APROPIACIONES Y REAPROPIACIONES CULTURALES EN SALVADOR DE BAHÍA: SOBRE LA ESPECTACULARIZACIÓN URBANA Y LA DIALÉCTICA DEL MALANDRAJE
CULTURAL APPROPRIATIONS AND REAPPROPRIATIONS IN SALVADOR-BA: ABOUT URBAN SPECTACULARIZATION AND THE DIALECTICS OF MALANDRAGEM
Ewerthon Clauber de Jesus VIEIRA1
RESUMO: Este texto busca, em um primeiro momento, apresentar uma tipologia analítica acerca das práticas culturais, usos e tensões de significados tecidos no contexto da experiência da vida urbana em determinados espaços da cidade de Salvador-BA, durante o contexto de preparação e realização dos megaeventos esportivos da Fédération Internationale de Football Association (FIFA). Nesta perspectiva, o trabalho vincula a imersão teórica e empírica, realizada no âmbito da pesquisa doutoral, com a tematização acerca das relações entre as lógicas de produção urbana e os efeitos desses processos nos comportamentos que experimentam e (res)significam os usos dos espaços. De maneira mais ampla, a questão das práticas culturais é interpenetrada pelo horizonte que transita do direito à cidade ao ideário de cidades espetacularizadas, expressas sobretudo pelo paradigma da criatividade. Por fim, proponho reler a relação entre as apropriações e reapropriações culturais a partir da ideia de dialética da malandragem, caracterizada por Antonio Candido como espectro formativo da cultura brasileira.
RESUMEN: Este texto busca, en un primer momento, presentar una tipología analítica acerca de las prácticas culturales, usos y tensiones de significados basados en el contexto de la experiencia de vida urbana en determinados espacios de la ciudad de Salvador de Bahía, durante el contexto de preparación y realización de los megaeventos deportivos de la Fédération Internationale de Football Association (FIFA). En esta perspectiva, el trabajo vincula la inmersión teórica y empírica, realizada en el ámbito de la investigación doctoral, con la tematización sobre las relaciones entre las lógicas de producción urbana y los efectos de estos procesos en los comportamientos que experimentan y (re)significan los usos de los espacios. En términos más generales, la cuestión de las prácticas culturales está interpenetrada por el horizonte que transita desde el derecho a la ciudad al ideal de ciudades espectaculares, expresado sobre todo por el paradigma de la creatividad. Finalmente,
propongo una relectura de la relación entre apropiaciones y reapropiaciones culturales desde la idea de dialéctica de malandraje, caracterizada por Antonio Candido como un espectro formativo de la cultura brasileña.
PALABRAS CLAVE: Apropiación cultural. Reapropiación cultural. Salvador de Bahía. Espectacularización urbana. Dialéctica de malandraje.
ABSTRACT: This text seeks, at first, to present an analytical typology about cultural practices, uses and tensions of meanings woven in the context of the experience of urban life in certain spaces of the city of Salvador-BA, during the context of preparation and realization of mega-events of the Fédération Internationale de Football Association (FIFA). In this perspective, the work links the theoretical and empirical immersion, carried out within the scope of the doctoral research, with the thematization about the relationships between the logics of urban production and the effects of these processes on the behaviors that experience and (re)signify the uses of spaces. More broadly, the question of cultural practices is interpenetrated by the horizon that moves from the right to the city to the ideals of spectacular cities, expressed above all by the paradigm of creativity. Finally, I propose to reread the relationship between cultural appropriations and reappropriations from the idea of the dialectic of “malandragem”, characterized by Antonio Candido as a formative spectrum of Brazilian culture.
KEYWORDS: Appropriation cultural. Reappropriation cultural. Salvador-BA. Urban spectacularization. Dialectic of malandragem.
As cidades comportam universos contraditórios, que ora se justapõem, evidenciando conflitos, ora se interpenetram, edificando sentidos e formas complexas de existências. Sob essa perspectiva, aparentemente abstrata, se insinuam questões relevantes aos estudos sobre as lógicas de produção e gestão urbana contemporânea. De igual modo, no âmbito micro da análise, as práticas culturais também se constituem como importantes agendas de pesquisas, especialmente quando buscamos apreendê-las em diálogo com seus contextos e circunstâncias históricas.
Nessa esteira, o caráter plural das cidades, conforme sublinham Carlos Fortuna e Rogerio Proença Leite (2009), indica, a meu ver, menos a ausência de tendências normativas no seio da produção e prática urbana, e mais uma necessária postura epistêmica diante de suas complexidades verificáveis. Isso quer dizer que é fundamental não negligenciarmos as potenciais costuras e ressignificações que (extra)ordinariamente forjam os conflitos entre as diversas cidades existentes dentro daquela que se pretende, muitas vezes e de modos diversos, serem definidas como única e consensual.
Nos termos da professora Ana Fernandes (2006), o que tem se evidenciado desde as últimas três décadas do século XX é essa relação entre o rompimento e a promessa. Requalificadas, regidas e legitimadas pela dinâmica culturalista, as cidades se apresentam inscritas no paradoxo: por um lado reside a promessa na potencialização de formas de ser e estar no mundo, a partir de uma espécie de justificação cultural (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009); por outro, a partir da tendência hegemônica de mercantilização, há um rompimento, no qual o que poderia se emancipar, se empobrece pela finalidade central do consumo e da troca mercantil. Ainda assim, sabemos que isso não esgota as possibilidades de resistências e enfrentamentos contra o que Fernandes (2006) destacou como tendência hegemônica, uma vez em que, o rompimento e a promessa dialogam a partir das especificidades de cada cidade em questão.
Neste artigo, em um primeiro momento, busco apresentar uma tipologia analítica acerca das práticas culturais, usos e tensões de significados tecidos no contexto da experiência da vida urbana em determinados espaços da cidade de Salvador-BA, durante o contexto de preparação e realização dos megaeventos esportivos da Fédération Internationale de Football Association (FIFA) (2013-2014). O intuito é vincular a imersão teórica e empírica, realizada no âmbito da pesquisa doutoral, com a tematização acerca das relações entre as lógicas de produção urbana e os efeitos desses processos nos comportamentos que experimentam e (res)significam os usos dos espaços. Através da pesquisa de campo sistematizada, algumas características conflitivas se tornaram bastante emblemáticas, como foram os casos envolvendo as baianas de acarajé e a situação de proibição e autorização para o exercício comercial de seus ofícios; a organização e atuação empreendedora do bloco afro Tambores do Mundo; a dinâmica dos vendedores informais (ambulantes) e atores não consumidores nos espaços de consumo; e os protestos lúdicos representados pelos blocos carnavalescos Pipoca Indignada e Rodante. Em face dessas situações empíricas, sugeri uma tipologia acerca das práticas de (re)apropriações culturais, tendo em vista sua potencialidade analítica na apreensão dos fenômenos urbanos contemporâneos, notadamente marcados por conflitos e negociações entre os diversos atores constituintes das cidades.
De maneira mais ampla, a questão das práticas culturais é interpenetrada pelo horizonte que transita do direito à cidade (LEFEBVRE, 2008) ao ideário de cidades espetacularizadas (DEBORD, 1997; VIEIRA, 2016), expressas sobretudo pelo paradigma da criatividade (VIVANT, 2012; SELDIN, 2017; VIEIRA, 2020; 2021). Por fim, proponho reler a relação entre as apropriações e reapropriações culturais (VIEIRA, 2016) a partir da ideia de dialética da malandragem, caracterizada por Antonio Candido (2015 [1970]), em um
ensaio que tem exatamente esse título. Interessa, nesse caso, refletir como o espectro formativo da cultura brasileira que reside na perspectiva interpretativa da malandragem indica correspondências e eventuais dissidências das práticas culturais, observadas nas experiências urbanas a partir de suas características oscilantes entre a ordem e a desordem, a dominação e a resistência.
A princípio, com base na pesquisa doutoral realizada, argumento que a experiência de sediar a Copa das Confederações FIFA 2013 e Copa do Mundo FIFA 2014 fomentou o esgarçamento da mercantilização urbana e cultural da capital baiana, através da tendência normativa e geral de mobilizar supostas particularidades locais como formas espetaculares de reinvenção das imagens de consumo das cidades (FORTUNA, 1997; ZUKIN, 2000a; 2000b), notadamente dotadas pela promoção turística. Observadas “de perto”, estas mobilizações, realizadas em narrativas (BARREIRA, 2013) e intervenções concretas nos espaços urbanos refletem tanto modos oficiais de objetificação da cultura local, quanto sobrevivências marginais, percebidas como faces tensionadas do processo de espetacularização urbano cultural (VIEIRA, 2016).
Todavia, na esteira analítica que concebe as práticas culturais como ações conflitivas, forjadas por relações e disputas de poder, que são lidas ora como estratégias, ora como táticas (CERTEAU, 1998), ou ainda como usos e contra-usos (LEITE, 2007) dos espaços urbanos e públicos, sugeri, como contribuição ao debate, as noções de apropriação e reapropriação cultural. Apesar das especificidades conceituais das referidas categorias de análise, a meu ver, elas estabelecem como pontos comuns, a referência das possibilidades dissidentes que residem no viver e experimentar público as/das cidades. Dessa maneira, tomam enquanto recortes, objetos de estudos marcados por contextos em que determinadas intervenções se estabelecem com a pretensão de regular usos e selecionar práticas e usuários, seja a partir de políticas de planejamento, de requalificação urbana ou propriamente de cunho espetacular.
Espetacularização urbana e práticas de (re)apropriação cultural: o caso da cidade de Salvador-BA em tempos de megaeventos esportivos
Para a análise do processo de mercantilização urbana e cultural, me fundamento primordialmente na noção de “espetáculo”, conceituada e desenvolvida por um conjunto de aforismos que formam a clássica obra A sociedade do espetáculo, de Guy Debord (1997 [1967]). Entre outras ideias possíveis que são lançadas por Debord (1997), a respeito de uma certa transformação no modo prático do capitalismo se (re)produzir, destaco sobretudo as
assertivas que enfatizam a centralidade da lógica da mercadoria no mundo social2, e a relação dissimulada que esta estabelece entre a forma aparente e real.
Segundo Debord3 (1997), ainda que pareça, o espetáculo não é em si as imagens, mas as relações que estas mediam. Nesta esteira, argumento que uma das características presentes no que temos denominado por espetacularização urbana é a mediação das relações sociais pela própria prática humana objetivada. Isso quer dizer que, não é necessariamente apenas pela imagem mediática que se representam as relações da vida social, pois não se trata literalmente de uma coisa que substitui o sujeito vivo, mas de sujeitos vivos subjugados à lógica cênica de sua prática ordinária e cultural. Nessa perspectiva, eles simulam a si próprios, como expressão subordinada do mercado. O espetáculo é um modo de ser, ver, pensar e sentir objetivado. Uma espécie de visão de mundo que se objetivou. A uma só vez, ele é projeto e resultado, produção e consumo4.
De modo análogo, a imagem de baianidade, recomposta pelos atributos da “diferença” identificada na cultura local e os positivados postulados de “alegria” e “felicidade” foram assim promovidos espetacularmente na cidade de Salvador. Diluída, a imagem de consumo reinventada da capital baiana é apresentada como produto de atratividade turística e financeira, ainda que essa apropriação mercadológica possa também estar parcialmente presente nas relações sociais das mais diversas localidades da referida cidade. Apesar de os empreendedores urbanos vislumbrarem a promoção de uma imagem positiva de cidade a partir da objetificação da cultura local, o objeto dessa encenação são os próprios produtores em suas práticas culturais devidamente mediadas. Eles atuam na representação de si mesmos, estipulados enquanto forma genérica do espetáculo urbano. Dessa maneira, a narrativa abstrata da felicidade, da festa, e da tradição, se materializa na apresentação e performance de blocos afro e baianas de acarajé, por exemplo.
A espetacularização urbana é centralmente especulativa. Ela converge, portanto, com a forma dominante de produção do espaço urbano contemporâneo, onde a cultura da servidão financeira (ARANTES, 2009; CEVASCO, 2010) se expressa em meio a bolhas especulativas de uma dinâmica real pautada por afirmações abstratas e fictícias, tal qual se relacionam os capitais ficíticos da financeirização e as imagens-modelo (SANCHEZ, 2001) das cidades promovidas pelas políticas urbano-culturais. Essa caracterização perpassa os processos de
2 Cf. os aforismos 11 e 15 (DEBORD, 1997), ainda que se compreenda em fragmentos, o espetáculo é a totalidade real da vida social, transformada, todavia, em aparência. Sob esta tendência, o espetáculo apresenta-se como a principal forma social da contemporaneidade.
3 Cf. o aforismo 4, “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (DEBORD, 1997, p. 14).
4 Cf. aforismos 5 e 6 (DEBORD, 1997).
regeneração urbana (FERREIRA, 2010) e faz dos espaços requalificados, monumentalizações que pela estética e performance transformam a dinâmica da vida urbana numa cultura espetacularizada (LEITE, 2010), ou seja, fetichizada, muitas vezes como pastiche (JAMESON, 2006) para o consumo. A meu ver, essa configuração não é condicionada pela realização de megaeventos, mas, de fato, ela se torna especialmente mais intensa nesses casos (DELGADO, 2007; LA BARRE, 2013).
De acordo com Christine Boyer (1994) e Manuel Delgado (2007) podemos considerar que a cidade que se figura (BOYER, 1994) nesta lógica é, em algum grau, resultante da fraude e miséria (DELGADO, 2007), pois sua projeção idealizada ocorre em detrimento da realidade que se oculta, controla e em certa medida se extermina. Isso não é somente efeito de uma ideação ou alienação simbólica. A exceção das intervenções militares e alterações legislativas, como a formulação da Lei Geral da Copa nº 12.663 (BRASIL, 2012) são alguns dos elementos que compõem a força coercitiva do pleno estabelecimento da cidade de exceção (VAINER, 2011), tornada regra fundamental na gestão dos negócios e do seu avesso, a barbárie (MENEGAT, 2008).
Todo o conjunto articulado dessas ações, não fortuitamente ocultadas, culmina no processo que interpreto por espetacularização urbana. Um projeto normativo de mercantilização urbano cultural, que comporta tensões e conflitos de usos e significados, expressos em práticas de apropriações e reapropriações culturais, dinamizadas em torno da criação de determinados espaços de consumo. Nesta perspectiva, o consumo é fomentado por uma intencional produção de intervenções humanas e práticas culturais que, embora apresentados sob a aparência da experiência e da imagem singular de si, são, de fato, avessas à atividade humana e política (RANCIÈRE, 1996), pois, antes de mais nada, são condicionadas pela geração de valor. Por essa razão, argumento que as políticas urbano culturais, que (re)constroem imagens de consumo, tendem a se caracterizar por uma espécie de política às avessas, especuladas por uma estética subordinada à lógica do mercado e destituidora das dinâmicas espontâneas existentes nas relações e fazeres culturais locais.
Mas é importante compreender que isso não se estabelece de maneira absoluta e determinista. Conforme observa Beatriz Sarlo (2014), no estudo sobre a produção imagética do urbano e da cultura, na cidade de Buenos Aires-AR, nem sempre os logotipos das cidades são resultantes de um conceito direto da lógica de produção urbana do mercado. Não é que esse nada tenha a ver com o processo, mas que, eventualmente, ele atua como esfera de agenciamentos do que existe localmente. Não obstante, no caso de Salvador-BA, a própria
ideia literal de diferença foi apropriada culturalmente pelos agentes construtores oficiais da
cidade. Junto ao mote “Salvador, você sente que é diferente”, enunciado pela Prefeitura Municipal à época, se imbricam materializações e abstrações sobre a dinâmica de festividades em um logotipo de baianidade, reinventada e esgarçada no contexto dos megaeventos esportivos da FIFA (2013-2014).
Não se trata somente de perceber a cidade entre sua face real e sua face imaginada, opondo ontologicamente realidade versus ilusão, mas de notar a partir das práticas culturais, as negociações, conflitos e complexas complementaridades que ocorrem em lógicas de produções e sociabilidades fronteiriças. Nessa esteira, destacam-se com relevância analítica espécies de espaços intersticiais (LEITE, 2009), tal como vem sugerindo Rafael Arantes (2020), na análise sobre os processos mais recentes das feiras gastronômicas realizadas em espaços públicos da capital baiana.
A rigor, o que muitas vezes se supõe como “autêntico” (original) não existe em cidade nenhuma. A autenticidade resulta do que se experimenta e do que se reconhece. Essa figuração da cidade é sempre, apenas, uma face do que também pode ser sua desfiguração, mas que, em virtude de interesses específicos, é instrumentalmente ocultada, conforme argumenta Boyer (1994). De fato, aquilo que se vivencia remete a determinada imaginação, assim como aquilo que se imagina se vincula a outras formas de experimentação da cidade. Para Carina Gomes (2012), essa é uma questão recorrente nos processos de requalificação urbana, notadamente concentradas em torno de uma projeção de novos usos e usuários em determinados espaços da cidade. Assim, a partir dos centros históricos requalificados, se imbricam e, por vezes, conflituam os sentidos da cidade vivida (mais distante da apropriação turística) e da cidade visível (ofertada ao consumo de quem a visita). Também por isso, argumentamos que coexistem cidades dentro de uma cidade (FORTUNA, 1997; GOMES, 2012; VIEIRA, 2016). De acordo com Manuel Delgado (2007), é assim que se configuram as fraudes do visível e se ocultam as misérias do real que, não fortuitamente, constituem as faces das realidades não consumidas da cidade.
Para Maité Clavel (2006), essas fraturas da objetificação cultural forjam a grande característica da relação entre as cidades e as culturas. Apesar de todos os esforços empreendedores, na espetacularização reside uma espécie de produto imperfeito dos projetos, adaptável aos indivíduos ordinários, não como planejamento que visa garantir o direito à cidade, mas pelos desarranjos da dinâmica que se sucede a experiência de viver o cotidiano em suas diferenças e desigualdades.
No âmbito da teoria das práticas, essa qualificação parece ter influenciado Micheal De Certeau (1998) a conceber que existem no horizonte (extra) ordinário do dia a dia, um
conjunto de usos que dinamizam relações de poder e conflitos, expressos por táticas e estratégias. Enquanto as primeiras se caracterizam como "arte dos fracos", na qual os indivíduos desprovidos de uma estabilidade de poder político, institucional e/ou econômico, mobilizam a astúcia como uma forma de resistência; as estratégias são caracterizadas como uma ação de poder estabelecido. Nessa esteira, o professor Rogerio Proença Leite (2007), sugeriu a conceituação do contra-uso, como forma de caracterizar o viés do desentendimento (RANCIÈRE, 1996) que se manifesta na vida pública contemporânea. Diferente da noção de tática (CERTEAU, 1998), o contra-uso (LEITE, 2007) sinaliza sobre uma postura individual deliberadamente confrontosa, que incide politicamente contra a regulação dos espaços, planejadas para determinados usos de consumo cultural.
Instigado por essas chaves interpretativas acerca das práticas culturais e usos dos espaços nas cidades, tenho sugerido, como forma de contribuição ao debate, as noções de apropriação e reapropriação cultural (VIEIRA, 2016). Estas categorias foram formuladas para analisar como determinadas ações vinculadas aos projetos de espetacularização urbana acabam produzindo exclusões socioespaciais, que, não obstante, revelam práticas contestativas por aqueles excluídos. Como manifestações contrapostas as apropriações culturais realizadas no processo de espetacularização urbana, identifiquei quatro principais tipos de reapropriação cultural, caracterizadas, em geral, por experiências dissidentes que tencionam a esfera política e gerencial do espetáculo, a saber: I-Reapropriação cultural como contracena espetacular; II- Reapropriação cultural como empreendimento popular da cultura reificada; III- Reapropriação cultural como tática diferencial de comércio; IV- Reapropriação cultural mediante a ludicidade crítica do espetáculo.
As variações das noções de reapropriações culturais sugeridas correspondem a quatro referências empíricas estudadas durante a pesquisa de campo do processo de espetacularização urbana e cultural da cidade de Salvador-BA, no contexto de preparação e realização dos megaeventos esportivos da FIFA (2013-2014). Assim, respectivamente, os casos-chave de cada tipo de reapropriação cultural são: I) O caso das baianas de acarajé (I);
II) O bloco afro Tambores do Mundo; III) Os vendedores informais e atores não consumidores nos espaços de consumo; IV) Os blocos carnavalescos Pipoca Indignada e Rodante5.
As ocorrências destes tipos conceituais podem coexistir, pois eles não se invalidam, nem se pretendem dizer sobre alguma propriedade estanque da vida urbana. Eventualmente,
5 Para uma apresentação mais exaustiva destes casos empíricos ver o trabalho Espetacularização da cidade e (re)apropriações culturais: políticas urbanas e as novas imagens de consumo de Salvador-BA (VIEIRA, 2016).
os tipos se relacionam entre si em um mesmo caso, de modo a ter características reafirmadas ou até contestadas, a depender de cada processo em questão. Na reapropriação cultural como contra cena espetacular, observei a partir dos atos de protestos protagonizados pelas baianas de acarajé, organizadas através da Associação Baiana dos Auditores Fiscais Municipais (ABAM), a produção de uma destituição do consenso espetacular. Através de reivindicações que reclamavam por inclusão, valorização dos costumes e da cultura imaterial dos seus ofícios, as baianas acabaram por demandar pelo direito ao trabalho, no intuito de poderem participar dos circuitos de eventos da Copa. A princípio, esta condição seria negada, uma vez em que elas não se constituíam como apoiadoras ou patrocinadoras oficiais da FIFA e, assim sendo, não teriam direito de usarem o espaço, excepcionalmente gerido pela Federação Internacional de Futebol, para venderem seus bolinhos de acarajé.
Importante notar que mesmo quando o que esteve na órbita das narrativas questionadoras foi o argumento de valorização da cultura e do patrimônio imaterial, tratava-se de um protesto por direito ao trabalho. O que evidentemente não significa nenhum demérito para estes atores, mas também não implica numa subversão da lógica de produção da espetacularização urbana. Os protestos das baianas resultaram na absorção parcial de suas demandas. A parcialidade corresponde aqui às próprias condicionantes da mercantilização desse processo espetacular mais amplo. De fato, apenas 12 baianas foram autorizadas a comercializar seus bolinhos dentro da zona de exclusividade comercial da FIFA.
Na reapropriação cultural como empreendimento popular da cultura reificada, analisei o caso da dinâmica operada pelo Grupo de Intercâmbio Cultural Tambores do Mundo. Coordenado por músicos negros que relatam terem crescidos no Curuzu (bairro Liberdade, Salvador-BA), localidade reconhecida internamente como periférica e pobre, o Grupo promove um conjunto de eventos e oficinas de percussão em outros países. Um dos coordenadores, inclusive residia em Paris-FR. Em especial, o carnaval de Salvador é divulgado durante boa parte do ano em vários países europeus. O produto ofertado inclui o intercâmbio na cidade de Salvador e aulas de percussão. A possibilidade de conhecer/visitar o país e sobretudo poder vivenciar a cidade de Salvador a partir da representatividade musical do Curuzu são elementos que compõem parte da reapropriação cultural operada pelos organizadores.
Dessa maneira, eles empreendem uma alteração cênica da regulação mercantil, onde aqueles que poderíamos imaginar serem os consumidores se apresentam como produtores culturais, ao passo que os produtores se tornam então empreendedores culturais. Face à apropriação cultural que ocorre no processo de espetacularização urbana, as noções de
“terra da felicidade” e expressividade musical de matriz africana, acabam também sendo reaproveitadas pelos coordenadores do Grupo. Aqui, junta-se ao rumo espetacular da cidade promovido pela apropriação cultural local, a reapropriação que se revela em efetivo exercício de empreendimento popular da cultura reificada.
Já na reapropriação cultural como tática diferencial de comércio, identifiquei a partir dos ambulantes, um conjunto de ações que se caracterizam fundamentalmente como uma espécie aparente de enfrentamento político (RANCIÈRE, 1996), por parte dos que não tinham autorização gratuita para vender em espaço público, durante a realização dos megaeventos da Copa. Não aceitando pagar à Prefeitura Municipal de Salvador, pelo alvará de liberação para o comércio, seja por não terem condições financeiras ou por julgarem ser abusiva a cobrança, esses atores acabam expressando astúcias táticas (CERTEAU, 1998) dentro de um contexto de sobrevivência marginal do processo de produção da espetacularização urbana.
Nesse sentido, os ambulantes não só se arriscam e vendem de maneira clandestina os produtos nesses espaços cerceados, como operam relações particulares com os consumidores, que refletem algum grau de seletividade, na medida em que diferenciam o preço cobrado pelos produtos a depender do “cliente” em questão. De maneira geral, aos chamados “gringos”, os preços cobrados são mais altos do que a outros considerados “locais”. Sob essa lógica, a reapropriação cultural operada como tática diz respeito às práticas políticas de destituição do consenso espetacular, através do uso mercantil não projetado para o espaço. Nesta variante antinormativa da reapropriação cultural dos ambulantes, não há nenhuma significativa incidência contra a produção do espetáculo. No entanto, em menor ou maior grau, há uma implicação na governança espetacular, na medida em que se faz preciso garantir as normatizações dos usos previstos ou adequá-las a formas de permissividades sutilmente constatadas.
Por fim, na reapropriação cultural mediante a ludicidade crítica do espetáculo, observei, a partir dos blocos de carnaval Pipoca Indignada e Rodante, como o lúdico pode ser utilizado como mecanismo questionador da indústria do entretenimento, também apropriada no processo de espetacularização urbana. Aqui parece se estabelecer uma linha tênue entre a experiência espetacularizada da vida na cidade e a insurgência de movimentos erráticos. Segundo Paola Jacques (2006), a errância se constitui como uma potência subversiva da regulação espetacular, vivenciada pela relação corpórea dos indivíduos com as cidades. De fato, por um lado, o exercício da ludicidade crítica (TRACHANA, 2014) está constantemente sob o risco eminente de ser também assimilado na regularidade da marca “diversidade” e
assim sendo, acabar por compor mais um produto espetacular. Por outro, numa condição
efetivamente errática, esse é o tipo de reapropriação cultural que se revela como prática crítica, que sob o uso de espaços públicos, publicita a emergência de uma cidade despida de suas maquiagens espetaculares.
espetacularização urbana contemporânea?
Desde meados da primeira metade do século XX, notadamente na década de 1930, a ideia de cultura foi uma das dimensões mobilizadas na tentativa de se construir uma interpretação original do Brasil. Autores como Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala (2006 [1933]), e Sérgio Buarque de Holanda, especialmente na obra Raízes do Brasil (1995 [1936]), compõem parte dessa geração. Não é meu objetivo aqui tecer uma análise em específico sobre estes autores e obras, mas sim observar como essa perspectiva acerca do que nos constitui esteve, em diferentes momentos, vinculada à relação que estabelecemos com determinados princípios gerais de universalidade, e, por assim dizer, normatividade, comportamentos e práticas culturais, caracterizadas pela particularidade de lidar com as normas. Das relações e composições raciais, intensamente criticadas por suscitarem interpretações calcadas em um viés harmônico, até a cordialidade específica da cultura brasileira, as questões da ordem e desordem parecem se constituir como uma referência comunicativa da formação social do Brasil.
Ainda no século XX, Antonio Candido (2015 [1970]), importante crítico literário, escreveu o ensaio intitulado Dialética da Malandragem. Neste texto, o autor teceu uma crítica sobre o romance Memórias de um sargento de milícias (2015 [1854]), de Manuel Antônio de Almeida. Entre outros aspectos elaborados por Candido (2015) acerca dessa obra, me interesso em específico sobre os elementos que caracterizam a noção de “malandragem”. Segundo o próprio Candido (2000), esse deslocamento entre o texto literário e a análise social é possível na medida em que nos propomos a perceber, além do conteúdo retratado na obra, sua constituição. “No conjunto como no pormenor de cada parte, os mesmos princípios estruturais formam a matéria” (CANDIDO, 2000, p.8). O elemento social não é apenas uma referência externa a interferir na obra. Com efeito, o exercício da crítica tecida por Candido (2015) sobre o romance Memórias de um sargento de milícias, perpassa não simplesmente uma caracterização da suposta antecipação do estilo realista, à época, mas diz respeito a uma conjunção interpenetrada entre a estética e o conteúdo estrutural da obra.
Ainda que suscite associações entre a oposição do “herói” e “anti-herói”, a noção de malandragem que aqui busco considerar diz respeito mais a uma caracterização de condição contraditória, na qual os indivíduos, inscritos em um mundo desigual, injusto e violento, sobrevivem. De outro modo dito, a malandragem também não informa sobre uma conduta exclusivamente racionalizada e desejada no âmbito dos processos formativos da cultura brasileira. Nos termos que interpreto o brilhante ensaio de Antonio Candido (2015), a malandragem é lida como uma característica das relações sociais que se organizam dialeticamente entre uma espécie de tolice que salva e esperteza que potencializa condições trágicas. Nessa perspectiva, há o plano voluntário e o involuntário que compõe a dialética da malandragem.
Estes planos funcionam como um certo espectro formativo da cultura brasileira ou da ideia de “brasilidade”, que aqui tomo como correspondência para pensar a noção de “baianidade” e os tipos de (re)apropriações culturais manifestadas nos processos de espetacularização urbana. Isso se aplica na medida em que estas noções se amparam na qualificação particularizada que se destaca diante de um quadro universal. É no interior dessa capacidade imaginativa, que os elementos conflitantes entre ordem e desordem, bem e mal, moral e imoral precisam ser geridos.
Segundo Candido (2015), esse debate é representado em dois estratos, no romance Memórias de um sargento de milícias. No primeiro, se estabelece a dimensão universalizadora, “onde fermentam arquétipos válidos para a imaginação de um amplo ciclo de cultura, que se compraz nos mesmos casos de tricksters6 ou nas mesmas situações nascidas do capricho da sina” (CANDIDO, 2015, p. 31). Já no segundo estrato, a universalidade é mais restrita, pois é “onde se encontram representações da vida capazes de estimular a imaginação de um universo menor dentro deste ciclo: o brasileiro. Nas Memórias, o segundo estrato é constituído pela dialética da ordem e da desordem [...]”. (CANDIDO, 2015, p. 31).
Importante notar que a desordem não possui, inerentemente, a condição válida a sua reprovação. Para Candido (2015), ela pode ser, inclusive, legitimada como instância constitutiva da própria ordem desejada. Dessa maneira, as sociedades tendem a viver entre os estratos da ordem e suas relativas permissividades, razão pela qual a desordem se forma como um espectro tanto da retidão moral e cívica, quanto da legitimação do erro e imoralidade, como maneiras toleráveis de garantir a sobrevivência. Na análise da trama literária, Candido (2015, p. 37) observa que:
6 Nesse contexto, podemos entender “tricksters” como sujeitos não cumpridores da ordem, que adotam uma espécie de conduta desviante, típica dos chamados trapaceiros.
Ordem e desordem se articulam, portanto, solidamente; o mundo hierarquizado na aparência se revela essencialmente subvertido, quando os extremos se tocam e a habilidade geral dos personagens é justificada pelo escorregão que traz o Major das alturas sancionadas da lei para complacências duvidosas com as camadas que ele reprime sem parar.
Como exercício da releitura proposta nesse artigo, penso ser importante considerar a análise das práticas culturais inscritas nas dinâmicas de produção e experiências do urbano, sob a referência interpenetrada pelas nuances da resistência e ruptura, composição e tensionamento. Trata-se, portanto, da vinculação tênue entre o que se constitui erraticamente (JACQUES, 2006) e aquilo que forjando os processos de espetacularizacão, os coloca em diversos níveis de tensionamento político e gerencial. Essa vinculação é tanto contingencial quanto normativa. Para Antonio Candido (2015, p. 44),
No Brasil, nunca os grupos ou os indivíduos encontraram efetivamente tais formas; nunca tiveram a obsessão da ordem senão como princípio abstrato, nem da liberdade senão como capricho. As formas espontâneas da sociabilidade atuaram com maior desafogo e por isso abrandaram os choques entre a norma e a conduta, tornando menos dramáticos os conflitos de consciência.
De acordo com esse entendimento do autor, é possível considerarmos que a dialética da malandragem se projeta, de fato, como um espectro formativo da cultura e das práticas culturais no Brasil. Não obstante, conforme assinala Leomir Hilário (2017), Antonio Candido pode ser lido como um dos autores que compõem o bloco de intelectuais e intérpretes que objetivaram analisar a sociedade brasileira através do processo de modernização, que se realizou ao longo do século XX. Segundo Hilário, juntamente com Caio Prado Jr., Candido estaria dentro da tradição crítica, qualificada pelo modelo de formação do Brasil. Nesta, a sociedade brasileira era percebida através do diagnóstico que indicaria o que nos falta. Ou seja, seria essa relação tensa entre a ordem e a desordem, constituinte do estágio de desenvolvimento do Brasil, que marcaria nossa condição subdesenvolvida. Todavia, é fundamental notarmos, como bem sublinhou Hilário (2017), que no horizonte histórico havia uma crença na modernização e no desenvolvimento nacional, notadamente urbano-industrial.
Mas quando observamos o desenrolar do século XX até os dias atuais, o que parece emergir enquanto questão não resolvida é: qual o lugar da dialética da malandragem em um tempo histórico marcado pela alta desindustrialização e reestruturação produtiva, condições objetivas que impulsionam processos de espetacularização urbana? Se por um lado a dialética da malandragem guarda, em si, um pressuposto de desejo de uma formação positiva da cultura brasileira, alicerçada na projeção de um diagnóstico, no qual ante a norma, a
sobrevivência do brasileiro na hostilidade de desabrigos, desigualdades e exploração é marcada por uma estrutura de resistência, subversiva a norma exterior. Por outro, na contemporaneidade, o que se anuncia como horizonte histórico pode se caracterizar por uma espécie de deformação ou colapso da forma, como sugere Leomir Hilário (2017).
Estaríamos passando do espectro formativo da dialética da malandragem (CANDIDO, 2015) para uma eventual dialética da marginalidade7? Nesta suposição, as experiências de políticas da criatividade (VIEIRA, 2020), caracterizadas em um domínio neoliberal indicariam o ideário do empreendedorismo e a performance dos desempenhos individuais como condição de sobrevivência pessoal e desenvolvimento local das cidades. Nesta perspectiva, a correspondência do colapso da forma (HILÁRIO, 2017) é a forma individualizada da sobrevivência, que pode ser, eventualmente, observada nas práticas de reapropriacões culturais, perversamente fomentadas pelo novo espírito e cultura do capitalismo (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009; SENNETT, 2019).
Neste artigo, busquei apresentar os tipos de (re)apropriações culturais pertinentes a contextos caracterizados por processos de mercantilização das cidades contemporâneas, qualificados pela espetacularização urbana. Os argumentos apresentados tomaram a realidade empírica da cidade de Salvador-BA, pesquisada no âmbito do trabalho doutoral, através do levantamento bibliográfico da temática, levantamento documental das principais políticas urbanas e culturais planejadas e implementadas na capital baiana, durante o contexto de preparação e realização dos megaeventos esportivos da FIFA. A pesquisa de campo recorreu a observação direta, na qual se efetivou um mapeamento dos principais espaços de consumo forjados pelas políticas de espetacularização, além de realizar entrevistas semi estruturadas com os diversos atores envolvidos no processo, tanto no âmbito da produção, quanto do consumo cultural da cidade em questão.
Portanto, o propósito geral deste texto foi relacionar a espetacularização urbana com o debate das práticas culturais, estreitando suas características particulares e históricas com questões mais amplas, que dizem respeito as lógicas de produção e gestão urbana contemporâneas. Por fim, busquei efetuar uma releitura das noções de (re)apropriações
7 Cf. sugeriu João Cezar de Castro Rocha, em artigo intitulado Dialética da marginalidade: caracterização da cultura brasileira contemporânea, publicado no Jornal Folha de São Paulo, em 29/02/2004. O argumento central do autor é que a violência generalizada, que caracteriza sobretudo as favelas das cidades brasileiras, estaria provocando a mais nova característica dialética que forma a cultura nacional.
culturais, a partir da noção de dialética da malandragem, desenvolvida por Antonio Candido (2015). Nessa perspectiva, o espectro formativo da cultura e práticas culturais brasileiras precisa ser lido na atualidade da história que nos constitui. Isso quer dizer que, contra o colapso generalizado, cresce a tendência de fracassos absolutamente individualizados. Nesse sentido, onde a organização coletiva é preterida pela astúcia tática (CERTEAU, 1998) ou isoladas práticas de contra-usos (LEITE, 2007) individuais, nem mesmo as ações lúdicas (TRACHANA, 2014) e os demais tipos de reapropriações culturais parecem se configurar como condições necessárias de resistências e subversões. Muito pelo contrário, mediante a caracterização deste cenário, o que se aventa é um hostil horizonte do “salve-se quem puder”, que, na melhor das hipóteses, vem se tornando aparentemente atenuado pela ideação perversa do empreendedorismo e da criatividade.
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DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27iesp1.15691
APROPRIAÇÕES E REAPROPRIAÇÕES CULTURAIS EM SALVADOR-BA: SOBRE A ESPETACULARIZAÇÃO URBANA E A DIALÉTICA DA MALANDRAGEM
APROPIACIONES Y REAPROPIACIONES CULTURALES EN SALVADOR DE BAHÍA: SOBRE LA ESPECTACULARIZACIÓN URBANA Y LA DIALÉCTICA DEL MALANDRAJE
Ewerthon Clauber de Jesus VIEIRA1
ABSTRACT: This text seeks, at first, to present an analytical typology about cultural practices, uses and tensions of meanings woven in the context of the experience of urban life in certain spaces of the city of Salvador-BA, during the context of preparation and realization of mega-events of the Fédération Internationale de Football Association (FIFA). In this perspective, the work links the theoretical and empirical immersion, carried out within the scope of the doctoral research, with the thematization about the relationships between the logics of urban production and the effects of these processes on the behaviors that experience and (re)signify the uses of spaces. More broadly, the question of cultural practices is interpenetrated by the horizon that moves from the right to the city to the ideals of spectacular cities, expressed above all by the paradigm of creativity. Finally, I propose to reread the relationship between cultural appropriations and reappropriations from the idea of the dialectic of “malandragem”, characterized by Antonio Candido as a formative spectrum of Brazilian culture.
KEYWORDS: Appropriation cultural. Reappropriation cultural. Salvador-BA. Urban spectacularization. Dialectic of malandragem.
RESUMO: Este texto busca, em um primeiro momento, apresentar uma tipologia analítica acerca das práticas culturais, usos e tensões de significados tecidos no contexto da experiência da vida urbana em determinados espaços da cidade de Salvador-BA, durante o contexto de preparação e realização dos megaeventos esportivos da Fédération Internationale de Football Association (FIFA). Nesta perspectiva, o trabalho vincula a imersão teórica e empírica, realizada no âmbito da pesquisa doutoral, com a tematização acerca das relações entre as lógicas de produção urbana e os efeitos desses processos nos comportamentos que experimentam e (res)significam os usos dos espaços. De maneira mais ampla, a questão das práticas culturais é interpenetrada pelo horizonte que transita do direito à cidade ao ideário de cidades espetacularizadas, expressas sobretudo pelo paradigma da criatividade. Por fim, proponho reler a relação entre as apropriações e
reapropriações culturais a partir da ideia de dialética da malandragem, caracterizada por Antonio Candido como espectro formativo da cultura brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Apropriação cultural. Reapropriação cultural. Salvador-BA. Espetacularização urbana. Dialética da malandragem.
RESUMEN: Este texto busca, en un primer momento, presentar una tipología analítica acerca de las prácticas culturales, usos y tensiones de significados basados en el contexto de la experiencia de vida urbana en determinados espacios de la ciudad de Salvador de Bahía, durante el contexto de preparación y realización de los megaeventos deportivos de la Fédération Internationale de Football Association (FIFA). En esta perspectiva, el trabajo vincula la inmersión teórica y empírica, realizada en el ámbito de la investigación doctoral, con la tematización sobre las relaciones entre las lógicas de producción urbana y los efectos de estos procesos en los comportamientos que experimentan y (re)significan los usos de los espacios. En términos más generales, la cuestión de las prácticas culturales está interpenetrada por el horizonte que transita desde el derecho a la ciudad al ideal de ciudades espectaculares, expresado sobre todo por el paradigma de la creatividad. Finalmente, propongo una relectura de la relación entre apropiaciones y reapropiaciones culturales desde la idea de dialéctica de malandraje, caracterizada por Antonio Candido como un espectro formativo de la cultura brasileña.
PALABRAS CLAVE: Apropiación cultural. Reapropiación cultural. Salvador de Bahía. Espectacularización urbana. Dialéctica de malandraje.
Cities contain contradictory universes, which are sometimes juxtaposed, showing conflicts, sometimes interpenetrating, building meanings and complex forms of existence. From this perspective, apparently abstract, questions relevant to studies on the logics of contemporary urban production and management are insinuated. Likewise, in the micro scope of analysis, cultural practices also constitute important research agendas, especially when we seek to apprehend them in dialogue with their contexts and historical circumstances.
In this wake, the plural character of cities, as Carlos Fortuna and Rogerio Proença Leite (2009) emphasize, indicates, in my view, less the absence of normative tendencies within urban production and practice, and more a necessary epistemic posture in face of their verifiable complexities. This means that it is fundamental not to neglect the potential seams and resignifications that (extra)ordinarily forge the conflicts between the various existing cities within the one that is intended, many times and in different ways, to be defined as unique and consensual.
In the terms of Professor Ana Fernandes (2006), what has been evident since the last three decades of the 20th century is this relationship between the rupture and the promise. Requalified, governed and legitimized by culturalist dynamics, cities are inscribed in the paradox: on the one hand lies the promise in enhancing ways of being in the world, based on a kind of cultural justification (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009); on the other hand, from the hegemonic tendency of commodification, there is a rupture, in which what could be emancipated, is impoverished by the central purpose of consumption and mercantile exchange. Even so, we know that this does not exhaust the possibilities of resistance and confrontations against what Fernandes (2006) highlighted as a hegemonic trend, since the rupture and the promise dialogue from the specificities of each city in question.
In this article, at first, I seek to present an analytical typology about cultural practices, uses and tensions of meanings woven in the context of the experience of urban life in certain spaces of the city of Salvador-BA, during the context of preparation and realization of mega- events. of the Fédération Internationale de Football Association (FIFA) (2013-2014). The aim is to link the theoretical and empirical immersion, carried out within the scope of the doctoral research, with the thematization about the relationships between the logics of urban production and the effects of these processes on the behaviors that experience and (re)signify the uses of spaces. Through systematic field research, some conflicting characteristics became quite emblematic, as were the cases involving the baianas de acarajé and the situation of prohibition and authorization for the commercial exercise of their trades; the organization and entrepreneurial action of the Afro group Tambores do Mundo; the dynamics of informal vendors (street vendors) and non-consumer actors in consumption spaces; and the playful protests represented by the carnival groups Pipoca Indignada and Rodante. In view of these empirical situations, I suggested a typology about the practices of cultural (re)appropriation, in view of its analytical potential in the apprehension of contemporary urban phenomena, notably marked by conflicts and negotiations between the various constituent actors of cities.
More broadly, the issue of cultural practices is interpenetrated by the horizon that moves from the right to the city (LEFEBVRE, 2008) to the ideals of spectacular cities (DEBORD, 1997; VIEIRA, 2016), expressed mainly by the creativity paradigm (VIVANT, 2012); SELDIN, 2017; VIEIRA, 2020; 2021). Finally, I propose to reread the relationship between cultural appropriations and reappropriations (VIEIRA, 2016) from the idea of the dialectic of malandragem, characterized by Antonio Candido (2015 [1970]), in an essay that has exactly that title. It is interesting, in this case, to reflect on how the formative spectrum of Brazilian culture that resides in the interpretative perspective of malandragem indicates
correspondences and eventual dissidences of cultural practices, observed in urban experiences from their oscillating characteristics between order and disorder, domination and resistance.
At first, based on the doctoral research carried out, I argue that the experience of hosting the 2013 FIFA Confederations Cup and the 2014 FIFA World Cup fostered the fraying of the urban and cultural commodification of the Bahian capital, through the normative and general tendency to mobilize supposed local particularities as spectacular ways of reinventing the consumption images of cities (FORTUNA, 1997; ZUKIN, 2000a; 2000b), notably endowed by tourism promotion. Observed “closely”, these mobilizations, carried out in narratives (BARREIRA, 2013) and concrete interventions in urban spaces, reflect both official modes of objectification of local culture and marginal survivals, perceived as tensioned faces of the urban cultural spectacularization process (VIEIRA, 2016).
However, in the analytical wake that conceives cultural practices as conflictive actions, forged by power relations and disputes, which are read sometimes as strategies, sometimes as tactics (CERTEAU, 1998), or even as uses and counter-uses (LEITE, 2007) of urban and public spaces, I suggested, as a contribution to the debate, the notions of cultural appropriation and reappropriation. Despite the conceptual specificities of the aforementioned categories of analysis, in my view, they establish as common points, the reference of the dissident possibilities that reside in the public living and experiencing the cities. In this way, they take as clippings, objects of study marked by contexts in which certain interventions are established with the intention of regulating uses and selecting practices and users, whether based on planning policies, urban requalification or specifically of a spectacular nature.
Urban spectacularization and practices of cultural (re)appropriation: the case of the city of Salvador-BA in times of mega sporting events
For the analysis of the process of urban and cultural commodification, I base myself primarily on the notion of “spectacle”, conceptualized and developed by a set of aphorisms that form the classic work The society of the spectacle, by Guy Debord (1997 [1967]). Among other possible ideas that are launched by Debord (1997), regarding a certain transformation in the practical way of capitalism (re)producing itself, I highlight above all the assertions that emphasize the centrality of the logic of the commodity in the social world2, and the dissimulated relationship that it establishes between the apparent and the real form.
2 See aphorisms 11 and 15 (DEBORD, 1997), even if it is understood in fragments, the spectacle is the real totality of social life, transformed, however, into appearance. Under this tendency, the spectacle presents itself as the main social form of contemporaneity..
According to Debord3 (1997), although it may seem like it, the spectacle is not the images themselves, but the relationships they mediate. In this vein, I argue that one of the characteristics present in what we have called urban spectacularization is the mediation of social relations by the objectified human practice itself. This means that it is not necessarily only through the media image that the relations of social life are represented, as it is not literally something that replaces the living subject, but living subjects subjugated to the scenic logic of their ordinary and cultural practice. From this perspective, they simulate themselves as a subordinate expression of the market. The spectacle is a way of being, seeing, thinking and feeling objectified. A kind of world view that objectified itself. At the same time, it is project and result, production and consumption4.
In a similar way, the image of Bahianity, composed by the attributes of “difference” identified in the local culture and the positivized postulates of “joy” and “happiness” were thus spectacularly promoted in the city of Salvador. Diluted, the reinvented consumption image of the capital of Bahia is presented as a product of tourist and financial attractiveness, even though this marketing appropriation may also be partially present in the social relations of the most diverse locations in that city. Although urban entrepreneurs envision the promotion of a positive image of the city from the objectification of local culture, the object of this staging is the producers themselves in their duly mediated cultural practices. They act in the representation of themselves, stipulated as a generic form of the urban spectacle. In this way, the abstract narrative of happiness, the party, and tradition, materializes in the presentation and performance of Afro and Bahian acarajé blocks, for example.
Urban spectacularization is centrally speculative. It converges, therefore, with the dominant form of production of contemporary urban space, where the culture of financial servitude (ARANTES, 2009; CEVASCO, 2010) is expressed in the midst of speculative bubbles of a real dynamic guided by abstract and fictitious statements, such as which the fictitious capitals of financialization and the model-images (SANCHEZ, 2001) of cities promoted by urban-cultural policies are related. This characterization permeates the processes of urban regeneration (FERREIRA, 2010) and makes the requalified spaces monumentalizations that, through aesthetics and performance, transform the dynamics of urban life into a spectacularized culture (LEITE, 2010), that is, fetishized, often as pastiche (JAMESON, 2006) for consumption. In my view, this configuration is not conditioned by the
3 See aphorism 4, “the spectacle is not a set of images, but a social relationship between people, mediated by images” (DEBORD, 1997, p.14).
4 See aphorisms 5 and 6 (DEBORD, 1997).
realization of mega-events, but, in fact, it becomes especially more intense in these cases (DELGADO, 2007; LA BARRE, 2013).
According to Christine Boyer (1994) and Manuel Delgado (2007) we can consider that the city that figures (BOYER, 1994) in this logic is, to some degree, the result of fraud and misery (DELGADO, 2007), because its idealized projection it occurs to the detriment of the reality that is hidden, controlled and, to a certain extent, exterminated. This is not just the effect of ideation or symbolic alienation. The exception of military interventions and legislative changes, such as the formulation of the General Law of the Cup no. 12,663 (BRASIL, 2012) are some of the elements that make up the coercive force of the full establishment of the city of exception (VAINER, 2011), which became a fundamental rule in the business management and its opposite, barbarism (MENEGAT, 2008).
The whole articulated set of these actions, not fortuitously hidden, culminates in the process that I interpret as urban spectacularization. A normative project of cultural urban commodification, which involves tensions and conflicts of uses and meanings, expressed in practices of cultural appropriation and reappropriation, dynamized around the creation of certain spaces of consumption. In this perspective, consumption is fostered by an intentional production of human interventions and cultural practices that, although presented under the guise of experience and the singular image of oneself, are, in fact, averse to human and political activity (RANCIÈRE, 1996), because, above all, they are conditioned by the generation of value. For this reason, I argue that urban cultural policies, which (re)construct images of consumption, tend to be characterized by a kind of inverted politics, speculated by an aesthetics subordinated to the logic of the market and depriving of the spontaneous dynamics existing in relationships and local cultural activities.
But it is important to understand that this is not established in an absolute and deterministic way. As Beatriz Sarlo (2014) observes, in the study on the imagery production of the urban and culture, in the city of Buenos Aires-AR, the city logos are not always the result of a direct concept of the urban production logic of the market. It is not that this has nothing to do with the process, but that, eventually, it acts as a sphere of assemblages of what exists locally. However, in the case of Salvador-BA, the very literal idea of difference was culturally appropriated by the city's official building agents. Along with the motto “Salvador, você sente que é diferente” (Salvador, you feel that it is different), enunciated by the City Hall at the time, materializations and abstractions about the dynamics of festivities are intertwined in a Bahianity logo, reinvented and frayed in the context of FIFA’s mega sporting events
(2013-2014).
It is not just a matter of perceiving the city between its real face and its imagined face, ontologically opposing reality versus illusion, but of noticing, from cultural practices, the negotiations, conflicts and complex complementarities that occur in logics of border productions and sociability. In this wake, species of interstitial spaces (LEITE, 2009) stand out with analytical relevance, as has been suggested by Rafael Arantes (2020), in the analysis of the most recent processes of gastronomic fairs held in public spaces in the capital of Bahia.
Strictly speaking, what is often assumed to be “authentic” (original) does not exist in any city. Authenticity results from what is experienced and what is recognized. This figuration of the city is always just one face of what can also be its disfigurement, but which, due to specific interests, is instrumentally hidden, as Boyer (1994) argues. In fact, what is experienced refers to a certain imagination, as well as what is imagined is linked to other forms of experimentation in the city.
For Carina Gomes (2012), this is a recurring issue in urban requalification processes, notably concentrated around a projection of new uses and users in certain spaces of the city. Thus, from the requalified historic centers, the meanings of the lived city (further from tourist appropriation) and the visible city (offered for consumption by those who visit) intertwine and sometimes conflict. Also, for this reason, we argue that cities coexist within a city (FORTUNA, 1997; GOMES, 2012; VIEIRA, 2016). According to Manuel Delgado (2007), this is how the frauds of the visible are configured and the miseries of the real are hidden, which, not by chance, constitute the faces of the unconsumed realities of the city.
For Maité Clavel (2006), these fractures of cultural objectification forge the great characteristic of the relationship between cities and cultures. Despite all the entrepreneurial efforts, in the spectacularization lies a kind of imperfect product of the projects, adaptable to ordinary individuals, not as a planning that aims to guarantee the right to the city, but because of the disarrangements of the dynamics that follows the experience of living the daily life in its differences and inequalities.
In the realm of the theory of practices, this qualification seems to have influenced Micheal De Certeau (1998) to conceive that there are, on the (extra)ordinary horizon of everyday life, a set of uses that dynamize power relations and conflicts, expressed by tactics and strategies. While the former is characterized as the "art of the weak", in which individuals lacking a stability of political, institutional and/or economic power, mobilize cunning as a form of resistance; strategies are characterized as an action of established power. In this vein, Professor Rogerio Proença Leite (2007) suggested the conceptualization of counter-use as a way of characterizing the bias of misunderstanding (RANCIÈRE, 1996) that manifests itself
in contemporary public life. Unlike the notion of tactics (CERTEAU, 1998), counter-use (LEITE, 2007) signals a deliberately confrontational individual posture, which politically affects the regulation of spaces, planned for certain uses of cultural consumption.
Instigated by these interpretative keys about cultural practices and uses of spaces in cities, I have suggested, as a way of contributing to the debate, the notions of cultural appropriation and reappropriation (VIEIRA, 2016). These categories were formulated to analyze how certain actions linked to urban spectacularization projects end up producing socio-spatial exclusions, which, nevertheless, reveal contesting practices by those excluded. As oppositions to the cultural appropriations carried out in the urban spectacularization process, I identified four main types of cultural reappropriation, characterized, in general, by dissident experiences that intend the political and managerial sphere of the show, namely: I- Cultural reappropriation as a spectacular counter-scene; II- Cultural reappropriation as a popular enterprise of reified culture; III- Cultural reappropriation as a differential trade tactic; IV- Cultural reappropriation through the critical playfulness of the show.
The variations of the notions of cultural reappropriations suggested corresponding to four empirical references studied during the field research of the urban and cultural spectacularization process of the city of Salvador-BA, in the context of preparation and realization of FIFA's mega sporting events (2013-2014). Thus, respectively, the key cases of each type of cultural reappropriation are: I) The case of the baianas de acarajé (I); II) The Afro group Tambores do Mundo; III) Informal sellers and non-consumer actors in consumption spaces; IV) The carnival groups Pipoca Indignada and Rodante.
The occurrences of these conceptual types can coexist, as they do not invalidate each other, nor are they intended to say about some watertight property of urban life. Eventually, the types are related to each other in the same case, in order to have reaffirmed or even contested characteristics, depending on each process in question. In cultural re-appropriation as a spectacular counter-scene, I observed, from the acts of protest carried out by Baianas do acarajé, organized through the Bahia Association of Municipal Tax Auditors (ABAM), the production of a spectacular dismissal of consensus. Through claims that demanded inclusion, appreciation of customs and the immaterial culture of their crafts, the Bahian women ended up demanding the right to work, to be able to participate in the World Cup event circuits. At first, this condition would be denied, since they did not constitute themselves as official supporters or sponsors of FIFA and, therefore, would not have the right to use the space, exceptionally managed by the International Football Federation, to sell their acarajé
dumplings.
It is important to note that even when what was in the orbit of questioning narratives was the argument of valuing culture and intangible heritage, it was a protest for the right to work. Which evidently does not mean any demerit for these actors, but also does not imply a subversion of the production logic of urban spectacularization. The Bahian protests resulted in the partial absorption of their demands. The partiality here corresponds to the very conditionings of the commodification of this broader spectacular process. In fact, only 12 Bahian women were allowed to sell their dumplings within FIFA's commercial exclusivity zone.
In cultural reappropriation as a popular enterprise of reified culture, I analyzed the case of the dynamics operated by the Cultural Exchange Group Tambores do Mundo. Coordinated by black musicians who report having grown up in Curuzu (neighborhood Liberdade, Salvador-BA), a locality recognized internally as peripheral and poor, the Group promotes a set of events and percussion workshops in other countries. One of the coordinators even resided in Paris-FR. In particular, Carnival in Salvador is publicized during most of the year in several European countries. The product offered includes exchanges in the city of Salvador and percussion lessons. The possibility of knowing/visiting the country and, above all, being able to experience the city of Salvador from the musical representation of Curuzu are elements that make up part of the cultural reappropriation operated by the organizers.
In this way, they undertake a scenic alteration of mercantile regulation, where those we could imagine to be consumers present themselves as cultural producers, while the producers then become cultural entrepreneurs. In view of the cultural appropriation that occurs in the process of urban spectacularization, the notions of “land of happiness” and musical expressiveness of African origin, end up being reused by the coordinators of the Group. Here, it joins the spectacular course of the city promoted by the local cultural appropriation, the reappropriation that reveals itself in an effective exercise of popular enterprise of the reified culture.
In terms of cultural reappropriation as a differential trade tactic, I identified from the street vendors a set of actions that are fundamentally characterized as an apparent kind of political confrontation (RANCIÈRE, 1996), on the part of those who did not have free authorization to sell in public spaces, during the World Cup mega-events. Not accepting to pay the Municipality of Salvador, for the permit to release the trade, either because they do not have the financial conditions or because they believe that the collection is abusive, these actors end up expressing tactical cunning (CERTEAU, 1998) within a context of marginal survival of the production process of urban spectacularization.
In this sense, street vendors not only take risks and clandestinely sell products in these restricted spaces, but also operate particular relationships with consumers, which reflect some degree of selectivity, insofar as they differentiate the price charged for the products depending on the “customer " in question. In general, the prices charged to the so-called “gringos” are higher than to others considered “local”. Under this logic, cultural reappropriation operated as a tactic concerns the political practices of destitution of the spectacular consensus, through mercantile use not projected to space. In this anti-normative variant of the cultural reappropriation of street vendors, there is no significant incidence against the production of the show. However, to a lesser or greater degree, there is an implication in spectacular governance, insofar as it is necessary to guarantee the norms of the foreseen uses or adapt them to subtly observed forms of permissiveness.
Finally, in the cultural reappropriation through the critical playfulness of the show, I observed, from the carnival blocks Pipoca Indignada and Rodante, how playfulness can be used as a questioning mechanism of the entertainment industry, also appropriate in the process of urban spectacularization. Here, a fine line seems to be established between the spectacularized experience of life in the city and the insurgency of erratic movements. According to Paola Jacques (2006), wandering is constituted as a subversive power of spectacular regulation, experienced by the bodily relationship of individuals with cities. In fact, on the one hand, the exercise of critical playfulness (TRACHANA, 2014) is constantly under the imminent risk of being assimilated into the regularity of the “diversity” brand and, therefore, ending up composing yet another spectacular product. On the other hand, in an effectively erratic condition, this is the type of cultural reappropriation that reveals itself as a critical practice, which under the use of public spaces, publicizes the emergence of a city stripped of its spectacular makeup.
Since the middle of the first half of the 20th century, notably in the 1930s, the idea of culture has been one of the dimensions mobilized in an attempt to build an original interpretation of Brazil. Authors such as Gilberto Freyre, in Casa-Grande & Senzala (2006 [1933]), and Sérgio Buarque de Holanda, especially in the work Raízes do Brasil (1995 [1936]), make up part of this generation. It is not my objective here to make a specific analysis of these authors and works, but rather to observe how this perspective on what
constitutes us was, at different times, linked to the relationship we establish with certain general principles of universality, and, so to speak, normativity, behaviors and cultural practices, characterized by the particularity of dealing with norms. From racial relations and compositions, intensely criticized for raising interpretations based on a harmonic bias, to the specific cordiality of Brazilian culture, questions of order and disorder seem to constitute a communicative reference of Brazil's social formation.
Still in the 20th century, Antonio Candido (2015 [1970]), an important literary critic, wrote the essay entitled Dialectic of Malandragem. In this text, the author criticizes the novel Memórias de um sergento de milícias (2015 [1854]), by Manuel Antônio de Almeida. Among other aspects elaborated by Candido (2015) about this work, I am specifically interested in the elements that characterize the notion of “malandragem”. According to Candido himself (2000), this displacement between the literary text and the social analysis is possible to the extent that we propose to perceive, in addition to the content portrayed in the work, its constitution. “As a whole as in the detail of each part, the same structural principles form the matter” (CANDIDO, 2000, p. 8). The social element is not just an external reference to interfere in the work. Indeed, the exercise of criticism made by Candido (2015) on the novel Memórias de um sargento de milícias, permeates not simply a characterization of the supposed anticipation of the realist style, at the time, but concerns an interpenetrated conjunction between aesthetics and structural content of the work.
Although it raises associations between the opposition of the “hero” and the “anti- hero”, the notion of malandragem that I seek to consider here concerns more with a characterization of a contradictory condition, in which individuals, enrolled in an unequal, unfair and violent world, survive. In other words, malandragem does not inform about an exclusively rationalized and desired behavior in the context of the formative processes of Brazilian culture. In the terms that I interpret the brilliant essay by Antonio Candido (2015), malandragem is read as a characteristic of social relations that are organized dialectically between a kind of foolishness that saves and cleverness that potentiates tragic conditions. From this perspective, there is the voluntary and the involuntary plan that make up the dialectic of malandragem.
These plans function as a certain formative spectrum of Brazilian culture or the idea of “Brazilianness”, which I take here as a correspondence to think about the notion of “Bahianity” and the types of cultural (re)appropriations manifested in the processes of urban spectacularization. This applies to the extent that these notions are supported by the particularized qualification that stands out in the face of a universal framework. It is within
this imaginative capacity that the conflicting elements between order and disorder, good and evil, moral and immoral, need to be managed.
According to Candido (2015), this debate is represented in two strata, in the novel Memórias de um sargento de milícias. In the first, the universalizing dimension is established, “where valid archetypes ferment for the imagination of a broad cycle of culture, which delights in the same cases of tricksters5 or in the same situations born of the whim of fate” (CANDIDO, 2015, p. 31). In the second stratum, universality is more restricted, as it is “where representations of life capable of stimulating the imagination of a smaller universe within this cycle are found: the Brazilian. In the Memórias, the second stratum is constituted by the dialectic of order and disorder [...]”. (CANDIDO, 2015, p. 31).
It is important to note that disorder does not inherently have the valid condition of its disapproval. For Candido (2015), it can even be legitimized as a constitutive instance of the desired order. In this way, societies tend to live between the strata of order and their relative permissiveness, which is why disorder forms a spectrum both of moral and civic rectitude, and of the legitimation of error and immorality, as tolerable ways to ensure survival. In the analysis of the literary plot, Candido (2015 p. 37, our translation) notes that:
Order and disorder are therefore solidly articulated; the hierarchical world in appearance turns out to be essentially subverted, when extremes meet and the characters' overall skill is vindicated by the slip that brings the Major from the sanctioned heights of the law to dubious complacencies with the layers he represses endlessly.
As an exercise in the re-reading proposed in this article, I think it is important to consider the analysis of cultural practices inscribed in the dynamics of production and urban experiences, under the reference interpenetrated by the nuances of resistance and rupture, composition and tension. It is, therefore, the tenuous link between what is constituted erratically (JACQUES, 2006) and what forging the spectacularization processes, places them at different levels of political and managerial tension. This binding is both contingent and normative. For Antonio Candido (2015 p. 44, our translation),
In Brazil, groups or individuals have never actually found such forms; they have never been obsessed with order as anything other than an abstract principle, nor with freedom except as a whim. The spontaneous forms of sociability acted with greater ease and therefore softened the clashes between the norm and the conduct, making the conflicts of conscience less dramatic.
5 In this context, we can understand “tricksters” as subjects who do not comply with the order, who adopt a kind of deviant behavior, typical of the so-called cheaters.
According to this author's understanding, it is possible to consider that the dialectic of malandragem is, in fact, projected as a formative spectrum of culture and cultural practices in Brazil. Nevertheless, as Leomir Hilário (2017) points out, Antonio Candido can be read as one of the authors that make up the group of intellectuals and interpreters who aimed to analyze Brazilian society through the modernization process that took place throughout the 20th century. According to Hilário, along with Caio Prado Jr., Candido would be within the critical tradition, qualified by the formation model in Brazil. In this, Brazilian society was perceived through the diagnosis that would indicate what we lack. In other words, it would be this tense relationship between order and disorder, constituting the stage of development in Brazil, that would mark our underdeveloped condition. However, it is essential to note, as Hilário (2017) has rightly pointed out, that in the historical horizon there was a belief in modernization and national development, notably urban-industrial.
But when we observe the course of the 20th century to the present day, what seems to emerge as an unresolved question is: what is the place of the dialectic of malandragem in a historical time marked by high deindustrialization and productive restructuring, objective conditions that drive processes of urban spectacularization? If, on the one hand, the dialectic of malandragem holds a presupposition of desire for a positive formation of Brazilian culture, based on the projection of a diagnosis, in which, before the norm, the survival of the Brazilian in the hostility of homelessness, inequalities and exploitation it is marked by a structure of resistance, subversive of the external norm. On the other hand, in contemporary times, what is announced as a historical horizon can be characterized by a kind of deformation or collapse of form, as suggested by Leomir Hilário (2017).
Are we going from the formative spectrum of the dialectic of malandragem (CANDIDO, 2015) to an eventual dialectic of marginality6? In this assumption, the experiences of creativity policies (VIEIRA, 2020), characterized in a neoliberal domain, would indicate the ideology of entrepreneurship and the performance of individual performances as a condition of personal survival and local development of cities. In this perspective, the correspondence of the collapse of form (HILÁRIO, 2017) is the individualized form of survival, which can eventually be observed in the practices of cultural reappropriations, perversely fostered by the new spirit and culture of capitalism (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009; SENNETT, 2019).
6 See suggested João Cezar de Castro Rocha, in an article entitled Dialectics of marginality: characterization of contemporary Brazilian culture, published in the Folha de São Paulo newspaper, on 29 February 2004. The author's central argument is that the generalized violence, which mainly characterizes the favelas of Brazilian cities, would be provoking the newest dialectical characteristic that forms the national culture.
In this article, I sought to present the types of cultural (re)appropriation relevant to contexts characterized by processes of commodification of contemporary cities, qualified by urban spectacularization. The arguments presented took the empirical reality of the city of Salvador-BA, researched within the scope of the doctoral work, through the bibliographic survey of the theme, documentary survey of the main urban and cultural policies planned and implemented in the capital of Bahia, during the context of preparation and realization of FIFA's sporting mega-events. The field research resorted to direct observation, in which a mapping of the main spaces of consumption forged by the spectacularization policies was carried out, in addition to carrying out semi-structured interviews with the various actors involved in the process, both in terms of production and cultural consumption of the city in question.
Therefore, the general purpose of this text was to relate urban spectacularization with the debate of cultural practices, narrowing their particular and historical characteristics with broader issues, which concern the logics of contemporary urban production and management. Finally, I sought to re-read the notions of cultural (re)appropriation, based on the notion of dialectic of malandragem, developed by Antonio Candido (2015). From this perspective, the formative spectrum of Brazilian culture and cultural practices needs to be read in the present day of the history that constitutes us. This means that, against the generalized collapse, the tendency of absolutely individualized failures grows. In this sense, where collective organization is neglected by tactical cunning (CERTEAU, 1998) or isolated practices of individual counter-uses (LEITE, 2007), not even playful actions (TRACHANA, 2014) and other types of cultural reappropriation seem to be configured as necessary conditions of resistances and subversions. On the contrary, through the characterization of this scenario, what is suggested is a hostile horizon of “save yourself if you can”, which, at best, has apparently become attenuated by the perverse ideation of entrepreneurship and creativity.
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