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Sobre a irremediável educação
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN:
1982-4718
DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16717
1
SOBRE A IRREMEDIÁVEL EDUCAÇÃO
SOBRE LA IRREMEDIABLE EDUCACION
ABOUT IRREMEDIABLE EDUCATION
Leandro DE LAJONQUIÈRE
1
RESUMO
: Na esteira da tradição dos estudos psicanalíticos em educação, o autor elucida a
insistência atual dos adultos, ora profissionais ora simples pais, de administrarem
medicamentos às crianças quando estas não estariam de fato doentes. O raciocínio se estrutura
em torno do contraponto entre duas experiências educativas ocorridas no século XIX, a do
“
garoto selvagem do Aveyron
”
, na França pós-revolucionária e a de Helen Keller, uma menina
de sete anos cega e surda, nos Estados Unidos pós-guerra de secessão. Tal contraponto permite
esclarecer o que está em pauta em toda educação que se preze; não uma educação eficaz, como
costuma-se sonhar hoje em dia, mas subjetivante, isto é, passível de fazer emergir um sujeito
de palavra.
PALAVRAS-CHAVE
: Medicalização. Sujeito. Infância. Educação.
RESUMEN
:
Siguiendo la tradición de los estudios psicoanalíticos en educación, el autor
dilucida la actual insistencia de los adultos, a veces profesionales y a veces padres, en
administrar medicamentos a los niños cuando no están realmente enfermos. El razonamiento
se articula en torno al contrapunto entre dos experiencias educativas ocurridas en el siglo XIX,
el "niño salvaje de Aveyron" en la Francia posrevolucionaria y Helen Keller, una niña sorda
y ciega de siete años, en los Estados Unidos posguerra de secesión. Tal contrapunto permite
aclarar lo que está en juego en toda educación que se precie; no una educación eficiente, como
se acostumbra a soñar hoy en día, sino una educación subjetivadora, es decir, capaz de hacer
emerger un sujeto de palabra.
PALABRAS CLAVE
:Medicalización. Sujeto. Infancia. Educación.
ABSTRACT
: In the wake of the tradition of psychoanalytic studies in education, the author
elucidates the current insistence of adults, sometimes professionals, sometimes simple parents,
of administering medication to children when they are not actually sick. The reasoning is
structured around the counterpoint between two educational experiences that took place in the
19th century, that of the so-called wild boy of Aveyron, in post-revolutionary France, and that
of Helen Keller, a seven-year-old blind and deaf girl, in the post-revolutionary United States
secession war. This counterpoint allows the author to clarify what is at stake in education; not
an effective education, as we are used to dreaming nowadays, but a subjectivizing education,
that is, one capable of making a subject of speech emerge.
KEYWORDS
:
Medicalization. Subject. Childhood. Education.
1
Université Paris 8 Vincennes Saint-Denis (Paris8), Saint-Denis
–
França. Diretor de Pesquisas, Ecole doctorale
Pratiques et Théories du Sens. Doutor em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6286-1784. E-mail:
ldelajon@gmail.com
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Leandro DE LAJONQUIÈRE
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, Araraquara,
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2
Eu não procuro, acho
Pablo Picasso
Há pouco mais de meio século, quando ainda éramos crianças, todo comportamento
reprovado no ambiente escolar era passível de alguma sanção. Por vezes, devíamos ir falar com
o diretor da escola para lhe diser da falta cometida. Este, após ter nos escutado, pedia-nos para
ficar em silêncio sentados, vendo-o trabalhar, até a penitência acabar. Noutras oportunidades,
devíamos escrever duzentas vezes a frase ‘não devo conversar em sala de aula’
. Quando
tínhamos alguma dificuldade em matemática, a professora nos fazia ir à lousa para corrigir em
flagrante nossa forma errada de calcular. Quando, por vezes, ficávamos distraídos na aula, ela
nos perguntava se por acaso estávamos ‘na lua de Valência’
2
, motivando de nossa parte um leve
sorriso e um redirecionamento de nosso olhar para a lousa. Já quando o que fazia falta, ao
entender de nossos professores, era a nossa dedicação às tarefas escolares, então, os pais eram
chamados e estes sabiam como dar ao filho o tempo que este dizia não dispor para fazer os
deveres de casa
–
eles lhe proibiam por um tempo de sair para brincar com os amigos na rua ou
no parquinho da esquina.
O mérito pedagógico desses corretivos foge a qualquer comprovação dita científica.
Mais ainda, nenhum de nós, hoje na faixa dos sessenta anos, seria capaz de sustentar que seu
sucesso empresarial ou o fato de ter passado no vestibular ou de ter se tornado médico, por
exemplo, é o resultado direto dessa forma que os adultos tinham de tocar vida com as crianças
até algumas décadas atrás. Qualquer um desses feitios em nossas vidas não passa de um
imponderável que a psicanálise coloca na coluna
sujeito do desejo
na hora da contabilidade
existencial (DE LAJONQUIÈRE, 2021a). Alguns espíritos pedagógicos, obnubilados pelo
rendimento psicológico e/ou financeiro, podem chegar a propor que, tendo em vista o fato de
essa considerada educação tradicional carecer de toda justificação, então, nada melhor que a
substituir por outra mais eficaz. Uma educação seria supostamente eficaz sendo ela capaz de
fazer com que as crianças venham a ser sempre aí
–
nesse lugar imaginário
–
onde nós as
esperamos, mais ou menos (im)pacientemente, como seres plenamente desenvolvidos.
No entanto, há nesta história algo que pode, sim, ser ponderado, embora isso fuja
decididamente a todo parâmetro utilitário. Nesse sentido, caberia perguntar-se o que poderia
2
O autor deste ensaio fez a escola primária na Argentina e ignora até os dias de hoje a origem dessa sentença em
castelhano.
Por que cargas d’água, a lua que retinha a atenção das crianças,
tinha que ser de Valência e não de
qualquer outra cidade espanhola?
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restar do
tempo de infância
3
a ser memorado uma vez adulto, quando não dispomos em estoque
dessas ou de outras experiências para contar, dando a entender, assim, que nós também fomos
jovens num passado não tão passado. Simplesmente não resta muita coisa digna de ser
lembrada. Se do tempo de infância retirarmos o fato que fomos certa vez uma criança
vocacionada a não ficar presa nesse lugar onde éramos procurados fantasmaticamente pelos
adultos, então, não resta grande coisa que mereça ser contada. Essas ‘faltas cometidas’ dizem
tanto de nós mesmos, quanto dos adultos que tiveram por bem bancar, de forma singular, um
certo lugar de responsabilidade na empresa educativa. Em suma, elas dizem do tipo de laço
social desdobrado entre adultos e crianças num momento de nossa história ou, em outras
palavras, dizem do imaginário social que é possível de se habitar numa época dada e no qual
toda experiência educativa se enraíza. Segundo os estudos psicanalíticos em educação, essas
faltas dizem do
desejo
como
falta
que tanto faz encontro quanto desencontro ou diferença
na intimidade do laço intergeracional
(DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2013, 2021a).
Nesse sentido, as crianças de hoje correm o risco de não terem muita coisa digna de ser
lembrada no amanhã. Salvo que alguém pense que
ser doente
ou padecer de síndromes diversas
e variadas tenha alguma graça em ser lembrado quando grande numa conversa com nossos
filhos e/ou alunos. Ao contrário, lembrar que por pouco um acidente sofrido poderia ter sido
fatal, ou que com certo esforço e cuidado acabamos superando uma doença qualquer é coisa
muito diferente. O primeiro acontecimento diz de nossa boa sorte, o segundo de nossa
perseverança.
Quando a doença cobre a totalidade da existência, então, não é mais possível
estar
doente
, pois se passa a
ser doente
. Nos casos de doenças crônicas que eclodem num momento
da vida, a questão é como a pessoa adoentada consegue ainda usufruir de um ser-não-doentio
para, assim,
estar doente
, sem por isso
ser doente
. Semelhante desafio não é coisa fácil em se
tratando de gente grande e de doenças do corpo. No entanto, os exemplos dos que conseguem
preservar
o ser
da doença, da invalidez ou da menos-valia corporal contam-se aos montes.
Tampouco é pouca a quantidade de gente cujo investimento psíquico na vida se reduz ao
passatempo de esperar resignadamente pelo milagre que lhe devolverá a performance perdida.
Quando se trata de crianças e, mais ainda, de supostas doenças na forma de ser, o dar a volta
por cima passa a ser improvável. Com efeito, quando a uma criança é diagnosticada, uma
doença no ser
, a suposta doença, parasita o ser pelas suas entranhas. O peso desta holófrase
3
Sobre a preferência de se usar “tempo de infância” e não simplesmente o termo infância pode se consultar:
A
psicanálise e o debate sobre o desaparecimento da infância
(DE LAJONQUIÈRE, 2006) e
Figures de l’infantile
(DE LAJONQUIÈRE, 2013).
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estar-ser compromete as chances de a criança vir a conquistar para si um lugar singular de
sujeito numa história em curso
e, assim, de
se dizer a que veio ao mundo junto a outros
.
Há doenças que não o são de fato: parecem doenças, mas não o são. As doenças do
corpo são doenças, algumas têm cura outras não. Já as que parecem doenças, mas não o são,
correspondem a
modos de existência
. Elas são às vezes chamadas de doenças do espírito ou da
alma. No entanto, embora possa haver almas ou espíritos mais ou menos atribulados, isso não
significa nem que sejam nem que estejam doentes. Toda doença que se preze implica um estado
mais ou menos desviado de um funcionamento biológico considerado padrão ou normal com
vistas à sobrevida do organismo. Assim, as ditas doenças do espírito são uma contradição em
seus termos: ou não são doenças ou não concernem ao espírito embora este bem possa sofrer
4
.
Ser desordenado, esperançoso ou preguiçoso não são doenças. Ser heterossexual,
homossexual, antipático, deprimido, feliz empedernido, obsessivo contumaz ou aversivo ao
matrimônio tampouco são doenças, embora nenhuma dessas formas de ser esteja isenta do mal-
estar psíquico inerente a toda e qualquer existência humana. Ter faltas de ortografias, não
aprender matemática, ficar disperso nas aulas, não ser muito solidário com os amigos, não ir
empolgado à escola ou ser mais ou menos espalhafatoso tampouco são doenças. Por isso mesmo
os comprimidos psicotrópicos não fazem nem cócegas às formas de tocar a vida humana. A
farmacologia é incapaz de afetar
o ser
na sua intimidade, embora possa adormecer ou acelerar
certas reações fisiológicas da pessoa medicada que, à certa distância, pode até dar a impressão
de estar bem melhor. Assim como tampouco, comparativamente, mas no estrito registro da vida
molecular, uma dose de paracetamol capaz de diminuir a febre é incapaz de opor resistência ao
avanço da infecção de Covid. Em suma, os ditos benefícios dos medicamentos desmancham no
ar após um certo tempo quando se trata de querer suturar
o mal-estar inerente à existência
humana
(FREUD, 1973c).
A existência de um
sujeito
, de um
ser de palavra
, ou de um
falasser
[parlêtre],
conforme o neologismo caro a Jacques Lacan (2001), implica na existência de um organismo
vivo, mas o ser do
falasser
não é biomolecular. Assim sendo, a farmacêutica, bem como uma
cirurgia podem possibilitar a um corpo doente reequilibrar as chances de seguir vivendo mais
um tempo, pois há doenças que matam rapidamente se nada for feito. Porém, nenhuma forma
do ser, seja a heterossexualidade, a homossexualidade, a depressão, a simpatia, o TDAH, a
discalculia, a dislexia etc. têm em si o poder de matar e, por isso mesmo, médico algum faz
referência a nenhuma delas num atestado de óbito.
4
As autoproclamadas iniciativas de prevenção do autismo infantil caem com usura nessa contradição, embora
afirmem não pretenderem ser iatrogénicas (DE LAJONQUIÈRE, 2021a).
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Nesse sentido, cabe perguntar-se: por que insistimos hoje em medicar crianças que
gritam, que não param de se mexer, que têm faltas de ortografia, que não calculam direito ou
que concentram a sua atenção na Lua de Valência?
O cérebro é incapaz de pensar
A epidemia adulta de administrar medicamentos às crianças, embora não estejam de fato
doentes, obedece a um sem-número de razões de diversos teor e calibre. Dois elementos desta
equação merecem destaque.
Por um lado, não conseguimos nos desvencilhar da ilusão de que as formas do
falasser
sejam epifenômenos da vida orgânica. Insistimos em confundir o fato de uma pessoa precisar
do cérebro para se entregar aos pensamentos mais variados com a incapacidade de pensar do
próprio cérebro. Na contramão dessa ilusão, solidária daquela outra de poder se extrair a tal
pedra da loucura, mas na época na qual as crianças já tomavam biotônico Fontoura, embora
ainda não Ritalina, Jean Piaget (1967) argumentou que embora devamos estar vivos para pensar
matematicamente, a neurologia nunca explicará por que 2 mais 2 são 4, pela simples razão que
os neurônios não pensam. O funcionamento cerebral não causa, nem estrutura o pensamento.
A meu entender, o cérebro é simplesmente um limite para um
falasser
. No entanto, hoje em dia
e como prova da pregnância hegemônica dessa ilusão, nem sequer partidários do dito
construtivismo pedagógico brasileiro conseguem desconfiar do hábito de se medicar crianças
sob o pretexto de terem supostamente nascido ou contraído dislexia ou discalculia.
Por outro lado, opera a queda bem adulta de que as crianças sejam aí, nesse lugar, onde
nós as fantasiamos ou, em outras palavras, a esperança de que elas venham a responder sempre
do lugar que ocupam em nosso fantasma inconsciente, não havendo falta alguma na educação.
Assim, não medimos esforços para corrigir a resposta considerada ser indício de
um suposto
ser desviado
. Dessa forma, fecha-se um círculo vicioso: a queda bem adulta em fazer com que
a criança apareça sempre bem focada na foto, isto é, não em falta, encorpa a crença no
reducionismo epifenomênico que, por sua vez, outorga credibilidade pseudocientífica ao que
carece de toda justificação.
O leitor não deve concluir que o autor deste ensaio considere ótimo e maravilhoso que
uma criança não aprenda a ler e a escrever com certa correção ou que uma outra não consiga
concluir que 2 mais 2 são 4. Que tal coisa seja preocupante e que implique nossa
responsabilidade adulta não justifica que sejam consideradas respostas de um ser desviado. Por
quê? Pelo simples fato que não há
desvio
, sem
norma
. Não devemos confundir erros de cálculo,
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conhecimentos falsos, raciocínios apressados e ideias mais ou menos delirantes com desvios do
pensar de um cérebro.
Nenhum cérebro pensa, assim como tampouco há uma forma normal
do
falasser
se pensar
. Entre o pensar e a vida orgânica, que lhe suportando também lhe coloca
um limite, a relação é de luta mortal, mas não de causa-efeito.
Perante uma criança que não aprende a ler, escrever ou calcular, quando em princípio
estes saberes lhe são ensinados com certa parcimônia numa sociedade letrada, quando uma
criança se condena ao mutismo, ou fala sem parar ou não diz coisa com coisa, ou não pode
deixar de andar na ponta dos pés, ou agita-se sem cessar, cabe pensar que ela não está bem nem
com ela mesma, nem com os outros ao ponto tal de perder o rumo da circulação social e de se
embaralhar em ser. A cada vez que a um
falasser
não é possível se dizer a que veio ao mundo,
o ser se atola no sofrimento psíquico. Portanto, todas
essas formas de ser da criança num
lugar de ser de exceção no laço social dizem do sofrimento do
falasser
vir a se dizer junto
a outros
. Essa sua dificuldade é toda sua, mas é ao mesmo tempo o resultado de como a criança
se posiciona perante as demandas e o desejo dos adultos, na ordem de 50% cada. Nesse sentido,
uma intervenção que vise alterar o status quo deve fisgar o pensar pelas entranhas, isto é, o ser
do
falasser
que está a se dizer no campo da palavra e da linguagem (DE LAJONQUIÈRE,
2020d; 2021a; 2021b). Administrar fármacos nestes casos não só não altera a equação a favor
do pensar, do desdobrar do
falasser
, senão que, mais ainda, meta-transmite para a criança que
os adultos nada querem saber de seu sofrimento devido ao fato de ter se afundado num impasse
consigo mesma e com os outros. Isso não é de bom augúrio na educação de uma criança.
Pretender extirpar a conduta ou uma resposta infantil considerada desviada pelo ‘bem
da criança’ não tem o mesmo valor que a singela pretensão de ensinar uma criança a escrever
sem faltas de ortografias, uma vez que tanto a língua merece o nosso respeito quanto a criança
merece usufruir da possibilidade de se juntar a nós nessa empreitada. Pretender apagar o desvio
é a ponta do iceberg de uma forma inconsciente que temos de nos endereçar à criança que neste
caso implica no rechaço de nossa parte em acolher
a diferença em causa em toda educação
(DE LAJONQUIÈRE, 1999). A educação implica tanto um encontro com uma criança quanto
um desencontro. O achado, não é o procurado. Essa diferença retorna para o adulto transvestida
sob a forma do indício de um ser-criança desviado a ser corrigido graças à medicação milagrosa.
A medicalização confirma a queda bem adulta de nada querer saber que o desvio visto não é de
fato mais do que uma diferença de posição no campo da palavra e do discurso entre as gerações.
Os adultos nada querem saber dessa diferença que toda criança deve saber emplacar na
conquista para si de um lugar singular de sujeito numa história em curso no campo da
palavra e da linguagem
. Essa conquista implica que a criança venha a se extrair desse lugar
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no qual o adulto a procura. Se a criança não produzir para si, uma e outra vez, essa diferença,
então, ela embaralha-se em dizer a que veio à vida dos homens.
O que toda criança dá a ver ao adulto, seja ou não considerado um suposto desvio a ser
corrigido, é seu próprio produto, ou seja, trata-se do resultado do trabalho psíquico implicado
no fato de que ela deve se haver com as demandas e o desejo dos adultos. Quando a criança de
fato aprende com certa leveza de espírito aquilo que lhe é ensinado
–
conhecimentos os mais
variados
–
isso significa que ela consegue sustentar duas operações psíquicas distintas num
mesmo e único tempo: por um lado, enganchar-se nos significantes que articulam a experiência
educativa e, por outro, deixar cair o viés objetivante embutido na operação de apreender os
significantes postos a circular pelo adulto.
Todo bebê que se lança à palavra, que fala, acabou um dia por enunciar com certa clareza
e distinção uma palavra qualquer, exceto aquelas duas tão impacientemente estimuladas (sic)
pelos pais, ou seja, ‘mamãe’ ou ‘papai’. Por que será que o bebê não pode oferecer de entrada
as palavra
s tão procuradas? Porque entregar ‘isso’
5
sem mais anteparos implica em responder
desse lugar mesmo onde ela é fantasmaticamente para os adultos. Seria como responder em
eco. Falar implica então, numa dupla e mesma operação de alienação e de separação, em que o
segundo lance, que não é de fato tal, vem a recalcar, ou apagar, o primeiro. Por outro lado, o
fato de a criança vir a se fechar no mutismo ou falar ecolalicamente diz da sua impossibilidade
em sustentar a operação psíquica de recalcamento do desejo adulto de que ela responda do lugar
onde é sonhada ou, em outras palavras, da impossibilidade de ela vir a se extrair como um
sujeito desse lugar de objeto fantasmado no horizonte.
O acontecimento de falar é 100% o feitio de um sujeito, mas isso não quer dizer que a
criança e o adulto não contribuam de entrada com 50% cada. Criança nenhuma se lança à fala
se um adulto não endereçar a ela a ‘sua palavra’, embora não poucos considerem que falar é
natural. A criança toma por assalto a palavra do adulto, proferindo um outro termo diferente do
procurado. Dessa forma, os 50% que ela aporta acaba d
e fato virando ‘seu’ 100%. Não há como
poupar à criança o trabalho psíquico implicado em todo e qualquer apre(e)nder. Esse trabalho
será sempre feito a despeito de uma das duas dimensões do endereçamento adulto. O sucesso
na empreitada é todo crédito do sujeito que opera na criança, mas é provável que o desejo em
causa na educação a respeito do qual a criança deve se posicionar como sujeito entranhe para a
criança um desafio fora de toda proporção. Nesse caso a educação bem pode virar um fato de
difícil acontecimento (DE LAJONQUIÈRE, 1999).
5
O termo ‘isso’ faz referência ao inconsciente freudiano. De uma certa forma, o que está em jogo na fa
la é o
reconhecimento da sujeição ao inconsciente. “Entregar o inconsciente” equivaleria a se desvencilhar dele.
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O fato de uma criança avançar um passo por sua conta na conquista de um lugar de
sujeito, entranha por parte do adulto o acolhimento de uma diferença produzida pela própria
criança ao se deslocar do lugar onde é procurada. Disso os adultos não estão muito dispostos a
saber, pois fera o narcisismo. Nesse sentido, a farmacologia, braço armado da medicalização
da vida junto às crianças, acabou virando um grande álibi ético.
De um garoto selvagem e de uma menina cega e surda
Administrar remédios às crianças, embora não estejam doentes, é um dos aspectos da
medicalização. No entanto, a medicalização como forma de entender a educação de uma criança
e, portanto, o que está em jogo no
tempo psíquico da infância
(DE LAJONQUIÈRE, 2006,
2013), começou bem antes que a indústria farmacêutica se convertesse num dos mercados mais
lucrativos. Ela começou no início do século XIX, quando Jean Itard (1994) decidiu educar o
que não só ele, mas o imaginário social da época, considerava ser uma criança selvagem. Não
consta que este médico tenha administrado nenhum tipo de fármaco. Talvez a sua única
tentativa de alterar o funcionamento corporal, com vistas a facilitar a aprendizagem de tudo o
que ele pensava ensinar ao garoto encontrado em 1800 vagando numa floresta da região
francesa do Aveyron, tenha sido dar regularmente banhos com água quase fervendo, a partir de
uma hipótese um tanto absurda.
A educação do ‘
garoto selvagem
’
foi obra não só de um médico, senão do raciocínio
médico moderno. A educação foi pensada conforme o modelo da reabilitação motora: repetição
metódica de movimentos ou atividades cada vez mais complexas com vistas a que as partes
danificadas do corpo envolvidas na tarefa respondam progressivamente aos parâmetros normais
de funcionamento. Itard (1994), diferentemente de seu célebre professor, o médico, Philippe
Pinel, não considerou que o garoto estivesse doente. Mas infelizmente a boa intuição de partida
foi neutralizada pelo fato de que Itard (1994) imaginou o oposto perfeito da doença, ou seja,
considerou que o corpo do menino se encontrava em estado virginal, pronto a responder ao
comando do médico conforme os princípios da
‘
medicina moral
’
. A sua empreitada acabou
virando modelo. Ela embasa a dita educação proposta hoje em dia às crianças autistas. Talvez
esta última, conjugando adestramento e farmacologia, deva ser considerada o
summum
do
processo de medicalização. Mas também ela embasa, embora as aparências em contrário, a
matriz do que chamo de ilusão (psico)pedagógica (DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2020b), ou seja,
a crença de ser tanto possível quanto necessário adaptar a intervenção do adulto à ‘forma natural
de ser’ da criança. O ‘garoto selvagem’ é até certo p
onto o oposto especular perfeito da criança
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imaginária atual. Ele parece ser desprovido de todo saber natural, esse mesmo suposto operar
‘naturalmente’ na criança ‘normal’ nos dias de hoje. No entanto, Itard
(1994) não se deixa levar
pelas aparências, pois age convicto de que o garoto é depositário de um saber natural humano
adormecido que o dispositivo médico moral saberá despertar de forma metódica.
A educação
à la Itard
ilustra justamente o que não deve ser feito, sob pena de implodir
o conjunto das condições estruturais necessárias à educação de uma criança. No extremo
oposto, o século XIX também nos brindou, quase noventa anos mais tarde, a educação de uma
menina cega e surda
–
Helen Keller
–
graças à implicação singular de Anne Sullivan. Ambos
os adultos não se endereçaram às crianças da mesma maneira, embora a jovem pedagoga norte-
americana respirasse as mesmas ideias que o médico francês forjara de forma inaugural no
início do século. No caso de Helen Keller, o mérito do aprendido foi todo seu, mas a sua
educadora compareceu com os 50% necessários na educação. A educação
à la Sullivan
não é o
contrário daquela à moda de Itard (1994)
e, portanto, não é “o que deve ser feito”, como
costumam questionar pais e pedagogos, ávidos por métodos. A experiência educativa da qual
Helen soube tirar benefícios é tão só o avesso da ‘educação de um selvagem’. E
mbora bem-
sucedida, não se trata de um método educativo a ser seguido, pois
mal que nos pese, não há
modelo normativo na educação
.
À primeira vista, pensamos que as chances de Helen vir a falar sendo surda e cega seriam
mínimas, contrariamente a Victor que não sofria de deficiência sensorial alguma. O exame por
contraste permite situar e interrogar a diferença entre ambas as experiências. A hipótese é que
do conjunto das condições de possibilidade de educação de uma criança, a maneira que temos
de lhe endereçar nossa palavra constitui precisamente um elemento
prínceps
da experiência.
Esse endereçamento adulto diz respeito à posição inconsciente do adulto com relação ao desejo,
sempre interpelado pelo fato mesmo de ter de se haver com uma criança na educação (DE
LAJONQUIÈRE, 1999; 2013; 2021b).
Recordaremos sumariamente alguns elementos desses dois eventos que fizeram história.
Um simples paralelismo já nos permitirá situar de entrada o conjunto das condições da educação
de cada criança.
Jean Itard (1994) era um jovem médico, enquanto Anne Sullivan era uma jovem mulher
sem diploma, apenas saída do colégio para cegos da cidade de Boston.
Victor é uma criança de aproximadamente 10 ou 12 anos, capturada no bosque,
considerada clinicamente normal por Itard (1994)
, mas ao mesmo tempo ‘selvagem’ do
ponto
de vista psíquico. Por outro lado, sabe-se que Helen Keller nasceu com boa saúde e que perto
de fazer dois anos de vida, ficou cega e surda por conta de uma infecção. Anne Sullivan dirá,
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quando do primeiro encontro entre ambas num dia de março de 1887 (a pequena tinha sete
anos), que se tratava de uma criança caprichosa, mas inteligente e desejosa de aprender.
O ponto em comum é que nem Victor nem Helen falavam quando do encontro com seus
respectivos educadores. Jean Itard (1994) abandona Victor ao cabo de cinco anos, tendo a
convicção de que não havia mais nada a ser feito. Ao contrário, Anne Sullivan e Helen Keller
se tornaram amigas e nunca se deixaram. Embora a primeira tenha se casado, a segunda foi
morar na vizinhança do casal. Helen ficou para sempre cega e surda, mas se lançou a falar. Ela
se torna escritora na adolescência. Por sinal, será graças à publicação de seus livros que
ficaremos sabendo algo do que pode ter se passado entre ela e sua educadora. Por seu lado,
Anne Sullivan deixou cartas escritas a seus amigos na
Perkins School
for the Blind
, em
particular dirigidas ao seu diretor, mas foi graças à Helen que as podemos ler hoje em dia, pois
ela as publicou após a morte de sua amiga. Helen veio a falecer com 88 anos de idade, após ter
dedicado sua vida à promoção da educação das crianças com deficiência, particularmente as
cegas.
Finalmente, ambas as experiências educacionais foram levadas à grande tela. No belo
filme francês
O garoto Selvagem
(1969), o próprio cineasta François Truffaut interpreta o papel
do médico. Por outro lado, o encontro da pequena Helen com a jovem Anne inspirou o
estadunidense Arthur Penn a filmar em 1962,
O milagre de Anne Sullivan
. Este foi nomeado
diferentemente dependendo do país onde seria exibido. Em francês a tradução do primeiro
deveria ter sido
La travailleuse miraculeuse
[A trabalhadora milagrosa], porém foi exibido na
França com o título
Miracle en Alabama
[Milagre em Alabama]. A versão brasileira chamou-
se
O milagre de Anne Sullivan
, enquanto a versão portuguesa foi apresentada com o título
O
milagre de Helen Keller
. Como podemos ver todo mundo está de acordo com um único ponto:
esta história é de fato um milagre! A discórdia, contudo, é sobre qual seria o agente do milagre.
Os estadunidenses afirmam tão só se tratar de alguém que trabalha, os brasileiros acham que
foi o adulto, os portugueses a criança e finalmente os franceses se abstêm de identificar o
milagreiro da história, afirmando que o fato de uma criança cega e surda vir a falar constitui,
sim, um milagre e que o mesmo ocorreu certo dia em Alabama!
Justamente, seguindo a pista do mal-entendido em torno do caráter miraculoso da
educação de Helen, poderemos interrogar
o lugar da palavra no seio das condições de
educação de uma criança
, considerando como um contraexemplo na matéria, o destino
reservado a Victor. Em matéria de milagres, podemos de qualquer forma sempre identificar um
agente. Quem realiza o trabalho miraculoso da educação de Helen Keller? A pequena de sete
anos? A educadora, quatorze anos mais velha? Nem uma, nem outra. Ambas experimentaram
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a sujeição do milagre inerente ao trabalho da palavra em si mesma. Isso que esteve em causa
na educação foi a operação da
função significante
, como diria Lacan (1966), que instaura a
possibilidade de se fazer a experiência no interior do campo da palavra e da linguagem, de nos
descobrirmos sempre outro. A função significante é intrínseca ao
falasser
, ou seja, intrínseca
ao ser que não pode não se dizer na diferença junto a outros sob pena de ser parasitado pelo
sofrimento psíquico.
Embora a aventura pedagógica de Itard (1994) tenha merecido um lugar de destaque nos
anais da ciência, aquilo que ela ensina é, ao contrário, o que não deve ser feito na educação de
uma criança. O sonho do médico de formatar o ser da criança implicou na perversão das
condições que fazem possível uma educação que se preze. Todo adulto deve precisamente
renunciar a esse sonho para que uma criança possa se extrair desse lugar onde é procurada e
assim conquistar para si um
lugar de enunciação em nome próprio
, de sujeito de palavra
numa história em curso.
Itard (1994) encarna o furor pedagógico que não reconhece a impossibilidade da
educação (FREUD, 1973b). Ele personifica o voto pedagógico de se encontrar a criança ideal,
desprovida de todo saber
6
e disposta a ser liberada dessa ignorância radical pela graça do mestre
que assim a converteria no seu clone invertido, isto é, num sujeito completo não sujeito à divisão
imposta pela lógica significante, não assujeitado ao desejo. O furor pedagógico deriva desse
nada querer saber do adulto de sua própria condição de sujeito dividido. O adulto projeta na
criança o avesso do si-próprio. Toda educação pretensamente ideal se apresenta como uma
missão civilizadora qualquer ‘pelo bem’ do destinatário. O furor pedagógico perverte as
condições de possibilidade de uma educação, pois exige da criança seu próprio eclipse como
falasser
. A criança vê-se obrigada a renunciar à condição de sujeito para poder merecer algum
reconhecimento adulto.
Victor respondia ao chamado, fazia-se compreender pela senhora Guerin quando tinha
fome ou quando queria sair para passear. Ele habitava efetivamente a linguagem. No entanto,
Itard, embora admitindo que a criança se comunicava, não conseguia admitir que tal coisa fosse
possível sem “a necessidade de nenhum ensinamento prévio” (ITARD, 1994, p.
43, tradução
nossa). Segundo ele, nada era possível fora do programa supostamente científico, isto é, ele
mesmo devia estar na origem de tudo. Assim, Itard (1994, p.44, tradução nossa) conclui que
devia se tratar de uma “linguagem de ação
[
…
]
primitiva da espécie humana” e,
portanto, que
Victor não habitava verdadeiramente o campo da palavra e da linguagem. Porém, o garoto
6
Esse voto pedagógico é o reverso desse outro de se encontrar uma criança na qual já opere o saber natural de
forma tal que o adulto venha a ser dispensado de ter que se implicar na educação.
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insistia em aportar a contraprova que ele, de fato, o habitava. Victor chegou a balbuciar algumas
palavras. O médico reconhecera o nome Julie
–
a filha da Sra. Guerin
–
quando Victor dizia
“gli”
, o substantivo “leite” enunciado com clareza, e finalmente a exclamação recorrente
da
Sra. Guerin “oh meu Deus!”,
quando o garoto dizia
“ohh Diie”.
No entanto, Victor não chegou
jamais a se engajar num discurso. Isso estava ao seu alcance? É impossível sabermos. Mas uma
coisa é certa, o dispositivo pedagógico destinado a fazê-lo falar consistia no aborto da palavra
humana. Por sinal, talvez, esse fracasso permitisse a Victor preservar algo do desejo que lhe
dizia respeito na medida em que recusava entregar a Itard (1994) isso mesmo que ele procurava
obcecadamente
–
a fala.
Jean Itard (1994) admitia que a fala nos diferenciava dos animais, porém não entendia
que o uso da mesma pressupunha a operação na criança de um sujeito ao qual o adulto tivesse,
num tempo logicamente anterior, reconhecido
um lugar singular de enunciação numa
história
. Dessa forma, ele acabou embaralhando as condições estruturais de uma educação. O
médico agia no sentido contrário daquele que uma mãe segue inconscientemente quando
metaforiza os sons balbuciados pelo
infans
, fazendo deste ‘o seu bebê’, bem como convertendo
todos os sons em palavras sujeitas a uma intencionalidade singular que foge ao controle adulto.
Para a psicanálise, o engajamento de uma mãe nessa direção é função da
posição inconsciente
com relação ao desejo
não dependendo dos conhecimentos linguísticos e científicos que
porventura viesse a ter. Essa foi precisamente a posição a partir da qual Anne Sullivan dirigia-
se a Helen.
A experiência educativa proposta por Itard (1994) estruturava-se a partir da recusa
sistemática do desejo. Não era mais do que uma espécie de arapuca pedagógica, pois sendo qual
fosse a resposta de Victor nos exercícios de estimulação metódica, ele não era considerado
como um alguém animado por um desejo a ser reconhecido, como um sujeito que pleiteia se
dizer a que veio ao mundo dos humanos. Se ele não respondia conforme o esperado, segundo o
médico, era porque não tinha compreendido. Se, ao contrário, respondia corretamente, Itard
(1994) pensava que se tratava de um mero acaso. Se finalmente Victor chegava a falar, então,
tinha sido sem intenção de informar sobre uma necessidade a ser satisfeita. A fala de improviso,
bem como aquela que era esperada, mas que tinha sido dada fora dos parâmetros previamente
estabelecidos, eram julgadas como a expressão da natureza selvagem do menino. Ao mesmo
tempo, responder como previsto, significava para Victor convalidar sua própria morte psíquica,
na medida em que a demanda pedagógica o reduzia à condição de objeto de gozo ou de
satisfação para Itard (1994). Nessas situações, o médico repetia a intervenção sob a forma de
contraprova para assim se assegurar que a resposta era aquela mesma procurada. Ele condenava
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inconscientemente Victor a escolher entre dois destinos: entregar-se à frenética ecolalia
ou
simplesmente não responder, ficando totalmente perdido perante a demanda numa espécie de
colapso psíquico.
Victor encarnava, seja a natureza buscada pelo médico, seja o oposto, a selvageria.
Porém, contrariamente ao que poderíamos supor, embora Victor pudesse não responder como
esperado, ele nunca decepcionava Itard (1994), pois este o encontrava no mesmo lugar
fantasmático de sempre, onde era procurado mesmo antes de ser capturado na floresta do
Aveyron. O médico tinha sempre a seu alcance uma explicação para assim restaurar o
narcisismo contrariado por ‘seu’ recalcitrante selvagem. O lugar reservado para o garoto nesta
história consistia em ilustrar a verdade apodítica da reflexão itardiana e deste lugar Victor não
conseguiu fugir, dando a volta por cima deste sonhado destino.
As cartas de Anne Sullivan e os livros de Helen Keller permitem situar a experiência
por elas vivida como sendo o avesso do tratamento médico-moral de Itard (1994). Não há
dúvida de que a posição como educadora de Anne, a sua forma de endereçar a palavra a Helen,
é diferente daquela do médico. E isso não é sem consequências. Essa diferença torna
precisamente possível a emergência da palavra na pequena a despeito da surdez e da cegueira.
Nas cartas da jovem educadora aos amigos de Boston transparecem suas incertezas, suas
dificuldades ligadas à cegueira, não apenas com aquela quase cegueira no sentido próprio que
a fazia lacrimejar e que tornava seus olhos sensíveis à luminosidade, mas aquela em sentido
figurado, aquela falta de luz no final do túnel da travessia que ela tinha empreendido ao aceitar
o emprego na casa dos Keller. Anne confessa que não sabe até onde poderá levá-la a sua
implicação na educação de Helen, mas que ao mesmo tempo é incapaz de abandoná-la. Por
sinal, ela não aceitou o emprego por pura filantropia ou porque se sentia investida de alguma
missão redentora qualquer, porém, simplesmente, porque precisava de um emprego para ganhar
o primeiro salário da sua vida. Como ela mesma escreve numa das cartas, tinha aceitado o
emprego “for
çada pela necessidade de
ganhar a vida”
(KELLER, 1903, p. 179). Talvez para
além da necessidade evidente de ganhar um salário, a declaração de Anne devesse ser escutada
de outra forma: tratava-se do imperativo de conquistar um lugar na vida, um lugar de
enunciação em nome próprio para além do destino funesto que lhe estava reservado quando de
sua entrada no asilo de Tewksbury junto a seu irmão caçula, ambos abandonados pelo pai.
Assim sendo, a sua postura não era a mesma que a de Itard (1994) que tinha se engajado na
experiência em nome do progresso científico, tendo como pano de fundo uma aposta de
prestígio para com o célebre Philippe Pinel.
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O filme de Arthur Penn nos mostra uma Anne Sullivan que avança às cegas, sem
objetivos claros e precisos. Ela não ‘reflete cientificamente sobre a sua prática’, como o fez de
forma inaugural Itard (1994), ao ponto tal que hoje em dia deveria ser elevado à categoria do
santo patrono dos pedagogos reflexivos. Anne queria simplesmente falar com Helen e para
tanto recorria à única forma possível quando se trata de um interlocutor cego e surdo
–
o alfabeto
manual. Por sua parte, parafraseando Françoise Dolto, Itard não
falava com
Victor, porém sim
falava dele
para outros através de seus relatórios, em particular endereçados a seus colegas da
Société des observateurs de l’homme
e ao ministro do interior.
Tudo indica que os conhecimentos psicolinguísticos que Anne possuía eram
rudimentares. Ela compartilhava da mesma ideia associacionista de Itard (1994)
–
falar é
associar signos a coisas destinadas a satisfazer uma necessidade. No entanto, a sua posição
enunciativa não era a mesma que a do médico. Anne Sullivan agia com Helen tendo a convicção
de que a pequena não só era capaz de se comunicar, senão que possuía uma mesma inteligência
linguística que ela e, portanto, que habitava simplesmente a linguagem. A convicção era tal que
quando se tratava de justificar o progresso de Helen no diálogo, a justificativa dada era
rudimentar: como o cérebro de Helen possui todas as ideias (sic), então, só é necessário ter um
pouco mais de paciência para poder estabelecer um diálogo que se preze. A precariedade da
reflexão teórica de Anne em nada comprometeu esta verdadeira experiência educativa. As
ideias mais ou menos científicas que um adulto diz seguir pouco contam na experiência, pois
do que se trata sempre é das condições inconscientes de possibilidade que tangem ao desejo
adulto. Se este for anônimo (LACAN, 1986) no sentido de que o adulto rechaça a castração
inconsciente que o anima e que singulariza o lugar de palavra numa história em curso, então,
as coordenadas estruturais de uma educação acabam desmanchando no ar. Por essa mesma
razão também devemos desconfiar de toda invocação automática de slogans pedagógicos, por
mais politicamente ou psicologicamente corretos que possam parecer.
Anne desejava falar com Helen, tinha algo a lhe dizer, assim como queria escutar alguma
coisa dela. Este ‘dela’
faz tanto referência à Helen no sentido de que Anne queria escutar a
menina, mas também que Anne queria escutar algo de si mesma, de sua própria intimidade, de
sua saga como
falasser
. É graças às cartas que sabemos que Anne tateava no seu papel de
educadora. Nesse sentido, o filme de Arthur Penn soube transmitir o que estava em jogo para
ela na experiência educativa com Helen. Ele dá a ver uma jovem mulher acuada à noite por
fantasmas e lembranças do tempo de infância. A educadora, assim como Helen, também tateava
na escuridão.
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Itard (1994)
–
diferentemente de Anne
–
nada queria saber de tatear na escuridão, de ter
que se haver com personagens fantasmáticos e lembranças do tempo de infância, ou mais ainda
com perder-se nos sonhos para assim vir a se descobrir outro. A educação de Victor nada mudou
na relação de Itard consigo mesmo.
Por outro lado, as reminiscências que Anne Sullivan interrogava tinham sido reavivadas
pela sua própria implicação na educação de Helen. Elas não cessavam de a assombrar,
reclamando assim serem reconhecidas, acolhidas (DE LAJONQUIÈRE, 2019). Foi justamente
essa interrogação na qual Anne tinha se implicado o que permitiu o relançamento da
simbolização da diferença de posições do adulto e da criança que entranha toda experiência
educativa. Essa implicação de Anne possibilitou à palavra fazer seu trabalho e, assim, vir a
relançar uma e outra vez
o desdobramento a conquista de um lugar de enunciação em nome
próprio
, de um lugar de palavra para cada uma das protagonistas.
A emergência de um sujeito de palavra
Educar implica em colocar em circulação traços simbólicos ou significantes que
permitam à criança se implicar na conquista sem fim de um lugar a partir do qual o desejo lhe
seja possível. Trata-se do inverso do que Itard (1994) colocou em ato com Victor. Trata-se disso
mesmo que Anne fez sem ter conhecimento algum na matéria, mas sustentada na experiência
por um saber inconsciente.
A dita aquisição da fala é o resultado da operação de um sujeito do desejo na criança.
A
emergência da palavra ou a fala endereçada a um outro pode ser considerada a marca
por excelência da sujeição desiderativa a uma língua qualquer
e efeito
princeps
de uma
educação primordial bem-sucedida. Nesse sentido, a precariedade da fala de Victor denota um
fracasso do dispositivo educativo sustentado por Itard (1994). No entanto, nunca saberemos
qual teria sido o destino do garoto caso não tivesse caído nas mãos do inventivo e tenaz médico.
Entretanto, a loquacidade de Helen, tal como a sua rica biografia testemunha, é sem dúvida
alguma a marca de uma educação que se preze.
Por que falamos? Para ensinar e interrogar. Que coisa? A verdade. Embora os animais
se comuniquem, a dimensão da verdade não lhes diz respeito. A verdade só diz respeito ao
falasser
. Sigmund Freud, contrariamente a Jean Itard, não entendia que o homem entrasse na
dimensão da verdade graças ao contato sistemático com as coisas. Segundo Freud (1973a), a
dimensão da verdade entranha a fabricação psíquica da
Ideia de Pai
no seio da experiência da
vida junto a outros. A Ideia de pai é uma ideia
sui generis
porque tanto carece de significado
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algum quanto trata-se de uma ideia inconsciente que foge à reflexividade. Por essa dupla razão,
a Ideia de pai é chamada no pensamento lacaniano de o
significante Nome-do-Pai
. Trata-se do
significante diretor do campo da palavra e da linguagem que visa à verdade do
falasser
(DE
LAJONQUIÈRE, 2013; 2019). A produção psíquica do significante Nome-do-Pai faz as vezes
do fio de Ariadne que nos possibilita não perder o norte na experiência, tateando na escuridão
das paixões e reminiscências mais ou menos secretas conforme os testemunhos de Helen Keller
e Anne Sullivan. Falar implica em emplacar uma Ideia de pai aí onde antes no horizonte só
havia a sombra de um pai-omnipotente que amordaça a palavra, conforme a hipótese de Freud
(1973a). A emergência da palavra instaura uma diferença na filogênese do humano: da horda
primeva de órfãos à mercê do primata mais forte a uma primeira organização humana regida
pela ideia inconsciente de pai (FREUD, 1973a). A palavra carrega a lembrança mítica de um
prazer compartilhado entre órfãos mudos em vias de se autoproduzirem humanos quando do
assassinato do chefe da horda. Nesse sentido, a dita aquisição da fala carrega o traço do prazer
compartilhado entre a criança e o adulto em terem barrado a
omnipotência do ser,
condição
sine qua non
para a emergência do
falasser
7
.
O que significa a educação ideada por Itard (1994) segundo os princípios da medicina
moral da época? Simplesmente o estilhaço das coordenadas da emergência da palavra. Nesse
sentido, para que Victor viesse a ter chances de se safar do destino funesto que lhe era reservado,
teria sido necessário que sua educação tivesse algo daquela de Helen. Pois bem, não se tratava
de ‘curar moralmente’ Victor ou de lhe extirpar seu ‘ser selvagem’, mas de deixar germinar na
experiência a produção psíquica de uma Ideia de Pai graças ao interrogante do desejo que todo
adulto deve testemunhar na educação de uma criança. A produção dessa ideia teria sido o
indício da orientação do garoto na experiência de se dizer a que veio ao mundo junto a outros.
As chances de ele ocupar um lugar singular de enunciação numa história eram poucas desde o
início, em se considerando o tipo de implicação subjetiva por parte do médico na experiência.
Se o médico tivesse feito seu 50% necessário, então, ao garoto lhe teria restado fazer o 50%
sufic
iente para emplacar ‘seu’ 100%. Porém, o dispositivo pedagógico de Itard bancava a
onipotência do ser, fazendo da educação um fato de difícil acontecimento (DE
LAJONQUIÈRE, 1999).
Como Itard (1994) massacrava as possibilidades da Ideia de pai vir a operar, a entrada
no registro da verdade passou a ser um ato de difícil acontecimento. A ausência dessa operação
reduzia Victor ao estatuto de um animal a ser adestrado, isto é, a ser
sempre ‘
aí
’
nesse preciso
7
Numa próxima oportunidade, desenvolveremos esta hipótese ao tratar especificamente da fala da palavra ‘água’
por parte de Helen.
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lugar onde era procurado obcecadamente pelo médico. Se, ao contrário, a Ideia de pai tivesse
operado na experiência, o garoto poderia ter usufruído de um lugar tanto filial quanto familiar,
ora como discípulo, ora como aprendiz de Jean Itard. Porém, não foi o que aconteceu. O médico
recusou a possibilidade de se descobrir outro diferente de si-mesmo. Se assim tivesse
acontecido ele teria dado testemunho na educação de
estar sujeito à castração ou à lei do
desejo
(DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2013; 2020a; 2020b).
Um adestrador de animais não é nem mestre, nem pai, nem mãe. Ele não pode perder-
se em devaneios, sonhos e reminiscências do tempo de infância, caso não queira perder a cabeça
na jaula dos leões. Ao contrário, mestres, pais e educadores devem estar dispostos a perderem
a sua, pois é sabido que não conseguirão segurar a barra uma vez metidos a educar. A produção
por uma criança da Ideia de Pai
implica na renúncia do adulto a colar no lugar de todo-poderoso
que não reconhece a lei que interdita de responder narcisicamente ao
odioamoração
(LACAN,1975, p. 84) endereçado pela criança. De fato, mestres, pais e mães devem endereçar-
se à criança como gente comum, ou seja, referidos à lei do desejo que rege o desdobramento do
laço social.
Itard (1994) tinha uma necessidade imperiosa de ignorar o desejo. O desejo era um
affaire
que lhe fazia literalmente perder a cabeça. Esforçando-se para não vir a perdê-la na
educação de Victor, fez de tudo para achá-lo onde o procurava. Em suma,
fez o que não deve
ser feito na educação de uma criança
, pois para que esta venha a ter a cabeça no lugar, o
adulto
–
como bem lembra a experiência da educação de Helen
–
deve estar disposto a perder-
se, a perder seu pretenso lugar de mestria.
Considerações finais
A ‘educação do
selvagem
’
tornou-se paradigma daquilo que passou a se chamar a
pedagogia especializada. Até a emergência das primeiras iniciativas educativas alternativas
como, por exemplo, a escola de Bonneuil, inspiradas em décadas de experiência acumulada de
psicanálise com crianças, a educação
à la Itard
se impôs como uma experiência a ser
reduplicada na educação a ser oferecida às crianças chamadas ora idiotas, ora deficientes, ora
com necessidades educativas especiais (DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2020c). O
‘espírito
de
Itard’ acabo
u se tornando hegemônico no imaginário social, virando, assim, a chave para se
entender toda e qualquer educação. Ele foi, por exemplo, invocado no início do século passado,
mas sem o médico ser explicitamente lembrado, pelo psicólogo norte-americano John B.
Watson, quem com seu manifesto comportamental emplacou a ilusão adulta de fabricar crianças
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sempre predispostas a responder desse lugar fantasmático onde são procuradas pelos adultos.
Hoje em dia, o ‘espírito de Itard’ ou a ilusão onipotente de que entr
e a criança e o adulto nada
venha a faltar, vindo, assim, a encorpar o fantasma de um pai-omnipotente, é emplacada pela
indústria farmacêutica.
Toda educação cobra um preço, aquele de reconhecer o desejo que nos habita
enquanto
falasseres
e, portanto, exige renunciarmos à medicalização
d’isso
que não tem
remédio.
Condição indispensável para que uma educação possa vingar aí onde menos
narcisicamente a procuramos. Pretender que uma educação vingue, sem a criança vir a se
deslocar desse lugar que lhe é reservado inconscientemente pelos adultos, constitui uma
contradição em seus termos que fármaco algum virá remediar. A saga do Dr. Itard ilustra a
nossa insistência em procurarmos o nosso pretenso si-mesmo sempre no mesmo lugar, ao preço
de condenar as crianças ao destino funesto de não poder se dizerem junto aos outros.
Na educação de uma criança hoje em dia, assim como antes, mais vale virmos a nos
arrimar do lado de Anne Sullivan, isto é, de nos sabermos gente comum às voltas com a
irremediável diferença que se aninha em nosso endereçamento educativo à criança. Sabermos
inconscientemente dessa inevitável diferença faz com que aquilo que fazemos ou deixamos de
fazer não venha remediar de coisa alguma, mas simplesmente a testemunhar de nossa posição
singular de sujeito de palavra numa história em curso.
AGRADECIMENTOS
: Consórcio CAPES-COFECUB, projeto Sh 940/19.
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Leandro DE LAJONQUIÈRE
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN:
1982-4718
DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16717
20
Como referenciar este artigo
DE LAJONQUIÈRE, Leandro. Sobre a irremediável educação.
Estudos de Sociologia
,
Araraquara, v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718. DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16717
Submetido em
: 15/06/2022
Revisões requeridas em
: 10/07/2022
Aprovado em
: 12/08/2022
Publicado em
: 30/09/2022
Processamento e edição: Editora Ibero-Americana de Educação.
Correção, formatação, normalização e tradução.
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About irremediable education
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN:
1982-4718
DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16717
1
ABOUT IRREMEDIABLE EDUCATION
SOBRE A IRREMEDIÁVEL EDUCAÇÃO
SOBRE LA IRREMEDIABLE EDUCACION
Leandro DE LAJONQUIÈRE
1
ABSTRACT
: In the wake of the tradition of psychoanalytic studies in education, the author
elucidates the current insistence of adults, sometimes professionals, sometimes simple parents,
of administering medication to children when they are not actually sick. The reasoning is
structured around the counterpoint between two educational experiences that took place in the
19th century, that of the so-called wild boy of Aveyron, in post-revolutionary France, and that
of Helen Keller, a seven-year-old blind and deaf girl, in the post-revolutionary United States
secession war. This counterpoint allows the author to clarify what is at stake in education; not
an effective education, as we are used to dreaming nowadays, but a subjectivizing education,
that is, one capable of making a subject of speech emerge.
KEYWORDS
: Medicalization. Subject. Childhood. Education.
RESUMO
: Na esteira da tradição dos estudos psicanalíticos em educação, o autor elucida a
insistência atual dos adultos, ora profissionais ora simples pais, de administrarem
medicamentos às crianças quando estas não estariam de fato doentes. O raciocínio se estrutura
em torno do contraponto entre duas experiências educativas ocorridas no século XIX, a do
“
garoto selvagem do Aveyron
”
, na França pós-revolucionária e a de Helen Keller, uma
menina de sete anos cega e surda, nos Estados Unidos pós-guerra de secessão. Tal contraponto
permite esclarecer o que está em pauta em toda educação que se preze; não uma educação
eficaz, como costuma-se sonhar hoje em dia, mas subjetivante, isto é, passível de fazer emergir
um sujeito de palavra.
PALAVRAS-CHAVE
: Medicalização. Sujeito. Infância. Educação.
RESUMEN
:
Siguiendo la tradición de los estudios psicoanalíticos en educación, el autor
dilucida la actual insistencia de los adultos, a veces profesionales y a veces padres, en
administrar medicamentos a los niños cuando no están realmente enfermos. El razonamiento
se articula en torno al contrapunto entre dos experiencias educativas ocurridas en el siglo XIX,
el "niño salvaje de Aveyron" en la Francia posrevolucionaria y Helen Keller, una niña sorda
y ciega de siete años, en los Estados Unidos posguerra de secesión. Tal contrapunto permite
aclarar lo que está en juego en toda educación que se precie; no una educación eficiente, como
se acostumbra a soñar hoy en día, sino una educación subjetivadora, es decir, capaz de hacer
emerger un sujeto de palabra.
PALABRAS CLAVE
: Medicalización. Sujeto. Infancia. Educación.
1
Université Paris 8 Vincennes Saint-Denis (Paris8), Saint-Denis
–
France. Research Director, Ecole doctorale
Pratiques et Théories du Sens. Doctor in Education. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6286-1784. E-mail:
ldelajon@gmail.com
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Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN:
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2
I do not search, I find
Pablo Picasso (our translation)
A little more than half a century ago, when we were still children, any behavior that was
disapproved in the school environment was subject to some sanction. Sometimes we should go
and talk to the school principal to tell him about the misconduct. The latter, after listening to
us, asked us to sit in silence, watching him work, until the penance was over. On other
occasions, we should write the sentence ‘I shouldn’t talk in class’ two hundred times. When we
had some difficulty in math, the teacher would make us go to the blackboard to red-handedly
correct our wrong way of calculating. When, at times, we were distracted in class, she would
ask us if we were “on the moon of Valencia”
2
, motivating us to smile slightly and redirect our
gaze to the blackboard. When what was needed, in the opinion of our teachers, was our
dedication to school tasks, then the parents were called and they knew how to give the child the
time that he said he did not have to do his homework
–
they gave him they forbade them to go
out and play with friends on the street or on the corner playground for a while.
The pedagogical merit of these correctives eludes any so-called scientific evidence.
Furthermore, none of us, now in our sixties, would be able to maintain that their entrepreneurial
success or the fact of having passed the entrance exam or becoming a doctor, for example, is
the direct result of the way adults had of touching life with children until a few decades ago.
Any of these features in our lives is nothing more than an imponderable that psychoanalysis
places in the column subject of desire at the time of existential accounting (DE
LAJONQUIÈRE, 2021a). Some pedagogical spirits, clouded by psychological and/or financial
performance, may even propose that, given the fact that this considered traditional education
lacks any justification, then there is nothing better than replacing it with a more effective one.
An education would supposedly be effective if it is capable of making children always there
–
in that imaginary place
–
where we wait for them, more or less (im)patiently, as fully developed
beings.
However, there is something in this story that can indeed be considered, although this is
decidedly beyond any utilitarian parameter. In this sense, it would be appropriate to ask what
could be left of
childhood time
3
to be remembered as an adult, when we do not have in stock
2
The author of this essay studied elementary school in Argentina and is still unaware of the origin of this sentence
in Castilian. Why on earth, the moon that held the children's attention, had to be from Valencia and not from any
other Spanish city?
3
On the preference to use “childhood time” and not simply the term childhood, see
:
A psicanálise e o debate sobre
o desaparecimento da infância
(DE LAJONQUIÈRE, 2006) and
Figures de l’infantile
(DE LAJONQUIÈRE,
2013).
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these or other experiences to tell, thus implying that we too were young in a not-so-long past.
There just isn't much left worth remembering. If we take away from childhood the fact that we
were once a child destined not to be trapped in this place where we were ghostly sought after
by adults, then there is not much left that deserves to be told. These 'fouls committed' say as
much about ourselves as about the adults who saw fit to play, in a unique way, a certain place
of responsibility in the educational enterprise. In short, they speak of the type of social bond
that developed between adults and children at a moment in our history or, in other words, they
speak of the social imaginary that is possible to inhabit in a given time and in which every
educational experience is rooted. According to psychoanalytic studies in education, these lacks
speak of
desire as a lack that makes both encounter and mismatch or difference in the
intimacy of the intergenerational bond
(DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2013, 2021a).
In this sense, today's children run the risk of not having much worth remembering
tomorrow. Unless someone thinks that
being sick
or suffering from different and varied
syndromes has some fun in being remembered when grown up in a conversation with our
children and/or students. On the contrary, remembering that an accident could have been fatal,
or that with some effort and care, we ended up overcoming an illness is something very
different. The first event tells of our good fortune, the second of our perseverance.
When illness covers the entirety of existence, then it is no longer possible
to be sick
,
because one
becomes sick
. In cases of chronic diseases that erupt at a moment in life, the
question is how the sick person can still enjoy a non-diseased being in order
to be sick
, without
being sick
. Such a challenge is not an easy thing when it comes to big people and diseases of
the body. However, the examples of those who manage to preserve their being from illness,
disability or bodily loss are numerous. Nor is the number of people whose psychic investment
in life is reduced to the hobby of waiting resignedly for the miracle that will restore their lost
performance. When it comes to children and, even more, to supposed illnesses in the way of
being, turning around becomes unlikely. Indeed, when a child is diagnosed, a
disease in the
being
, the supposed disease, parasitizes the being through its entrails. The weight of this state-
being holophrase compromises the child's chances of conquering for himself a unique place as
a subject in an ongoing history
and, thus, of
saying that he came into the world together
with others
.
There are diseases that are not, in fact: they look like diseases, but they are not. Diseases
of the body are diseases, some are curable and some are not. On the other hand, those that look
like diseases, but are not, correspond to
modes of existence
. They are sometimes called diseases
of the spirit or soul. However, although there may be more or less troubled souls or spirits, this
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does not mean that they are or became sick. Every disease worth its salt implies a state more or
less deviated from a biological functioning considered standard or normal with a view to the
survival of the organism. Thus, the so-called diseases of the spirit are a contradiction in terms:
either they are not diseases or they do not concern the spirit, although this good may suffer
4
.
Being disorderly, hopeful, or lazy are not diseases. Being heterosexual, homosexual,
unsympathetic, depressed, happy, hardened, obsessive or aversive to marriage are not diseases
either, although none of these ways of being is exempt from the psychic discomfort inherent to
any and all human existence. Missing spellings, not learning math, being scattered in class, not
being very supportive of friends, not going to school excitedly, or being more or less fussy are
not diseases either. That's why psychotropic pills don't even tickle the ways of touching human
life. Pharmacology is incapable of affecting the individual in his intimacy, although it can numb
or accelerate certain physiological reactions of the medicated person who, from a certain
distance, can even give the impression of being much better. Neither, comparatively, but in the
strict register of molecular life, a dose of paracetamol capable of reducing fever is incapable of
opposing resistance to the advance of Covid infection. In short, the so-called benefits of
medicines melt into the air after a while when it comes to wanting to suture
the malaise
inherent in human existence
(FREUD, 1973c).
The existence of a subject, a being of the
word
, or a
parlêtre
, according to the neologism
dear to Jacques Lacan (2001), implies the existence of a living organism, but the being of the
parlêtre
is not biomolecular. Therefore, pharmaceuticals, as well as surgery, can make it
possible for a sick body to rebalance the chances of living longer, as there are diseases that kill
quickly if nothing is done. However, no way of being, whether heterosexuality, homosexuality,
depression, sympathy, ADHD, dyscalculia, dyslexia, etc. have the power to kill in themselves
and, for this very reason, no doctor makes reference to any of them on a death certificate.
In this sense, it is worth asking: why do we insist today on medicating children who
scream, who don't stop moving, who have spelling mistakes, who don't calculate correctly or
who focus their attention on the Valencia Moon?
The brain is unable to think
The adult epidemic of administering medication to children, even though they are not
actually sick, follows a number of reasons of different content and caliber. Two elements of
this equation are worth mentioning.
4
Self-proclaimed childhood autism prevention initiatives usury fall into this contradiction, although they claim
not to be iatrogenic (DE LAJONQUIÈRE, 2021a).
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On the one hand, we are unable to free ourselves from the illusion that the forms of
parlêtre
are epiphenomena of organic life. We insist on confusing the fact that a person needs
the brain to indulge in the most varied thoughts with the brain's inability to think. Contrary to
this illusion, in solidarity with that other one of being able to extract that stone of madness, but
at the time when children were already taking Fontoura biotonic, although not yet Ritalin, Jean
Piaget (1967) argued that although we must be alive to think mathematically, neurology will
never explain why 2 plus 2 is 4, for the simple reason that neurons don't think. Brain functioning
does not cause or structure thought. As I understand it, the brain is simply a limit for a
parlêtre
.
However, nowadays and as proof of the hegemonic pregnancies of this illusion, not even
supporters of the so-called Brazilian pedagogical constructivism are able to distrust the habit of
medicating children under the pretext of having supposedly been born or contracted dyslexia
or dyscalculia.
On the other hand, there is the very adult fall that children are there, in that place, where
we fantasize them, or, in other words, the hope that they will always respond from the place
they occupy in our unconscious phantasm, there being no lack some in education. Thus, we
spare no effort to correct the response considered to be
an indication of an alleged deviation
.
In this way, a vicious circle is closed: the very adult desire to make the child always appear well
focused in the photo, that is, not lacking, embodies the belief in epiphenomenal reductionism
which, in turn, grants pseudoscientific credibility to the which lacks any justification.
The reader should not conclude that the author of this essay considers it wonderful that
a child does not learn to read and write with some correction or that another cannot conclude
that 2 plus 2 is 4. That this is worrying and that it implies our Adult responsibility does not
justify being considered responses from a deviant being. Because? For the simple fact that there
is no deviation, no norm. We must not confuse miscalculations, false knowledge, hasty
reasoning and more or less delusional ideas with deviations from the thinking of a brain.
No
brain thinks, just as there is no normal way for the
parlêtre
to think
. Between thinking and
organic life, which by supporting it also places a limit on it, the relationship is one of mortal
struggle, but not of cause and effect.
Faced with a child who does not learn to read, write or calculate, when, in principle, this
knowledge is taught to him with a certain parsimony in a literate society, when a child is
condemned to mutism, he either talks non-stop or does not say anything at all, or cannot to stop
walking on tiptoe, or toss around incessantly, it is possible to think that she is not well with
herself or with others to the point that she loses the direction of social circulation and gets
tangled up in being. Every time it is not possible for a
parlêtre
to say what he came into the
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world for, the being gets bogged down in psychic suffering. Therefore,
all these ways of being
of the child in a place of being of exception in the social bond speak of the suffering of the
parlêtre
come to say with others
. This difficulty is all yours, but it is at the same time the result
of how the child is positioned in the face of the demands and desires of adults, in the order of
50% each. In this sense, an intervention that aims to change the status quo must hook thinking
by the gut, that is, the being of the
parlêtre
that is being said in the field of word and language
(DE LAJONQUIÈRE, 2020d, 2021a, 2021b). Administering drugs in these cases not only does
not change the equation in favor of thinking, of unfolding the
parlêtre
, but even more, it meta-
transmits to the child that adults do not want to know about their suffering due to the fact that
they have sunk into an impasse with themselves and with others. This does not bode well in the
education of a child.
Intending to extirpate the behavior or a child's response considered deviated for the
'good of the child' is not as valuable as the simple pretension of teaching a child to write without
spelling mistakes, since the language deserves our respect as much as the child deserves to
enjoy the opportunity to join us in this endeavor. Intending to erase the deviation is the tip of
the iceberg of an unconscious way that we have to address the child, which in this case implies
our rejection of accepting
the difference in question in all education
(DE LAJONQUIÈRE,
1999). Education implies both a meeting with a child and a mismatch. The found is not the
sought after. This difference returns to the transvested adult in the form of an indication of a
deviant being-child to be corrected thanks to miraculous medication. Medicalization confirms
the very adult fall of wanting to know nothing that the deviation seen is in fact nothing more
than a difference in position in the field of speech and discourse between generations. Adults
do not want to know anything about this difference that every child must know how to play in
the conquest of a unique place as a subject in an ongoing history in the field of words and
language
. This achievement implies that the child will come to extract himself from this place
in which the adult seeks him. If the child does not produce this difference for himself again and
again, then he is confused in saying what for he came to men's lives.
What every child shows the adult, whether or not it is considered a supposed deviation
to be corrected, is its own product, that is, it is the result of the psychic work involved in the
fact that it must deal with the demands and the desire of adults. When the child actually learns
with a certain lightness of mind what he is taught
–
the most varied knowledge
–
it means that
he is able to sustain two distinct psychic operations in the same and unique time: on the one
hand, to hook himself to the signifiers that articulate the educational experience and, on the
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other hand, to drop the objectifying bias embedded in the operation of apprehending the
signifiers set to circulate by the adult.
Every baby who launches into the word, who speaks, ends up one day enunciating any
word with a certain clarity and distinction, except for those two so impatiently stimulated (sic)
by the parents, that is, 'mommy' or 'daddy'. Why is it that the baby can't offer the words so
sought after? Because delivering 'this'
5
without further barriers implies answering from this
place where the child is illusory for adults. It would be like answering in echo. Speaking, then,
implies a double and same operation of alienation and separation, in which the second move,
which is not in fact such, comes to repress, or erase, the first. On the other hand, the fact that
the child closes himself up in silence or speaks echoly speaks of his impossibility to sustain the
psychic operation of repression of the adult desire that he respond from the place where he is
dreamed of, or, in other words, the impossibility of it will come to extract itself as a subject
from this place of phantom object on the horizon.
The event of speaking is 100% the nature of a subject, but that does not mean that the
child and the adult do not contribute 50% each. No child launches into speech if an adult does
not address 'his word' to him, although not a few consider speaking to be natural. The child
takes the adult's word by assault, uttering a different term than the one sought. In this way, the
50% that the child holds end up in fact becoming 'the child' 100%. There is no way to spare the
child the psychic work involved in any and all learning. This work will always be done
regardless of one of the two dimensions of adult addressing. The success in the enterprise is all
credit to the subject who operates in the child, but it is likely that the desire at stake in the
education regarding which the child must position himself as a subject ingrain for the child a
challenge out of all proportion. In this case, education may well become a difficult event (DE
LAJONQUIÈRE, 1999).
The fact that a child takes a step on its own in the conquest of a place of subject, ingrains
on the part of the adult the acceptance of a difference produced by the child himself when
moving from the place where he is sought. Of this the adults are not very willing to know,
because narcissism rages. In this sense, pharmacology, the armed wing of the medicalization of
life with children, ended up becoming a great ethical alibi.
5
The term 'this' refers to the Freudian unconscious. In a way, what is at stake in speech is the recognition of
subjection to the unconscious. “Giving over the unconscious” would be equivalent to getting rid of it
.
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Of a wild boy and a blind and deaf girl
Administering medicine to children, even though they are not sick, is one aspect of
medicalization. However, medicalization as a way of understanding the education of a child
and, therefore, what is at stake in
the psychic time of childhood
(DE LAJONQUIÈRE, 2006,
2013), began well before the pharmaceutical industry became one of the most profitable. It
began at the beginning of the 19th century, when Jean Itard (1994) decided to educate what not
only he, but the social imaginary of the time, considered to be a wild child. There is no record
that this doctor administered any type of drug. Perhaps his only attempt to alter bodily
functioning, with a view to facilitating the learning of everything he thought to teach the boy
found in 1800 wandering in a forest in the French region of the Aveyron, was to give him
regular baths with almost boiling water, from a rather absurd hypothesis.
The education of the 'wild boy' was the work not only of a physician, but of modern
medical reasoning. Education was designed according to the motor rehabilitation model:
methodical repetition of increasingly complex movements or activities with a view to ensuring
that the damaged parts of the body involved in the task progressively respond to normal
functioning parameters. Itard (1994), unlike his famous teacher, the doctor, Philippe Pinel, did
not consider the boy to be sick. But unfortunately, the good intuition at the start was neutralized
by the fact that Itard (1994) imagined the perfect opposite of the disease, that is, he considered
that the boy's body was in a virginal state, ready to respond to the doctor's command according
to the principles of 'moral medicine'. His endeavor ended up becoming a model. It supports the
so-called education proposed today to autistic children. Perhaps the latter, combining training
and pharmacology, should be considered the
summum
of the medicalization process. But it also
underlies, despite appearances to the contrary, the matrix of what I call (psycho)pedagogical
illusion (DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2020b), that is, the belief that it is both possible and
necessary to adapt adult intervention to the 'form child's natural being. The 'wild boy' is to some
extent the perfect mirror opposite of the current imaginary child. He seems to be devoid of all
natural knowledge, the same supposed to operate 'naturally' in the 'normal' child these days.
However, Itard (1994) does not get carried away by appearances, as he is convinced that the
boy is the depository of a dormant natural human knowledge that the moral medical device will
know how to awaken in a methodical way.
Education
a la Itard
illustrates precisely what should not be done, under penalty of
imploding the set of structural conditions necessary for the education of a child. At the opposite
extreme, the 19th century also offered us, almost ninety years later, the education of a blind and
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deaf girl
–
Helen Keller
–
thanks to the singular implication of Anne Sullivan. Both adults did
not address children in the same way, although the young American pedagogue breathed the
same ideas that the French doctor had forged in an inaugural form at the beginning of the
century. In the case of Helen Keller, the merit of what was learned was all hers, but her educator
showed up with the necessary 50% in education. Education
a la Sullivan
is not the opposite of
that in the fashion of Itard (1994) and, therefore, it is not “what should be done”, as parents and
pedagogues, avid for methods, often question. The educational experience from which Helen
knew how to benefit is just the opposite of the 'education of a savage'. Although successful, it
is not an educational method to be followed, because
despite our regrets, there is no
normative model in education.
At first glance, we thought that the chances of Helen speaking being deaf and blind
would be minimal, unlike Victor, who did not suffer from any sensory impairment. The
examination by contrast allows to situate and question the difference between both experiences.
The hypothesis is that from the set of conditions for the possibility of educating a child, the way
we have to address our word to him constitutes precisely a prince element of the experience.
This adult addressing concerns the adult's unconscious position in relation to desire, always
challenged by the very fact of having to deal with a child in education (DE LAJONQUIÈRE,
1999; 2013; 2021b).
We will briefly recall some elements of these two events that made history. A simple
parallelism will already allow us to place the set of conditions for the education of each child.
Jean Itard (1994) was a young doctor, while Anne Sullivan was a young woman without
a degree, just out of Boston College for the Blind.
Victor is a child of approximately 10 or 12 years old, captured in the woods, considered
clinically normal by Itard (1994), but at the same time 'wild' from a psychic point of view. On
the other hand, it is known that Helen Keller was born in good health and that when she was
two years old, she became blind and deaf due to an infection. Anne Sullivan will say, when
they first met on a March 1887 day (the little girl was seven years old), that she was a capricious
child, but intelligent and eager to learn.
The common point is that neither Victor nor Helen spoke when meeting with their
respective educators. Jean Itard (1994) leaves Victor after five years, having the conviction that
there was nothing more to be done. On the contrary, Anne Sullivan and Helen Keller became
friends and never left. Although the first got married, the second went to live in the couple's
neighborhood. Helen was forever blind and deaf, but she started to speak. She becomes a writer
in her teens. By the way, it will be thanks to the publication of her books that we will learn
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something about what may have happened between her and her educator. For her part, Anne
Sullivan left written letters to her friends at the
Perkins School for the Blind
, in particular
addressed to their principal, but it is thanks to Helen that we can read them today, as she
published them after her friend's death. Helen died at the age of 88, after dedicating her life to
promoting the education of children with disabilities, particularly the blind.
Finally, both educational experiences were brought to the big screen. In the beautiful
French film
O garoto Selvagem
(1969), the filmmaker François Truffaut himself plays the role
of the doctor. On the other hand, the meeting of little Helen with young Anne inspired the
American Arthur Penn to film in 1962,
The Miracle Worker
. This one was named differently
depending on the country where it was going to be shown. The French translation of the first
should have been
La travailleuse miraculeuse
[The Miracle Worker], but it was shown in
France under the title
Miracle en Alabama
[Miracle in Alabama]. The Brazilian version was
called
O milagre de Anne Sullivan
(The miracle of Anne Sullivan), while the Portuguese version
was presented with the title
O milagre de Helen Keller
(The miracle of Helen Keller). As we
can see everyone agrees on one point: this story is indeed a miracle! The disagreement,
however, is over who would be the agent of the miracle. The Americans claim that it is only
someone who works, the Brazilians think it was the adult, the Portuguese the child and finally
the French refrain from identifying the miracle worker in history, claiming that the fact that a
blind and deaf child could speak is, yes, a miracle, and that the same thing happened one day
in Alabama!
Precisely, following the trail of the misunderstanding around the miraculous character
of Helen's education, we can question
the place of the word within the conditions of a child's
education
, considering as a counterexample in the matter, the destiny reserved for Victor. In
matters of miracles, we can in any case always identify an agent. Who does the miraculous
work of Helen Keller's education? The seven-year-old? The educator, fourteen years older?
Neither one nor the other. Both experienced the subjection of the miracle inherent in the work
of the word itself. What was at stake in education was the operation of the
signifying function
,
as Lacan (1966) would say, which establishes the possibility of having an experience within the
field of word and language, of always discovering ourselves as another. The signifying function
is intrinsic to the
parlêtre
, that is, intrinsic to the being that cannot not be said in the difference
with others, under penalty of being parasitized by psychic suffering.
Although Itard's (1994) pedagogical adventure has deserved a prominent place in the
annals of science, what it teaches is, on the contrary, what should not be done in the education
of a child. The doctor's dream of shaping the child's being implied the perversion of the
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About irremediable education
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conditions that make a self-respecting education possible. Every adult must renounce this dream
so that a child can extract himself from this place where he is sought and thus conquer for
himself
a place of enunciation in his own name
, of a subject of speech in an ongoing history.
Itard (1994) embodies the pedagogical fury that does not recognize the impossibility of
education (FREUD, 1973b). He personifies the pedagogical vow of finding the ideal child,
deprived of all knowledge
6
and willing to be freed from this radical ignorance by the grace of
the master who would thus convert him into his inverted clone, that is, into a complete subject
not subject to the division imposed by significant logic, not subject to desire. The pedagogical
fury derives from the adult's wanting to know nothing about his own condition as a divided
subject. The adult projects the opposite of the self onto the child. All supposedly ideal education
presents itself as a whatever civilizing mission 'for the good' of the recipient. Pedagogical frenzy
perverts the conditions for the possibility of an education, as it demands from the child its own
eclipse as a
parlêtre
. The child is forced to renounce the condition of subject in order to deserve
some adult recognition.
Victor answered the call, made himself understood by Madame Guerin when he was
hungry or when he wanted to go out for a walk. He effectively inhabited language. However,
Itard, although admitting that the child communicated, could not admit that such a thing was
possible without “the need for any previous teaching” (ITARD, 1994, p. 43, our translation).
According to him, nothing was possible outside the supposedly scientific program, that is, he
himself had to be at the origin of everything. Thus, Itard (1994, p. 44, our translation) concludes
that it mus
t be a “language of action
[
…
]
primitive of the human species” and, therefore, that
Victor did not truly inhabit the field of speech and language. However, the boy insisted on
providing the counter-proof that he, in fact, inhabited it. Victor even stammered a few words.
The doctor recognized the name Julie
—
Mrs. Guerin
–
when Victor said “
gli
”, the noun “milk”
spelled out clearly, and finally Mrs. Guerin “oh my God!” when the boy said “
ohh Diie
”.
However, Victor never got around to engaging in a speech. Was that within his reach? It's
impossible for us to know. But one thing is certain, the pedagogical device destined to make
him speak consisted in the abortion of the human word. By the way, perhaps, this failure
allowed Victor to preserve something of the desire that concerned him insofar as he refused to
hand over to Itard (1994) what he was obsessively looking for
–
speech.
Jean Itard (1994) admitted that speech differentiated us from animals, but did not
understand that its use presupposed the operation in the child of a subject to which the adult
6
This pedagogical vow is the reverse of this other one of finding a child in whom natural knowledge already
operates in such a way that the adult will be exempt from having to be involved in education.
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had, in a logically previous time, recognized
a singular place of enunciation in a story
. In this
way, he ended up shuffling the structural conditions of an education. The doctor acted in the
opposite direction of what a mother unconsciously follows when she metaphorizes the sounds
babbled by the infant, making him 'her baby', as well as converting all sounds into words subject
to a singular intentionality that escapes adult control. For psychoanalysis, a mother's
engagement in this direction is a function of her unconscious position in relation to desire, not
depending on the linguistic and scientific knowledge that she might have. This was precisely
the position from which Anne Sullivan addressed Helen.
The educational experience proposed by Itard (1994) was structured from the systematic
refusal of desire. It was nothing more than a kind of pedagogical trap, because whatever Victor's
response in the methodical stimulation exercises, he was not considered as someone animated
by a desire to be recognized, as a subject who pleads to say what he came to do in the human
world. If he didn't respond as expected, according to the doctor, it was because he didn't
understand. If, on the contrary, he answered correctly, Itard (1994) thought that it was mere
chance. If Victor finally got around to talking, then he had been unintentionally informing about
a need to be satisfied. The impromptu speech, as well as the one that was expected, but that had
been given outside the previously established parameters, were judged as the expression of the
wild nature of the boy. At the same time, responding as expected meant for Victor to validate
his own psychic death, insofar as the pedagogical demand reduced him to the condition of an
object of enjoyment or satisfaction for Itard (1994). In these situations, the doctor repeated the
intervention in the form of a retest to ensure that the answer was the same one sought. He
unconsciously condemned Victor to choose between two fates: surrender to the frantic echolalia
or simply not respond, being totally lost in the face of demand in a kind of psychic collapse.
Victor embodied, whether the nature sought by the doctor, or the opposite, savagery.
However, contrary to what we might suppose, although Victor might not respond as expected,
he never disappointed Itard (1994), as he found him in the same illusory place as always, where
he was sought after even before he was captured in the Aveyron forest. The doctor always had
an explanation within his reach to restore the narcissism thwarted by "his" recalcitrant savage.
The place reserved for the boy in this story consisted of illustrating the apodictic truth of the
Itardian reflection and from this place Victor could not escape, turning around this dreamed
destiny.
Anne Sullivan's letters and Helen Keller's books allow us to situate their experience as
the opposite of Itard's (1994) medical-moral treatment. There is no doubt that Anne's position
as an educator, her way of addressing Helen, is different from that of the doctor. And this is not
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without consequences. This difference makes it precisely possible for the word to emerge in the
child despite deafness and blindness.
In the letters of the young educator to her friends in Boston, her uncertainties, her
difficulties linked to blindness, appear, not only with that almost blindness in the proper sense
that made her tear up and that made her eyes sensitive to luminosity, but that in a figurative
sense, that lack of light at the end of the tunnel on the journey she had undertaken when she
took the job at the Keller house. Anne confesses that she doesn't know how far her involvement
in Helen's education will take her, but that at the same time she is unable to abandon her. By
the way, she didn't accept the job out of pure philanthropy or because she felt invested in some
redemptive mission, but simply because she needed a job to earn the first salary of her life. As
she herself writes in one of the letters, she had accepted the job “forced by the need to e
arn a
living” (KELLER, 1903, p. 179, our translation). Perhaps, in addition to the obvious need to
earn a salary, Anne's declaration should be heard in another way: it was about the imperative to
conquer a place in life, a place of enunciation in her own name, beyond the disastrous fate that
was in store for her when she entered the Tewksbury Asylum with her younger brother, both
abandoned by their father. Therefore, her stance was not the same as that of Itard (1994) who
had engaged in the experiment in the name of scientific progress, against the backdrop of a
prestige bet with the famous Philippe Pinel.
Arthur Penn's film shows us an Anne Sullivan who advances blindly, without clear and
precise objectives. It does not 'scientifically reflect on its practice', as Itard (1994) did in an
inaugural way, to the point that nowadays it should be elevated to the category of the patron
saint of reflective pedagogues. Anne simply wanted to talk to Helen and for that she used the
only possible way when dealing with a blind and deaf interlocutor
–
the manual alphabet. For
his part, to paraphrase Françoise Dolto, Itard did not
speak to
Victor, but spoke about him to
others through his reports, in particular addressed to his colleagues at the
Société des
observateurs de l'homme
and to the minister of the interior.
Everything indicates that Anne's psycholinguistic knowledge was rudimentary. She
shared the same associationist idea as Itard (1994)
–
talking is associating signs with things
designed to satisfy a need. However, her enunciative position was not the same as the doctor's.
Anne Sullivan acted with Helen with the conviction that the little girl was not only capable of
communicating, but that she possessed the same linguistic intelligence as her and, therefore,
that she simply inhabited language. The conviction was such that when it came to justifying
Helen's progress in the dialogue, the justification given was rudimentary: as Helen's brain has
all the ideas (sic), then, it is only necessary to have a little more patience to be able to establish
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a worthy dialogue. The precariousness of Anne's theoretical reflection in no way compromised
this true educational experience. The more or less scientific ideas that an adult claims to follow
count for little in experience, because what it is always about is the unconscious conditions of
possibility that relate to adult desire. If this is anonymous (LACAN, 1986) in the sense that the
adult rejects the unconscious castration that animates him and that singularizes the place of the
word in an ongoing story, then the structural coordinates of an education end up falling apart in
the air. For this same reason, we must also be suspicious of any automatic invocation of
pedagogical slogans, however politically or psychologically correct they may seem.
Anne wanted to talk to Helen, had something to say to her, just as she wanted to hear
something from her. This ‘her’ makes both a reference to Helen in the sense that Anne wanted
to listen to the girl, but also that Anne wanted to hear something of herself, of her own intimacy,
of her saga as a
parlêtre
. It is thanks to the letters that we know that Anne was groping in her
role as an educator. In this sense, Arthur Penn's film was able to convey what was at stake for
her in the educational experience with Helen. It shows a young woman cornered at night by
ghosts and childhood memories. The educator, like Helen, was also groping in the dark.
Itard (1994)
–
unlike Anne
–
did not want to know anything about groping in the dark,
having to deal with ghost characters and childhood memories, or even more with getting lost in
dreams in order to discover someone else. Victor's upbringing changed nothing in Itard's
relationship with himself.
On the other hand, the reminiscences that Anne Sullivan interrogated had been revived
by her own involvement in Helen's upbringing. They never ceased to haunt her, demanding to
be recognized, welcomed (DE LAJONQUIÈRE, 2019). It was precisely this questioning in
which Anne had become involved that allowed the re-launch of the symbolization of the
difference in positions between the adult and the child that permeates every educational
experience. This implication of Anne made it possible for the word to do its work and, thus,
come to relaunch again and again
the unfolding of the conquest of a place of enunciation in
their own name
, of a place of speech for each of the protagonists.
The emergence of a subject of speech
Educating implies putting into circulation symbolic or significant traits that allow the
child to be involved in the endless conquest of a place from which desire is possible. This is the
opposite of what Itard (1994) put into action with Victor. This is exactly what Anne did without
having any knowledge of the matter but sustained in experience by an unconscious knowledge.
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The said acquisition of speech is the result of the operation of a subject of desire in the
child.
The emergence of the word or the speech addressed to another can be considered
the mark par excellence of the desiderative subjection to any language
and the
princeps
effect of a successful primordial education. In this sense, the precariousness of Victor's speech
denotes a failure of the educational device supported by Itard (1994). However, we will never
know what the boy's fate would have been had he not fallen into the hands of the inventive and
tenacious doctor. However, Helen's loquacity, as her rich biography testifies, is undoubtedly
the hallmark of a self-respecting education.
Why do we speak? To teach and interrogate. What? The truth. Although animals
communicate, the dimension of truth does not concern them. The truth only concerns the
parlêtre
. Sigmund Freud, unlike Jean Itard, did not understand that man entered the dimension
of truth thanks to systematic contact with things. According to Freud (1973a), the dimension of
truth permeates the psychic fabrication of the
Idea of Father
within the experience of life
together with others. The Idea of a father is a
sui generis
idea because it lacks any meaning as
it is an unconscious idea that escapes reflexivity. For this double reason, the Idea of the father
is called in Lacanian thought the
signifier Name-of-the-Father
. It is the directing signifier of
the field of word and language that aims at the truth of the
parlêtre
(DE LAJONQUIÈRE, 2013;
2019). The psychic production of the signifier Name-of-the-Father takes the place of Ariadne's
thread that allows us not to lose the north in the experience, groping in the darkness of more or
less secret passions and reminiscences according to the testimonies of Helen Keller and Anne
Sullivan. Speaking implies placing an Idea of a father there where before on the horizon there
was only the shadow of an omnipotent father who muzzles the word, according to Freud's
hypothesis (1973a). The emergence of the word establishes a difference in the phylogenesis of
the human: from the primeval horde of orphans at the mercy of the strongest primate to a first
human organization governed by the unconscious idea of a father (FREUD, 1973a). The word
carries the mythical memory of a pleasure shared between mute orphans on the way to self-
produce humans when the head of the horde is murdered. In this sense, the said acquisition of
speech carries the trace of the pleasure shared between the child and the adult in having barred
the
omnipotence of being
, a sine qua non condition for the emergence of the
parlêtre
7
.
What does the education conceived by Itard (1994) mean according to the principles of
moral medicine at the time? Simply the shard of the coordinates of the word emergence. In this
sense, for Victor to have a chance of escaping the disastrous fate that was in store for him, it
7
In a next opportunity, we will develop this hypothesis when dealing specifically with the speech of the word
'water' by Helen.
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would have been necessary for his education to have something like Helen's. Well, it was not a
question of 'morally healing' Victor or of extirpating his 'wild being', but of letting the psychic
production of an Idea of a Father germinate in experience, thanks to the questioning of the
desire that every adult must witness in the education of a child. The production of this idea
would have been the indication of the boy's orientation in the experience of saying that he came
into the world together with others. The chances of him occupying a singular place of
enunciation in a story were few from the beginning, considering the type of subjective
implication on the part of the physician in the experience. If the doctor had done his necessary
50%, then the boy would have had to do the 50% sufficient to score 'his' 100%. However, Itard's
pedagogical device supported the omnipotence of being, making education a difficult event (DE
LAJONQUIÈRE, 1999).
As Itard (1994) massacred the possibilities of the Idea of a father coming to operate, the
entry into the register of truth became an act of difficult happening. The absence of this
operation reduced Victor to th
e status of an animal to be trained, that is, to be always ‘there’ in
this precise place where he was obsessively sought after by the doctor. If, on the contrary, the
Idea of a father had operated in the experience, the boy could have enjoyed a place that was
both filial and familiar, either as a disciple or as an apprentice of Jean Itard. However, that is
not what happened. The doctor refused the possibility of discovering someone other than
himself. If that had happened, he would have given evidence in education
of being subject to
castration or the law of desire
(DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2013; 2020a; 2020b).
An animal trainer is neither a master, nor a father, nor a mother. He can't get lost in
daydreams, dreams and reminiscences of childhood, if he doesn't want to lose his mind in the
lions' cage. On the contrary, teachers, parents and educators must be willing to lose theirs, as it
is known that they will not be able to hold the bar once they are involved in educating. The
production by a child of the Idea of Father implies the adult's renunciation of gluing in the place
of the almighty who does not recognize the law that prohibits responding narcissistically to the
hate-love
(LACAN, 1975, p. 84) addressed by the child. In fact, teachers, fathers and mothers
must address the child as common people, that is, referring to the law of desire that governs the
unfolding of the social bond.
Itard (1994) had an overwhelming need to ignore desire. Desire was an
affaire
that
literally made him lose his mind. Striving not to lose her in Victor's upbringing, she did
everything she could to find him where she was looking for him. In short,
he did what should
not be done in the education of a child
, because in order for the child to have his head in
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place, the adult
–
as Helen’s education experience well recalls –
must be willing to lose himself,
to lose their pretense of mastery.
Final considerations
The 'education of the wild' became a paradigm of what came to be called specialized
pedagogy. Until the emergence of the first alternative educational initiatives, such as the
Bonneuil school, inspired by decades of accumulated experience of psychoanalysis with
children, education
a la Itard
imposed itself as an experience to be reduplicated in the education
to be offered to children called sometimes idiots, sometimes disabled, sometimes with special
educational needs (DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2020c). The ‘spirit of Itard’ ended up becoming
hegemonic in the social imaginary, thus becoming the key to understanding any and all
education. It was, for example, invoked at the beginning of the last century, but without the
doctor being explicitly mentioned, by the American psychologist John B. Watson, who with his
behavioral manifesto created the adult illusion of producing children always predisposed to
respond from this phantasmatic place where they are sought after by adults. Nowadays, the
‘spirit of Itard’ or the omnipotent illusion that between the child and the adult nothing will be
lacking, thus coming to embody the ghost of an omnipotent father, is promoted by the
pharmaceutical industry.
All education charges a price, that of recognizing the desire that inhabits us as
parlêtre
s and, therefore, demands that we renounce the medicalization of that which has
no remedy.
An indispensable condition for an education to succeed where we least
narcissistically seek it. Pretending that an education succeeds, without the child coming to move
from this place that is unconsciously reserved for him by adults, constitutes a contradiction in
terms that no drug will come to remedy. The saga of Dr. Itard illustrates our insistence on
always looking for our so-called self in the same place, at the price of condemning children to
the disastrous fate of not being able to speak with others.
In the education of a child today, as before, it is better to come to stand on the side of
Anne Sullivan, that is, to know that we are ordinary people dealing with the irremediable
difference that nestles in our educational approach to children. Unconsciously knowing this
inevitable difference means that what we do or fail to do does not come as a remedy for
anything, but simply testifies to our unique position as a subject of speech in an ongoing story.
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How to reference this article
DE LAJONQUIÈRE, Leandro. About irremediable education.
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https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16717
Submitted
: 15/06/2022
Required revisions
: 10/07/2022
Approved
: 12/08/2022
Published
: 30/09/2022
Processing and publishing: Editora Ibero-Americana de Educação.
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