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Sobre a irremediável educação
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN:
1982-4718
DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16717
1
SOBRE A IRREMEDIÁVEL EDUCAÇÃO
SOBRE LA IRREMEDIABLE EDUCACION
ABOUT IRREMEDIABLE EDUCATION
Leandro DE LAJONQUIÈRE
1
RESUMO
: Na esteira da tradição dos estudos psicanalíticos em educação, o autor elucida a
insistência atual dos adultos, ora profissionais ora simples pais, de administrarem
medicamentos às crianças quando estas não estariam de fato doentes. O raciocínio se estrutura
em torno do contraponto entre duas experiências educativas ocorridas no século XIX, a do
“
garoto selvagem do Aveyron
”
, na França pós-revolucionária e a de Helen Keller, uma menina
de sete anos cega e surda, nos Estados Unidos pós-guerra de secessão. Tal contraponto permite
esclarecer o que está em pauta em toda educação que se preze; não uma educação eficaz, como
costuma-se sonhar hoje em dia, mas subjetivante, isto é, passível de fazer emergir um sujeito
de palavra.
PALAVRAS-CHAVE
: Medicalização. Sujeito. Infância. Educação.
RESUMEN
:
Siguiendo la tradición de los estudios psicoanalíticos en educación, el autor
dilucida la actual insistencia de los adultos, a veces profesionales y a veces padres, en
administrar medicamentos a los niños cuando no están realmente enfermos. El razonamiento
se articula en torno al contrapunto entre dos experiencias educativas ocurridas en el siglo XIX,
el "niño salvaje de Aveyron" en la Francia posrevolucionaria y Helen Keller, una niña sorda
y ciega de siete años, en los Estados Unidos posguerra de secesión. Tal contrapunto permite
aclarar lo que está en juego en toda educación que se precie; no una educación eficiente, como
se acostumbra a soñar hoy en día, sino una educación subjetivadora, es decir, capaz de hacer
emerger un sujeto de palabra.
PALABRAS CLAVE
:Medicalización. Sujeto. Infancia. Educación.
ABSTRACT
: In the wake of the tradition of psychoanalytic studies in education, the author
elucidates the current insistence of adults, sometimes professionals, sometimes simple parents,
of administering medication to children when they are not actually sick. The reasoning is
structured around the counterpoint between two educational experiences that took place in the
19th century, that of the so-called wild boy of Aveyron, in post-revolutionary France, and that
of Helen Keller, a seven-year-old blind and deaf girl, in the post-revolutionary United States
secession war. This counterpoint allows the author to clarify what is at stake in education; not
an effective education, as we are used to dreaming nowadays, but a subjectivizing education,
that is, one capable of making a subject of speech emerge.
KEYWORDS
:
Medicalization. Subject. Childhood. Education.
1
Université Paris 8 Vincennes Saint-Denis (Paris8), Saint-Denis
–
França. Diretor de Pesquisas, Ecole doctorale
Pratiques et Théories du Sens. Doutor em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6286-1784. E-mail:
ldelajon@gmail.com
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Leandro DE LAJONQUIÈRE
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, Araraquara,
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2
Eu não procuro, acho
Pablo Picasso
Há pouco mais de meio século, quando ainda éramos crianças, todo comportamento
reprovado no ambiente escolar era passível de alguma sanção. Por vezes, devíamos ir falar com
o diretor da escola para lhe diser da falta cometida. Este, após ter nos escutado, pedia-nos para
ficar em silêncio sentados, vendo-o trabalhar, até a penitência acabar. Noutras oportunidades,
devíamos escrever duzentas vezes a frase ‘não devo conversar em sala de aula’
. Quando
tínhamos alguma dificuldade em matemática, a professora nos fazia ir à lousa para corrigir em
flagrante nossa forma errada de calcular. Quando, por vezes, ficávamos distraídos na aula, ela
nos perguntava se por acaso estávamos ‘na lua de Valência’
2
, motivando de nossa parte um leve
sorriso e um redirecionamento de nosso olhar para a lousa. Já quando o que fazia falta, ao
entender de nossos professores, era a nossa dedicação às tarefas escolares, então, os pais eram
chamados e estes sabiam como dar ao filho o tempo que este dizia não dispor para fazer os
deveres de casa
–
eles lhe proibiam por um tempo de sair para brincar com os amigos na rua ou
no parquinho da esquina.
O mérito pedagógico desses corretivos foge a qualquer comprovação dita científica.
Mais ainda, nenhum de nós, hoje na faixa dos sessenta anos, seria capaz de sustentar que seu
sucesso empresarial ou o fato de ter passado no vestibular ou de ter se tornado médico, por
exemplo, é o resultado direto dessa forma que os adultos tinham de tocar vida com as crianças
até algumas décadas atrás. Qualquer um desses feitios em nossas vidas não passa de um
imponderável que a psicanálise coloca na coluna
sujeito do desejo
na hora da contabilidade
existencial (DE LAJONQUIÈRE, 2021a). Alguns espíritos pedagógicos, obnubilados pelo
rendimento psicológico e/ou financeiro, podem chegar a propor que, tendo em vista o fato de
essa considerada educação tradicional carecer de toda justificação, então, nada melhor que a
substituir por outra mais eficaz. Uma educação seria supostamente eficaz sendo ela capaz de
fazer com que as crianças venham a ser sempre aí
–
nesse lugar imaginário
–
onde nós as
esperamos, mais ou menos (im)pacientemente, como seres plenamente desenvolvidos.
No entanto, há nesta história algo que pode, sim, ser ponderado, embora isso fuja
decididamente a todo parâmetro utilitário. Nesse sentido, caberia perguntar-se o que poderia
2
O autor deste ensaio fez a escola primária na Argentina e ignora até os dias de hoje a origem dessa sentença em
castelhano.
Por que cargas d’água, a lua que retinha a atenção das crianças,
tinha que ser de Valência e não de
qualquer outra cidade espanhola?
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restar do
tempo de infância
3
a ser memorado uma vez adulto, quando não dispomos em estoque
dessas ou de outras experiências para contar, dando a entender, assim, que nós também fomos
jovens num passado não tão passado. Simplesmente não resta muita coisa digna de ser
lembrada. Se do tempo de infância retirarmos o fato que fomos certa vez uma criança
vocacionada a não ficar presa nesse lugar onde éramos procurados fantasmaticamente pelos
adultos, então, não resta grande coisa que mereça ser contada. Essas ‘faltas cometidas’ dizem
tanto de nós mesmos, quanto dos adultos que tiveram por bem bancar, de forma singular, um
certo lugar de responsabilidade na empresa educativa. Em suma, elas dizem do tipo de laço
social desdobrado entre adultos e crianças num momento de nossa história ou, em outras
palavras, dizem do imaginário social que é possível de se habitar numa época dada e no qual
toda experiência educativa se enraíza. Segundo os estudos psicanalíticos em educação, essas
faltas dizem do
desejo
como
falta
que tanto faz encontro quanto desencontro ou diferença
na intimidade do laço intergeracional
(DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2013, 2021a).
Nesse sentido, as crianças de hoje correm o risco de não terem muita coisa digna de ser
lembrada no amanhã. Salvo que alguém pense que
ser doente
ou padecer de síndromes diversas
e variadas tenha alguma graça em ser lembrado quando grande numa conversa com nossos
filhos e/ou alunos. Ao contrário, lembrar que por pouco um acidente sofrido poderia ter sido
fatal, ou que com certo esforço e cuidado acabamos superando uma doença qualquer é coisa
muito diferente. O primeiro acontecimento diz de nossa boa sorte, o segundo de nossa
perseverança.
Quando a doença cobre a totalidade da existência, então, não é mais possível
estar
doente
, pois se passa a
ser doente
. Nos casos de doenças crônicas que eclodem num momento
da vida, a questão é como a pessoa adoentada consegue ainda usufruir de um ser-não-doentio
para, assim,
estar doente
, sem por isso
ser doente
. Semelhante desafio não é coisa fácil em se
tratando de gente grande e de doenças do corpo. No entanto, os exemplos dos que conseguem
preservar
o ser
da doença, da invalidez ou da menos-valia corporal contam-se aos montes.
Tampouco é pouca a quantidade de gente cujo investimento psíquico na vida se reduz ao
passatempo de esperar resignadamente pelo milagre que lhe devolverá a performance perdida.
Quando se trata de crianças e, mais ainda, de supostas doenças na forma de ser, o dar a volta
por cima passa a ser improvável. Com efeito, quando a uma criança é diagnosticada, uma
doença no ser
, a suposta doença, parasita o ser pelas suas entranhas. O peso desta holófrase
3
Sobre a preferência de se usar “tempo de infância” e não simplesmente o termo infância pode se consultar:
A
psicanálise e o debate sobre o desaparecimento da infância
(DE LAJONQUIÈRE, 2006) e
Figures de l’infantile
(DE LAJONQUIÈRE, 2013).
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estar-ser compromete as chances de a criança vir a conquistar para si um lugar singular de
sujeito numa história em curso
e, assim, de
se dizer a que veio ao mundo junto a outros
.
Há doenças que não o são de fato: parecem doenças, mas não o são. As doenças do
corpo são doenças, algumas têm cura outras não. Já as que parecem doenças, mas não o são,
correspondem a
modos de existência
. Elas são às vezes chamadas de doenças do espírito ou da
alma. No entanto, embora possa haver almas ou espíritos mais ou menos atribulados, isso não
significa nem que sejam nem que estejam doentes. Toda doença que se preze implica um estado
mais ou menos desviado de um funcionamento biológico considerado padrão ou normal com
vistas à sobrevida do organismo. Assim, as ditas doenças do espírito são uma contradição em
seus termos: ou não são doenças ou não concernem ao espírito embora este bem possa sofrer
4
.
Ser desordenado, esperançoso ou preguiçoso não são doenças. Ser heterossexual,
homossexual, antipático, deprimido, feliz empedernido, obsessivo contumaz ou aversivo ao
matrimônio tampouco são doenças, embora nenhuma dessas formas de ser esteja isenta do mal-
estar psíquico inerente a toda e qualquer existência humana. Ter faltas de ortografias, não
aprender matemática, ficar disperso nas aulas, não ser muito solidário com os amigos, não ir
empolgado à escola ou ser mais ou menos espalhafatoso tampouco são doenças. Por isso mesmo
os comprimidos psicotrópicos não fazem nem cócegas às formas de tocar a vida humana. A
farmacologia é incapaz de afetar
o ser
na sua intimidade, embora possa adormecer ou acelerar
certas reações fisiológicas da pessoa medicada que, à certa distância, pode até dar a impressão
de estar bem melhor. Assim como tampouco, comparativamente, mas no estrito registro da vida
molecular, uma dose de paracetamol capaz de diminuir a febre é incapaz de opor resistência ao
avanço da infecção de Covid. Em suma, os ditos benefícios dos medicamentos desmancham no
ar após um certo tempo quando se trata de querer suturar
o mal-estar inerente à existência
humana
(FREUD, 1973c).
A existência de um
sujeito
, de um
ser de palavra
, ou de um
falasser
[parlêtre],
conforme o neologismo caro a Jacques Lacan (2001), implica na existência de um organismo
vivo, mas o ser do
falasser
não é biomolecular. Assim sendo, a farmacêutica, bem como uma
cirurgia podem possibilitar a um corpo doente reequilibrar as chances de seguir vivendo mais
um tempo, pois há doenças que matam rapidamente se nada for feito. Porém, nenhuma forma
do ser, seja a heterossexualidade, a homossexualidade, a depressão, a simpatia, o TDAH, a
discalculia, a dislexia etc. têm em si o poder de matar e, por isso mesmo, médico algum faz
referência a nenhuma delas num atestado de óbito.
4
As autoproclamadas iniciativas de prevenção do autismo infantil caem com usura nessa contradição, embora
afirmem não pretenderem ser iatrogénicas (DE LAJONQUIÈRE, 2021a).
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Nesse sentido, cabe perguntar-se: por que insistimos hoje em medicar crianças que
gritam, que não param de se mexer, que têm faltas de ortografia, que não calculam direito ou
que concentram a sua atenção na Lua de Valência?
O cérebro é incapaz de pensar
A epidemia adulta de administrar medicamentos às crianças, embora não estejam de fato
doentes, obedece a um sem-número de razões de diversos teor e calibre. Dois elementos desta
equação merecem destaque.
Por um lado, não conseguimos nos desvencilhar da ilusão de que as formas do
falasser
sejam epifenômenos da vida orgânica. Insistimos em confundir o fato de uma pessoa precisar
do cérebro para se entregar aos pensamentos mais variados com a incapacidade de pensar do
próprio cérebro. Na contramão dessa ilusão, solidária daquela outra de poder se extrair a tal
pedra da loucura, mas na época na qual as crianças já tomavam biotônico Fontoura, embora
ainda não Ritalina, Jean Piaget (1967) argumentou que embora devamos estar vivos para pensar
matematicamente, a neurologia nunca explicará por que 2 mais 2 são 4, pela simples razão que
os neurônios não pensam. O funcionamento cerebral não causa, nem estrutura o pensamento.
A meu entender, o cérebro é simplesmente um limite para um
falasser
. No entanto, hoje em dia
e como prova da pregnância hegemônica dessa ilusão, nem sequer partidários do dito
construtivismo pedagógico brasileiro conseguem desconfiar do hábito de se medicar crianças
sob o pretexto de terem supostamente nascido ou contraído dislexia ou discalculia.
Por outro lado, opera a queda bem adulta de que as crianças sejam aí, nesse lugar, onde
nós as fantasiamos ou, em outras palavras, a esperança de que elas venham a responder sempre
do lugar que ocupam em nosso fantasma inconsciente, não havendo falta alguma na educação.
Assim, não medimos esforços para corrigir a resposta considerada ser indício de
um suposto
ser desviado
. Dessa forma, fecha-se um círculo vicioso: a queda bem adulta em fazer com que
a criança apareça sempre bem focada na foto, isto é, não em falta, encorpa a crença no
reducionismo epifenomênico que, por sua vez, outorga credibilidade pseudocientífica ao que
carece de toda justificação.
O leitor não deve concluir que o autor deste ensaio considere ótimo e maravilhoso que
uma criança não aprenda a ler e a escrever com certa correção ou que uma outra não consiga
concluir que 2 mais 2 são 4. Que tal coisa seja preocupante e que implique nossa
responsabilidade adulta não justifica que sejam consideradas respostas de um ser desviado. Por
quê? Pelo simples fato que não há
desvio
, sem
norma
. Não devemos confundir erros de cálculo,
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conhecimentos falsos, raciocínios apressados e ideias mais ou menos delirantes com desvios do
pensar de um cérebro.
Nenhum cérebro pensa, assim como tampouco há uma forma normal
do
falasser
se pensar
. Entre o pensar e a vida orgânica, que lhe suportando também lhe coloca
um limite, a relação é de luta mortal, mas não de causa-efeito.
Perante uma criança que não aprende a ler, escrever ou calcular, quando em princípio
estes saberes lhe são ensinados com certa parcimônia numa sociedade letrada, quando uma
criança se condena ao mutismo, ou fala sem parar ou não diz coisa com coisa, ou não pode
deixar de andar na ponta dos pés, ou agita-se sem cessar, cabe pensar que ela não está bem nem
com ela mesma, nem com os outros ao ponto tal de perder o rumo da circulação social e de se
embaralhar em ser. A cada vez que a um
falasser
não é possível se dizer a que veio ao mundo,
o ser se atola no sofrimento psíquico. Portanto, todas
essas formas de ser da criança num
lugar de ser de exceção no laço social dizem do sofrimento do
falasser
vir a se dizer junto
a outros
. Essa sua dificuldade é toda sua, mas é ao mesmo tempo o resultado de como a criança
se posiciona perante as demandas e o desejo dos adultos, na ordem de 50% cada. Nesse sentido,
uma intervenção que vise alterar o status quo deve fisgar o pensar pelas entranhas, isto é, o ser
do
falasser
que está a se dizer no campo da palavra e da linguagem (DE LAJONQUIÈRE,
2020d; 2021a; 2021b). Administrar fármacos nestes casos não só não altera a equação a favor
do pensar, do desdobrar do
falasser
, senão que, mais ainda, meta-transmite para a criança que
os adultos nada querem saber de seu sofrimento devido ao fato de ter se afundado num impasse
consigo mesma e com os outros. Isso não é de bom augúrio na educação de uma criança.
Pretender extirpar a conduta ou uma resposta infantil considerada desviada pelo ‘bem
da criança’ não tem o mesmo valor que a singela pretensão de ensinar uma criança a escrever
sem faltas de ortografias, uma vez que tanto a língua merece o nosso respeito quanto a criança
merece usufruir da possibilidade de se juntar a nós nessa empreitada. Pretender apagar o desvio
é a ponta do iceberg de uma forma inconsciente que temos de nos endereçar à criança que neste
caso implica no rechaço de nossa parte em acolher
a diferença em causa em toda educação
(DE LAJONQUIÈRE, 1999). A educação implica tanto um encontro com uma criança quanto
um desencontro. O achado, não é o procurado. Essa diferença retorna para o adulto transvestida
sob a forma do indício de um ser-criança desviado a ser corrigido graças à medicação milagrosa.
A medicalização confirma a queda bem adulta de nada querer saber que o desvio visto não é de
fato mais do que uma diferença de posição no campo da palavra e do discurso entre as gerações.
Os adultos nada querem saber dessa diferença que toda criança deve saber emplacar na
conquista para si de um lugar singular de sujeito numa história em curso no campo da
palavra e da linguagem
. Essa conquista implica que a criança venha a se extrair desse lugar
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no qual o adulto a procura. Se a criança não produzir para si, uma e outra vez, essa diferença,
então, ela embaralha-se em dizer a que veio à vida dos homens.
O que toda criança dá a ver ao adulto, seja ou não considerado um suposto desvio a ser
corrigido, é seu próprio produto, ou seja, trata-se do resultado do trabalho psíquico implicado
no fato de que ela deve se haver com as demandas e o desejo dos adultos. Quando a criança de
fato aprende com certa leveza de espírito aquilo que lhe é ensinado
–
conhecimentos os mais
variados
–
isso significa que ela consegue sustentar duas operações psíquicas distintas num
mesmo e único tempo: por um lado, enganchar-se nos significantes que articulam a experiência
educativa e, por outro, deixar cair o viés objetivante embutido na operação de apreender os
significantes postos a circular pelo adulto.
Todo bebê que se lança à palavra, que fala, acabou um dia por enunciar com certa clareza
e distinção uma palavra qualquer, exceto aquelas duas tão impacientemente estimuladas (sic)
pelos pais, ou seja, ‘mamãe’ ou ‘papai’. Por que será que o bebê não pode oferecer de entrada
as palavra
s tão procuradas? Porque entregar ‘isso’
5
sem mais anteparos implica em responder
desse lugar mesmo onde ela é fantasmaticamente para os adultos. Seria como responder em
eco. Falar implica então, numa dupla e mesma operação de alienação e de separação, em que o
segundo lance, que não é de fato tal, vem a recalcar, ou apagar, o primeiro. Por outro lado, o
fato de a criança vir a se fechar no mutismo ou falar ecolalicamente diz da sua impossibilidade
em sustentar a operação psíquica de recalcamento do desejo adulto de que ela responda do lugar
onde é sonhada ou, em outras palavras, da impossibilidade de ela vir a se extrair como um
sujeito desse lugar de objeto fantasmado no horizonte.
O acontecimento de falar é 100% o feitio de um sujeito, mas isso não quer dizer que a
criança e o adulto não contribuam de entrada com 50% cada. Criança nenhuma se lança à fala
se um adulto não endereçar a ela a ‘sua palavra’, embora não poucos considerem que falar é
natural. A criança toma por assalto a palavra do adulto, proferindo um outro termo diferente do
procurado. Dessa forma, os 50% que ela aporta acaba d
e fato virando ‘seu’ 100%. Não há como
poupar à criança o trabalho psíquico implicado em todo e qualquer apre(e)nder. Esse trabalho
será sempre feito a despeito de uma das duas dimensões do endereçamento adulto. O sucesso
na empreitada é todo crédito do sujeito que opera na criança, mas é provável que o desejo em
causa na educação a respeito do qual a criança deve se posicionar como sujeito entranhe para a
criança um desafio fora de toda proporção. Nesse caso a educação bem pode virar um fato de
difícil acontecimento (DE LAJONQUIÈRE, 1999).
5
O termo ‘isso’ faz referência ao inconsciente freudiano. De uma certa forma, o que está em jogo na fa
la é o
reconhecimento da sujeição ao inconsciente. “Entregar o inconsciente” equivaleria a se desvencilhar dele.
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O fato de uma criança avançar um passo por sua conta na conquista de um lugar de
sujeito, entranha por parte do adulto o acolhimento de uma diferença produzida pela própria
criança ao se deslocar do lugar onde é procurada. Disso os adultos não estão muito dispostos a
saber, pois fera o narcisismo. Nesse sentido, a farmacologia, braço armado da medicalização
da vida junto às crianças, acabou virando um grande álibi ético.
De um garoto selvagem e de uma menina cega e surda
Administrar remédios às crianças, embora não estejam doentes, é um dos aspectos da
medicalização. No entanto, a medicalização como forma de entender a educação de uma criança
e, portanto, o que está em jogo no
tempo psíquico da infância
(DE LAJONQUIÈRE, 2006,
2013), começou bem antes que a indústria farmacêutica se convertesse num dos mercados mais
lucrativos. Ela começou no início do século XIX, quando Jean Itard (1994) decidiu educar o
que não só ele, mas o imaginário social da época, considerava ser uma criança selvagem. Não
consta que este médico tenha administrado nenhum tipo de fármaco. Talvez a sua única
tentativa de alterar o funcionamento corporal, com vistas a facilitar a aprendizagem de tudo o
que ele pensava ensinar ao garoto encontrado em 1800 vagando numa floresta da região
francesa do Aveyron, tenha sido dar regularmente banhos com água quase fervendo, a partir de
uma hipótese um tanto absurda.
A educação do ‘
garoto selvagem
’
foi obra não só de um médico, senão do raciocínio
médico moderno. A educação foi pensada conforme o modelo da reabilitação motora: repetição
metódica de movimentos ou atividades cada vez mais complexas com vistas a que as partes
danificadas do corpo envolvidas na tarefa respondam progressivamente aos parâmetros normais
de funcionamento. Itard (1994), diferentemente de seu célebre professor, o médico, Philippe
Pinel, não considerou que o garoto estivesse doente. Mas infelizmente a boa intuição de partida
foi neutralizada pelo fato de que Itard (1994) imaginou o oposto perfeito da doença, ou seja,
considerou que o corpo do menino se encontrava em estado virginal, pronto a responder ao
comando do médico conforme os princípios da
‘
medicina moral
’
. A sua empreitada acabou
virando modelo. Ela embasa a dita educação proposta hoje em dia às crianças autistas. Talvez
esta última, conjugando adestramento e farmacologia, deva ser considerada o
summum
do
processo de medicalização. Mas também ela embasa, embora as aparências em contrário, a
matriz do que chamo de ilusão (psico)pedagógica (DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2020b), ou seja,
a crença de ser tanto possível quanto necessário adaptar a intervenção do adulto à ‘forma natural
de ser’ da criança. O ‘garoto selvagem’ é até certo p
onto o oposto especular perfeito da criança
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imaginária atual. Ele parece ser desprovido de todo saber natural, esse mesmo suposto operar
‘naturalmente’ na criança ‘normal’ nos dias de hoje. No entanto, Itard
(1994) não se deixa levar
pelas aparências, pois age convicto de que o garoto é depositário de um saber natural humano
adormecido que o dispositivo médico moral saberá despertar de forma metódica.
A educação
à la Itard
ilustra justamente o que não deve ser feito, sob pena de implodir
o conjunto das condições estruturais necessárias à educação de uma criança. No extremo
oposto, o século XIX também nos brindou, quase noventa anos mais tarde, a educação de uma
menina cega e surda
–
Helen Keller
–
graças à implicação singular de Anne Sullivan. Ambos
os adultos não se endereçaram às crianças da mesma maneira, embora a jovem pedagoga norte-
americana respirasse as mesmas ideias que o médico francês forjara de forma inaugural no
início do século. No caso de Helen Keller, o mérito do aprendido foi todo seu, mas a sua
educadora compareceu com os 50% necessários na educação. A educação
à la Sullivan
não é o
contrário daquela à moda de Itard (1994)
e, portanto, não é “o que deve ser feito”, como
costumam questionar pais e pedagogos, ávidos por métodos. A experiência educativa da qual
Helen soube tirar benefícios é tão só o avesso da ‘educação de um selvagem’. E
mbora bem-
sucedida, não se trata de um método educativo a ser seguido, pois
mal que nos pese, não há
modelo normativo na educação
.
À primeira vista, pensamos que as chances de Helen vir a falar sendo surda e cega seriam
mínimas, contrariamente a Victor que não sofria de deficiência sensorial alguma. O exame por
contraste permite situar e interrogar a diferença entre ambas as experiências. A hipótese é que
do conjunto das condições de possibilidade de educação de uma criança, a maneira que temos
de lhe endereçar nossa palavra constitui precisamente um elemento
prínceps
da experiência.
Esse endereçamento adulto diz respeito à posição inconsciente do adulto com relação ao desejo,
sempre interpelado pelo fato mesmo de ter de se haver com uma criança na educação (DE
LAJONQUIÈRE, 1999; 2013; 2021b).
Recordaremos sumariamente alguns elementos desses dois eventos que fizeram história.
Um simples paralelismo já nos permitirá situar de entrada o conjunto das condições da educação
de cada criança.
Jean Itard (1994) era um jovem médico, enquanto Anne Sullivan era uma jovem mulher
sem diploma, apenas saída do colégio para cegos da cidade de Boston.
Victor é uma criança de aproximadamente 10 ou 12 anos, capturada no bosque,
considerada clinicamente normal por Itard (1994)
, mas ao mesmo tempo ‘selvagem’ do
ponto
de vista psíquico. Por outro lado, sabe-se que Helen Keller nasceu com boa saúde e que perto
de fazer dois anos de vida, ficou cega e surda por conta de uma infecção. Anne Sullivan dirá,
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quando do primeiro encontro entre ambas num dia de março de 1887 (a pequena tinha sete
anos), que se tratava de uma criança caprichosa, mas inteligente e desejosa de aprender.
O ponto em comum é que nem Victor nem Helen falavam quando do encontro com seus
respectivos educadores. Jean Itard (1994) abandona Victor ao cabo de cinco anos, tendo a
convicção de que não havia mais nada a ser feito. Ao contrário, Anne Sullivan e Helen Keller
se tornaram amigas e nunca se deixaram. Embora a primeira tenha se casado, a segunda foi
morar na vizinhança do casal. Helen ficou para sempre cega e surda, mas se lançou a falar. Ela
se torna escritora na adolescência. Por sinal, será graças à publicação de seus livros que
ficaremos sabendo algo do que pode ter se passado entre ela e sua educadora. Por seu lado,
Anne Sullivan deixou cartas escritas a seus amigos na
Perkins School
for the Blind
, em
particular dirigidas ao seu diretor, mas foi graças à Helen que as podemos ler hoje em dia, pois
ela as publicou após a morte de sua amiga. Helen veio a falecer com 88 anos de idade, após ter
dedicado sua vida à promoção da educação das crianças com deficiência, particularmente as
cegas.
Finalmente, ambas as experiências educacionais foram levadas à grande tela. No belo
filme francês
O garoto Selvagem
(1969), o próprio cineasta François Truffaut interpreta o papel
do médico. Por outro lado, o encontro da pequena Helen com a jovem Anne inspirou o
estadunidense Arthur Penn a filmar em 1962,
O milagre de Anne Sullivan
. Este foi nomeado
diferentemente dependendo do país onde seria exibido. Em francês a tradução do primeiro
deveria ter sido
La travailleuse miraculeuse
[A trabalhadora milagrosa], porém foi exibido na
França com o título
Miracle en Alabama
[Milagre em Alabama]. A versão brasileira chamou-
se
O milagre de Anne Sullivan
, enquanto a versão portuguesa foi apresentada com o título
O
milagre de Helen Keller
. Como podemos ver todo mundo está de acordo com um único ponto:
esta história é de fato um milagre! A discórdia, contudo, é sobre qual seria o agente do milagre.
Os estadunidenses afirmam tão só se tratar de alguém que trabalha, os brasileiros acham que
foi o adulto, os portugueses a criança e finalmente os franceses se abstêm de identificar o
milagreiro da história, afirmando que o fato de uma criança cega e surda vir a falar constitui,
sim, um milagre e que o mesmo ocorreu certo dia em Alabama!
Justamente, seguindo a pista do mal-entendido em torno do caráter miraculoso da
educação de Helen, poderemos interrogar
o lugar da palavra no seio das condições de
educação de uma criança
, considerando como um contraexemplo na matéria, o destino
reservado a Victor. Em matéria de milagres, podemos de qualquer forma sempre identificar um
agente. Quem realiza o trabalho miraculoso da educação de Helen Keller? A pequena de sete
anos? A educadora, quatorze anos mais velha? Nem uma, nem outra. Ambas experimentaram
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a sujeição do milagre inerente ao trabalho da palavra em si mesma. Isso que esteve em causa
na educação foi a operação da
função significante
, como diria Lacan (1966), que instaura a
possibilidade de se fazer a experiência no interior do campo da palavra e da linguagem, de nos
descobrirmos sempre outro. A função significante é intrínseca ao
falasser
, ou seja, intrínseca
ao ser que não pode não se dizer na diferença junto a outros sob pena de ser parasitado pelo
sofrimento psíquico.
Embora a aventura pedagógica de Itard (1994) tenha merecido um lugar de destaque nos
anais da ciência, aquilo que ela ensina é, ao contrário, o que não deve ser feito na educação de
uma criança. O sonho do médico de formatar o ser da criança implicou na perversão das
condições que fazem possível uma educação que se preze. Todo adulto deve precisamente
renunciar a esse sonho para que uma criança possa se extrair desse lugar onde é procurada e
assim conquistar para si um
lugar de enunciação em nome próprio
, de sujeito de palavra
numa história em curso.
Itard (1994) encarna o furor pedagógico que não reconhece a impossibilidade da
educação (FREUD, 1973b). Ele personifica o voto pedagógico de se encontrar a criança ideal,
desprovida de todo saber
6
e disposta a ser liberada dessa ignorância radical pela graça do mestre
que assim a converteria no seu clone invertido, isto é, num sujeito completo não sujeito à divisão
imposta pela lógica significante, não assujeitado ao desejo. O furor pedagógico deriva desse
nada querer saber do adulto de sua própria condição de sujeito dividido. O adulto projeta na
criança o avesso do si-próprio. Toda educação pretensamente ideal se apresenta como uma
missão civilizadora qualquer ‘pelo bem’ do destinatário. O furor pedagógico perverte as
condições de possibilidade de uma educação, pois exige da criança seu próprio eclipse como
falasser
. A criança vê-se obrigada a renunciar à condição de sujeito para poder merecer algum
reconhecimento adulto.
Victor respondia ao chamado, fazia-se compreender pela senhora Guerin quando tinha
fome ou quando queria sair para passear. Ele habitava efetivamente a linguagem. No entanto,
Itard, embora admitindo que a criança se comunicava, não conseguia admitir que tal coisa fosse
possível sem “a necessidade de nenhum ensinamento prévio” (ITARD, 1994, p.
43, tradução
nossa). Segundo ele, nada era possível fora do programa supostamente científico, isto é, ele
mesmo devia estar na origem de tudo. Assim, Itard (1994, p.44, tradução nossa) conclui que
devia se tratar de uma “linguagem de ação
[
…
]
primitiva da espécie humana” e,
portanto, que
Victor não habitava verdadeiramente o campo da palavra e da linguagem. Porém, o garoto
6
Esse voto pedagógico é o reverso desse outro de se encontrar uma criança na qual já opere o saber natural de
forma tal que o adulto venha a ser dispensado de ter que se implicar na educação.
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insistia em aportar a contraprova que ele, de fato, o habitava. Victor chegou a balbuciar algumas
palavras. O médico reconhecera o nome Julie
–
a filha da Sra. Guerin
–
quando Victor dizia
“gli”
, o substantivo “leite” enunciado com clareza, e finalmente a exclamação recorrente
da
Sra. Guerin “oh meu Deus!”,
quando o garoto dizia
“ohh Diie”.
No entanto, Victor não chegou
jamais a se engajar num discurso. Isso estava ao seu alcance? É impossível sabermos. Mas uma
coisa é certa, o dispositivo pedagógico destinado a fazê-lo falar consistia no aborto da palavra
humana. Por sinal, talvez, esse fracasso permitisse a Victor preservar algo do desejo que lhe
dizia respeito na medida em que recusava entregar a Itard (1994) isso mesmo que ele procurava
obcecadamente
–
a fala.
Jean Itard (1994) admitia que a fala nos diferenciava dos animais, porém não entendia
que o uso da mesma pressupunha a operação na criança de um sujeito ao qual o adulto tivesse,
num tempo logicamente anterior, reconhecido
um lugar singular de enunciação numa
história
. Dessa forma, ele acabou embaralhando as condições estruturais de uma educação. O
médico agia no sentido contrário daquele que uma mãe segue inconscientemente quando
metaforiza os sons balbuciados pelo
infans
, fazendo deste ‘o seu bebê’, bem como convertendo
todos os sons em palavras sujeitas a uma intencionalidade singular que foge ao controle adulto.
Para a psicanálise, o engajamento de uma mãe nessa direção é função da
posição inconsciente
com relação ao desejo
não dependendo dos conhecimentos linguísticos e científicos que
porventura viesse a ter. Essa foi precisamente a posição a partir da qual Anne Sullivan dirigia-
se a Helen.
A experiência educativa proposta por Itard (1994) estruturava-se a partir da recusa
sistemática do desejo. Não era mais do que uma espécie de arapuca pedagógica, pois sendo qual
fosse a resposta de Victor nos exercícios de estimulação metódica, ele não era considerado
como um alguém animado por um desejo a ser reconhecido, como um sujeito que pleiteia se
dizer a que veio ao mundo dos humanos. Se ele não respondia conforme o esperado, segundo o
médico, era porque não tinha compreendido. Se, ao contrário, respondia corretamente, Itard
(1994) pensava que se tratava de um mero acaso. Se finalmente Victor chegava a falar, então,
tinha sido sem intenção de informar sobre uma necessidade a ser satisfeita. A fala de improviso,
bem como aquela que era esperada, mas que tinha sido dada fora dos parâmetros previamente
estabelecidos, eram julgadas como a expressão da natureza selvagem do menino. Ao mesmo
tempo, responder como previsto, significava para Victor convalidar sua própria morte psíquica,
na medida em que a demanda pedagógica o reduzia à condição de objeto de gozo ou de
satisfação para Itard (1994). Nessas situações, o médico repetia a intervenção sob a forma de
contraprova para assim se assegurar que a resposta era aquela mesma procurada. Ele condenava
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inconscientemente Victor a escolher entre dois destinos: entregar-se à frenética ecolalia
ou
simplesmente não responder, ficando totalmente perdido perante a demanda numa espécie de
colapso psíquico.
Victor encarnava, seja a natureza buscada pelo médico, seja o oposto, a selvageria.
Porém, contrariamente ao que poderíamos supor, embora Victor pudesse não responder como
esperado, ele nunca decepcionava Itard (1994), pois este o encontrava no mesmo lugar
fantasmático de sempre, onde era procurado mesmo antes de ser capturado na floresta do
Aveyron. O médico tinha sempre a seu alcance uma explicação para assim restaurar o
narcisismo contrariado por ‘seu’ recalcitrante selvagem. O lugar reservado para o garoto nesta
história consistia em ilustrar a verdade apodítica da reflexão itardiana e deste lugar Victor não
conseguiu fugir, dando a volta por cima deste sonhado destino.
As cartas de Anne Sullivan e os livros de Helen Keller permitem situar a experiência
por elas vivida como sendo o avesso do tratamento médico-moral de Itard (1994). Não há
dúvida de que a posição como educadora de Anne, a sua forma de endereçar a palavra a Helen,
é diferente daquela do médico. E isso não é sem consequências. Essa diferença torna
precisamente possível a emergência da palavra na pequena a despeito da surdez e da cegueira.
Nas cartas da jovem educadora aos amigos de Boston transparecem suas incertezas, suas
dificuldades ligadas à cegueira, não apenas com aquela quase cegueira no sentido próprio que
a fazia lacrimejar e que tornava seus olhos sensíveis à luminosidade, mas aquela em sentido
figurado, aquela falta de luz no final do túnel da travessia que ela tinha empreendido ao aceitar
o emprego na casa dos Keller. Anne confessa que não sabe até onde poderá levá-la a sua
implicação na educação de Helen, mas que ao mesmo tempo é incapaz de abandoná-la. Por
sinal, ela não aceitou o emprego por pura filantropia ou porque se sentia investida de alguma
missão redentora qualquer, porém, simplesmente, porque precisava de um emprego para ganhar
o primeiro salário da sua vida. Como ela mesma escreve numa das cartas, tinha aceitado o
emprego “for
çada pela necessidade de
ganhar a vida”
(KELLER, 1903, p. 179). Talvez para
além da necessidade evidente de ganhar um salário, a declaração de Anne devesse ser escutada
de outra forma: tratava-se do imperativo de conquistar um lugar na vida, um lugar de
enunciação em nome próprio para além do destino funesto que lhe estava reservado quando de
sua entrada no asilo de Tewksbury junto a seu irmão caçula, ambos abandonados pelo pai.
Assim sendo, a sua postura não era a mesma que a de Itard (1994) que tinha se engajado na
experiência em nome do progresso científico, tendo como pano de fundo uma aposta de
prestígio para com o célebre Philippe Pinel.
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O filme de Arthur Penn nos mostra uma Anne Sullivan que avança às cegas, sem
objetivos claros e precisos. Ela não ‘reflete cientificamente sobre a sua prática’, como o fez de
forma inaugural Itard (1994), ao ponto tal que hoje em dia deveria ser elevado à categoria do
santo patrono dos pedagogos reflexivos. Anne queria simplesmente falar com Helen e para
tanto recorria à única forma possível quando se trata de um interlocutor cego e surdo
–
o alfabeto
manual. Por sua parte, parafraseando Françoise Dolto, Itard não
falava com
Victor, porém sim
falava dele
para outros através de seus relatórios, em particular endereçados a seus colegas da
Société des observateurs de l’homme
e ao ministro do interior.
Tudo indica que os conhecimentos psicolinguísticos que Anne possuía eram
rudimentares. Ela compartilhava da mesma ideia associacionista de Itard (1994)
–
falar é
associar signos a coisas destinadas a satisfazer uma necessidade. No entanto, a sua posição
enunciativa não era a mesma que a do médico. Anne Sullivan agia com Helen tendo a convicção
de que a pequena não só era capaz de se comunicar, senão que possuía uma mesma inteligência
linguística que ela e, portanto, que habitava simplesmente a linguagem. A convicção era tal que
quando se tratava de justificar o progresso de Helen no diálogo, a justificativa dada era
rudimentar: como o cérebro de Helen possui todas as ideias (sic), então, só é necessário ter um
pouco mais de paciência para poder estabelecer um diálogo que se preze. A precariedade da
reflexão teórica de Anne em nada comprometeu esta verdadeira experiência educativa. As
ideias mais ou menos científicas que um adulto diz seguir pouco contam na experiência, pois
do que se trata sempre é das condições inconscientes de possibilidade que tangem ao desejo
adulto. Se este for anônimo (LACAN, 1986) no sentido de que o adulto rechaça a castração
inconsciente que o anima e que singulariza o lugar de palavra numa história em curso, então,
as coordenadas estruturais de uma educação acabam desmanchando no ar. Por essa mesma
razão também devemos desconfiar de toda invocação automática de slogans pedagógicos, por
mais politicamente ou psicologicamente corretos que possam parecer.
Anne desejava falar com Helen, tinha algo a lhe dizer, assim como queria escutar alguma
coisa dela. Este ‘dela’
faz tanto referência à Helen no sentido de que Anne queria escutar a
menina, mas também que Anne queria escutar algo de si mesma, de sua própria intimidade, de
sua saga como
falasser
. É graças às cartas que sabemos que Anne tateava no seu papel de
educadora. Nesse sentido, o filme de Arthur Penn soube transmitir o que estava em jogo para
ela na experiência educativa com Helen. Ele dá a ver uma jovem mulher acuada à noite por
fantasmas e lembranças do tempo de infância. A educadora, assim como Helen, também tateava
na escuridão.
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Itard (1994)
–
diferentemente de Anne
–
nada queria saber de tatear na escuridão, de ter
que se haver com personagens fantasmáticos e lembranças do tempo de infância, ou mais ainda
com perder-se nos sonhos para assim vir a se descobrir outro. A educação de Victor nada mudou
na relação de Itard consigo mesmo.
Por outro lado, as reminiscências que Anne Sullivan interrogava tinham sido reavivadas
pela sua própria implicação na educação de Helen. Elas não cessavam de a assombrar,
reclamando assim serem reconhecidas, acolhidas (DE LAJONQUIÈRE, 2019). Foi justamente
essa interrogação na qual Anne tinha se implicado o que permitiu o relançamento da
simbolização da diferença de posições do adulto e da criança que entranha toda experiência
educativa. Essa implicação de Anne possibilitou à palavra fazer seu trabalho e, assim, vir a
relançar uma e outra vez
o desdobramento a conquista de um lugar de enunciação em nome
próprio
, de um lugar de palavra para cada uma das protagonistas.
A emergência de um sujeito de palavra
Educar implica em colocar em circulação traços simbólicos ou significantes que
permitam à criança se implicar na conquista sem fim de um lugar a partir do qual o desejo lhe
seja possível. Trata-se do inverso do que Itard (1994) colocou em ato com Victor. Trata-se disso
mesmo que Anne fez sem ter conhecimento algum na matéria, mas sustentada na experiência
por um saber inconsciente.
A dita aquisição da fala é o resultado da operação de um sujeito do desejo na criança.
A
emergência da palavra ou a fala endereçada a um outro pode ser considerada a marca
por excelência da sujeição desiderativa a uma língua qualquer
e efeito
princeps
de uma
educação primordial bem-sucedida. Nesse sentido, a precariedade da fala de Victor denota um
fracasso do dispositivo educativo sustentado por Itard (1994). No entanto, nunca saberemos
qual teria sido o destino do garoto caso não tivesse caído nas mãos do inventivo e tenaz médico.
Entretanto, a loquacidade de Helen, tal como a sua rica biografia testemunha, é sem dúvida
alguma a marca de uma educação que se preze.
Por que falamos? Para ensinar e interrogar. Que coisa? A verdade. Embora os animais
se comuniquem, a dimensão da verdade não lhes diz respeito. A verdade só diz respeito ao
falasser
. Sigmund Freud, contrariamente a Jean Itard, não entendia que o homem entrasse na
dimensão da verdade graças ao contato sistemático com as coisas. Segundo Freud (1973a), a
dimensão da verdade entranha a fabricação psíquica da
Ideia de Pai
no seio da experiência da
vida junto a outros. A Ideia de pai é uma ideia
sui generis
porque tanto carece de significado
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algum quanto trata-se de uma ideia inconsciente que foge à reflexividade. Por essa dupla razão,
a Ideia de pai é chamada no pensamento lacaniano de o
significante Nome-do-Pai
. Trata-se do
significante diretor do campo da palavra e da linguagem que visa à verdade do
falasser
(DE
LAJONQUIÈRE, 2013; 2019). A produção psíquica do significante Nome-do-Pai faz as vezes
do fio de Ariadne que nos possibilita não perder o norte na experiência, tateando na escuridão
das paixões e reminiscências mais ou menos secretas conforme os testemunhos de Helen Keller
e Anne Sullivan. Falar implica em emplacar uma Ideia de pai aí onde antes no horizonte só
havia a sombra de um pai-omnipotente que amordaça a palavra, conforme a hipótese de Freud
(1973a). A emergência da palavra instaura uma diferença na filogênese do humano: da horda
primeva de órfãos à mercê do primata mais forte a uma primeira organização humana regida
pela ideia inconsciente de pai (FREUD, 1973a). A palavra carrega a lembrança mítica de um
prazer compartilhado entre órfãos mudos em vias de se autoproduzirem humanos quando do
assassinato do chefe da horda. Nesse sentido, a dita aquisição da fala carrega o traço do prazer
compartilhado entre a criança e o adulto em terem barrado a
omnipotência do ser,
condição
sine qua non
para a emergência do
falasser
7
.
O que significa a educação ideada por Itard (1994) segundo os princípios da medicina
moral da época? Simplesmente o estilhaço das coordenadas da emergência da palavra. Nesse
sentido, para que Victor viesse a ter chances de se safar do destino funesto que lhe era reservado,
teria sido necessário que sua educação tivesse algo daquela de Helen. Pois bem, não se tratava
de ‘curar moralmente’ Victor ou de lhe extirpar seu ‘ser selvagem’, mas de deixar germinar na
experiência a produção psíquica de uma Ideia de Pai graças ao interrogante do desejo que todo
adulto deve testemunhar na educação de uma criança. A produção dessa ideia teria sido o
indício da orientação do garoto na experiência de se dizer a que veio ao mundo junto a outros.
As chances de ele ocupar um lugar singular de enunciação numa história eram poucas desde o
início, em se considerando o tipo de implicação subjetiva por parte do médico na experiência.
Se o médico tivesse feito seu 50% necessário, então, ao garoto lhe teria restado fazer o 50%
sufic
iente para emplacar ‘seu’ 100%. Porém, o dispositivo pedagógico de Itard bancava a
onipotência do ser, fazendo da educação um fato de difícil acontecimento (DE
LAJONQUIÈRE, 1999).
Como Itard (1994) massacrava as possibilidades da Ideia de pai vir a operar, a entrada
no registro da verdade passou a ser um ato de difícil acontecimento. A ausência dessa operação
reduzia Victor ao estatuto de um animal a ser adestrado, isto é, a ser
sempre ‘
aí
’
nesse preciso
7
Numa próxima oportunidade, desenvolveremos esta hipótese ao tratar especificamente da fala da palavra ‘água’
por parte de Helen.
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lugar onde era procurado obcecadamente pelo médico. Se, ao contrário, a Ideia de pai tivesse
operado na experiência, o garoto poderia ter usufruído de um lugar tanto filial quanto familiar,
ora como discípulo, ora como aprendiz de Jean Itard. Porém, não foi o que aconteceu. O médico
recusou a possibilidade de se descobrir outro diferente de si-mesmo. Se assim tivesse
acontecido ele teria dado testemunho na educação de
estar sujeito à castração ou à lei do
desejo
(DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2013; 2020a; 2020b).
Um adestrador de animais não é nem mestre, nem pai, nem mãe. Ele não pode perder-
se em devaneios, sonhos e reminiscências do tempo de infância, caso não queira perder a cabeça
na jaula dos leões. Ao contrário, mestres, pais e educadores devem estar dispostos a perderem
a sua, pois é sabido que não conseguirão segurar a barra uma vez metidos a educar. A produção
por uma criança da Ideia de Pai
implica na renúncia do adulto a colar no lugar de todo-poderoso
que não reconhece a lei que interdita de responder narcisicamente ao
odioamoração
(LACAN,1975, p. 84) endereçado pela criança. De fato, mestres, pais e mães devem endereçar-
se à criança como gente comum, ou seja, referidos à lei do desejo que rege o desdobramento do
laço social.
Itard (1994) tinha uma necessidade imperiosa de ignorar o desejo. O desejo era um
affaire
que lhe fazia literalmente perder a cabeça. Esforçando-se para não vir a perdê-la na
educação de Victor, fez de tudo para achá-lo onde o procurava. Em suma,
fez o que não deve
ser feito na educação de uma criança
, pois para que esta venha a ter a cabeça no lugar, o
adulto
–
como bem lembra a experiência da educação de Helen
–
deve estar disposto a perder-
se, a perder seu pretenso lugar de mestria.
Considerações finais
A ‘educação do
selvagem
’
tornou-se paradigma daquilo que passou a se chamar a
pedagogia especializada. Até a emergência das primeiras iniciativas educativas alternativas
como, por exemplo, a escola de Bonneuil, inspiradas em décadas de experiência acumulada de
psicanálise com crianças, a educação
à la Itard
se impôs como uma experiência a ser
reduplicada na educação a ser oferecida às crianças chamadas ora idiotas, ora deficientes, ora
com necessidades educativas especiais (DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2020c). O
‘espírito
de
Itard’ acabo
u se tornando hegemônico no imaginário social, virando, assim, a chave para se
entender toda e qualquer educação. Ele foi, por exemplo, invocado no início do século passado,
mas sem o médico ser explicitamente lembrado, pelo psicólogo norte-americano John B.
Watson, quem com seu manifesto comportamental emplacou a ilusão adulta de fabricar crianças
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sempre predispostas a responder desse lugar fantasmático onde são procuradas pelos adultos.
Hoje em dia, o ‘espírito de Itard’ ou a ilusão onipotente de que entr
e a criança e o adulto nada
venha a faltar, vindo, assim, a encorpar o fantasma de um pai-omnipotente, é emplacada pela
indústria farmacêutica.
Toda educação cobra um preço, aquele de reconhecer o desejo que nos habita
enquanto
falasseres
e, portanto, exige renunciarmos à medicalização
d’isso
que não tem
remédio.
Condição indispensável para que uma educação possa vingar aí onde menos
narcisicamente a procuramos. Pretender que uma educação vingue, sem a criança vir a se
deslocar desse lugar que lhe é reservado inconscientemente pelos adultos, constitui uma
contradição em seus termos que fármaco algum virá remediar. A saga do Dr. Itard ilustra a
nossa insistência em procurarmos o nosso pretenso si-mesmo sempre no mesmo lugar, ao preço
de condenar as crianças ao destino funesto de não poder se dizerem junto aos outros.
Na educação de uma criança hoje em dia, assim como antes, mais vale virmos a nos
arrimar do lado de Anne Sullivan, isto é, de nos sabermos gente comum às voltas com a
irremediável diferença que se aninha em nosso endereçamento educativo à criança. Sabermos
inconscientemente dessa inevitável diferença faz com que aquilo que fazemos ou deixamos de
fazer não venha remediar de coisa alguma, mas simplesmente a testemunhar de nossa posição
singular de sujeito de palavra numa história em curso.
AGRADECIMENTOS
: Consórcio CAPES-COFECUB, projeto Sh 940/19.
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