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Atuação
secular da bancada religiosa na câmara dos deputados (2011
-
2018)
Estud. sociol.,
Araraquara,
v. 27, n. 00, e02201
3
, jan./dez. 2022
.
e
-
ISSN: 1982
-
4718
DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27i00.
15233
1
ATUAÇÃO SECULAR DA BANCA
DA RELIGIOSA NA CÂMARA DOS
DEPUTADOS (2011
-
2018)
DESEMPEÑO SECULAR DE LA BANCADA RELIGIOSA EN LA CÁMARA DE
DIPUTADOS (2011
-
2018)
SECULAR PERFORMANCE OF THE BANCADA RELIGIOSA IN THE CHAMBER OF
DEPUTIES
(2011
-
2018)
Rafael Machado
MADEIRA
1
Dirceu André
GERARDI
2
Marcos
Paulo
dos Reis
QUADROS
3
RESUMO
: A literatura da Ciência Política brasileira demonstra que a bancada religiosa atua
na Câmara dos Deputados de modo a defender pautas tipicamente conservadoras, ligadas à
moral cristã e aos costumes tradicionais. Porém, são escassos os trabalhos sobre o
c
omportamento dos religiosos em debates alheios a esses temas. Este artigo analisa o
desempenho de evangélicos e católicos carismáticos durante a 54ª e a 55ª legislaturas,
enfatizando o seu interesse por pautas seculares. Para tanto, elaboramos um banco por
meio de
Data Science
e
webscraping
, sendo os dados analisados com o auxílio de
software
Python e R.
O banco compreende, entre outros aspectos, a participação em comissões e os projetos de lei
protocolados pelos deputados religiosos no período. Foi possível averiguar que há agendas que
extrapolam a temática dos costumes, revelando interesse p
or determinadas pautas normalmente
consideradas como seculares, mas do interesse da bancada religiosa.
PALAVRAS
-
CHAVE
: Câmara dos Deputados
.
B
ancada religiosa
.
A
ção legislativa
.
P
rojetos
de lei
.
R
epertório secular.
RESUMEN
: La literatura de la ciencia política brasileña muestra que la bancada religiosa
actúa en la Cámara de Diputados para defender agendas típicamente conservadoras,
vinculadas a la moral cristiana y a las costumbres tradicionales. Existen pocos trabajos sobr
e
el comportamiento de los religiosos en los debates no relacionados con estos temas. Este
artículo analiza la actuación de los evangélicos y los católicos carismáticos durante las
legislaturas 54 y 55, destacando su interés por las agendas seculares. Para
ello, elaboramos
una base de datos mediante Data Science y webscraping, siendo los datos analizados con la
ayuda del software Python y R. La base de datos incluye, entre otros aspectos, la participación
en comisiones y los proyectos de ley presentados por
los diputados religiosos durante el
1
P
ontifícia Universidade Católica (PUCRS)
, Porto Alegre
–
RS
–
Brasil. Professor do Programa de Pós
-
Graduação
em Ciências Sociais. Doutor
ado
em
Ciência
Política
-
Escola de Humanidades.
ORCID:
http
s
://orcid.org/0000
-
0002
-
3864
-
7673. E
-
mail: rafaelmachadomadeira@gmail.com
2
Universidade de São Paulo (
USP
)
, São Paulo
–
SP
–
Brasil. Pós
-
D
outorando no Departamento de Sociologia.
Doutor em Ciências Sociais. O
R
C
ID
: https://orcid.org/0000
-
0002
-
4532
-
184X. E
-
mail: andregerardi3@gmail.com
3
Centro Universitário Estácio
(ESTÁCIOBH)
, Belo Horizonte
–
MG
–
Brasil. Pró
-
reitor de Graduação. Doutor
ado
em Ciências Sociais (PUCRS).
ORCID
: https://orcid.org/0000
-
0003
-
4745
-
0634. E
-
mail: marcosrq@hotmail.com
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Rafael Machado MADEIRA
;
Dirceu André GERARDI
e
Marcos Paulo dos Reis QUADROS
Estud. sociol.,
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periodo. Se pudo constatar que hay agendas que van más allá del tema de las costumbres,
revelando el interés por ciertas agendas normalmente consideradas seculares, pero de interés
para la bancada religiosa.
PALABRAS C
LAVE
: Cámara de los Diputados
.
Bancada religiosa
.
Acción legislativa
.
Proyectos de ley
.
Repertorio secular.
ABSTRACT
: The Brazilian Political Science's literature demonstrates that the
bancada
religiosa
acts in the Chamber of Deputies in order to defend typically conservative agendas
linked to Christian morals and traditions. However, there are few works on the behavior of the
members of the
bancada religiosa
in debates outside these themes. This article
analyzes the
performance of charismatic evangelicals and Catholics during the 54th and 55th legislatures,
emphasizing their interest in secular agendas. To this end, we created a database through Data
Science and webscraping, and the data were analyzed wi
th the help of Python and R software.
The data set includes, among other aspects, the participation in commissions and the bills filed
by religious deputies in the period. It was possible to verify that there are agendas that go
beyond the theme of customs
, revealing interest in certain agendas normally considered as
secular, but very important to the
bancada religiosa
.
KEY
WORDS
: Chamber of Deputies
.
“
B
ancada
religiosa
”
.
L
egislative action
.
B
ills
.
S
ecular
repertoire.
Introdução
Se tomarmos como marco da redemocratização a eleição indireta de um civil à
presidência (em 1985) ou a promulgação da nova Constituição (em 1988), constataremos que
o atual regime democrático brasileiro ultrapassou a marca de três décadas ininterruptas de
funcionamento. Pode parecer pouco, mas trata
-
se do período mais longevo de continuidade das
instituições que configuram um Estado Democrático de Direito em nossa atribulada história
republicana.
Muitas transformações ocorreram ao longo desse período: o si
stema partidário (com
alguns partidos mais antigos do que o próprio regime democrático, dado que fundados a partir
de 1979) se fragmentou continuamente (
CARREIRÃO
, 2014), a migração partidária endêmica
(
MELO
, 2004) deu lugar a processos frequentes de fusão
ou criação de novas legendas
(
ABRANCHES
, 1998), a proibição da migração durante o mandato reestruturou o padrão de
comportamento (
BINS
, 2017), passamos por governos de diferentes vertentes ideológicas,
enfrentamos dois processos de
impeachment
e
inúmeras crises políticas.
Porém, à margem da instabilidade, um dos raros fenômenos que demonstrou
significativa constância foi a dificuldade para partidos e lideranças mais vinculadas à direita de
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se assumirem enquanto tal. Já na década de 1980, Rodrigues
(1987) evidenciava esse fenômeno
ao frisar que poucos deputados constituintes identificaram a si próprios e os partidos aos quais
estavam filiados como pertencentes às direitas. Desde então, a permanência do fenômeno da
“direita envergonhada” foi constant
emente testada e comprovada, podendo
-
se citar os trabalhos
referenciais de Pierucci (
1987,
1999), Power e Zucco Jr. (2009) e Zucco Jr. (2011).
Contudo, após estas contribuições, começam a despontar os primeiros artigos
acadêmicos que trazem evidências de q
ue o fenômeno em tela pode estar perdendo terreno no
seio da elite política brasileira. Mesmo assim, se considerarmos as análises dos
pronunciamentos em plenário, até o último ano da 55ª Legislatura, salvo um grupo restrito (mas
extremamente ativo) de depu
tados federais que se assumia enquanto de direita, grande parte
dos parlamentares permanecia adotando cautela em relação a assumir e a mobilizar
publicamente tal identidade (QUADROS
;
MADEIRA, 2018).
Mas, a partir das eleições de 2018, o cenário político e
a postura de inúmeras lideranças
emergentes dão sinais robustos de que esteja ocorrendo uma mudança decisiva nesse padrão. O
aumento da prese
nça de deputados vinculados às
bancadas da
“
bala, da Bíblia e do boi”
–
bancadas BBB
–
, bem como o clima de polariz
ação do debate eleitoral e a vitória de Jair
Bolsonaro para a presidência, constituem
-
se em evidências concretas de que a direita está se
revelando ostensivamente e em massa pela primeira vez neste período democrático.
No que tange especificamente a um dos
ramos da direita, a chamada “bancada
evangélica” (conhecida pela agenda de cariz conservador, apesar de ter em seu interior também
parlamentares progressistas), importa observar que o processo de abandono da “vergonha” tem
gênese anterior. Assim, a supera
ção do relativo quietismo apartidário na Constituinte, o intenso
ativismo político
-
eleitoral, a criação da Frente Parlamentar Evangélica em 2003, o aumento
numérico do bloco no Congresso, a crescente oposição às políticas públicas progressistas, a
conquist
a de posições estratégicas em comissões e a mobilização de identidades conservadoras
como arma política e eleitoral tornaram exitosa (e ruidosa) a ação evangélica na arena pública.
Em um movimento ainda mais recente do que aquele protagonizado pelo protest
antismo, a
Igreja Católica, sobretudo por meio dos grupos carismáticos, investiu em parlamentares
diretamente ligados às suas bandeiras.
No debate político, na cobertura midiática e mesmo nos trabalhos acadêmicos, a
produção acerca da bancada religiosa (q
ue teoricamente seria formada por evangélicos e
católicos) é certamente bastante volumosa. Porém, a ênfase de tais abordagens normalmente
reside na homogeneidade de atuação do grupo em temas que envolvam a moral e os costumes.
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Assim, a defesa da família tr
adicional, a oposição às políticas públicas para a promoção de
direitos aos grupos LGBT, a intensa luta contra a “ideologia de gênero” e as tentativas de frear
a expansão do aborto são alguns dos elementos que demonstram o ativismo cristão/conservador
e in
spiram a união pontual das agendas de evangélicos e católicos no parlamento, constituindo
uma das facetas da “nova direita brasileira” (COWAN,
2014
).
Não é possível, nesse momento, identificar o quanto a tendência de exaustão da direita
envergonhada perdur
ará no tempo e se terá fôlego para abranger a maioria dos deputados
vinculados aos partidos de direita e às “bancadas BBB”. E não é esse, tampouco, o foco
principal do presente artigo. De fato, nos propomos a restringir a análise de modo a mapear e
mensura
r alguns padrões de ação parlamentar de deputados evangélicos e católicos carismáticos
que integram tal bancada n
a 54ª e na 55ª legislatura (2011
-
2018) da Câmara dos Deputados.
Segundo o Glossário d
e Termos Legislativos (2018, p.
2), a atividade
parlamentar
manifesta
-
se como o “desempenho de atividades relativas ao exercício do mandato”, tais como
a elaboração, a análise e a votação de diversos tipos de propostas parlamentares nas Comissões
e no Plenário. No processo legislativo, a produção de Pro
jetos de Lei
(PL)
, um dos mais
conhecidos produtos da atuação dos deputados, define
-
se como o primeiro passo da ação
legislativa. O trabalho descreve, assim, a ação de congressistas na elaboração de propostas tidas
como “seculares”, por meio da análise do
conteúdo de algumas iniciativas, quando
não
estão
em disputa questões morais e de costumes.
A pesquisa, portanto, volta
-
se à avaliação do desempenho parlamentar de evangélicos e
católicos carismáticos
, mas enfatizando seus posicionamentos diante de temas
s
eculares,
ligados, sobretudo, à
área da economia. Tendo como baliza temporal o espaço compreendido
pelas duas legislaturas, elaboramos um banco de dados por meio de
Data Science
e
webscraping
, sendo as informações analisadas com o auxílio dos
softwares
Python e R. O banco
abrange, entre outros aspectos, a participação na Comissão de Finanças Públicas e Orçamentos
(CFT) e a produção legislativa desses deputados, por meio do mapeamento de Projet
os de Lei
protocolados nesse espaço institucional. Primeiramente, faremos uma exposição resumida da
relação entre política e religião no Brasil, bem como
de parte das conclusões oriundas de
pesquisas publicadas sobre o
tema até o momento. Em seguida, apres
entaremos a sessão de
material, métodos e de análise dos dados a fim de exibir as conclusões.
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Política e religião no Brasil:
h
istórico e literatura
Como ocorre em diversas sociedades, a relação entre política e religião é tão antiga
quanto complexa no Brasil. Fundado
–
ao menos sob o ponto de vista formal
–
por um império
decididamente católico, o Brasil nasce na senda de um ímpeto simultaneamente col
onizador e
evangelizador, de modo que os aventureiros europeus interessados apenas em angariar riquezas
conviviam no Novo Mundo com as missões jesuítas e com o sempre presente influxo do
magistério da Igreja de Roma.
Com efeito, tal influxo permaneceu mesmo após a independência, fazendo
-
se notar nos
marcos legais, na ação de protagonistas políticos e no
modus operandi
do Estado imperial. Não
é à toa que a Constituição de 1824 consagrou o regime do padroado (segundo o q
ual o
catolicismo restava reconhecido como religião oficial, sendo o clero considerado,
grosso modo
,
como pertencente ao corpo de funcionários do Estado) e que uma das mais graves crises
políticas oitocentistas tenha sido justamente a célebre “Questão Reli
giosa”, motivada pela
atitude insubordinada de um bispo, D. Vital, diante da autoridade de D. Pedro II.
Nem a extinção do padroado e o advento de uma república fortemente inspirada pelo
positivismo foram suficientes para sufocar a influência católica na po
lítica brasileira. A despeito
da separação Igreja
-
Estado e das consequências daí advindas (casamento civil, fim do ensino
religioso e revogação do
status
de religião oficial, por exemplo), o catolicismo continuou a se
fazer sentir por meio das ligações que
havia forjado na sociedade. Foi assim que movimentos
como a Ação Católica e as Congregações Marianas, acolhendo a Doutrina Social de Leão XIII
e as conclamações de Pio XI, ressignificaram a capacidade de militância dos católicos no debate
público brasilei
ro, agora valendo
-
se do expediente de transferir a linha de frente da militância
para os leigos.
Importa destacar, neste particular, os resultados políticos obtidos por outro movimento
importante, a Liga Eleitoral Católica (LEC), que de certo modo foi a a
ntecessora de grupos de
pressão religiosos do tempo presente. “
Na eleição de 1933, para compor a Assembleia
Constituinte, a maioria dos candidatos apoiados pela LEC foram eleitos”. Afinal, “A Igreja
Católica tinha interesse na eleição de candidatos comprom
etidos com a causa católica, pois só
assim seria possível manter o vínculo entre a instituição religios
a e o Estado” (DEBALD, 2007,
p.
57). Fruto dessa representação, a Carta Magna englobou várias demandas católicas, como a
citação de Deus no
preâmbulo, a reintrodução do ensino religioso e a garantia da presença de
sacerdotes em quartéis e presídios.
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Na contramão do conservadorismo que caracterizava os citados movimentos, a década
de 1960 vislumbrou o advento de grupos progressistas de maior de
staque no seio do catolicismo
brasileiro. Para além da figura de D. Hélder Câmara e da postura adotada por setores da própria
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (
CNBB
)
, a chamada “esquerda católica” se viu
projetada por certas inclinações irradiadas
pelo Concílio Vaticano II e pela Teologia da
Libertação. É o caso das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), movimento que direcionou
muitas comunidades católicas para a “opção preferencial pelos pobres” e para a participação
nas “lutas populares” contra o
regime civil
-
militar (COUTINHO, 2009). Também a esquerda
tinha agora um braço católico.
Em paralelo a essa nova corrente, o catolicismo brasileiro seguiu produzindo
movimentos de cariz conservador, sendo paradigmática a Sociedade Brasileira de Defesa da
T
radição, Família e Propriedade (TFP), fundada em 1960 por Plinio Corrêa de Oliveira, um
leigo que, com o apoio da LEC, havia sido eleito deputado para a constituinte de 1934 com a
maior votação do país.
Algumas das temáticas que mais mobilizaram campanhas
por parte da TFP
fo
ram contra
a
reforma
agrária; em defesa da família monogâmica e
indissolúvel; contra o aborto; co
ntra a imoralidade televisiva;
contra o
desarmamento de civis; contra o progressismo católico, contra o Movimento
dos Trabalhadores sem Ter
ra (MST), a favor do agronegócio, etc.
(ZANOTTO, 2010, p.
95).
Se a LEC foi precursora na estratégia de ocupação de espaços políticos por parte dos
religiosos na república brasileira, pode
-
se igualmente tecer paralelos entre a agenda acima
descrita e os a
pelos da bancada religiosa da atualidade. Em suma, tratava
-
se ontem, como hoje,
de defender a moral cristã tradicional, freando movimentos e políticas públicas de viés
progressista.
Já o proselitismo específico dos evangélicos só granjeou efetivas condiçõe
s de se tornar
politicamente relevante a partir da redemocratização que se processou na década de 1980. Até
então, o predomínio inconteste do catolicismo na sociedade tornava marginal a ressonância das
demandas vindas dos setores protestantes. Segundo dado
s do
Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (
IBGE
,
2010
)
, o grupo denominado “evangélico” (que ajunta as igrejas do
protestantismo tradicional, as pentecostais e as neopentecostais) compunha apenas 6,6% da
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população brasileira em 1980, mas passou para 15,4% em 2000 e consideráveis 22,2% em
2010
4
.
Se o número
de fiéis naturalmente poderia conferir peso político às igrejas evangélicas,
notou
-
se uma mudança de paradigmas também na postura dessas instituições ao longo do
tempo, transformando o que era potencial em realidade. De fato, o livro publicado por um
asses
sor político evangélico em 1986, Josué Sylvestre
–
sintomaticamente intitulado
Irmão vota
em irmão
–
, evidenciava que os pastores de diferentes denominações trabalhavam para atingir
um outro nível de representação das pautas cristãs, fazendo
-
se candidatos
de modo orquestrado
para representar os interesses de seus rebanhos no mundo profano. Se em 1982 apenas 12
deputados federais pertenciam às fileiras evangélicas, em 1986 esse número saltou para 32, ao
passo que, em 2002, eram já 51 os congressistas evangél
icos (MARIANO, 2005).
Consolidava
-
se, assim, um
player
inédito na política brasileira, que em muitos
momentos se somou à direita secular e católica preexistente para introduzir uma nova dinâmica
aos embates político
-
ideológicos no país.
Isso porque os ca
tólicos, claro, não se abstiveram da militância política no Brasil
redemocratizado. Em paralelo às iniciativas menos visíveis movidas pela hierarquia eclesiástica
e seus múltiplos canais institucionais, os católicos em alguma medida retomaram parte do
ímpe
to da Ação Católica e da LEC por meio de centros culturais católicos e do movimento da
Renovação Carismática.
No primeiro caso, percebendo o crescimento da repercussão das ideias conservadoras
na sociedade brasileira, vislumbrou
-
se a criação de entidades c
omo o Centro D. Bosco e o
Centro Anchieta, voltados à difusão da doutrina católica tradicional a partir do oferecimento de
cursos de formação, da publicação de livros e da divulgação de mensagens em redes sociais.
No segundo caso, o dos carismáticos, perce
beu
-
se que a popularidade conquistada
(especialmente entre os jovens) por “padres
-
cantores” ligados ao movimento constituía um
capital que poderia ser canalizado também para a representação política.
Essa inquestionável e persistente capacidade que possuem os grupos religiosos de
interferir na esfera estritamente política permite que o contexto brasileiro seja incluído na ideia
de “quase laicidade” aventada por Catroga (2006). Não sem razão, portanto,
é grande o interesse
dos estudiosos a respeito da atuação política de tais grupos, especialmente nos parlamentos.
4
Algumas projeções supõem que o número de evangélicos tende a superar o de católicos ainda na primeira metade
do século
XXI (ALVES
et al
.
, 2017).
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Com efeito, as pesquisas acadêmicas de maior circulação a respeito da atuação dos
evangélicos na política brasileira tiveram início já na déc
ada de 1990, por meio de precursores
como Mariano e Pierucci (1992), Freston (1994) e Burity (1994). Tratava
-
se, naquele momento,
de
compreender um movimento de dimensão ainda imprevisível, eis que recente e que apenas
deixava antever a natureza de seu âma
go e os objetivos que acalentavam seus protagonistas.
Contudo, em paralelo com o avanço do número de fiéis, o sucesso trilhado por igrejas
como a Universal do Reino de Deus em direção à ocupação de espaços políticos fez com que
um grande volume de novos tr
abalhos passasse a identificar padrões mais visíveis e perenes.
Assim, o alvo de boa parte dos estudos migrou para a atuação do caso concreto daquela que foi
então batizada de “bancada evangélica”. Dentre esse universo enorme de pesquisas, Bohn
(2004), ava
lia os ingredientes que formam a visão moral dos eleitores evangélicos transferida
para plataformas políticas dos deputados
-
pastores. Natividade e Oliveira (2009) examinam os
posicionamentos adotados pela bancada diante de políticas públicas discutidas no
Congresso
Nacional, assim como Almeida (2017) relaciona a bancada com os movimentos conservadores
em geral, bem como Rodrigues
-
Silveira e Cervi (2019) tecem relações entre o número de igrejas
existentes em níveis regionais e a votação obtida por deputados
federais evangélicos e Mariano
e Gerardi
(2019, 2020)
dimensionam as estratégias levadas a cabo pelos evangélicos em
eleições presidenciais específicas, como a de
Jair
Bolsonaro em 2018.
Logo, a ideologia da bancada, seu desempenho no parlamento no que tan
ge às questões
caras à moral cristã, seus laços com as direitas em geral, suas bases eleitorais e seus esforços
de pressão em eleições majoritárias foram bem mapeados por uma literatura justificadamente
ampla.
Já as pesquisas focadas na compreensão da atua
ção dos católicos carismáticos nos
parlamentos são menos abundantes. Ainda que o número pouco expressivo de parlamentares
carismáticos possa,
a priori
, explicar tal defasagem, importa ponderar que há um potencial de
crescimento (ou, pelo menos, de
estabilização) do ativismo católico na Câmara dos Deputados,
conforme nos sugere a solidez da Igreja no Brasil e seu histórico de interação com a esfera
política.
Ainda assim, artigos como os de Silveira (2008) demonstram como as singularidades
religiosas/
teológicas da Renovação Carismática se transferem para o âmbito da visão política,
Almeida e Freitas (2009
) analisam os projetos de lei apresentados por deputados ligados ao
movimento e Procópio (2012) sinaliza para a diversidade de perfil demonstrada pelo
s
candidatos carismáticos em eleições.
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Tanto nos trabalhos que investigam os parlamentares evangélicos quanto nos que
abordam os carismáticos, percebe
-
se, porém, que o grosso dos esforços de pesquisa concentra
-
se na compreensão do comportamento estritament
e religioso, dado que questões ideológicas e
morais guardam relação direta com suas lealdades confessionais. Nesse sentido, há visível
carência de estudos que mensurem a atuação secular destes deputados. Em síntese, é nessa
tarefa que pretendemos nos debru
çar nas linhas a seguir.
Mapeando da atuação secular dos religiosos
Configura a baliza temporal da presente pesquisa a 54ª e a 55ª legislatura (2011
-
2018)
na Câmara dos Deputados. Inserimos a variável “autodeclaração religiosa”, a fim de chegarmos
ao gr
upo dos “religiosos”, como se um partido político fosse. A pesquisa utiliza informações
do Portal de Dados Abertos da Câmara
(BRASIL, 2022
a
)
,
tendo como instrumentos os Códigos
Python e R e métodos de
Data Science
e
Webscraping
, para a composição do
banco de dados
da pesquisa (que chamamos de produção legislativa), uma vez que inclui todos os tipos de
propostas de lei, emendas, iniciativas e votos, bem como diversas outras categorias.
Para a arranjo dos bancos de dados, a pesquisa considera o conjunto
de deputados
federais com mandato no recorte analítico
5
. A extração de dados utilizou dados públicos da
atuação de agente
s políticos, mediante uma API
–
Application Programming Interface
(BRASIL, 2022b)
. Utilizando essa aplicação, por meio de
Webscraping,
uma ferramenta para
extração de
Big Data
da
internet
, criamos um código para obter a participação dos
parlamentares em Comissões e o conjunto de todas as proposições parlamentares no recorte, o
que conf
ere sustentação empírica para a pesquisa. A lista de deputados e as análises serão
compartilhadas no
GitHub
da investigação, na internet
6
.
Com o intuito de descrever a ação de parlamentares evangélicos e católicos carismáticos
no parlamento, a análise dos dados considera a participação em comissões e a elaboração de
propostas de lei. No processo classificatório, a autodeclaração confessional
dos deputados
reflete, portanto, a pertença dos atores a um determinado conjunto de crenças e de práticas
religiosas. Respeitando essa declaração, a pesquisa classifica os deputados em “evangélicos” e
5
Na 54
ª
legislatura, os deputados foram (N = 628) e na 55
ª
(N = 596), o que supera a quantidade de 513 devido
a substituições, falecimentos, cassação de mandatos, entre outros fatores. Os evangélicos representam 97 casos, e
os carismáticos, 8. Os parlamentares sem vinculação religiosa totalizam 813 ocorrências, n
as duas legislaturas.
6
Ver GERARDI, André. Repositório. Dados da pesquisa Evangélicos, católicos e ação legislativa: o padrão
secular de atuação da “bancada religiosa” na Câmara dos Deputados (2011
-
2018). Postado em 2021. Disponível
em:
https://github.com
/andregerardi/direita_crista_br. Acesso em: 29 abr. 2022.
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