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Medicalizando crianças e adolescentes
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
1982-4718
DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16590
1
MEDICALIZANDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES
MEDICALIZAR A LOS NIÑOS Y ADOLESCENTES
MEDICALIZING CHILDREN AND ADOLESCENTS
Fernando Ferreira Pinto de FREITAS
1
Luciana Jaramillo Caruso de AZEVEDO
2
RESUMO
:
A medicalização é um fenômeno global, progressivo, característico da sociedade
contemporânea. A proposta deste artigo consiste em analisar criticamente os fundamentos do
modelo de doença baseado na perspectiva biomédica que justifica diagnosticar e tratar com
drogas psiquiátricas os comportamentos infantis, compreendendo-os enquanto doenças
mentais. No centro da justificativa da medicalização dos comportamentos infantis se estabelece
a ideia de que as drogas (psicofármacos) irão corrigir uma anormalidade biológica, cerebral,
subjacente. Contudo, a medicalização da infância prescinde de evidências científicas suficientes
e funciona como estratégia de controle e de normalização sociais. A nomenclatura ‘transtorno
mental’ é utilizada para designar pessoas que não se comportam da forma esperada ou quando
não se conformam com as normas sociais. Trata-se da expressão do controle social disfarçado
de tratamento médico. As consequências da medicalização constituem fortes ameaças para a
saúde pública, a cultura e os próprios Direitos Humanos.
P
ALAVRAS-CHAVE
: Medicalização. Crianças. Adolescência. Comportamentos infantis.
RESUMEN
: La medicalización es un fenómeno global y progresivo, característico de la
sociedad contemporánea. El propósito de este artículo es analizar críticamente los
fundamentos del modelo de enfermedad basado en la perspectiva biomédica que justifica el
diagnóstico y el tratamiento de las conductas infantiles con fármacos psiquiátricos,
entendiéndolas como enfermedades mentales. En el centro de la justificación de la
medicalización de los comportamientos de los niños se encuentra la idea de que los fármacos
(psicofármacos) corregirán una anomalía biológica, cerebral, subyacente. Sin embargo, la
medicalización de la infancia carece de pruebas científicas suficientes y funciona como una
estrategia de control y normalización social. La denominación "trastorno mental" se utiliza
para referirse a las personas que no se comportan como se espera o cuando no se ajustan a las
normas sociales. Es la expresión del control social disfrazado de tratamiento médico. Las
consecuencias de la medicalización constituyen fuertes amenazas para la salud pública, la
cultura y los propios derechos humanos.
PALABRAS CLAVE
: Medicalización. Niños. Adolescencia.
Comportamientos infantiles.
1
Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), Rio de Janeiro – RJ – Brasil. Pesquisador titular –
Laboratório de Estudos e Pesquisa em Psiquiatria Social e Atenção Psicossocial (LAPS). Mestrado em Psicologia
(PUC-RJ). Doutorado em Psicologia pela Université Catholique de Louvain (Bélgica). ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-0365-0880. E-mail: ffreitas@enspfiocruz.br
2
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental da Infância e Adolescência (LEPSIA), Rio de Janeiro – RJ
– Brasil. Pós-doutoranda no Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ), bolsista de pós-doutorado FAPERJ nota
10. Mestre e doutora em Psicologia Clínica (PUC-RJ) com período de doutorado-sanduíche na Université Paris
Descartes Sorbonne Paris Cité (França), Especialista em Psicoterapia de Família e Casal (PUC-RJ). ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5627-2636. E-mail: lucianajaramillo@msn.com
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Fernando Ferreira Pinto de FREITAS e Luciana Jaramillo Caruso de AZEVEDO
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
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https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16590
2
ABSTRACT
: The medicalization is a progressive phenomenon characteristic of contemporary
society. The purpose of this article is to critically analyze the foundations of the disease model
based on the biomedical perspective that justifies diagnosing and treating children's behaviors
with psychiatric drugs, understanding them as mental illnesses. At the center of the justification
for the medicalization of children's behavior is the idea that drugs (psychopharmaceuticals)
will correct an underlying biological, brain abnormality. However, the medicalization of
childhood lacks sufficient scientific evidence and works as a strategy for social control and
normalization. The term ‘mental disorder’ is used to designate people who do not behave in the
expected way or when they do not conform to social norms. It is the expression of social control
disguised as medical treatment. The negative consequences of medicalization constitute strong
threats to public health, culture, and human rights.
KEYWORDS
: Medicalization. Children. Adolescence. Childhood behaviors.
Introdução: Algo assustador está ocorrendo
Muitos recusam-se a alimentar a ideia de que a sociedade como um todo pode
estar carente de sanidade. Sustentam que o problema da saúde mental numa
sociedade é apenas o do número de indivíduos ‘não ajustados’, e não de um
possível desajustamento da própria cultura (Erich Fromm, 2017, p. 252,
tradução nossa.).
Coisas ‘assustadoras’ não têm sido ditas. As guerras continuam a ocorrer, as ameaças
de destruição do planeta crescem, assim como o assombroso aumento das desigualdades sociais
e econômicas com a situação de pandemia instaurada. Mas há outro aspecto cuja dimensão vem
sendo subestimada: o modo como a sociedade contemporânea rastreia, produz, identifica e trata
as doenças mentais na infância e adolescência. Esse fato é tão frequente que passa a ser raro
encontrar uma criança ou um adolescente ‘normal’. Ora, então ser normal significa ter algum
tipo de transtorno mental e estar enquadrado em categorias diagnósticas de manuais
psiquiátricos? Qual seria a atual concepção de normalidade?
Segundo Allen Frances (2017), psiquiatra chefe da equipe que produziu a quarta edição
do DSM (APA, 2000), considerado como a ‘bíblia da psiquiatria’, é possível que “a piscina da
normalidade esteja a encolher para uma mera poça” (FRANCES, 2017, p. 3).
Uma avalanche de tecnologias promete identificar determinantes genéticos de condições
p
siquiátricas. Promessa constantemente adiada por décadas. As manifestações clínicas são
agrupadas e, em seguida, divididas em subgrupos. Definem-se as regiões cerebrais e até mesmo
cromossômicas, tenta-se decifrar o genoma e as suas variações. Contudo, a situação atual desse
tipo de pesquisa evidencia que o rastreio do código genético fragmenta ainda mais as
explicações (ANSERMET; GIACOBINO, 2012). Assim, as pesquisas genéticas são
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convocadas com a esperança de isolar um fator causal biológico ao invés de psíquico, porém
os progressos da genética levam a uma heterogeneidade multifatorial
Olhemos atentamente para esses quadros:
Uma análise recente dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Infantil de
2016, publicada online na
JAMA Pediatrics
, indicou que uma em cada seis
crianças dos Estados Unidos com idades entre 6 e 17 anos tem um transtorno
mental, como depressão, problemas de ansiedade ou transtorno de déficit de
atenção/hiperatividade – TDAH (WHITNEY; PETERSON, 2019, p. 389,
tradução nossa).
A pandemia acendeu o alerta em pais de todo o Brasil. No segundo episódio
da série, você vai entender que o TDAH é muito mais intenso do que episódios
de tédio ocasionais. Intenso e frequente,
atinge uma em cada 20 crianças
. E é
no dia a dia escolar, no meio dos alunos, que o transtorno fica mais evidente
(TDAH, 2021, [n.d.]).
A
partir desses quadros, observa-se as crescentes chances das crianças e adolescentes
terem doença mental. Por quê? Comparado com um passado relativamente recente, o que há de
diferente? Estamos trazendo ao mundo seres mais vulneráveis do que no passado? Será que o
meio ambiente e social vem se deteriorando, ao ponto de adoecer cada vez mais as crianças e
os adolescentes? Ou será que sempre foi assim, mas que hoje temos à disposição melhores
meios para identificar os problemas de saúde mental? Muitos questionamentos encontram-se
irrespondíveis, apesar dos grandes esforços da psiquiatria biológica e das neurociências para
produzir respostas.
Há um fato incontestável: a medicalização passou a fazer parte do cotidiano de forma
perversa e tirânica (SZASZ, 2001; MOYNIHAN; HEATH; HENRY, 2002). Através de
diversos meios de comunicação, somos informados todos os dias a respeito daquilo que era
considerado normal, mas que, na verdade, são sintomas de patologias ou sinais de risco.
Assumindo essa perspectiva, não se pode negligenciar absolutamente nada do que está
por detrás da tendência a ficar distraído, ocioso, agitado, impulsivo, bagunceiro, resmungão,
irritado, agressivo, caladão, ou até mesmo de manifestar comportamentos inconvenientes,
incômodos ou não esperados. É cada vez mais veiculado, através da mídia e das redes sociais,
que esses comportamentos podem ser sintomas de doença mental, distúrbios ou transtornos.
Para sanar essa dúvida, é recomendado que se procure um médico o quanto antes, de
pr
eferência psiquiatra, senão um psicólogo. Entretanto, na Internet também se encontram
disponíveis para leigos, em linguagem acessível, questionários, avaliações e tabelas,
concebidos para detectar um suposto autodiagnóstico.
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Além disso, uma infinidade de profissionais vende exaustivamente seus especialismos
nas redes sociais. Logo, se o problema é devido ao transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade, depressão, transtorno alimentar, autismo, ansiedade (e assim por diante), uma
ampla rede de serviços prontamente se estrutura para atender o mercado consumidor de
diagnósticos.
A exemplo das doenças em geral, supõe-se que quanto mais precocemente forem
identificados, tratados e enfrentados os transtornos psiquiátricos, melhor será o prognóstico.
Por esse motivo, o importante seria vencer o preconceito em relação às doenças mentais, posto
que um transtorno psiquiátrico é uma doença como uma outra qualquer. Assim, parte-se de
premissas que não são condizentes com a realidade dos fatos.
E o que há de ‘assustador’ nisso? No mínimo, sendo o transtorno psiquiátrico uma
doença como outra qualquer, o que pode ser assustador consiste no fato de não termos um sólido
sistema de saúde capaz de acolher e tratar com qualidade todas essas demandas. Ademais disso,
o que é ‘assustador’?
Muitos pesquisadores afirmam que há algo sendo desenvolvido hoje que poderá mudar
completamente o futuro da humanidade. A raiz dessas promessas está nas mudanças produzidas
pelas biotecnologias, que, com o passar do tempo, podem ser irreversíveis (NICOLELIS, 2020;
WHO EUROPE, 2004). Essas promessas e os ‘avanços’ precisam ser minuciosamente
analisados, já que produzem efeitos no imaginário social, na cultura e, muitas vezes, não
correspondem à realidade.
Cabe indagar quais são os respectivos papéis dos processos biológicos, psicológicos,
culturais, educacionais-pedagógicos, sociais e econômicos no desenvolvimento dos
denominados transtornos psiquiátricos.
Em um esforço para transcender o dualismo mente-corpo na medicina, no final dos anos
60 e 70, uma abordagem biopsicossocial foi desenvolvida por George Engel. Engel (1977, p.
131) criticava o reducionismo do modelo biomédico e argumentava que “a inclusão de fatores
psicossociais é indispensável”, para com isso poder dar conta de fenômenos tais como as
experiências de vida dos pacientes. Os efeitos das condições de vida no desenvolvimento e
percurso da doença, o efeito da relação médico-paciente nos resultados do tratamento,
continuam a ser variáveis imprescindíveis para considerarmos. A necessidade de uma
abordagem autenticamente biopsicossocial continua a nos desafiar.
Diante disso, a proposta deste artigo é realizar uma análise crítica do fenômeno da
medicalização da infância e da adolescência, assim como das suas consequências.
Primeiramente, será feita uma apresentação do que se entende por ‘medicalização’. Em seguida,
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será abordada criticamente a díade fundamental, os dois pilares que sustentam o modelo
biomédico da psiquiatria: o diagnóstico psiquiátrico e o tratamento medicamentoso (DEACON,
2013). Por fim, observamos as consequências negativas da medicalização enquanto ameaças
para a Saúde Pública, a cultura e os próprios Direitos Humanos.
Medicalização da infância e da adolescência
Em termos gerais, medicalização’ consiste no processo de incorporação de fenômenos
que tinham outras explicações ao campo da saúde, especificamente da medicina. De imediato,
esse processo é característico da expansão da medicina para outros campos.
A medicalização se refere à expansão da jurisdição da medicina para campos que não
s
ão médicos ou que não eram médicos, sendo o próprio viver capturado por este discurso. Os
discursos e práticas da medicina passaram a penetrar no tecido social, moldando tanto os
indivíduos como a própria sociedade. O poder da medicina opera como uma força que produz
realidades, cria práticas e discursos que engendram formas de cuidado e modos dos indivíduos
entenderem, regularem e experimentarem os seus corpos e os seus sentimentos. Pensamos a
medicalização como um processo de intervenção da biomedicina por meio da redefinição de
experiências e comportamentos como se fossem problemas médicos.
Embora seja um processo característico da própria medicina, as disciplinas ‘psi’ que
integram o campo da saúde tendem a seguir a mesma lógica (HELMAN, 2004), com raras
exceções. Como é o caso da psicanálise criada por Freud (1976), que originalmente construiu
um campo epistemológico muito próprio e alternativo à lógica do modelo biomédico. Ele
propôs uma reflexão ética, política e cultural anti-hegemônica.
Historicamente, são incontáveis as condições e comportamentos físicos, emocionais e
so
ciais que passaram para o domínio da saúde, da medicina, e aos cuidados dos profissionais
(FREITAS; AMARANTE, 2017).
Segundo o psicanalista Christian Dunker (
2020), a gramática do sofrimento se
modificou na sociedade contemporânea, assim como a gramática diagnóstica. Cada cultura,
cada época e cada família tem uma maneira própria de lidar e reconhecer qual sofrimento
merece atenção e qual deve ser ‘engolido’ como parte da vida ou aceitação das tarefas
incontornáveis da existência. As gramáticas de sofrimento são múltiplas e existe um certo
conflito político para a sua gestão, para decidir qual se tornará prevalente a cada momento,
inclusive com o afeto correspondente.
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Entre essas diversas políticas para o sofrimento, existem algumas com as quais é difícil
concordar, por exemplo, aquela que afirma que todo sofrimento é um sintoma e que todo
sintoma deve ser curado ou tratado, em geral por um especialista ou por um conjunto de
procedimentos. Tratamentos primordialmente medicamentosos, feitos de modo crônico, sem
revisão diagnóstica, com baixíssima participação do paciente e sem reservar espaço algum para
a palavra, para a interpretação ou trabalho subjetivo que alguém tem em relação a si (DUNKER,
2020).
Os discursos e as práticas medicalizantes costumam reivindicar suporte científico para
dar-lhes legitimidade. A tendência é nada escapar, na medida em que novas condições são
sistematicamente incorporadas a este campo progressivamente ampliado, como as questões de
gênero (PARKER; BARBOSA; AGGLETON, 2000), os corpos femininos (OFFMAN;
KLEINPLATZ, 2004; SHAW, 2013), a masculinidade (MARSHALL, 2006; ROSENFELD;
FAIRCLOTH, 2006), a escolarização, o nascimento, a gestação, a morte, ou ainda, a fertilidade
e suas vicissitudes (BELL, 2016), entre outros.
A medicalização engendra subjetividades, fazendo parte até mesmo das relações
intersubjetivas, da economia, política, sistema jurídico, sistema previdenciário, e assim por
diante (SZASZ, 2001). A associação entre a medicalização, mercantilização de diagnósticos e
oferta de serviços e tratamentos precisa ser analisada para construirmos novas lentes de leitura.
A produção do papel social de doente
Para que haja doentes é indispensável que seja feita a construção social do seu papel e
do s
eu lugar na sociedade. As características do sujeito acometido por TDAH, por exemplo,
têm sido historicamente construídas. Por isso, é importante fazermos uma leitura comparativa
entre as diferentes edições do
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(DSM),
desde a primeira edição até a atual (MARTINHAGO; CAPONI, 2019; KIRK; KUTCHINS,
2008)
Os comportamentos que compõem essa categoria diagnóstica são: desatenção,
hiperatividade e impulsividade (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Todavia, se fizermos um traçado histórico, observamos muitas outras formas de se lidar com
esses comportamentos.
De acordo com uma leitura de sinais e sintomas, tais comportamentos não podem ser
c
ompreendidos a partir de novos modos de educar ou enquanto produto de relacionamentos
interpessoais, de dificuldades na rede familiar, frustrações, condições socioeconômicas
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precárias, inseguranças, mas são entendidos como distúrbios cerebrais localizados que se
tornam rapidamente objeto de intervenção de profissionais de saúde mental,
hiperespecializados em detectar vestígios de patologias, com protocolos fixos estabelecidos
para dar conta de cada prisma da doença. A pluralidade de explicações a respeito dos
comportamentos infantis foi solapada.
A biologia (e os seus operadores) tornou-se o dispositivo primordial da psicopatologia
contemporânea, embasando correntes de pensamento que se autoproclamam ateóricas por
estarem alicerçadas na ética naturalista. Essas correntes reduzem a subjetividade à cognição e
dispõem de um cardápio de terapêuticas e protocolos direcionados para tratar cada nuance das
categorias descritas nos manuais psiquiátricos.
As neurociências forneceram o instrumental que orienta a construção da explicação
hegemônica psiquiátrica. Por esse viés, a psicopatologia pretende ter encontrado, finalmente,
sua cientificidade de fato e de direito. Seu estatuto científico, enfim, teria sido alcançado. Além
disso, a nova psicopatologia acredita ter encontrado sua vocação médica, em um processo
iniciado no início do século XIX fundado no discurso biológico (BIRMAN, 1999). A certeza e
a verdade parecem residir na resposta biológica. É com essa ficção contemporânea que temos
que nos haver.
Nessa perspectiva hermética, cabe indagar qual o lugar do sofrimento psíquico, do
singular e do sujeito. A partir de qual momento o sofrimento ‘normal’ passa a ser ‘patológico’?
Existiria espaço designado ao mal-estar ou para aquilo que não vai bem?
A matriz coletiva do sofrimento é rechaçada, dando lugar ao imperativo individual de
felicidade e performance. Se vivemos sob o imperativo de bem-estar/felicidade e, se não estar
bem não é ‘normal’, como lidamos com as intempéries da vida? Se não correspondemos a este
roteiro fantástico de felicidade, a resposta biológica e medicalizante tampona qualquer
possibilidade de questionamento subjetivo, transformando imediatamente o sofrimento em
patologia.
O mesmo ocorre em relação às crianças e aos adolescentes. Pa
rtindo do rastreio de
sintomas – a frequência com que o paciente: não presta atenção em detalhes ou comete erros
por descuido em tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades; tem dificuldades
para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas; parece não escutar quando alguém lhe
dirige a palavra diretamente; não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos
escolares, tarefas ou deveres; tem dificuldades para organizar tarefas e atividades; evita, não
gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado; perde coisas
necessárias para tarefas ou atividades; distrai-se com estímulos externos – passam a ser
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compreendidos em termos de transtornos psiquiátricos, a partir de características que compõem
determinada categoria nosológica.
O diagnóstico psiquiátrico é denominado, em antropologia, ‘ritual de iniciação’ em um
novo status social, quando novas autoridades e práticas podem exercer poder onde antes não
tinham jurisdição, e onde uma nova história da pessoa é escrita para legitimar isso (DE
CASTRO CAVALCANTI, 2020). Assim sendo, se há doente, é necessário haver profissionais
habilitados para atendê-lo. Um novo mercado se cria e podemos notar a mercantilização do
diagnóstico.
A construção social dos profissionais de saúde mental e a mercantilização da rede de
serviços
Seja preparando-o
s por meio de formação especializada, seja igualmente credenciando
quem tem ou não as habilidades necessárias, ou ainda inculcando na sociedade a necessidade
de se recorrer a esses profissionais hiperespecializados, por exemplo, em TDAH, cria-se a
necessidade de se formar profissionais com habilitação específica, para detectar, tratar o TDAH
e convencer pais, professores, as próprias crianças e adolescentes da necessidade de buscarem
por tratamento o quanto antes (REED, 2007).
Não se pode perder de vista que, há décadas, Lasch (1983) já alertava sobre a
proliferação dos conselhos médicos psiquiátricos que solaparam a confiança dos pais, ao
mesmo tempo em que fomentaram uma noção exagerada da importância das técnicas de criação
dos filhos e da responsabilidade dos pais pelo seu fracasso. Lasch (1983) pontuou que, na
medida em que a família perdeu não somente suas funções produtivas, como também muitas
de suas funções reprodutoras, os homens e mulheres não conseguem mais criar seus filhos sem
o auxílio de especialistas garantidos. As transformações desses antigos laços de dependência
tiveram um reverso, uma menor autonomia da família em relação ao cuidado de seus membros
vis-à-vis
os representantes do Estado, médicos, psicólogos, professores etc. (SINGLY, 2007).
Desse modo, o contexto socioeconômico familiar da criança e do adolescente passa a
ser avaliado através de marcadores biológicos generalistas, que suscitam mais indagações do
que respostas. Os impulsos agressivos outrora tolerados, bem como as condutas indesejáveis
que faziam parte do universo infantil, ingressaram no universo psiquiátrico. Estes
comportamentos representariam indicadores de risco para doenças mentais graves na vida
adulta e, por isso, precisam ser extirpados à fórceps medicamentoso.
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Em uma medicina capturada pela lógica de mercado (que não se restringe à medicina,
pois transborda para a psicologia, a pedagogia e áreas afins), não há espaço para o acolhimento
de pessoas em sofrimento, todavia, há a tentativa incessante de suavizar o desamparo através
da medicalização dos sintomas. Apesar do excessivo tecnicismo, especialismos e da aparente
competência para avaliar e diagnosticar patologias, nota-se cada vez mais a presença no
mercado de profissionais com formações controversas e deficitárias.
Controle social e a perda da autonomia do sujeito
Outro componente importante da medicalização é o controle social. Historicamente, a
medicalização vem substituindo formas tradicionais de controle social e de normatização do
espaço social, substituindo ou relativizando o poder da religião e da lei (ZOLA, 1972). As
fronteiras entre o normal e o patológico são sistematicamente rompidas (CONRAD;
SCHNEIDER, 1992).
Quando uma criança encaminhada ao médico (ou especialista) retorna à escola com um
diagnóstico, ocorre uma mudança na forma de lidar com ela. Parece que o próprio diagnóstico
confere um tipo de compreensão que estava ausente, desconhecido. Rapidamente se estrutura
uma rede de profissionais e serviços aptos para tratar aquele diagnóstico. No entanto, o
diagnóstico encarcera, domestica e imobiliza a realidade movente, incorrendo, muitas vezes,
em violência classificatória.
Pensando na criança diagnosticada com TDAH, cada vez menos a sociedade tolera
castigos, punições, ou, por exemplo, enviar uma criança para um colégio interno para educar
uma criança muito ‘levada’. Com o TDAH, os problemas não são tratados em termos
educacionais propriamente ditos, mas enquanto patologia. O controle social das crianças se
tornou muito mais importante para a nossa cultura do que educar e cuidar delas (TIMIMI, 2009;
UNTOIGLICH, 2019). Há a perda da autonomia dos sujeitos, outro aspecto muito relevante
para o estudo da medicalização.
A medicalização retira dos sujeitos as suas capacidades de saber lidar com as
v
icissitudes da vida, com os problemas do cotidiano (ILLICH, 1976). Essa racionalidade
biológica se encaixa enquanto resposta aos imperativos de reprodução do neoliberalismo, pela
criação ilimitada de novas mercadorias para circularem no mercado de bens de consumo
(TIMIMI, 2008). Assim sendo, a geografia psíquica do sujeito neoliberal traz as marcas da
medicalização da vida.
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De acordo com McKinnon (2021), no livro
Genética neoliberal
, a ascensão do discurso
biológico e genético são congruentes com a ascensão do neoliberalismo, posto que o
neoliberalismo desenvolveu uma espécie de política global para fazer a gestão do sofrimento
humano.
Então, por que está se ficando doente?
Qual é a resposta? Pelo que sabemos, tomando como referência a literatura científica,
não há resposta simples, única ou causalidade linear.
De imediato, o mercado gerado pelos transtornos psiquiátricos na infância e
adolescência cresce aceleradamente, sistematicamente incentivado pela aliança entre as
corporações médicas e a indústria farmacêutica (WHITAKER; COSGROVE, 2015). As
recomendações que chegam são: buscar rastrear transtornos psiquiátricos em crianças cada vez
menores (MAYO CLINIC, 2022; ABENEPI, 2018).
A ideia vendida consiste que isso se deve aos espetaculares avanços científicos que
possibilitaram a descoberta de doenças psiquiátricas e diagnósticos. O eufemismo refere-se às
conquistas de novas fronteiras, por parte de cientistas e médicos, que iluminam alguns dos
mistérios mais obscuros a respeito da mente humana e trazem esperança em tratamentos para
aliviar (ou até mesmo curar) o sofrimento de milhões de crianças e famílias.
Não obstante haver tanta propaganda disseminada, a realidade se configura de forma
diversa. Seja porque os diagnósticos psiquiátricos existentes carecem de sólidas bases
científicas, seja porque o tratamento dominante é pela via medicamentosa, com resultados
desastrosos na maioria dos casos. De fato, há um espetacular fracasso para se descobrir qualquer
evidência reprodutível de que condições tais como TDAH, ou Transtorno do Espectro Autista
ou depressão infantil são resultantes unicamente de anormalidades genéticas, bioquímicas, ou
de outra causa localizada no cérebro ou no genoma.
Esse fato vem sendo admitido por personalidades de destaque no campo psiquiátrico
internacional, como foi admitido por Dr. Thomas Insel, diretor do NIMH durante treze anos
(INSEL, 2022), senão pelo próprio chefe da equipe que produziu o DSM-IV, Dr. Allen Frances
(COCHRANE AUSTRALIA, 2022).
Apesar do investimento colossal para a descoberta das causas biológicas das condições
psiquiátricas, são abundantes as evidências dos determinantes sociais nos chamados transtornos
(BERESFORD
et al.
2016; READ
et al
. 2013; COHEN, 2016; SMAIL, 2005).
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As mudanças estruturais no contexto da infância e adolescência: o contexto de crescente
medicalização
O espaço da infância mudou na cultura ocidental contemporânea. Não podemos pensar
a i
nfância e a adolescência sem levar em conta o processo civilizatório que constrói o que é ser
criança, adolescente, jovem, adulto, idoso. Ser criança ou adolescente hoje não é o mesmo que
algumas décadas atrás, no começo do século XX ou no início da modernidade (ARIÈS, 1978).
A abordagem excessivamente biológica reduz o “bio-psíquico-social” ao “bio-bio-bio”
(READ, 2005). Cada vez mais psiquiatras proeminentes vêm se pronunciando contra o papel
corruptor das empresas farmacêuticas e o modelo simplista que elas promovem para vender
seus produtos. Em 2005, o Dr. Steven Sharfstein, então Presidente da Associação Psiquiátrica
Americana (APA), escreveu:
Se formos vistos como meros empurradores de comprimidos e funcionários
da indústria farmacêutica, nossa credibilidade como profissão estará
comprometida. Ao abordarmos estas questões das Grandes Farmacêuticas
[‘Big Pharma’] devemos examinar o fato de que, como profissão, permitimos
que o modelo bio-psico-social se tornasse o modelo bio-bio-bio.
(SHARFSTEIN, 2005, [n.d.], tradução nossa).
Mais recentemente, a crítica ao modelo biomédico da psiquiatria foi feita por não menos
do que as Nações Unidas. O Dr.
Dainius Pūras, psiquiatra lituano, relator das Nações Unidas,
escreveu:
As políticas atuais de saúde mental foram afetadas em grande parte pela
assimetria de poder e pelos preconceitos devido ao domínio do modelo
biomédico e das intervenções biomédicas. Este modelo levou não apenas ao
uso excessivo de coerção no caso de deficiências psicossociais, intelectuais e
cognitivas, mas também à medicalização de reações normais às muitas
pressões da vida, incluindo formas moderadas de ansiedade social, tristeza,
timidez, absentismo e comportamento antissocial (...) Esta mensagem pode
promover o uso excessivo de categorias de diagnóstico e expandir o modelo
médico para diagnosticar patologias e fornecer modalidades de tratamento
individuais que levam a uma medicalização excessiva. A mensagem desvia as
políticas e práticas de abraçar duas abordagens modernas poderosas: uma
abordagem de saúde pública e uma abordagem baseada nos direitos
humanos… A medicalização excessiva é especialmente prejudicial às
crianças, e as tendências globais para medicalizar questões psicossociais e de
saúde pública complexas na infância devem ser abordadas mais fortemente
com uma vontade política (HUMAN RIGHTS COUNCIL OF UNITED
NATIONS, 2019, tradução nossa).
Em 10 de junho de 2021, a Organiza
ção Mundial da Saúde (OMS) se associou a essa
reivindicação mundial pela superação do modelo biomédico da psiquiatria, com um documento
de 300 páginas intitulado
Orientação sobre Serviços de Saúde Mental Comunitária:
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Fernando Ferreira Pinto de FREITAS e Luciana Jaramillo Caruso de AZEVEDO
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
1982-4718
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Promovendo Abordagens Centradas na Pessoa e Baseadas em Direitos
(WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2021, tradução nossa). O documento indica:
O foco predominante dos cuidados em muitos contextos continua a ser o
diagnóstico, a medicação e a redução dos sintomas. Determinantes sociais
críticos que afetam a saúde mental das pessoas, tais como violência,
discriminação, pobreza, exclusão, isolamento, insegurança no emprego ou
desemprego, falta de acesso à moradia, redes de segurança social e serviços
de saúde, são frequentemente negligenciados ou excluídos dos conceitos e
práticas de saúde mental. Isto leva a um diagnóstico exagerado do sofrimento
humano e a uma dependência excessiva de drogas psicotrópicas, em
detrimento de intervenções psicossociais” [...]
“É necessária uma mudança
fundamental dentro do campo da saúde mental, a fim de pôr fim a esta situação
atual. Isto significa repensar políticas, leis, sistemas, serviços e práticas nos
diferentes setores que afetam negativamente as pessoas com condições de
saúde mental e deficiências psicossociais, assegurando que os direitos
humanos sustentem todas as ações no campo da saúde mental. No contexto
específico dos serviços de saúde mental, isto significa um movimento em
direção a práticas mais equilibradas, centradas na pessoa, e orientadas à
recuperação, que considerem as pessoas no contexto de suas vidas como um
todo, respeitando a sua vontade e preferências no tratamento, implementando
alternativas à coerção, e promovendo o direito das pessoas à participação e
inclusão comunitária (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021, p. 20,
tradução nossa).
A medicalização da infância e adolescência no contexto da sociedade neoliberal
O crescimento da medicalização psiquiátrica infantil é contemporâneo a importantes
mudanças psicossociais no contexto da infância e da adolescência. Observamos com certa
frequência a medicalização das relações familiares e tensões geracionais.
De um modo esquemático, eis um quadro geral de algumas das principais mudanças na
estrutura familiar contemporânea:
Estrutura familiar – d
esaparecimento da família extensa, aumento de separações e
divórcios, aumento de horas de trabalho dos pais, diminuição do tempo dispendido pelos
pais às crianças (BOUNDLESS SOCIOLOGY, 2022). A parentalidade passa a ser
definida não somente pela biologia, mas por fatores socioafetivos e civis, sendo
determinada cada vez mais pelo social que age por meio de especialistas. O social
modela a relação entre pais e filhos intermediado pela ação dos profissionais de saúde,
educadores e representantes da lei, figuras do terceiro social.
Estilo da família – aum
ento na mobilidade, a perda das raízes comunitárias, aumento da
busca por gratificação individual. A democratização da esfera privada está atualmente
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Medicalizando crianças e adolescentes
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
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na ordem do dia (BOUNDLESS SOCIOLOGY, 2022). É válido salientar, conforme
Giddens (1993), a importância da democracia neste estilo familiar contemporâneo. A
democracia significa que a oportunidade para que a força do melhor argumento seja
preponderante, em contraposição a outros modos de se tomar decisão. Na
contemporaneidade tem ocorrido a democratização da vida familiar.
Estilo das crianças – d
eclínio da quantidade de atividades físicas, mudanças na dieta
com incrementos nos açúcares e gordura e diminuição nas vitaminas essenciais,
minerais e ácidos graxos, a ‘domesticação’ da infância em função dos medos, os riscos
à saúde e segurança que resultam na busca por atividades em casa, tais como uso de
computador, TV e tablets (BOUNDLESS SOCIOLOGY, 2022).
Comercialização da infância – a
umento no consumo de bens destinados às crianças e a
criação de novas oportunidades comerciais na infância, por exemplo, com comidas,
indústria dos cuidados e indústria farmacêutica (BOUNDLESS SOCIOLOGY, 2022).
Sistema educacional – fo
rte ênfase na performance acadêmica, produtividade e
competição. Jerusalynsky (2018) afirma existir uma crescente procura por profissionais
do campo ‘psi’ por parte da escola, cujas queixas gravitam em torno da depressão,
desmotivação, intolerância e até mesmo linchamentos virtuais.
S
e voltarmos a atenção para o que vem ocorrendo com as crianças brasileiras nos
últimos anos, a realidade é demasiadamente chocante:
•
O número de crianças de seis e sete anos no Brasil que não sabem ler e escrever
cresceu 66,3% de 2019 para 2021 – explicitando um dos efeitos da pandemia de COVID-19 no
ensino brasileiro. Segundo dados da ONG Todos pela Educação, 2,4 milhões de crianças
brasileiras não estão alfabetizadas nesta faixa etária. O número corresponde a quase a metade
(40,8%) das crianças nessa faixa etária. (CNN BRASIL, 2022).
•
De cada quatro escolas públicas no município do Rio de Janeiro, três sofrem de
tiroteio ao redor (CRUZ; GRINBERG; PERELLÓ, 2022). O Rio de Janeiro, um dos principais
cartões-postais turísticos do Brasil, é palco frequente de confrontos entre fações de traficantes
de drogas rivais ou com a polícia, principalmente, nas favelas cariocas.
•
A violência e o desamparo, assim como as múltiplas transformações
contemporaneidade explicitam a complexidade que gravita em torno dos comportamentos
infantis, posto que esses não se resumem ao paradigma biológico.
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Fernando Ferreira Pinto de FREITAS e Luciana Jaramillo Caruso de AZEVEDO
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A questão do narcisismo
Outro determinante psicossocial da maior importância refere-se a uma cultura que se
ancora no narcisismo. Conforme Lasch (1983), a medicina e a psiquiatria reforçam o padrão
criado por influências culturais, nas quais o indivíduo examina-se interminavelmente à procura
de sinais de velhice e doença, de sintomas indicadores de tensão psíquica, por manchas ou
imperfeições que possam diminuir sua atração, ou para confirmar as indicações de que sua vida
está seguindo de acordo com o esquema. Assim, a medicina contemporânea criou novas formas
de produzir insegurança, por outro lado, o narcisismo parece representar a melhor maneira de
lutar por igualdade de condições com as tensões e ansiedades da vida. Em consequência, as
condições sociais tendem a fazer aflorar os traços narcisistas presentes, em vários graus, em
todos nós. A crença de que uma sociedade não tem futuro, embora se baseie em certo realismo
acerca dos perigos do devir, também incorpora uma incapacidade narcisista de identificar-se
com a posteridade ou de sentir-se parte do fluxo da história.
A ideologia do crescimento pessoal, superficialmente otimista, irradia um profundo
desespero e resignação, segundo Lasch (1983, p. 78): “É a fé daqueles que não tem fé”.
Para Birman (2019), houve uma emergência histórica do narcisismo como problema e
como campo contemporâneo. Por isso, é preciso dar o devido destaque à emergência social do
problema da imagem na contemporaneidade. A difusão da cultura da imagem com o
estreitamento da cultura do argumento foi possibilitada com o avanço das novas tecnologias,
em íntima relação com o discurso da ciência e sob a forma do discurso da tecnociência. Sendo
assim, outro mundo passou a ser meticulosamente reconfigurado de forma ostensiva pelo
impacto da imagem nas formas de vida. A promoção do simulacro, da aparência e do efêmero,
numa economia política do signo na contemporaneidade é norteada pelo vazio como eixo
fundamental.
A cultura do narcisismo se tornou o eixo central na vida das sociedades neoliberais,
en
tre as quais na vida das crianças. A ‘liberdade’ do neoliberalismo pressupõe a
desregulamentação. As empresas devem ser tão livres de regulação quanto for possível. Os
sujeitos sociais são reduzidos a indivíduos treinados para competir com os outros. Maximizar
os ganhos é referência principal para ser bem-sucedido. Há muito pouco o que ganhar com a
responsabilidade social (apenas se esta aumenta a participação da pessoa no mercado). A nível
emocional, o apelo da liberdade pode ser entendido como um apelo para nos ver livres das
restrições impostas pela autoridade (tais como pais, comunidades e governos). O que implica
em buscar pelos quereres (não necessidades) do individual (em outras palavras, do narcisismo).
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Medicalizando crianças e adolescentes
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
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A cultura do neoliberalismo forma sujeitos conforme imperativos essenciais para a reprodução
da racionalidade do sistema (DAVIES, 2021).
Cada vez mais está sendo criada a necessidade de admiração, a valorização do
desrespeito pelo sentimento dos outros, aumentando a incapacidade de se lidar com as críticas
e frustrações. O neoliberalismo encontra solo fértil para se disseminar com a articulação entre
o fenômeno da medicalização, a cultura do narcisismo, da performance e o individualismo, que
se reforçam mutuamente.
O modelo biomédico: diagnóstico e tratamento psicofarmacológico
O modelo biomédico está no DNA da psiquiatria (GOODWIN; GEDDES, 2007). Um
dos seus pressupostos indica que os transtornos psíquicos são doenças distinguíveis umas das
outras, definidas em categorias de diagnóstico, validadas cientificamente e verificadas por
qualquer clínico – minimamente – treinado. O outro pressuposto atrelado postula a existência
de medicamentos que tratam dos determinantes biológicos das patologias. A díade doença-
tratamento (medicamentoso) é o pilar fundamental.
Entretanto, não há evidências científicas confiáveis para se dizer que um transtorno x, y
ou z tenha como causalidade um determinado desequilíbrio químico no cérebro, seja este
específico, localizado ou sistêmico (BENTALL, 2009; MONCRIEFF, 2009).
Ehrenberg (2010) designa como “prova terapêutica” a ideia de que, diante da ausência
de marcadores biológicos em psiquiatria, é o efeito da medicação que estabelece ou confirma o
diagnóstico e o tratamento.
D
iagnóstico e tratamento psicofarmacológico
Quando se diagnostica, por exemplo, a depressão clínica em um adolescente, será que
foi descoberta a causa dos problemas apresentados pelo paciente? Para dar sustentação ao
diagnóstico há evidências objetivas? A resposta a ambas as perguntas é não.
O diagnóstico psiquiátrico é baseado na crença subjetiva, na convicção. Existem
q
uestionários que supostamente fornecem parâmetros objetivos. Esses questionários
reivindicam confiabilidade e validade, a mensagem transmitida é a de que eles foram testados
e que medem o que se propõe. No entanto, na medida em que o diagnóstico se interpõe entre a
relação médico- paciente, cria-se uma barreira quase que intransponível para a interação
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Fernando Ferreira Pinto de FREITAS e Luciana Jaramillo Caruso de AZEVEDO
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
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interpessoal propriamente dita. Após a rotulagem e a transformação do sujeito comum em
paciente, não é simples prescindir do diagnóstico (BENJAMIN, 2018).
Então, como é feito um diagnóstico? Não há exames de sangue ou imagem, raios-x ou
escaneamentos cerebrais, para demonstrar que há algo errado no cérebro, como fonte única e
originária das doenças mentais. Os chamados testes para os diagnósticos psiquiátricos são
exercícios com caneta e papel ou através de exame clínico partindo da observação e da
subjetividade do médico.
Em relação à criança, é realizado um conjunto de questionamentos ou pede-se que um
questionário seja preenchido pelos responsáveis. O que esses testes e questionários medem? O
óbvio: a percepção que os responsáveis têm a respeito da criança. Mas não é um exame médico
propriamente dito. Qual a fidedignidade, a validade e o compromisso ético deste tipo de
avaliação?
Tomemos como referência os dois transtornos infantis comumente diagnosticados e
vejamos como o modelo biomédico da psiquiatria os aborda, assim como as suas
consequências.
TDAH
O DSM-5 define TDAH nos seguintes termos: um padrão persistente de desatenção e/ou
hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento. Por
limitações de espaço, recomenda-se que os leitores façam uma consulta ao DSM-5 para notar
como os sintomas são descritos oficialmente.
Chama a atenção o uso de termos imprecisos, vagos, como: “frequentemente”,
“dificuldade”, “parece que”, “facilmente”, “excessivamente”, usados para determinar como
“objetividade” os sintomas do TDAH. Contudo, como defini-los? O termo mais usado é
“frequentemente”, mas o que quer dizer isso? Comportamentos que aparecem pelo menos uma
vez ao dia ou a cada minuto? Em todas as circunstâncias ou em algumas? Quais?
Não havendo exame médico para dar suporte, a decisão sobre a existência do TDAH
resulta de uma decisão arbitrária, que depende do juízo subjetivo, da convicção do clínico e do
seu poder instituído.
Na falta de testes objetivos, a linha de corte entre o ‘normal’ e TDAH é arbitrária e
controversa. Essa fronteira rígida e obscura não contempla diferenças, desigualdades,
realidades socioeconômicas, questões familiares, dificuldades escolares ou outras variáveis que
possam ser intervenientes e, por outro lado, conferem alta presença de comorbidades.
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Medicalizando crianças e adolescentes
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
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Tratamento psicofarmacológico: Estimulantes
Nomes de marcas mais conhecidos: Ritalina, Equasim, Concerta, Dexedrina, Adderall.
Os medicamentos mais comuns usados no tratamento do TDAH são estimulantes do
sistema nervoso central que contém metilfenidato, como a Ritalina. São estimulantes da mesma
família química que drogas como ecstasy e cocaína. As drogas estimulantes são potencialmente
drogas de consumo abusivo e categorizadas no sistema legal enquanto ‘drogas controladas’.
Sendo drogas estimulantes, seus efeitos cognitivos e comportamentais são os mesmos, seja em
crianças com diagnóstico de TDAH, seja em crianças normais. São drogas psicoativas, portanto,
produzem alterações cognitivas, comportamentais e afetivo-emocionais.
No Brasil, a ‘droga para a obediência’, como assim é chamada, tem tido um espetacular
aumento de consumo. Somos a nação que tem o título de segundo maior consumidor mundial
de metilfenidato (EVAS, 2012).
As evidências
As evidências sobre os efeitos maléficos dos estimulantes são fartas. Foram
selecionadas apenas algumas. Foi verificado aumento acentuado da tendência a brincar
solitariamente, relacionada com o uso de Ritalina e uma correspondente redução nas interações
sociais (RUSSEL, 1978). O uso de estimulantes também foi relacionado com a redução da
curiosidade infantil para explorar o seu meio ambiente (FIEDLER, 1983) e a perda da
vivacidade (DAVY, 1989). As crianças medicadas com metilfenidato com frequência se tornam
passivas, submissas e isoladas socialmente (GRANGER; WHALEN; HENKER, 1993).
A Ritalina, apesar de melhorar o desempenho em tarefas repetitivas e de rotina que
requerem atenção permanente, não tem o mesmo efeito no raciocínio, na resolução de
problemas e na aprendizagem, que não parecem ser positivamente afetadas (SROUFE, 1973).
Outro estudo sugere que a ritalina não produz qualquer benefício em relação à leitura,
ortografia, ou matemática e, pelo contrário, dificulta a sua capacidade de resolver problemas
(RIE, 1978).
O principal efeito dos estimulantes parece ser uma melhoria na cap
acidade de gestão da
sala de aula (RUSSEL, 1978). Em 1995, o NIMH elaborou um estudo para avaliar os resultados
a longo prazo. Considerado o ‘primeiro grande ensaio clínico’ conduzido pelo instituto de um
transtorno mental infantil, o
NIMH Collaborative Multisite Multimodal Treatment Study
observou que os resultados a curto prazo atingiram os objetivos do tratamento medicamentoso:
reduzir de maneira drástica uma gama de sintomas nucleares do TDAH, tais como as atividades
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Fernando Ferreira Pinto de FREITAS e Luciana Jaramillo Caruso de AZEVEDO
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
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irrelevantes para a tarefa (por exemplo, tamborilar dos dedos, inquietação, movimentos motores
finos [comportamento] desvinculado da tarefa durante a observação direta) e a perturbação na
sala de aula (RICHTERS
et al
., 1995).
Após 14 meses de tratamento, os investigadores fizeram acompanhamentos periódicos
com os estudantes, avaliando o desempenho deles e o uso de medicamentos para o TDAH. Ao
cabo de três anos, descobriram que a medicação era um marcador significativo não de um
resultado benéfico, mas de deterioração. Em outras palavras, os participantes que usaram a
medicação no período de 24 a 36 meses mostraram um aumento da sintomatologia durante este
período, comparados aos que não estavam tomando medicamentos (JENSEN, 2007).
Além disso, verificou-se, entre aqueles que utilizaram medicação a longo prazo, um
aumento significativo dos índices de delinquência. Especificamente, ao final de três anos de
uso. Este fato poderia significar que os usuários eram mais propensos a se envolver em
encrencas na escola e com a polícia (MOLINA
et al
., 2007).
Ao final de oito anos, o uso da medicação foi associado a uma hiperatividade/
impulsividade pior e aos sintomas do transtorno desafiador opositivo (TOD), bem como a um
prejuízo funcional global maior (MOLINA
et al
., 2009). A conclusão do estudo foi clara: não
houve efeitos benéficos. A curto prazo, a medicação ajudará a criança a comportar-se melhor,
contudo, a longo prazo não o fará. Essa importante informação deve ser muito clara e
transmitida aos pais que optam pela via medicamentosa.
Os medicamentos também podem ter efeitos secundários graves, incluindo o atraso do
crescimento. Infelizmente, poucos médicos e pais parecem estar cientes da falta de eficácia
destes psicofármacos (SROUFE, 2012).
O surgimento de estados maníacos e psicóticos em crianças em tratamento com drogas
para TDAH vem também sendo verificado. Pesquisadores canadenses fizeram uma revisão dos
prontuários de crianças em tratamento de TDAH, tratadas de janeiro de 1989 a março de 1995.
Durante os 5 anos, 192 crianças foram diagnosticadas com TDAH, 98 recebendo o tratamento
com psicoestimulantes. Das crianças em tratamento com essas drogas, 6% desenvolveram
sintomas psicóticos durante o tratamento. As crianças foram acompanhadas por uma média de
1 ano e 9 meses (CHERLAND; FITZPATRICK, 1999). Para comparar as características
demográficas e clínicas entre adolescentes com transtorno bipolar com e sem uma história de
tratamento com estimulantes, pesquisadores constataram a tendência para transtorno bipolar
entre aqueles adolescentes que tiveram um prévio tratamento com psicoestimulantes
(DELBELLO
et al
., 2001).
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Medicalizando crianças e adolescentes
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
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Depressão infantil
Tecnicamente, os clínicos baseiam-se nos critérios desenvolvidos para diagnosticar
adultos. Neste momento do estudo, sugerimos a consulta ao DSM-5 para se verificar ver como
os sintomas da depressão são descritos.
Um adulto deve ter pelo menos cinco dos noves sintomas durante um período de duas
semanas, para ser diagnosticado com depressão maior. O DSM-5 faz apenas dois comentários
a respeito das crianças: a depressão pode ser um humor irritável ou o insucesso em obter ganho
de peso esperado. Em outras palavras, rompantes de raiva ou acessos frequentes de raiva podem
ser classificados como sintoma de depressão infantil (BISMAHER; RYAN; WILLIAMSON,
1996).
Há ainda as iniciativas para expandir a noção de depressão em crianças entre 5 e 12 anos
(KORECZAK; GOLDSTEIN, 2009). A justificativa seria que a maioria dos transtornos do
adulto tem origem na infância, e a maioria dos transtornos da infância tem consequências que
irão se estender à fase adulta (KOVACS; FEINBERG; CROUSE-NOVAC, 1984). Chega-se ao
ponto de dizer que o TDM pode existir em pré-escolares (LUBY
et al.
, 2014; CASTELLO;
ERKANLI; ANGOLD, 2006).
Tratamento psicofarmacológico: Antidepressivos
Os nomes de marca mais conhecidos: Prozac, Zoloft, Luvox, Paxil.
O Prozac entrou no mercado em 1988. Neste momento, apenas uma em cada 250
crianças e adolescentes abaixo de 19 anos, nos Estados Unidos, tomava algum antidepressivo.
Até então, os estudos feitos com antidepressivos tricíclicos (os existentes então) mostravam que
seus efeitos positivos não eram superiores ao placebo nesse grupo etário (FISCHER, 1997).
Sabemos sobre todo alarde criado em torno do Prozac, considerado como a pílula da
felicidade (KRAMER, 1997). Trata-se da nova geração de antidepressivos, os inibidores
seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). Com a introdução dos ISRS, a percentagem de
jovens medicados triplicou entre 1988 e 1994 e, em 2002, 1 em cada 40 crianças e jovens abaixo
de 19 anos tomava algum antidepressivo nos Estados Unidos (DELATE
et al.
, 2004).
Os resultados das pesquisas publicados costumam favorecer os benefícios e esconder os
malefícios, como o número de suicídios em jovens usuários de antidepressivos, conforme o que
é reconhecido sistematicamente no meio científico (WHITTINGTON,
et al
., 2004;
JONATHAN, 2006; JUREIDINI
et al
., 2004).
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Fernando Ferreira Pinto de FREITAS e Luciana Jaramillo Caruso de AZEVEDO
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
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Tratamento psicofarmacológico: Antipsicóticos
Os nomes de marca mais comuns: Risperdal, Zyprexia, Seroque, Abilify.
O senso-comum até pouco tempo dizia que essa classe de drogas psiquiátricas deva
apenas ser usada para doença mental grave em adultos. A exemplo do que ocorreu com a
psicofarmacologia contemporânea, a partir sobretudo dos anos 90, houve uma absurda
expansão de novos consumidores, em especial crianças e adolescentes.
Os antipsicóticos vêm sendo prescritos para condições não-psicóticas: TDAH,
impulsividade, insônia, agressão, Transtorno do Estresse Pós-Traumático, sintomas obsessivo-
compulsivos, perturbações alimentares, má tolerância à frustração (OLFSON
et al.
, 2006). O
que é um procedimento bastante controverso clinicamente.
Recentemente, até mesmo a prescrição de antipsicóticos para crianças e adolescentes
tem aumentado de forma espetacular na maioria dos países (VARIMO
et al.
, 2020; SHRODER
et al
., 2017).
Considerações finais
A medicalização da infância e da adolescência tem no centro da sua justificativa a ideia
de que as drogas irão corrigir uma anormalidade biológica subjacente. Embora, inicialmente,
se apresente com uma roupagem estritamente técnica e objetiva, trata-se de uma falácia
científica verificável a partir da própria descrição diagnóstica, do uso da medicação e dos seus
respectivos efeitos em curto, médio e longo prazo. A promessa sempre adiada de uma
comprovação científica que fundamente e justifique as intervenções medicamentosas não tem
a sua contrapartida na descrição das categorias que se encontram nos manuais de psiquiatria. A
medicalização da infância prescinde de evidências científicas suficientes e funciona como
estratégia de controle e de normalização sociais.
Os diagnósticos são realizados a partir de descrições imprecisas que compõem as
categorias diagnósticas. Por isso, torna-se premente o questionamento acerca da dimensão
ético-política do diagnóstico psiquiátrico e da sua contínua expansão.
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Medicalizando crianças e adolescentes
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
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Como referenciar este artigo
FREITAS, Fernando Ferreira Pinto; AZEVEDO, Luciana Jaramillo Caruso. Medicalizando
crianças e adolescentes.
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ISSN: 1982-4718. DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16590
Submetido em
: 15/06/2022
Revisões requeridas em
: 10/07/2022
Aprovado em
: 12/08/2022
Publicado em
: 30/09/2022
Processamento e edição: Editora Ibero-Americana de Educação.
Correção, formatação, normalização e tradução.
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Medicalizing children and adolescents
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
1982-4718
DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16590
1
MEDICALIZING CHILDREN AND ADOLESCENTS
MEDICALIZANDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES
MEDICALIZAR A LOS NIÑOS Y ADOLESCENTES
Fernando Ferreira Pinto de FREITAS
1
Luciana Jaramillo Caruso de AZEVEDO
2
ABSTRACT
: The medicalization is a progressive phenomenon characteristic of contemporary
society. The purpose of this article is to critically analyze the foundations of the disease model
based on the biomedical perspective that justifies diagnosing and treating children's behaviors
with psychiatric drugs, understanding them as mental illnesses. At the center of the justification
for the medicalization of children's behavior is the idea that drugs (psychopharmaceuticals) will
correct an underlying biological, brain abnormality. However, the medicalization of childhood
lacks sufficient scientific evidence and works as a strategy for social control and normalization.
The term ‘mental disorder’ is used to designate people who do not behave in the expected way
or when they do not conform to social norms. It is the expression of social control disguised as
medical treatment. The negative consequences of medicalization constitute strong threats to
public health, culture, and human rights.
KEYWORDS
: Medicalization. Children. Adolescence. Childhood behaviors.
RESUMO
: A medicalização é um fenômeno global, progressivo, característico da sociedade
contemporânea. A proposta deste artigo consiste em analisar criticamente os fundamentos do
modelo de doença baseado na perspectiva biomédica que justifica diagnosticar e tratar com
drogas psiquiátricas os comportamentos infantis, compreendendo-os enquanto doenças
mentais. No centro da justificativa da medicalização dos comportamentos infantis se estabelece
a ideia de que as drogas (psicofármacos) irão corrigir uma anormalidade biológica, cerebral,
subjacente. Contudo, a medicalização da infância prescinde de evidências científicas
suficientes e funciona como estratégia de controle e de normalização sociais. A nomenclatura
‘transtorno mental’ é utilizada para designar pessoas que não se comportam da forma
esperada ou quando não se conformam com as normas sociais. Trata-se da expressão do
controle social disfarçado de tratamento médico. As consequências da medicalização
constituem fortes ameaças para a saúde pública, a cultura e os próprios Direitos Humanos.
PALAVRAS-CHAVE
: Medicalização. Crianças. Adolescência. Comportamentos infantis.
1
National School of Public Health (ENSP/FIOCRUZ), Rio de Janeiro – RJ – Brazil. Full Researcher – Laboratory
of Studies and Research in Social Psychiatry and Psychosocial Care (LAPS). Master in Psychology (PUC-RJ).
PhD in Psychology from Université Catholique de Louvain (Bélgica). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0365-
0880. E-mail: ffreitas@enspfiocruz.br
2
Laboratory of Studies and Research in Mental Health of Children and Adolescents (LEPSIA), Rio de Janeiro –
RJ – Brazil. Post-doctoral fellow at the Institute of Social Medicine (IMS/UERJ), FAPERJ postdoctoral fellow,
grade 10. Master and PhD in Clinical Psychology (PUC-RJ) with a sandwich doctoral period at Université Paris
Descartes Sorbonne Paris Cité (France), Specialist in Family and Couple Psychotherapy (PUC-RJ). ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5627-2636
. E-mail: lucianajaramillo@msn.com
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Fernando Ferreira Pinto de FREITAS and Luciana Jaramillo Caruso de AZEVEDO
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
1982-4718
DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16590
2
RESUMEN
: La medicalización es un fenómeno global y progresivo, característico de la
sociedad contemporánea. El propósito de este artículo es analizar críticamente los
fundamentos del modelo de enfermedad basado en la perspectiva biomédica que justifica el
diagnóstico y el tratamiento de las conductas infantiles con fármacos psiquiátricos,
entendiéndolas como enfermedades mentales. En el centro de la justificación de la
medicalización de los comportamientos de los niños se encuentra la idea de que los fármacos
(psicofármacos) corregirán una anomalía biológica, cerebral, subyacente. Sin embargo, la
medicalización de la infancia carece de pruebas científicas suficientes y funciona como una
estrategia de control y normalización social. La denominación "trastorno mental" se utiliza
para referirse a las personas que no se comportan como se espera o cuando no se ajustan a las
normas sociales. Es la expresión del control social disfrazado de tratamiento médico. Las
consecuencias de la medicalización constituyen fuertes amenazas para la salud pública, la
cultura y los propios derechos humanos.
PALABRAS CLAVE
: Medicalización. Niños. Adolescencia.
Comportamientos infantiles.
Introduction: Something scary is going on
Many refuse to entertain the idea that society as a whole may be lacking in
sanity. They maintain that the problem of mental health in a society is only the
number of ‘non-adjusted’ individuals, and not a possible maladjustment of the
culture itself (Erich Fromm, 2017, p. 252, our translation).
'Scary' things have not been said. Wars continue to occur, threats of destruction of the
planet grow, as well as the astonishing increase in social and economic inequalities with the
pandemic situation in place. But there is another aspect whose dimension has been
underestimated: the way in which contemporary society tracks, produces, identifies and treats
mental illness in childhood and adolescence. This fact is so frequent that it becomes rare to find
a 'normal' child or teenager. So, does being normal mean having some kind of mental disorder
and being framed in diagnostic categories in psychiatric manuals? What would be the current
conception of normality?
According to Allen Frances (2017), head psychiatrist of the team that produced the
fourth edition of the DSM (APA, 2000), considered as the 'bible of psychiatry', it is possible
that “the pool of normality is shrinking to a mere puddle” (FRANCES, 2017, p. 3, our
translation).
An avalanche of technologies promises to identify genetic determinants of psychiatric
conditions. Promise constantly delayed for decades. Clinical manifestations are grouped and
then divided into subgroups. Brain and even chromosomal regions are defined, and the genome
and its variations are attempted to be deciphered. However, the current situation of this type of
research shows that the screening of the genetic code further fragments the explanations
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(ANSERMET; GIACOBINO, 2012). Thus, genetic research is convened with the hope of
isolating a biological rather than a psychic causal factor, but the advances in genetics lead to
multifactorial heterogeneity.
Let's look closely at these frames:
A recent analysis of data from the 2016 National Survey of Child Health,
published online in JAMA Pediatrics, indicated that one in six children in the
United States ages 6 to 17 has a mental disorder, such as depression, anxiety
problems, or an attention deficit/hyperactivity disorder – ADHD (WHITNEY;
PETERSON, 2019, p. 389, our translation).
The pandemic lit the alert in parents all over Brazil. In the second episode of
the series, you will understand that ADHD is much more intense than the
occasional bout of boredom. Intense and frequent, it affects one in 20 children.
And it is in the school day, among the students, that the disorder becomes
more evident (TDAH, 2021, [n.d.], our translation).
From these situations, it is possible to observe the increasing chances of children and
adolescents having mental illness. Because? Compared to a relatively recent past, what's
different? Are we bringing more vulnerable beings into the world than in the past? Has the
environment and society been deteriorating, to the point of making children and adolescents
more and more sick? Or has it always been that way, but that today we have better means to
identify mental health problems? Many questions are unanswered, despite the great efforts of
biological psychiatry and neurosciences to produce answers.
There is an undeniable fact: medicalization has become part of everyday life in a
perverse and tyrannical way (SZASZ, 2001; MOYNIHAN; HEATH; HENRY, 2002). Through
various means of communication, we are informed every day about what was considered
normal, but which, in fact, are symptoms of pathologies or signs of risk.
Taking this perspective, absolutely nothing can be neglected that is behind the tendency
to be distracted, idle, agitated, impulsive, messy, grumpy, irritated, aggressive, silent, or even
to manifest inconvenient, uncomfortable or unexpected behaviors. It is increasingly conveyed,
through the media and social networks, that these behaviors can be symptoms of mental illness
or disorders.
To resolve this doubt, it is recommended that you seek a doctor as soon as possible,
preferably a psychiatrist, if not a psychologist. However, on the Internet, questionnaires,
assessments and tables, designed to detect a supposed self-diagnosis, are also available in
accessible language for lay people.
In addition, a multitude of professionals exhaustively sell their expertise on social
networks. So, if the problem is due to attention deficit hyperactivity disorder, depression, eating
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disorder, autism, anxiety (and so on), a wide network of services is readily structured to serve
the consumer diagnostics market.
As with diseases in general, it is assumed that the earlier psychiatric disorders are
identified, treated and dealt with, the better the prognosis. For this reason, the important thing
would be to overcome prejudice in relation to mental illnesses, since a psychiatric disorder is a
disease like any other. Thus, it starts from premises that are not consistent with the reality of
the facts.
And what's 'scary' about it? At the very least, since psychiatric disorder is a disease like
any other, what can be frightening is the fact that we do not have a solid health system capable
of welcoming and treating all these demands with quality. Furthermore, what is 'scary'?
Many researchers claim that there is something being developed today that could
completely change the future of humanity. The root of these promises lies in the changes
produced by biotechnologies, which, over time, may be irreversible (NICOLELIS, 2020; WHO
EUROPE, 2004). These promises and 'advances' need to be carefully analyzed, as they produce
effects on the social imaginary, on culture and often do not correspond to reality.
It is worth asking what the respective roles of biological, psychological, cultural,
educational-pedagogical, social and economic processes in the development of the so-called
psychiatric disorders are.
In an effort to transcend mind-body dualism in medicine, in the late 60's and 70's a
biopsychosocial approach was developed by George Engel. Engel (1977, p. 131, our
translation) criticized the reductionism of the biomedical model and argued that “the inclusion
of psychosocial factors is indispensable”, in order to be able to account for phenomena such as
patients' life experiences. The effects of living conditions on the development and course of the
disease, the effect of the doctor-patient relationship on treatment outcomes, continue to be
essential variables to consider. The need for an authentically biopsychosocial approach
continues to challenge us.
Therefore, the purpose of this article is to carry out a critical analysis of the phenomenon
of medicalization of childhood and adolescence, as well as its consequences. First, a
presentation will be made of what is meant by 'medicalization'. Then, the fundamental dyad
will be critically addressed, the two pillars that support the biomedical model of psychiatry:
psychiatric diagnosis and drug treatment (DEACON, 2013). Finally, we observe the negative
consequences of medicalization as threats to Public Health, culture and Human Rights
themselves.
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Medicalization of childhood and adolescence
In general terms, medicalization' consists of the process of incorporating phenomena
that had other explanations in the field of health, specifically medicine. Immediately, this
process is characteristic of the expansion of medicine into other fields.
Medicalization refers to the expansion of the jurisdiction of medicine to fields that are
not medical or that were not medical, with living itself being captured by this discourse. The
discourses and practices of medicine began to penetrate the social fabric, shaping both
individuals and society itself. The power of medicine operates as a force that produces realities,
creates practices and discourses that engender forms of care and ways for individuals to
understand, regulate and experience their bodies and their feelings. We think of medicalization
as a process of biomedicine intervention through the redefinition of experiences and behaviors
as if they were medical problems.
Embora seja um processo característico da própria medicina, as disciplinas ‘psi’ que
integram o campo da saúde tendem a seguir a mesma lógica (HELMAN, 2004), com raras
exceções. Como é o caso da psicanálise criada por Freud (1976), que originalmente construiu
um campo epistemológico muito próprio e alternativo à lógica do modelo biomédico. Ele
propôs uma reflexão ética, política e cultural anti-hegemônica.
Historically, countless physical, emotional and social conditions and behaviors have
passed into the domain of health, medicine, and the care of professionals (FREITAS;
AMARANTE, 2017).
According to psychoanalyst Christian Dunker (2020), the grammar of suffering has
changed in contemporary society, as has diagnostic grammar. Every culture, every era and
every family has its own way of dealing with and recognizing which suffering deserves
attention and which should be 'swallowed' as part of life or acceptance of the inescapable tasks
of existence. The grammars of suffering are multiple and there is a certain political conflict for
their management, to decide which one will become prevalent at each moment, including with
the corresponding affection.
Among these different policies for suffering, there are some with which it is difficult to
agree, for example, the one that states that all suffering is a symptom and that every symptom
must be cured or treated, usually by a specialist or by a set of procedures. Primarily drug
treatments, performed in a chronic way, without diagnostic review, with very low patient
participation and without reserving any space for the word, for the interpretation or subjective
work that someone has in relation to themselves (DUNKER, 2020).
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Discourses and medicalizing practices usually claim scientific support to give them
legitimacy. The tendency is nothing to escape, as new conditions are systematically
incorporated into this progressively expanded field, such as gender issues (PARKER;
BARBOSA; AGGLETON, 2000), female bodies (OFFMAN; KLEINPLATZ, 2004; SHAW,
2013), masculinity (MARSHALL, 2006; ROSENFELD; FAIRCLOTH, 2006), schooling,
birth, pregnancy, death, or even fertility and its vicissitudes (BELL, 2016), among others.
Medicalization engenders subjectivities, even being part of intersubjective relationships,
of the economy, politics, legal system, social security system, and so on (SZASZ, 2001). The
association between medicalization, commercialization of diagnoses and the provision of
services and treatments needs to be analyzed in order to build new reading lenses.
The production of the sick social role
In order for there to be patients, it is essential that the social construction of their role
and place in society be carried out. The characteristics of the subject affected by ADHD, for
example, have been historically constructed. Therefore, it is important to make a comparative
reading between the different editions of the Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM), from the first edition to the current one (MARTINHAGO; CAPONI, 2019;
KIRK; KUTCHINS, 2008)
The behaviors that make up this diagnostic category are: inattention, hyperactivity and
impulsivity (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). However, if we trace the
history, we observe many other ways of dealing with these behaviors.
According to a reading of signs and symptoms, such behaviors cannot be understood
from new ways of educating or as a product of interpersonal relationships, difficulties in the
family network, frustrations, precarious socioeconomic conditions, insecurities, but they are
understood as brain disorders that quickly become the object of intervention of mental health
professionals, hyper-specialized in detecting traces of pathologies, with fixed protocols
established to deal with each prism of the disease. The plurality of explanations about children's
behavior was undermined.
Biology (and its operators) has become the primordial device of contemporary
psychopathology, basing currents of thought that claim to be atheoretical because they are
grounded in naturalistic ethics. These currents reduce subjectivity to cognition and have a menu
of therapies and protocols aimed at treating every nuance of the categories described in
psychiatric manuals.
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Neurosciences provided the instruments that guide the construction of the hegemonic
psychiatric explanation. From this point of view, psychopathology claims to have finally found
its scientificity in fact and in law. Its scientific status would finally have been achieved.
Furthermore, the new psychopathology believes that it has found its medical vocation, in a
process that began in the early 19th century and was based on biological discourse (BIRMAN,
1999). Certainty and truth seem to reside in the biological response. It is with this contemporary
fiction that we have to deal.
In this hermetic perspective, it is worth asking what the place of psychic suffering is, of
the singular and of the subject. At what point does 'normal' suffering become 'pathological'?
Would there be space designated for discomfort or for what is not going well?
The collective matrix of suffering is rejected, giving way to the individual imperative of
happiness and performance. If we live under the imperative of well-being/happiness, and if not
being well is not 'normal', how do we deal with the inclement weather of life? If we do not
correspond to this fantastic script of happiness, the biological and medicalizing response buffers
any possibility of subjective questioning, immediately transforming suffering into pathology.
The same is true for children and adolescents. Based on symptom screening – the
frequency with which the patient: does not pay attention to details or makes careless mistakes
in schoolwork, at work or during other activities; has difficulty maintaining attention in tasks
or play activities; he does not seem to listen when someone speaks to him directly; does not
follow through on instructions and fails to complete schoolwork, chores, or duties; has difficulty
organizing tasks and activities; avoids, dislikes, or is reluctant to engage in tasks that require
prolonged mental effort; loses things necessary for tasks or activities; distracted by external
stimuli – they are understood in terms of psychiatric disorders, based on characteristics that
make up a certain nosological category.
Psychiatric diagnosis is termed, in anthropology, the 'ritual of initiation' into a new
social status, when new authorities and practices can exercise power where they previously had
no jurisdiction, and where a new history of the person is written to legitimize this (DE CASTRO
CAVALCANTI, 2020). Therefore, if there is a patient, it is necessary to have qualified
professionals to assist him. A new market is created and we can see the commodification of the
diagnosis.
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The social construction of mental health professionals and the commodification of the
service network
Whether preparing them through specialized training, or also accrediting those who
have the necessary skills or not, or even inculcating in society the need to resort to these hyper-
specialized professionals, for example, in ADHD, the need to train professionals with specific
qualifications, to detect, treat ADHD and convince parents, teachers, children and adolescents
themselves of the need to seek treatment as soon as possible (REED, 2007).
One cannot lose sight of the fact that, for decades, Lasch (1983) had already warned
about the proliferation of psychiatric medical advice that undermined the trust of parents, at the
same time that they fostered an exaggerated notion of the importance of child upbringing
techniques and parental responsibility for their failure. Lasch (1983) pointed out that, as the
family has lost not only its productive functions, but also many of its reproductive functions,
men and women are no longer able to raise their children without the help of guaranteed
specialists. The transformations of these old ties of dependence had a reverse, a lesser autonomy
of the family in relation to the care of its members vis-à-vis the representatives of the State,
doctors, psychologists, teachers etc. (SINGLY, 2007).
In this way, the family socioeconomic context of children and adolescents starts to be
evaluated through generalist biological markers, which raise more questions than answers. The
once tolerated aggressive impulses, as well as the undesirable behaviors that were part of the
infantile universe, entered the psychiatric universe. These behaviors would represent risk
indicators for serious mental illness in adult life and, therefore, need to be excised with
medicated forceps.
In a medicine captured by the logic of the market (which is not restricted to medicine,
as it spills over into psychology, pedagogy and related areas), there is no space for welcoming
people in suffering, however, there is an incessant attempt to soften the helplessness through
the medicalization of symptoms. Despite the excessive technicality, specialisms and apparent
competence to assess and diagnose pathologies, there is an increasing presence in the market
of professionals with controversial and deficient training.
Social control and the loss of the subject's autonomy
Another important component of medicalization is social control. Historically,
medicalization has replaced traditional forms of social control and the normalization of social
space, replacing or relativizing the power of religion and law (ZOLA, 1972). The boundaries
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between the normal and the pathological are systematically broken (CONRAD; SCHNEIDER,
1992).
When a child referred to the doctor (or specialist) returns to school with a diagnosis,
there is a change in the way of dealing with him. It seems that the diagnosis itself confers a kind
of understanding that was absent, unknown. A network of professionals and services capable
of treating that diagnosis is quickly structured. However, the diagnosis imprisons, tames and
immobilizes the moving reality, often incurring in classificatory violence.
Thinking about the child diagnosed with ADHD, society less and less tolerates
punishments, or, for example, sending a child to a boarding school to educate a very ‘naughty’
child. With ADHD, the problems are not addressed in educational terms per se, but as a
pathology. The social control of children has become much more important to our culture than
educating and caring for them (TIMIMI, 2009; UNTOIGLICH, 2019). There is the loss of the
subjects' autonomy, another very relevant aspect for the study of medicalization.
Medicalization removes from subjects their ability to know how to deal with the
vicissitudes of life, with everyday problems (ILLICH, 1976). This biological rationality fits as
a response to the imperatives of neoliberalism reproduction, for the unlimited creation of new
goods to circulate in the consumer goods market (TIMIMI, 2008). Therefore, the psychic
geography of the neoliberal subject bears the marks of the medicalization of life.
According to McKinnon (2021), in the book
Genética neoliberal
, the rise of biological
and genetic discourse is congruent with the rise of neoliberalism, since neoliberalism has
developed a kind of global policy to manage human suffering.
So why are people getting sick?
What's the answer? As far as we know, taking the scientific literature as a reference,
there is no simple, single answer or linear causality.
Immediately, the market generated by psychiatric disorders in childhood and
adolescence grows rapidly, systematically encouraged by the alliance between medical
corporations and the pharmaceutical industry (WHITAKER; COSGROVE, 2015). The
recommendations that arrive are: seek to track psychiatric disorders in increasingly younger
children (MAYO CLINIC, 2022; ABENEPI, 2018).
The selling idea is that this is due to the spectacular scientific advances that have made
possible the discovery of psychiatric illnesses and diagnoses. The euphemism refers to the
breakthroughs by scientists and physicians that illuminate some of the darkest mysteries about
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the human mind and bring hope for treatments to alleviate (or even cure) the suffering of
millions of children and families.
Despite having so much widespread propaganda, the reality is configured differently.
Either because the existing psychiatric diagnoses lack solid scientific bases, or because the
dominant treatment is through medication, with disastrous results in most cases. In fact, there
is a spectacular failure to find any reproducible evidence that conditions such as ADHD, or
Autism Spectrum Disorder, or childhood depression are the result solely of genetic,
biochemical, or other localized brain or genome abnormalities.
This fact has been admitted by prominent personalities in the international psychiatric
field, as admitted by Dr. Thomas Insel, director of the NIMH for thirteen years (INSEL, 2022),
if not by the head of the team that produced the DSM-IV, Dr. Allen Frances (COCHRANE
AUSTRALIA, 2022).
Despite the colossal investment to discover the biological causes of psychiatric
conditions, there is abundant evidence of social determinants in so-called disorders.
(BERESFORD
et al.
2016; READ
et al.
2013; COHEN, 2016; SMAIL, 2005).
Structural changes in the context of childhood and adolescence: the context of increasing
medicalization
The space of childhood has changed in contemporary Western culture. We cannot think
about childhood and adolescence without taking into account the civilizing process that builds
what it is to be a child, adolescent, youth, adult, elderly person. Being a child or teenager today
is not the same as it was a few decades ago, at the beginning of the 20th century or at the
beginning of modernity (ARIÈS, 1978).
The excessively biological approach reduces the “bio-psycho-social” to “bio-bio-bio”
(READ, 2005). More and more prominent psychiatrists are speaking out against the corrupting
role of pharmaceutical companies and the simplistic model they promote to sell their products.
In 2005, Dr. Steven Sharfstein, then President of the American Psychiatric Association (APA),
wrote:
If we are seen as mere pill pushers and employees of the pharmaceutical
industry, our credibility as a profession will be compromised. In approaching
these Big Pharma questions we must examine the fact that as a profession we
have allowed the bio-psycho-social model to become the bio-bio-bio model.
(SHARFSTEIN, 2005, [n.d.], our translation).
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More recently, criticism of the biomedical model of psychiatry has been made by no
less than the United Nations. The Doctor Dainius Pūras,
Lithuanian psychiatrist, United Nations
rapporteur, wrote:
Current mental health policies have been largely affected by power asymmetry
and biases due to the dominance of the biomedical model and biomedical
interventions. This model has led not only to the excessive use of coercion in
the case of psychosocial, intellectual, and cognitive impairments, but also to
the medicalization of normal reactions to the many pressures of life, including
mild forms of social anxiety, sadness, shyness, absenteeism, and antisocial
behavior (...) This message can promote the overuse of diagnostic categories
and expand the medical model for diagnosing pathologies and providing
individual treatment modalities that lead to excessive medicalization. The
message diverts policy and practice from embracing two powerful modern
approaches: a public health approach and a human rights-based approach…
Excessive medicalization is especially harmful to children, and global trends
to medicalize complex psychosocial and public health issues in childhood
must be addressed more strongly with a political will (HUMAN RIGHTS
COUNCIL OF UNITED NATIONS, 2019, our translation).
On 10 June 2021, the World Health Organization (WHO) joined this worldwide call for
overcoming the biomedical model of psychiatry, with a 300-page document entitled
Guidance on community mental health services: Promoting person-centred and rights-based
approaches
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021). The document states:
The predominant focus of care in many settings continues to be diagnosis,
medication and symptom reduction. Critical social determinants that affect
people's mental health, such as violence, discrimination, poverty, exclusion,
isolation, job insecurity or unemployment, lack of access to housing, social
safety nets and health services, are often neglected or excluded from mental
health concepts and practices. This leads to an exaggerated diagnosis of
human suffering and an excessive dependence on psychotropic drugs, to the
detriment of psychosocial interventions (...) A fundamental change is needed
within the field of mental health in order to put an end to the current situation.
This means rethinking policies, laws, systems, services and practices in the
different sectors that negatively affect people with mental health conditions
and psychosocial disabilities, ensuring that human rights underpin all actions
in the field of mental health. In the specific context of mental health services,
this means a move towards more balanced, person-centred, recovery-oriented
practices that consider people in the context of their lives as a whole,
respecting their will and preferences in treatment, implementing alternatives
to coercion, and promoting people's right to community participation and
inclusion (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021, p. 20, our
translation).
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The medicalization of childhood and adolescence in the context of neoliberal society
The growth of child psychiatric medicalization is contemporary with important
psychosocial changes in the context of childhood and adolescence. We often observe the
medicalization of family relationships and generational tensions.
In a schematic way, here is an overview of some of the main changes in contemporary
family structure:
Family structure – disappearance of the extended family, increase in separations and
divorces, increase in parental working hours, decrease in time spent by parents with
children (BOUNDLESS SOCIOLOGY, 2022). Parenting is now defined not only by
biology, but by socio-affective and civil factors, being increasingly determined by the
social that acts through specialists. The social models the relationship between parents
and children mediated by the action of health professionals, educators and
representatives of the law, figures of the social third part.
Family style – increased mobility, loss of community roots, increased quest for
individual gratification. The democratization of the private sphere is currently the order
of the day (BOUNDLESS SOCIOLOGY, 2022). It is worth noting, according to
Giddens (1993), the importance of democracy in this contemporary family style.
Democracy means that the opportunity for the strength of the best argument to be
preponderant, as opposed to other ways of making decisions. In contemporary times,
the democratization of family life has taken place.
Children's style – decline in the amount of physical activity, changes in diet with
increases in sugars and fat and decreases in essential vitamins, minerals and fatty acids,
childhood 'domestication' due to fears, health and safety risks that result in seeking
activities at home, such as using computer, TV and tablets (BOUNDLESS
SOCIOLOGY, 2022).
Childhood marketing – increased consumption of goods for children and the creation of
new commercial opportunities in childhood, for example in the food, care industry and
pharmaceutical industry (BOUNDLESS SOCIOLOGY, 2022).
Educational system – strong emphasis on academic performance, productivity and
competition. Jerusalynsky (2018) claims that there is a growing demand for
professionals in the 'psi' field by the school, whose complaints gravitate around
depression, lack of motivation, intolerance and even virtual lynchings.
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If we turn our attention to what has been happening with Brazilian children in recent
years, the reality is too shocking:
•
The number of children aged six and seven in Brazil who cannot read and write
grew by 66.3% from 2019 to 2021 – explaining one of the effects of the COVID-19 pandemic
on Brazilian education. According to data from the NGO
Todos pela Educação
, 2.4 million
Brazilian children are not literate in this age group. The number corresponds to almost half
(40.8%) of children in this age group. (CNN BRAZIL, 2022).
•
Of every four public schools in the city of Rio de Janeiro, three suffer from
shootings nearby (CRUZ; GRINBERG; PERELLÓ, 2022). Rio de Janeiro, one of the main
tourist postcards in Brazil, is a frequent scene of clashes between rival drug-trafficking factions
or with the police, especially in Rio's favelas.
•
Violence and helplessness, as well as the multiple transformations of
contemporaneity, explain the complexity that gravitates around children's behaviors, since these
are not limited to the biological paradigm.
The question of narcissism
Another major psychosocial determinant refers to a culture that is anchored in
narcissism. According to Lasch (1983), medicine and psychiatry reinforce the pattern created
by cultural influences, in which the individual examines himself interminably looking for signs
of old age and illness, for symptoms that indicate psychic tension, for stains or imperfections
that may diminish your attraction, or to confirm indications that your life is going according to
the scheme. Thus, contemporary medicine has created new ways of producing insecurity, on
the other hand, narcissism seems to represent the best way to fight for equality of conditions
with the tensions and anxieties of life. As a result, social conditions tend to bring out the
narcissistic traits present, to varying degrees, in all of us. The belief that a society has no future,
while based on a certain realism about the dangers of becoming, also embodies a narcissistic
inability to identify with posterity or to feel part of the flow of history.
The ideology of personal growth, superficially optimistic, radiates a deep despair and
resignation, according to Lasch (1983, p. 78, our translation): “It is the faith of those who have
no faith”.
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For Birman (2019), there was a historical emergence of narcissism as a problem and as
a contemporary field. Therefore, it is necessary to give due attention to the social emergence of
the image problem in contemporary times. The diffusion of the culture of the image with the
narrowing of the culture of the argument was made possible with the advancement of new
technologies, in close relationship with the discourse of science and in the form of the discourse
of technoscience. Thus, another world began to be meticulously reconfigured, ostensibly by the
impact of the image on life forms. The promotion of the simulacrum, the appearance and the
ephemeral, in a political economy of the sign in contemporary times is guided by the void as a
fundamental axis.
The culture of narcissism has become the central axis in the life of neoliberal societies,
including the lives of children. The 'freedom' of neoliberalism presupposes deregulation.
Companies should be as free from regulation as possible. Social subjects are reduced to
individuals trained to compete with others. Maximizing earnings is the main benchmark for
being successful. There is very little to be gained from social responsibility (only if it increases
one's market share). On an emotional level, the call for freedom can be understood as a call to
free ourselves from the restrictions imposed by authority (such as parents, communities and
governments). Which implies searching for the wants (not needs) of the individual (in other
words, narcissism). The culture of neoliberalism forms subjects according to essential
imperatives for the reproduction of the system's rationality (DAVIES, 2021).
Increasingly, the need for admiration is being created, the appreciation of disrespect for
the feelings of others, increasing the inability to deal with criticism and frustrations.
Neoliberalism finds fertile ground to spread with the articulation between the phenomenon of
medicalization, the culture of narcissism, performance and individualism, which are mutually
reinforcing.
The biomedical model: psychopharmacological diagnosis and treatment
The biomedical model is in the DNA of psychiatry (GOODWIN; GEDDES, 2007). One
of its assumptions indicates that psychic disorders are diseases that can be distinguished from
one another, defined in diagnostic categories, scientifically validated and verified by any –
minimally – trained clinician. The other linked assumption postulates the existence of drugs
that treat the biological determinants of pathologies. The disease-treatment (medication) dyad
is the fundamental pillar.
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Medicalizing children and adolescents
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022022, 2022. e-ISSN:
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However, there is no reliable scientific evidence to say that a disorder x, y or z is caused
by a specific chemical imbalance in the brain, whether specific, localized or systemic
(BENTALL, 2009; MONCRIEFF, 2009).
Ehrenberg (2010) calls “therapeutic evidence” the idea that, in the absence of biological
markers in psychiatry, it is the effect of the medication that establishes or confirms the diagnosis
and treatment.
Psychopharmacological diagnosis and treatment
When, for example, clinical depression in an adolescent is diagnosed, has the cause of
the problems presented by the patient been discovered? Is there objective evidence to support
the diagnosis? The answer to both questions is no.
Psychiatric diagnosis is based on subjective belief, on conviction. There are
questionnaires that supposedly provide objective parameters. These questionnaires claim
reliability and validity, the message conveyed is that they have been tested and that they
measure what is proposed. However, as the diagnosis is interposed between the doctor-patient
relationship, an almost insurmountable barrier is created for the interpersonal interaction itself.
After labeling and transforming the common subject into a patient, it is not simple to do without
the diagnosis (BENJAMIN, 2018).
So how is a diagnosis made? There are no blood or imaging tests, x-rays or brain scans
to demonstrate that there is something wrong with the brain as the sole and original source of
mental illness. The so-called tests for psychiatric diagnoses are exercises with pen and paper or
through clinical examination based on the physician's observation and subjectivity.
Regarding the child, a set of questions is carried out or a questionnaire is asked to be
filled in by those responsible. What do these tests and quizzes measure? The obvious: the
perception that those responsible have about the child. But it is not a medical examination itself.
What is the reliability, validity and ethical commitment of this type of evaluation?
Let's take the two commonly diagnosed childhood disorders as a reference and see how
the biomedical model of psychiatry approaches them, as well as their consequences.
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ADHD
The DSM-5 defines ADHD in the following terms: a persistent pattern of inattention
and/or hyperactivity-impulsivity that interferes with functioning and development. Due to space
limitations, readers are recommended to consult the DSM-5 to note how the symptoms are
officially described.
It is noteworthy the use of imprecise, vague terms, such as: “often”, “difficulty”, “seems
like”, “easily”, “excessively”, used to determine the symptoms of ADHD as “objectivity”.
However, how to define them? The most used term is “often”, but what does that mean?
Behaviors that appear at least once a day or every minute? In all circumstances or in some?
Which?
As there is no medical examination to support it, the decision on the existence of ADHD
results from an arbitrary decision, which depends on subjective judgment, the clinician's
conviction and his or her instituted power.
In the absence of objective tests, the cut-off line between 'normal' and ADHD is arbitrary
and controversial. This rigid and obscure border does not include differences, inequalities,
socioeconomic realities, family issues, school difficulties or other variables that may be
intervening and, on the other hand, confer a high presence of comorbidities.
Psychopharmacological treatment: Stimulants
Popular brand names: Ritalin, Equasym, Concerta, Dexedrine, Adderall.
The most common medications used to treat ADHD are central nervous system
stimulants that contain methylphenidate, such as Ritalin. They are stimulants from the same
chemical family as drugs like ecstasy and cocaine. Stimulant drugs are potentially abusive drugs
and categorized in the legal system as 'controlled drugs'. Being stimulant drugs, their cognitive
and behavioral effects are the same, whether in children diagnosed with ADHD or in normal
children. They are psychoactive drugs, therefore, they produce cognitive, behavioral and
affective-emotional changes.
In Brazil, the 'drug for obedience', as it is called, has had a spectacular increase in
consumption. We are the second largest consumer of methylphenidate in the world (EVAS,
2012).
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The evidence
The evidence on the harmful effects of stimulants is plentiful. Only a few were selected.
There was a marked increase in the tendency to play alone, related to the use of Ritalin, and a
corresponding reduction in social interactions (RUSSEL, 1978). Stimulant use has also been
linked to reduced children's curiosity to explore their environment (FIEDLER, 1983) and loss
of liveliness (DAVY, 1989). Children medicated with methylphenidate often become passive,
submissive and socially isolated (GRANGER; WHALEN; HENKER, 1993).
Ritalin, despite improving performance in repetitive and routine tasks that require
constant attention, does not have the same effect on reasoning, problem solving and learning,
which do not appear to be positively affected (SROUFE, 1973). Another study suggests that
Ritalin does not produce any benefit in relation to reading, spelling, or math and, on the
contrary, hinders one's ability to solve problems (RIE, 1978).
The main effect of stimulants appears to be an improvement in classroom management
skills (RUSSEL, 1978). In 1995, the NIMH designed a study to assess long-term outcomes.
Considered the 'first major clinical trial' conducted by the Institute of a Childhood Mental
Disorder, the NIMH Collaborative Multisite Multimodal Treatment Study observed that the
short-term results achieved the goals of drug treatment: dramatically reducing a range of core
ADHD symptoms, such as task-irrelevant activities (e.g., finger tapping, fidgeting, fine motor
movements [behavior] unrelated to the task during direct observation) and classroom
disturbance (RICHTERS
et al.
, 1995).
After 14 months of treatment, the researchers periodically followed up with the students,
assessing their performance and their use of ADHD medication. After three years, they found
that medication was a significant marker not of a beneficial outcome, but of deterioration. In
other words, participants who used medication in the period of 24 to 36 months showed an
increase in symptomatology during this period, compared to those who were not taking
medication (JENSEN, 2007).
In addition, there was a significant increase in delinquency rates among those who used
long-term medication. Specifically, at the end of three years of use. This fact could mean that
users were more likely to get into trouble at school and with the police (MOLINA
et al.
, 2007).
At the end of eight years, medication use was associated with worse
hyperactivity/impulsivity and symptoms of oppositional defiant disorder (ODD), as well as
greater global functional impairment (MOLINA
et al.
, 2009). The conclusion of the study was
clear: there were no beneficial effects. In the short term, medication will help the child to behave
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better, however in the long term it will not. This important information must be very clear and
transmitted to parents who choose the drug route.
Medications can also have serious side effects, including growth retardation.
Unfortunately, few doctors and parents seem to be aware of the lack of efficacy of these
psychotropic drugs (SROUFE, 2012).
The emergence of manic and psychotic states in children undergoing drug treatment for
ADHD has also been verified. Canadian researchers reviewed the charts of children being
treated for ADHD treated from January 1989 to March 1995. During the 5 years, 192 children
were diagnosed with ADHD, 98 receiving psychostimulant treatment. Of the children being
treated with these drugs, 6% developed psychotic symptoms during treatment. The children
were followed for an average of 1 year and 9 months (CHERLAND; FITZPATRICK, 1999).
To compare demographic and clinical characteristics among adolescents with bipolar disorder
with and without a history of stimulant treatment, researchers found a tendency toward bipolar
disorder among those adolescents who had prior psychostimulant treatment (DELBELLO
et
al.
, 2001).
Childhood depression
Technically, clinicians rely on criteria developed to diagnose adults. At this point in the
study, we suggest consulting the DSM-5 to see how depression symptoms are described.
An adult must have at least five of the nine symptoms over a two-week period to be
diagnosed with major depression. The DSM-5 makes only two comments about children:
depression can be an irritable mood or failure to achieve expected weight gain. In other words,
angry outbursts or frequent tantrums can be classified as a symptom of childhood depression
(BISMAHER; RYAN; WILLIAMSON, 1996).
There are also initiatives to expand the notion of depression in children between 5 and
12 years old (KORECZAK; GOLDSTEIN, 2009). The justification would be that most adult
disorders originate in childhood, and most childhood disorders have consequences that will
extend into adulthood (KOVACS; FEINBERG; CROUSE-NOVAC, 1984). It goes as far as to
say that MDD can exist in preschoolers (LUBY
et al.
, 2014; CASTELLO; ERKANLI;
ANGOLD, 2006).
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Psychopharmacological treatment: Antidepressants
The most well-known brand names: Prozac, Zoloft, Luvox, Paxil.
Prozac entered the market in 1988. At this time, only one in 250 children and adolescents
under the age of 19 in the United States were taking an antidepressant. Until then, studies carried
out with tricyclic antidepressants (those existing at the time) showed that their positive effects
were not superior to placebo in this age group (FISCHER, 1997).
We know about all the fuss created around Prozac, considered as the happiness pill
(KRAMER, 1997). This is the new generation of antidepressants, the selective serotonin
reuptake inhibitors (SSRIs). With the introduction of SSRIs, the percentage of medicated young
people tripled between 1988 and 1994 and, in 2002, 1 in 40 children and young people under
19 years of age were taking an antidepressant in the United States (DELATE
et al.
, 2004).
The results of published research tend to favor the benefits and hide the harm, such as
the number of suicides in young users of antidepressants, according to what is systematically
recognized in the scientific community. (WHITTINGTON,
et al.
, 2004; JONATHAN, 2006;
JUREIDINI
et al.
, 2004).
Psychopharmacological treatment: Antipsychotics
The most common brand names: Risperidone, Zyprexa, Seroquel, Abilify.
Common sense until recently was that this class of psychiatric drugs should only be used
for severe mental illness in adults. As with contemporary psychopharmacology, from the 1990s
onwards, there was an absurd expansion of new consumers, especially children and adolescents.
Antipsychotics have been prescribed for non-psychotic conditions: ADHD, impulsivity,
insomnia, aggression, Post Traumatic Stress Disorder, obsessive-compulsive symptoms, eating
disorders, poor frustration tolerance (OLFSON
et al.
, 2006). Which is a very controversial
procedure clinically.
Recently, even the prescription of antipsychotics for children and adolescents has
increased dramatically in most countries (VARIMO
et al.
, 2020; SHRODER
et al.
, 2017).
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Final considerations
The medicalization of childhood and adolescence has at the center of its justification the
idea that drugs will correct an underlying biological abnormality. Although initially presented
with a strictly technical and objective guise, it is a verifiable scientific fallacy from the
diagnostic description itself, the use of the medication and its respective effects in the short,
medium and long term. The ever-delayed promise of scientific evidence to support and justify
drug interventions has no counterpart in the description of the categories found in psychiatry
manuals. The medicalization of childhood does not require sufficient scientific evidence and
works as a strategy for social control and normalization.
The diagnoses are made from imprecise descriptions that make up the diagnostic
categories. Therefore, it becomes urgent to question the ethical-political dimension of
psychiatric diagnosis and its continuous expansion.
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: 15/06/2022
Required revisions
: 10/07/2022
Approved
: 12/08/2022
Published
: 30/09/2022
Processing and publishing: Editora Ibero-Americana de Educação.
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