam a
importância de ter algum membro trabalhando de forma regular, com carteira assinada.
Segundo entrevistados, isso pode representar uma segurança maior para enfrentar a atual crise
econômica, apesar de os ganhos financeiros serem mais atrativos quando trabalham de modo
autônomo e por produtividade.
Na região, as trajetórias empíricas daqueles que ascenderam socialmente são bastante
co
nhecidas por conta da proximidade das redes de relações pessoais. Também por isso, criou-
se a percepção de que o caminho mais “possível” para a ascensão econômica é através do
próprio negócio (FREIRE, 2016). Percepção frequentemente validada por situações reais e
próximas, ao lado de uma maioria que segue tentando engajada no trabalho intenso, precário e
desprotegido. De qualquer forma, segundo Milanês (2015), temos que a maioria dos grandes
atacadistas de Santa Cruz, por exemplo, é formada por descendentes dos pioneiros da
produção e comércio da
sulanca,
o que tende a reforçar o valor do trabalho autônomo
.
Considerando essa situação, Freire (2016) buscou compreender as configurações do
trabalho no polo através da análise das trajetórias de empresários, de como estes partiram da
condição de trabalhadores em
fabricos
e
facções
para a posição atual. A autora verificou que
6
Segundo dados do SEBRAE/UFPE (2013), no Polo mais de 70% das unidades produtivas funcionam com até
duas pessoas ocupadas.
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O polo de confecções do Agreste Pernambucano: Origens e configurações atuais
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Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
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essa mudança não está ligada apenas a uma vontade individual, mas à experiência familiar
trazida na memória dos empreendedores, desde suas infâncias. Nas palavras da autora:
A herança social recebida dos pais, familiares e conhecidos, considerados a
primeira leva de empreendedores das confecções, aliada aos costumes rurais
e ao comércio de feira, fazia com que todos quisessem ter seu próprio
negócio. Essa seria a forma de superar as condições difíceis de vida
(FREIRE, 2016, p. 176).
Além disso, o trabalho autônomo e informal no polo é favorecido pela própria
natureza da produção de confecções. O acesso a uma única máquina de costura é a condição
para o início de uma
facção.
De acordo com Milanês (2019), a maior parte dos
empreendimentos no Polo começam de maneira semelhante: a atividade de costura e outras
atividades no interior do ambiente doméstico, trabalho familiar, prestação de serviço para
outras empresas e, com o tempo, a consolidação de uma unidade produtiva mais estruturada.
Uma entrevistada, que hoje produz a mercadoria que vende em uma loja no
Moda Center
7
,
ilustra esse processo através da própria trajetória:
[...] Aí mamãe e papai trabalhavam na empresa e tal, só que confecção aqui
você tira muito dinheiro. É a economia daqui. Aí mamãe começou como
sócia, que mamãe também não sabia, não entendia de nada e a pessoa
entendia. Mamãe comprou as máquinas e elas começaram, aí foi indo. [...] E
nisso eu estava na confecção todo dia. [...] Aí, comecei a costurar, curiosa, e
eu ia lá e costurava. Aí mamãe fechou, parou, fechou, fechou, fechou. Só
que as máquinas continuaram em casa e eu queria dinheiro, então comecei a
pegar costura, [...] para costurar em casa, aí eu comecei aqui, aí depois eu
disse “vou começar para mim”. E eu não sei quanto tempo isso faz, uns 10
[anos]. Faz, faz mais, faz mais de, quando eu comecei a faculdade, eu já
fazia, aí comecei, aí a gente, aí vai, vai indo, vai indo, você vai numa dessa.
Não é que nem “eu vou fazer medicina”, “eu vou fazer direito”, porque eu
tenho aptidão para aquilo; não, você cai nessa e você sem querer começa.
(Tatiana, 42 anos).
Segundo a trajetória apresentada acima, a entrada na costura não é uma escolha
puramente individual, mas um trabalho que vai aparecendo como alternativa de renda e faz
parte da vida da maioria dos moradores da região. É relativamente fácil começar um negócio
no polo, bastando apenas a posse de uma máquina; o tecido pode ser compra “a fiado” (na
base da amizade e confiança) em alguma loja da cidade. Em seguida, as peças são
confeccionadas e vendidas para contratantes maiores ou diretamente nas feiras e centros
comerciais. Com o dinheiro adquirido na venda, paga-se o tecido na loja e parte é reinvestida
na compra de mais material para confecção de novas peças, e assim por diante.
7
Grande shopping popular de Santa Cruz do Capibaribe.
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Felipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI
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Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
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Por conta dessa dinâmica, há na região certo discurso de que não há desemprego e que
só não trabalha quem não quer. Lyra (2006), também destaca esta percepção, situando-a no
contexto geral de precariedade que originou e ainda circunda o polo de confecções do agreste.
Numa região com vários problemas sociais, este passa a ser um “oásis” no
meio do semi-árido. O crescimento econômico é referenciado como símbolo
do progresso e da riqueza, onde o desemprego é quase inexistente e as
pessoas possuem renda, pelo menos para sobreviver. (LYRA, 2006, p. 107).
Muitos empregadores reclamam que os jovens têm se mostrado resistentes a trabalhar
como assalariados. Nesse aspecto, é importante considerar que a “escolha” entre o trabalho
autônomo (informal ou não) e os empregos assalariados disponíveis só pode ser entendida
levando em conta as diferentes possibilidades anunciadas e percebidas em cada condição
(RANGEL, 2021). Assim, Lima, Corteletti e Araújo (2020) destacam que, para muitos, o
valor da remuneração do trabalho na produção autônoma, mesmo informal e precária, é um
dos principais critérios de atração. Em geral, os pagamentos são por produtividade, quanto
mais peças produzidas maiores serão os rendimentos. A diferença na renda do trabalho
autônomo é explicitada por outra entrevistada, que deixou o trabalho assalariado para
trabalhar por conta própria:
Olha, vamos botar [que se ganha] em média 50% a mais. Até as meninas que
trabalham comigo, que trabalham em casa. Hoje elas estão preferindo mais é
trabalhar em casa do que estar trabalhando em fábricas, a liberdade ganha
muito mais. Porque, até então, trabalhar por produção, se a costureira
trabalhar e fizer 100 peças, ela recebeu por aquelas 100 peças, tu tá
entendendo? (Carla, 44 anos).
A tensão entre empreendedorismo e informalidade, ou melhor, estratégias
consideradas empreendedoras no trabalho informal e precário, tem convivido com tentativas
de formalização desse trabalho, colocadas em prática nos últimos anos no polo. Pereira (2019)
cita como exemplo o projeto “Redução da informalidade por meio do Diálogo Social”, o qual
foi realizado no ano de 2010 e coordenado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Segundo a autora, o propósito seria “promover ações
coordenadas que favoreçam a formalização por meio do diálogo social e da articulação de um
sistema de redes de organizações locais, nacional e regional (na América Latina)” (PEREIRA,
2019, p. 162). Outro projeto a ser destacado é o “Vozes da Moda – Agreste 2030”, o qual foi
promovido por instituições como InPACTO, Instituto Ethos, Repórter Brasil, DIEESE, e
Instituto C&A, sendo que o principal objetivo era melhorar as condições de trabalho e
promover o desenvolvimento socioeconômico da região (PEREIRA, 2019). Também vale
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Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
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mencionar o projeto “Expresso da Moda”, criado pela Secretaria da Fazenda de Pernambuco,
que buscou facilitar a emissão de notas fiscais eletrônicas, visando reduzir a insegurança
fiscal dos comerciantes e compradores, melhorar a competitividade e, principalmente,
aumentar o controle sobre as trocas comerciais informais.
Para além dessas estratégias locais, pode-se dizer que a principal política de
formalização dos empreendimentos na região consiste no incentivo ao registro dos produtores
e comerciantes informais sob a figura do Microempreendedor Individual (MEI). No entanto,
como demonstram Lima, Corteletti e Araújo (2020), o regulamento do MEI não é suficiente
para abarcar a realidade do trabalho nos
fabricos e facções
do Polo, uma vez que, raramente, o
produtor informal conta com apenas um funcionário, o que termina por criar uma situação em
que o negócio é oficialmente formal, mas se mantém operando com “contratos” informais. Ou
seja, verifica-se que o trabalho formal e o informal se complementam e se confundem em
“zonas cinzentas” (AZAÏS, 2012), nas quais os vínculos são pouco claros.
Como observa Véras de Oliveira (2013), com a modernização do Polo de Confecções
do Agreste, a
sulanca,
naquilo que representa em termos de organização da produção e
mobilização da força de trabalho e modos de comercialização, não desapareceu. E também
não se trata apenas de um hibridismo entre modelos arcaicos e modernos de produção. São
novas relações em que as transformações na
sulanca
provocadas pelas estratégias de
desenvolvimento do polo configuram uma situação complexa que extrapola a caracterização
sob os termos do trabalho informal, precário e familiar, e que, ao mesmo tempo, permanece
muito distante do ideal normativo da economia formal.
Considerações finais
A experiência social produzida pela carência material provocada pelas grandes secas
q
ue assolaram a região, pelo declínio dos ciclos econômicos da pecuária e algodão e pela
posição marginal na dinâmica nacional de desenvolvimento, estimulou a população agrestina
a mobilizar pragmática e inventivamente atividades produtivas vinculadas a aspectos culturais
característicos, associados à relativa autonomia da pequena propriedade rural, à fusão entre
espaço reprodutivo e produtivo e à importância das feiras livres na vida econômica e social do
Agreste. Assim, a origem do polo remonta ao aproveitamento do que, inicialmente, era
considerado lixo pelas indústrias de tecidos, mobilizando o ambiente doméstico como unidade
produtiva e a divisão sexual do trabalho na confecção e comércio itinerante da
sulanca.
Esses
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Felipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
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elementos combinados garantiram o baixo custo de produção e sua adequação a um amplo
mercado consumidor popular.
A informalidade que marcou o início dessa produção e foi condição para seu
desenvolvimento, continua presente e com o mesmo papel de colaborar para a maior
competitividade do polo. Atualmente, existem empresas bem constituídas de pequeno e médio
porte, mas os
fabricos e facções
ainda representam a maioria das unidades produtivas. A
produção em larga escala, o trabalho feminino, familiar, domiciliar, sem nenhum tipo de
regulação, permanecem aspectos ordinários e caracterizam o empreendedorismo por
necessidade que ali vigora.
Entretanto, é possível perceber uma reconfiguração da informalidade e das diversas
formas de organização do trabalho e gestão da produção. Novas tecnologias vêm sendo aos
poucos incorporadas aos processos de trabalho, especialmente pelas empresas formais e de
maior porte. Mesmo nas demais tem aumentado o uso de dispositivos que permitem expor e
mesmo vender mercadorias nas redes sociais virtuais. O poder público, universidades e
grandes empreendimentos privados também têm se mostrado mais presentes no setor de
confecções do Agreste Pernambucano, identificando a importância econômica da produção
local e operando processos de modernização do polo, que se desenvolvem junto com a
manutenção das condições de trabalho pouco reguladas.
Através da análise das relações sociais de trabalho presentes no polo, percebe-se que,
desde sua origem, verifica-se o uso costumeiro de formas flexíveis de produção, como o
recurso à subcontratação e a utilização do trabalho em negociações alheias à norma salarial.
Pode-se então dizer que a tradicional estrutura da produção de confecções agrestina guarda
afinidades com as tendências contemporâneas da “empresa enxuta”; e, no contexto atual,
aquilo antes visto como arcaico e avesso à tendência de modernização das práticas de trabalho
e produção passa a ser identificado como modelo de estratégia competitiva.
Nesse cenário, verifica-s
e também no Polo um processo comum em economias
periféricas atravessadas pela lógica neoliberal, qual seja a reconfiguração da informalidade
em empreendedorismo. No entanto, conforme demonstrado, a valorização do trabalho
autônomo na região precede a expansão da ideologia neoliberal do empreendedorismo,
remetendo à certa cultura do trabalho rural e às origens relativamente autônomas da produção
da
sulanca
, forjadas na dialética da privação e inventividade. Assim, pode-se dizer que, nas
configurações atuais do polo, seu poder de competitividade reside, em grande medida, nessa
homologia entre as disposições dos trabalhadores e trabalhadoras, fundadas no “imperativo da
independência”, relacionado ao histórico da região, e a lógica neoliberal contemporânea da
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Estud. sociol.,
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responsabilização individual, sendo materialmente sustentada em formas flexíveis e intensas
de trabalho autônomo, informal e precário.
AGRADECIMENTOS
: Agradecemos à estudante Kerilin Laine Andrade Chang (bolsista do
PIBIC da UFCG), pelas contribuições na pesquisa com registros fotográficos, gravações e
transcrições de entrevistas. Agradecemos também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq, pelo apoio financeiro ao projeto “Trabalho e Globalização
Periférica no Brasil: um estudo comparativo em três setores produtivos”, coordenado por
Jacob Carlos Lima.
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Folha de São Paulo
, abr. 2019. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/04/no-agreste-polo-de-confeccoes-serve-de-
laboratorio-para-reforma-de-guedes.shtml. Acesso em: 11 out. 2019.
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Felipe RANGEL e Roseli de Fátima CORTELETTI
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, jan./dez. 2022 . e-ISSN: 1982-4718
DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897
20
Como referenciar este artigo
RANGEL, F.; CORTELETTI, R. O polo de confecções do agreste pernambucano: origens e
configurações atuais.
Estudos de Sociologia
, Araraquara, v. 27, n.00, e022013, jan./dez.
2022. ISSN: 2358-4238. DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897
Submetido em
:
04/07/2020
Revisões requeridas em
: 28/05/2021
Aprovado em
: 20/04/2022
Publicado em
:
30/06/2022
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The Agreste Pernambucano clothing cluster: Origins and current configurations
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718
DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897
1
THE AGRESTE PERNAMBUCANO CLOTHING CLUSTER: ORIGINS AND
CURRENT CONFIGURATIONS
O POLO DE CONFECÇÕES DO AGRESTE PERNAMBUCANO: ORIGENS E
CONFIGURAÇÕES ATUAIS
EL POLO DE CONFECCIONES DEL AGRESTE PERNAMBUCANO: ORÍGENES Y
CONFIGURACIONES ACTUALES
Felipe RANGEL
1
Roseli de Fátima CORTELETTI
2
ABSTRACT
: This article discusses the formation of the Agreste Pernambucano Clothing
Cluster and its relations with the current configurations of this productive territory. We traced
the history of a territory that overcame the economic crises caused by the decline in rural
production - mainly due to the great droughts in the region - and today it appears as one of the
main centers of production of clothing in Brazil. Based on research carried out between 2017
and the beginning of 2020 - with visits to production units, interviews with workers and data
collection on the local clothing industry -, we seek to discuss the productive organization of the
Pole and the perceptions of workers concerning the valorization of autonomous work, even in
informality. We argue that, forged in the dialectic between privation and inventiveness, the
current configurations of the Pole and its competitive power reside, to a large extent, in the
homology between the culture founded on an “imperative of independence”, related to the
region's history, and the neoliberal logic contemporary of individual responsibility, whose
material support is verified in flexible and intense forms of autonomous and informal work.
KEYWORDS
: Agreste Pernambucano clothing cluster. Informality. Self-employment.
Entrepreneurship.
RESUMO
: Este artigo discute o histórico de formação do Polo de Confecções do Agreste
Pernambucano e suas relações com as configurações atuais desse território produtivo.
Procuramos traçar o percurso de um território que superou as crises econômicas provocadas
pelo declínio da produção rural – principalmente em razão das grandes secas na região – e
hoje aparece como um dos principais centros de produção de confecções e comércio popular
do Brasil. A partir de pesquisa realizada entre 2017 e início de 2020 – com visitas a unidades
produtivas, realização de entrevistas com trabalhadores e empresários e levantamento de
dados sobre a indústria de confecções local –, buscamos discutir a organização produtiva do
Polo e as percepções dos trabalhadores em relação à valorização do trabalho autônomo, ainda
que na informalidade. Argumentamos que, forjadas na dialética entre privação e inventividade,
as configurações atuais do Polo e seu poder de competitividade residem, em grande medida,
1
Federal University of São Carlos (UFSCAR), São Carlos – SP – Brazil. Postdoctoral researcher at the Institute
of Architecture and Urbanism at the University of São Paulo (IAU-USP). Postdoc. Doctorate in Sociology.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0679-3756. E-mail: feliperangelm@gmail.com
2
Federal University of Campina Grande (UFCG), Campina Grande – PB – Brazil. Effective Teacher. PhD in
Sociology (UFPB). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0277-3344. E-mail: roselicortel@yahoo.com.br
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Felipe RANGEL and Roseli de Fátima CORTELETTI
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718
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na homologia entre as disposições fundadas num “imperativo da independência”, relacionado
ao histórico da região, e a lógica neoliberal contemporânea da responsabilização individual,
cuja sustentação material se verifica em formas flexíveis e intensas de trabalho autônomo e
informal.
PALAVRAS-CHAVE
: Polo de confecções do Agreste Pernambucano. Informalidade.
Trabalho autônomo. Empreendedorismo.
RESUMEN:
Este artículo analiza la historia de la formación del Polo de Confecciones del
Agreste Pernambucano y sus relaciones con las configuraciones actuales de este territorio
productivo. Buscamos trazar la trayectoria de un territorio que superó las crisis económicas
provocadas por el declive de la producción rural -principalmente debido a las grandes sequías
de la región- y hoy aparece como uno de los principales centros de producción de confecciones
y comercio popular de Brasil. A partir de la investigación realizada entre 2017 y principios de
2020 -con visitas a las unidades productivas, entrevistas con trabajadores y empresarios, y
recolección de datos sobre la industria local de la confección- buscamos discutir la
organización productiva del Polo y las percepciones de los trabajadores respecto a la
valoración del trabajo autónomo, aunque sea en la informalidad. Argumentamos que, forjadas
en la dialéctica entre privación e inventiva, las configuraciones actuales del Polo y su poder
de competitividad residen, en gran medida, en la homología entre las disposiciones fundadas
en un "imperativo de independencia", relacionado con la historia de la región, y la lógica
neoliberal contemporánea de la responsabilidad individual, cuyo soporte material se verifica
en formas flexibles e intensas de trabajo autónomo e informal.
PALAVRAS CHAVE
: Polo de Confecciones del Agreste Pernambucano. Informalidad.
Trabajo autónomo. Emprendimiento.
Introduction
Large billboards advertising jeans, beachwear and dresses welcome anyone
who arrives in the Santa Cruz do Capibaribe region, in the countryside of
Pernambuco. [...] Many of the inhabitants of the place are proud to have the
DNA of entrepreneurship and strictly follow the government's mantra of
“fewer rights, more jobs”. [...] Informality in the labor market is around 80%.
There are no reliable statistics on employment, but in the region it is repeated
all the time that are without work only those who do not want to work
(ZANINI, 2019, our translation).
3
The excerpt above describes the impact of arriving in Santa Cruz do Capibaribe, one of
the main cities that make up the so-called Clothing Pole of Agreste Pernambucano. In a region
without an industrial tradition, marked by precarious infrastructure, lack of public services and
a past identified with the decadence of the economy based on livestock, cotton and agriculture,
3
ZANINI, F. No agreste, polo de confecções serve de laboratório para reforma de Guedes.
Folha de São Paulo
,
abr. 2019. Available: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/04/no-agreste-polo-de-confeccoes-serve-de-
laboratorio-para-reforma-de-guedes.shtml. Access: 11 Oct. 2019.
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The Agreste Pernambucano clothing cluster: Origins and current configurations
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718
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the emergence of a pole with such vitality draws attention, especially due to the presence mass
of “informal entrepreneurship”.
Based on the numerous surveys carried out in the region (BURNETT, 2013; LIMA;
SOARES, 2002; MILANÊS, 2019; SÁ, 2018; VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013), it appears that
informality in work relationships, female, home work and family are striking features from the
origin of local production and trade in popular fairs to the present. As well as the strong
entrepreneurial discourse propagated in the midst of intense and precarious work, carried out in
countless informal productive units.
Considering these aspects, based on research carried out at the pole between 2017 and
2020
4
and on the literature on its origins, we will seek to recover the path of a region that has
overcome the economic crises caused by the decline of rural production - mainly due to the
great droughts in the region - and which today appears as one of the main centers of production
of clothing and popular commerce in Brazil, mobilizing extensive commercial circuits and in
which thousands of people earn their living in informal occupations or in the “gray areas of
work” (AZAÏS, 2012). Next, we will try to present some aspects related to the work and
organization of the polo apparel production, identified in its current configurations. Finally,
based on interviews with formal and informal producers, we will discuss issues related to the
broad appreciation of self-employment in this territory - even if informally and through intense
work -, which is often perceived as a form of individual entrepreneurship.
Origin and development
The origins of the Clothing Pole of Agreste Pernambucano date back to the mid-1950s,
from the artesanal production in Santa Cruz do Capibaribe that was distributed at popular fairs
traditionally held in the cities of the region. However, before finding in the production of
clothing the main resource for the development and generation of work and income for the
population, the region of Agreste Pernambucano had livestock, cotton cultivation and small
agricultural production as its fundamental economic activity even if they always lived with
some difficulty, given the climatic conditions – in view of the significant periods of drought,
characteristic of the region. According to Milanês (2019), the characteristics of the climate
hampered the possibilities of a permanent and stable source of income for the population. It is
4
The research that gave rise to this article was linked to the
Projeto Trabalho e Globalização Periférica no Brasil:
um estudo comparativo em três setores produtivos
, funded by the National Council for Scientific and
Technological Development – CNPq.
Process 40
2354/2016-8.
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Felipe RANGEL and Roseli de Fátima CORTELETTI
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718
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in this scenario that clothing activities appear as alternatives for work and income for the
Agreste population, with women being the main protagonists of the process, mobilizing
techniques and experiences acquired as a generational heritage (BEZERRA, 2018; PEREIRA,
2019). Thus, relying primarily on the mobilization of the local population, large quantities of
knitwear, denim and jeans were produced.
Due to this unplanned emergence, forged in the practices of populations that sought
economic alternatives in the face of scarcity of resources, there is some debate in studies on the
formation of this productive territory. Part of the explanations recover the origin of the clothing
pole, attributing it to the imperative of survival of this population and to a later “spontaneous”
development (LYRA, 2006). From a different perspective, the emergence of this space is
narrated, highlighting the ancestral collective experiences, transmitted by generations, which
culminated in inventive ways of producing life (ESPÍRITO SANTO, 2013; MILANÊS, 2019).
In the latter, the agency of the people who built the pole in an “inventive” way is then focused.
We understand, however, that these approaches are not necessarily exclusive, since the
emergence of local production can be considered a creative and collective way of responding
to an objective need for survival.
Until the late 1940s and early 1950s, the clothing industry basically consisted of
artesanal work using scraps made from waste from the textile industries in Recife (BURNETT,
2013). These scraps were taken to Santa Cruz do Capibaribe on the return of residents, small
producers and breeders who traveled to the capital of Pernambuco to sell chickens, charcoal,
cheese, among other products (LYRA, 2006). With this material, women's underwear was
produced (LIMA; SOARES, 2002), simple pieces of clothing and patchwork blankets (which
became a kind of typical product in the region). These products were then sold at the street
markets that historically took place in the main cities of Agreste Pernambucano, appearing as
important not only economic, but also social and cultural spaces (SÁ, 2018).
The fundamental productive unit of this activity was the family and domestic
e
nvironment. In possession of a sewing machine and under the command of the “mother of the
family”, as Burnett (2013) observes, clothes were made to order or on their own initiative,
intended for popular consumption. According to Lyra (2006), it was common for larger clothing
manufacturers from urban areas to lend sewing machines to women who lived in nearby rural
areas, inserting them into the production chain as subcontractors (a situation that resembles the
so-called putting-out system, characteristic of the first configurations of capitalism). Thus, it
can be observed that the production of the Agreste is already marked by flexibility and sustained
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The Agreste Pernambucano clothing cluster: Origins and current configurations
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718
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in informal, domestic, family, autonomous work and with the marked presence of
subcontracting.
With the growth of this production and the intensification of the commercial circuits
around it, the factories of Recife began to charge for the scraps, previously collected for free.
In this context, throughout the 1960s, large quantities of scraps also began to be brought from
São Paulo, giving new impetus to the Agreste industry. According to Campello (1983), tons of
scraps from the discards of factories in Brás – the heart of São Paulo's industry at the time –
were taken to Pernambuco and destined for the production of low value-added garments. It
would have been this southern origin of the material that gave the name by which the production
of Agreste Pernambucano came to be known:
sulanca
; contraction of the word “
helanca
”
(patchwork material) and Sul (geographical origin). The term
sulanca
came to represent
garments produced with simple finishes, intended mainly for the consumption of low-income
populations (LIMA; SOARES, 2002; LYRA, 2006).
It is with the relative fame acquired by sulanca and the consequent identification of the
economic potential of this activity that Caruaru and Toritama “entered the business”,
throughout the 1970s (MILANÊS, 2019), at least regarding the more intense activity of
production (considering that in terms of the circulation of goods, Caruaru was already an
important center). It is worth mentioning that until the mid-1960s, the city of Santa Cruz do
Capibaribe, today considered the capital of
sulanca
(MORAES, 2013), was an inexpressive
urban center in the context of the state of Pernambuco (BURNETT, 2013). The association
between the popularization of
sulanca
in the Northeast and other regions of Brazil with the
commercial activities of Caruaru, considered the “true economic capital” of the Agreste
Pernambucano, can therefore be justified (CARDOSO, 1965, p. 60). The economic importance
of “pre-
sulanca
” Caruaru is evident in the characterization made by Cardoso in the 1960s, in
which the author highlights the economic and social characteristics of this city as an important
warehouse for Northeastern and Southern products through its fairs, without even mention
sulanca
. The trade of clothing items appeared without prominence among several other
products, such as the region's fruits, jerked beef, leather items and other handicrafts.
The injection of large quantities of scraps from São Paulo into the production of sulanca
contributed to the expansion of this production, inducing a leap in scale. Local popular fairs
grew and gained even more importance, becoming known as
Sulanca Fairs
. These retail and
wholesale trade spaces then activated expressive circuits of “scholars” from different regions
of the country (RABOSSI, 2008).
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Felipe RANGEL and Roseli de Fátima CORTELETTI
Estud. sociol.,
Araraquara, v. 27, n. 00, e022013, Jan./Dec. 2022.e-ISSN: 1982-4718
DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27i00.13897
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Figure 1
– View of the Sulanca Fair, in Santa Cruz do Capibaribe
Source: Personal file provided by José de Oliveira Góis
In this context, from the 1970s onwards, the figure of the
sulanqueiro
appears with an
important role (MILANÊS, 2019).
Sulanqueiro
was the term used to describe the peddlers who
traveled selling these confections outside the Agreste, a rural version of urban street vendors
(BURNETT, 2013). According to Milanês (2019), the
sulanqueiros
left with pieces of clothing,
usually produced within their own family, and traveled for weeks through cities in the North
and Northeast, exposing the product on the streets. Alongside the “
sacoleiros
” (peddlers)
circuits, the role of the
sulanqueiros
was important for the dissemination and establishment of
other markets for the
sulanca
, which also demanded an intensification of supply and the
engagement of many other families in their production (MILANÊS, 2019).
Figure 2
–
Sulanqueiros
Source: Unidentified author. Personal file provided by José de Oliveira Góis.
As a result, in the 1970s, it was no longer a small production of clothing, but a myriad
of small informal businesses with family and home work. Economic growth and employment
and income opportunities in the region have attracted many residents of surrounding towns, as
well as the rural population. Thus, the importance of clothing production for the region can be
verified by the impacts on the urbanization of its main cities, which resulted from the