image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167171SOBRE A IRREMEDIÁVEL EDUCAÇÃO SOBRE LA IRREMEDIABLE EDUCACION ABOUT IRREMEDIABLE EDUCATION Leandro DE LAJONQUIÈRE1RESUMO: Na esteira da tradição dos estudos psicanalíticos em educação, o autor elucida a insistência atual dos adultos, ora profissionais ora simples pais, de administrarem medicamentos às crianças quando estas não estariam de fato doentes. O raciocínio se estrutura em torno do contraponto entre duas experiências educativas ocorridas no século XIX, a do garoto selvagem do Aveyron, na França pós-revolucionária e a de Helen Keller, uma menina de sete anos cega e surda, nos Estados Unidos pós-guerra de secessão. Tal contraponto permite esclarecer o que está em pauta em toda educação que se preze; não uma educação eficaz, como costuma-se sonhar hoje em dia, mas subjetivante, isto é, passível de fazer emergir um sujeito de palavra. PALAVRAS-CHAVE: Medicalização. Sujeito. Infância. Educação.RESUMEN:Siguiendo la tradición de los estudios psicoanalíticos en educación, el autor dilucida la actual insistencia de los adultos, a veces profesionales y a veces padres, en administrar medicamentos a los niños cuando no están realmente enfermos. El razonamiento se articula en torno al contrapunto entre dos experiencias educativas ocurridas en el siglo XIX, el "niño salvaje de Aveyron" en la Francia posrevolucionaria y Helen Keller, una niña sorda y ciega de siete años, en los Estados Unidos posguerra de secesión. Tal contrapunto permite aclarar lo que está en juego en toda educación que se precie; no una educación eficiente, como se acostumbra a soñar hoy en día, sino una educación subjetivadora, es decir, capaz de hacer emerger un sujeto de palabra. PALABRAS CLAVE:Medicalización. Sujeto. Infancia. Educación. ABSTRACT: In the wake of the tradition of psychoanalytic studies in education, the author elucidates the current insistence of adults, sometimes professionals, sometimes simple parents, of administering medication to children when they are not actually sick. The reasoning is structured around the counterpoint between two educational experiences that took place in the 19th century, that of the so-called wild boy of Aveyron, in post-revolutionary France, and that of Helen Keller, a seven-year-old blind and deaf girl, in the post-revolutionary United States secession war. This counterpoint allows the author to clarify what is at stake in education; not an effective education, as we are used to dreaming nowadays, but a subjectivizing education, that is, one capable of making a subject of speech emerge. KEYWORDS:Medicalization. Subject. Childhood. Education. 1Université Paris 8 Vincennes Saint-Denis (Paris8), Saint-Denis França. Diretor de Pesquisas, Ecole doctorale Pratiques et Théories du Sens. Doutor em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6286-1784. E-mail: ldelajon@gmail.com
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167172Eu não procuro, acho Pablo Picasso Há pouco mais de meio século, quando ainda éramos crianças, todo comportamento reprovado no ambiente escolar era passível de alguma sanção. Por vezes, devíamos ir falar com o diretor da escola para lhe diser da falta cometida. Este, após ter nos escutado, pedia-nos para ficar em silêncio sentados, vendo-o trabalhar, até a penitência acabar. Noutras oportunidades, devíamos escrever duzentas vezes a frase ‘não devo conversar em sala de aula’. Quando tínhamos alguma dificuldade em matemática, a professora nos fazia ir à lousa para corrigir em flagrante nossa forma errada de calcular. Quando, por vezes, ficávamos distraídos na aula, ela nos perguntava se por acaso estávamos ‘na lua de Valência’2, motivando de nossa parte um leve sorriso e um redirecionamento de nosso olhar para a lousa. Já quando o que fazia falta, ao entender de nossos professores, era a nossa dedicação às tarefas escolares, então, os pais eram chamados e estes sabiam como dar ao filho o tempo que este dizia não dispor para fazer os deveres de casa eles lhe proibiam por um tempo de sair para brincar com os amigos na rua ou no parquinho da esquina. O mérito pedagógico desses corretivos foge a qualquer comprovação dita científica. Mais ainda, nenhum de nós, hoje na faixa dos sessenta anos, seria capaz de sustentar que seu sucesso empresarial ou o fato de ter passado no vestibular ou de ter se tornado médico, por exemplo, é o resultado direto dessa forma que os adultos tinham de tocar vida com as crianças até algumas décadas atrás. Qualquer um desses feitios em nossas vidas não passa de um imponderável que a psicanálise coloca na coluna sujeito do desejona hora da contabilidade existencial (DE LAJONQUIÈRE, 2021a). Alguns espíritos pedagógicos, obnubilados pelo rendimento psicológico e/ou financeiro, podem chegar a propor que, tendo em vista o fato de essa considerada educação tradicional carecer de toda justificação, então, nada melhor que a substituir por outra mais eficaz. Uma educação seria supostamente eficaz sendo ela capaz de fazer com que as crianças venham a ser sempre aí nesse lugar imaginário onde nós as esperamos, mais ou menos (im)pacientemente, como seres plenamente desenvolvidos. No entanto, há nesta história algo que pode, sim, ser ponderado, embora isso fuja decididamente a todo parâmetro utilitário. Nesse sentido, caberia perguntar-se o que poderia 2O autor deste ensaio fez a escola primária na Argentina e ignora até os dias de hoje a origem dessa sentença em castelhano. Por que cargas d’água, a lua que retinha a atenção das crianças,tinha que ser de Valência e não de qualquer outra cidade espanhola?
image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167173restar do tempo de infância3a ser memorado uma vez adulto, quando não dispomos em estoque dessas ou de outras experiências para contar, dando a entender, assim, que nós também fomos jovens num passado não tão passado. Simplesmente não resta muita coisa digna de ser lembrada. Se do tempo de infância retirarmos o fato que fomos certa vez uma criança vocacionada a não ficar presa nesse lugar onde éramos procurados fantasmaticamente pelos adultos, então, não resta grande coisa que mereça ser contada. Essas ‘faltas cometidas’ dizem tanto de nós mesmos, quanto dos adultos que tiveram por bem bancar, de forma singular, um certo lugar de responsabilidade na empresa educativa. Em suma, elas dizem do tipo de laço social desdobrado entre adultos e crianças num momento de nossa história ou, em outras palavras, dizem do imaginário social que é possível de se habitar numa época dada e no qual toda experiência educativa se enraíza. Segundo os estudos psicanalíticos em educação, essas faltas dizem do desejocomofaltaque tanto faz encontro quanto desencontro ou diferença na intimidade do laço intergeracional(DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2013, 2021a). Nesse sentido, as crianças de hoje correm o risco de não terem muita coisa digna de ser lembrada no amanhã. Salvo que alguém pense que ser doenteou padecer de síndromes diversas e variadas tenha alguma graça em ser lembrado quando grande numa conversa com nossos filhos e/ou alunos. Ao contrário, lembrar que por pouco um acidente sofrido poderia ter sido fatal, ou que com certo esforço e cuidado acabamos superando uma doença qualquer é coisa muito diferente. O primeiro acontecimento diz de nossa boa sorte, o segundo de nossa perseverança. Quando a doença cobre a totalidade da existência, então, não é mais possível estar doente, pois se passa a ser doente. Nos casos de doenças crônicas que eclodem num momento da vida, a questão é como a pessoa adoentada consegue ainda usufruir de um ser-não-doentio para, assim, estar doente, sem por isso ser doente. Semelhante desafio não é coisa fácil em se tratando de gente grande e de doenças do corpo. No entanto, os exemplos dos que conseguem preservar o serda doença, da invalidez ou da menos-valia corporal contam-se aos montes. Tampouco é pouca a quantidade de gente cujo investimento psíquico na vida se reduz ao passatempo de esperar resignadamente pelo milagre que lhe devolverá a performance perdida. Quando se trata de crianças e, mais ainda, de supostas doenças na forma de ser, o dar a volta por cima passa a ser improvável. Com efeito, quando a uma criança é diagnosticada, uma doença no ser, a suposta doença, parasita o ser pelas suas entranhas. O peso desta holófrase 3Sobre a preferência de se usar “tempo de infância” e não simplesmente o termo infância pode se consultar: A psicanálise e o debate sobre o desaparecimento da infância(DE LAJONQUIÈRE, 2006) e Figures de l’infantile(DE LAJONQUIÈRE, 2013).
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167174estar-ser compromete as chances de a criança vir a conquistar para si um lugar singular de sujeito numa história em cursoe, assim, de se dizer a que veio ao mundo junto a outros. Há doenças que não o são de fato: parecem doenças, mas não o são. As doenças do corpo são doenças, algumas têm cura outras não. Já as que parecem doenças, mas não o são, correspondem a modos de existência. Elas são às vezes chamadas de doenças do espírito ou da alma. No entanto, embora possa haver almas ou espíritos mais ou menos atribulados, isso não significa nem que sejam nem que estejam doentes. Toda doença que se preze implica um estado mais ou menos desviado de um funcionamento biológico considerado padrão ou normal com vistas à sobrevida do organismo. Assim, as ditas doenças do espírito são uma contradição em seus termos: ou não são doenças ou não concernem ao espírito embora este bem possa sofrer4. Ser desordenado, esperançoso ou preguiçoso não são doenças. Ser heterossexual, homossexual, antipático, deprimido, feliz empedernido, obsessivo contumaz ou aversivo ao matrimônio tampouco são doenças, embora nenhuma dessas formas de ser esteja isenta do mal-estar psíquico inerente a toda e qualquer existência humana. Ter faltas de ortografias, não aprender matemática, ficar disperso nas aulas, não ser muito solidário com os amigos, não ir empolgado à escola ou ser mais ou menos espalhafatoso tampouco são doenças. Por isso mesmo os comprimidos psicotrópicos não fazem nem cócegas às formas de tocar a vida humana. A farmacologia é incapaz de afetar o ser na sua intimidade, embora possa adormecer ou acelerar certas reações fisiológicas da pessoa medicada que, à certa distância, pode até dar a impressão de estar bem melhor. Assim como tampouco, comparativamente, mas no estrito registro da vida molecular, uma dose de paracetamol capaz de diminuir a febre é incapaz de opor resistência ao avanço da infecção de Covid. Em suma, os ditos benefícios dos medicamentos desmancham no ar após um certo tempo quando se trata de querer suturar o mal-estar inerente à existência humana(FREUD, 1973c). A existência de um sujeito, de um ser de palavra, ou de um falasser[parlêtre], conforme o neologismo caro a Jacques Lacan (2001), implica na existência de um organismo vivo, mas o ser do falassernão é biomolecular. Assim sendo, a farmacêutica, bem como uma cirurgia podem possibilitar a um corpo doente reequilibrar as chances de seguir vivendo mais um tempo, pois há doenças que matam rapidamente se nada for feito. Porém, nenhuma forma do ser, seja a heterossexualidade, a homossexualidade, a depressão, a simpatia, o TDAH, a discalculia, a dislexia etc. têm em si o poder de matar e, por isso mesmo, médico algum faz referência a nenhuma delas num atestado de óbito. 4As autoproclamadas iniciativas de prevenção do autismo infantil caem com usura nessa contradição, embora afirmem não pretenderem ser iatrogénicas (DE LAJONQUIÈRE, 2021a).
image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167175Nesse sentido, cabe perguntar-se: por que insistimos hoje em medicar crianças que gritam, que não param de se mexer, que têm faltas de ortografia, que não calculam direito ou que concentram a sua atenção na Lua de Valência? O cérebro é incapaz de pensar A epidemia adulta de administrar medicamentos às crianças, embora não estejam de fato doentes, obedece a um sem-número de razões de diversos teor e calibre. Dois elementos desta equação merecem destaque. Por um lado, não conseguimos nos desvencilhar da ilusão de que as formas do falassersejam epifenômenos da vida orgânica. Insistimos em confundir o fato de uma pessoa precisar do cérebro para se entregar aos pensamentos mais variados com a incapacidade de pensar do próprio cérebro. Na contramão dessa ilusão, solidária daquela outra de poder se extrair a tal pedra da loucura, mas na época na qual as crianças já tomavam biotônico Fontoura, embora ainda não Ritalina, Jean Piaget (1967) argumentou que embora devamos estar vivos para pensar matematicamente, a neurologia nunca explicará por que 2 mais 2 são 4, pela simples razão que os neurônios não pensam. O funcionamento cerebral não causa, nem estrutura o pensamento. A meu entender, o cérebro é simplesmente um limite para um falasser. No entanto, hoje em dia e como prova da pregnância hegemônica dessa ilusão, nem sequer partidários do dito construtivismo pedagógico brasileiro conseguem desconfiar do hábito de se medicar crianças sob o pretexto de terem supostamente nascido ou contraído dislexia ou discalculia. Por outro lado, opera a queda bem adulta de que as crianças sejam aí, nesse lugar, onde nós as fantasiamos ou, em outras palavras, a esperança de que elas venham a responder sempre do lugar que ocupam em nosso fantasma inconsciente, não havendo falta alguma na educação. Assim, não medimos esforços para corrigir a resposta considerada ser indício de um suposto ser desviado. Dessa forma, fecha-se um círculo vicioso: a queda bem adulta em fazer com que a criança apareça sempre bem focada na foto, isto é, não em falta, encorpa a crença no reducionismo epifenomênico que, por sua vez, outorga credibilidade pseudocientífica ao que carece de toda justificação. O leitor não deve concluir que o autor deste ensaio considere ótimo e maravilhoso que uma criança não aprenda a ler e a escrever com certa correção ou que uma outra não consiga concluir que 2 mais 2 são 4. Que tal coisa seja preocupante e que implique nossa responsabilidade adulta não justifica que sejam consideradas respostas de um ser desviado. Por quê? Pelo simples fato que não há desvio, sem norma. Não devemos confundir erros de cálculo,
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167176conhecimentos falsos, raciocínios apressados e ideias mais ou menos delirantes com desvios do pensar de um cérebro. Nenhum cérebro pensa, assim como tampouco há uma forma normal do falasserse pensar. Entre o pensar e a vida orgânica, que lhe suportando também lhe coloca um limite, a relação é de luta mortal, mas não de causa-efeito. Perante uma criança que não aprende a ler, escrever ou calcular, quando em princípio estes saberes lhe são ensinados com certa parcimônia numa sociedade letrada, quando uma criança se condena ao mutismo, ou fala sem parar ou não diz coisa com coisa, ou não pode deixar de andar na ponta dos pés, ou agita-se sem cessar, cabe pensar que ela não está bem nem com ela mesma, nem com os outros ao ponto tal de perder o rumo da circulação social e de se embaralhar em ser. A cada vez que a um falassernão é possível se dizer a que veio ao mundo, o ser se atola no sofrimento psíquico. Portanto, todas essas formas de ser da criança num lugar de ser de exceção no laço social dizem do sofrimento do falasservir a se dizer junto a outros. Essa sua dificuldade é toda sua, mas é ao mesmo tempo o resultado de como a criança se posiciona perante as demandas e o desejo dos adultos, na ordem de 50% cada. Nesse sentido, uma intervenção que vise alterar o status quo deve fisgar o pensar pelas entranhas, isto é, o ser do falasserque está a se dizer no campo da palavra e da linguagem (DE LAJONQUIÈRE, 2020d; 2021a; 2021b). Administrar fármacos nestes casos não só não altera a equação a favor do pensar, do desdobrar do falasser, senão que, mais ainda, meta-transmite para a criança que os adultos nada querem saber de seu sofrimento devido ao fato de ter se afundado num impasse consigo mesma e com os outros. Isso não é de bom augúrio na educação de uma criança. Pretender extirpar a conduta ou uma resposta infantil considerada desviada pelo ‘bem da criança’ não tem o mesmo valor que a singela pretensão de ensinar uma criança a escrever sem faltas de ortografias, uma vez que tanto a língua merece o nosso respeito quanto a criança merece usufruir da possibilidade de se juntar a nós nessa empreitada. Pretender apagar o desvio é a ponta do iceberg de uma forma inconsciente que temos de nos endereçar à criança que neste caso implica no rechaço de nossa parte em acolher a diferença em causa em toda educação (DE LAJONQUIÈRE, 1999). A educação implica tanto um encontro com uma criança quanto um desencontro. O achado, não é o procurado. Essa diferença retorna para o adulto transvestida sob a forma do indício de um ser-criança desviado a ser corrigido graças à medicação milagrosa. A medicalização confirma a queda bem adulta de nada querer saber que o desvio visto não é de fato mais do que uma diferença de posição no campo da palavra e do discurso entre as gerações. Os adultos nada querem saber dessa diferença que toda criança deve saber emplacar na conquista para si de um lugar singular de sujeito numa história em curso no campo da palavra e da linguagem. Essa conquista implica que a criança venha a se extrair desse lugar
image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167177no qual o adulto a procura. Se a criança não produzir para si, uma e outra vez, essa diferença, então, ela embaralha-se em dizer a que veio à vida dos homens. O que toda criança dá a ver ao adulto, seja ou não considerado um suposto desvio a ser corrigido, é seu próprio produto, ou seja, trata-se do resultado do trabalho psíquico implicado no fato de que ela deve se haver com as demandas e o desejo dos adultos. Quando a criança de fato aprende com certa leveza de espírito aquilo que lhe é ensinado conhecimentos os mais variados isso significa que ela consegue sustentar duas operações psíquicas distintas num mesmo e único tempo: por um lado, enganchar-se nos significantes que articulam a experiência educativa e, por outro, deixar cair o viés objetivante embutido na operação de apreender os significantes postos a circular pelo adulto. Todo bebê que se lança à palavra, que fala, acabou um dia por enunciar com certa clareza e distinção uma palavra qualquer, exceto aquelas duas tão impacientemente estimuladas (sic) pelos pais, ou seja, ‘mamãe’ ou ‘papai’. Por que será que o bebê não pode oferecer de entrada as palavras tão procuradas? Porque entregar ‘isso’5sem mais anteparos implica em responder desse lugar mesmo onde ela é fantasmaticamente para os adultos. Seria como responder em eco. Falar implica então, numa dupla e mesma operação de alienação e de separação, em que o segundo lance, que não é de fato tal, vem a recalcar, ou apagar, o primeiro. Por outro lado, o fato de a criança vir a se fechar no mutismo ou falar ecolalicamente diz da sua impossibilidade em sustentar a operação psíquica de recalcamento do desejo adulto de que ela responda do lugar onde é sonhada ou, em outras palavras, da impossibilidade de ela vir a se extrair como um sujeito desse lugar de objeto fantasmado no horizonte. O acontecimento de falar é 100% o feitio de um sujeito, mas isso não quer dizer que a criança e o adulto não contribuam de entrada com 50% cada. Criança nenhuma se lança à fala se um adulto não endereçar a ela a ‘sua palavra’, embora não poucos considerem que falar é natural. A criança toma por assalto a palavra do adulto, proferindo um outro termo diferente do procurado. Dessa forma, os 50% que ela aporta acaba de fato virando ‘seu’ 100%. Não há como poupar à criança o trabalho psíquico implicado em todo e qualquer apre(e)nder. Esse trabalho será sempre feito a despeito de uma das duas dimensões do endereçamento adulto. O sucesso na empreitada é todo crédito do sujeito que opera na criança, mas é provável que o desejo em causa na educação a respeito do qual a criança deve se posicionar como sujeito entranhe para a criança um desafio fora de toda proporção. Nesse caso a educação bem pode virar um fato de difícil acontecimento (DE LAJONQUIÈRE, 1999). 5O termo ‘isso’ faz referência ao inconsciente freudiano. De uma certa forma, o que está em jogo na fala é o reconhecimento da sujeição ao inconsciente. “Entregar o inconsciente” equivaleria a se desvencilhar dele.
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167178O fato de uma criança avançar um passo por sua conta na conquista de um lugar de sujeito, entranha por parte do adulto o acolhimento de uma diferença produzida pela própria criança ao se deslocar do lugar onde é procurada. Disso os adultos não estão muito dispostos a saber, pois fera o narcisismo. Nesse sentido, a farmacologia, braço armado da medicalização da vida junto às crianças, acabou virando um grande álibi ético. De um garoto selvagem e de uma menina cega e surda Administrar remédios às crianças, embora não estejam doentes, é um dos aspectos da medicalização. No entanto, a medicalização como forma de entender a educação de uma criança e, portanto, o que está em jogo no tempo psíquico da infância(DE LAJONQUIÈRE, 2006, 2013), começou bem antes que a indústria farmacêutica se convertesse num dos mercados mais lucrativos. Ela começou no início do século XIX, quando Jean Itard (1994) decidiu educar o que não só ele, mas o imaginário social da época, considerava ser uma criança selvagem. Não consta que este médico tenha administrado nenhum tipo de fármaco. Talvez a sua única tentativa de alterar o funcionamento corporal, com vistas a facilitar a aprendizagem de tudo o que ele pensava ensinar ao garoto encontrado em 1800 vagando numa floresta da região francesa do Aveyron, tenha sido dar regularmente banhos com água quase fervendo, a partir de uma hipótese um tanto absurda. A educação do ‘garoto selvagemfoi obra não só de um médico, senão do raciocínio médico moderno. A educação foi pensada conforme o modelo da reabilitação motora: repetição metódica de movimentos ou atividades cada vez mais complexas com vistas a que as partes danificadas do corpo envolvidas na tarefa respondam progressivamente aos parâmetros normais de funcionamento. Itard (1994), diferentemente de seu célebre professor, o médico, Philippe Pinel, não considerou que o garoto estivesse doente. Mas infelizmente a boa intuição de partida foi neutralizada pelo fato de que Itard (1994) imaginou o oposto perfeito da doença, ou seja, considerou que o corpo do menino se encontrava em estado virginal, pronto a responder ao comando do médico conforme os princípios da medicina moral. A sua empreitada acabou virando modelo. Ela embasa a dita educação proposta hoje em dia às crianças autistas. Talvez esta última, conjugando adestramento e farmacologia, deva ser considerada o summumdo processo de medicalização. Mas também ela embasa, embora as aparências em contrário, a matriz do que chamo de ilusão (psico)pedagógica (DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2020b), ou seja, a crença de ser tanto possível quanto necessário adaptar a intervenção do adulto à ‘forma natural de ser’ da criança. O ‘garoto selvagem’ é até certo ponto o oposto especular perfeito da criança
image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167179imaginária atual. Ele parece ser desprovido de todo saber natural, esse mesmo suposto operar ‘naturalmente’ na criança ‘normal’ nos dias de hoje. No entanto, Itard(1994) não se deixa levar pelas aparências, pois age convicto de que o garoto é depositário de um saber natural humano adormecido que o dispositivo médico moral saberá despertar de forma metódica. A educação à la Itardilustra justamente o que não deve ser feito, sob pena de implodir o conjunto das condições estruturais necessárias à educação de uma criança. No extremo oposto, o século XIX também nos brindou, quase noventa anos mais tarde, a educação de uma menina cega e surda Helen Keller graças à implicação singular de Anne Sullivan. Ambos os adultos não se endereçaram às crianças da mesma maneira, embora a jovem pedagoga norte-americana respirasse as mesmas ideias que o médico francês forjara de forma inaugural no início do século. No caso de Helen Keller, o mérito do aprendido foi todo seu, mas a sua educadora compareceu com os 50% necessários na educação. A educação à la Sullivannão é o contrário daquela à moda de Itard (1994) e, portanto, não é “o que deve ser feito”, como costumam questionar pais e pedagogos, ávidos por métodos. A experiência educativa da qual Helen soube tirar benefícios é tão só o avesso da ‘educação de um selvagem’. Embora bem-sucedida, não se trata de um método educativo a ser seguido, pois mal que nos pese, não há modelo normativo na educação. À primeira vista, pensamos que as chances de Helen vir a falar sendo surda e cega seriam mínimas, contrariamente a Victor que não sofria de deficiência sensorial alguma. O exame por contraste permite situar e interrogar a diferença entre ambas as experiências. A hipótese é que do conjunto das condições de possibilidade de educação de uma criança, a maneira que temos de lhe endereçar nossa palavra constitui precisamente um elemento prínceps da experiência. Esse endereçamento adulto diz respeito à posição inconsciente do adulto com relação ao desejo, sempre interpelado pelo fato mesmo de ter de se haver com uma criança na educação (DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2013; 2021b). Recordaremos sumariamente alguns elementos desses dois eventos que fizeram história. Um simples paralelismo já nos permitirá situar de entrada o conjunto das condições da educação de cada criança. Jean Itard (1994) era um jovem médico, enquanto Anne Sullivan era uma jovem mulher sem diploma, apenas saída do colégio para cegos da cidade de Boston. Victor é uma criança de aproximadamente 10 ou 12 anos, capturada no bosque, considerada clinicamente normal por Itard (1994), mas ao mesmo tempo ‘selvagem’ doponto de vista psíquico. Por outro lado, sabe-se que Helen Keller nasceu com boa saúde e que perto de fazer dois anos de vida, ficou cega e surda por conta de uma infecção. Anne Sullivan dirá,
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671710quando do primeiro encontro entre ambas num dia de março de 1887 (a pequena tinha sete anos), que se tratava de uma criança caprichosa, mas inteligente e desejosa de aprender. O ponto em comum é que nem Victor nem Helen falavam quando do encontro com seus respectivos educadores. Jean Itard (1994) abandona Victor ao cabo de cinco anos, tendo a convicção de que não havia mais nada a ser feito. Ao contrário, Anne Sullivan e Helen Keller se tornaram amigas e nunca se deixaram. Embora a primeira tenha se casado, a segunda foi morar na vizinhança do casal. Helen ficou para sempre cega e surda, mas se lançou a falar. Ela se torna escritora na adolescência. Por sinal, será graças à publicação de seus livros que ficaremos sabendo algo do que pode ter se passado entre ela e sua educadora. Por seu lado, Anne Sullivan deixou cartas escritas a seus amigos naPerkins Schoolfor the Blind, em particular dirigidas ao seu diretor, mas foi graças à Helen que as podemos ler hoje em dia, pois ela as publicou após a morte de sua amiga. Helen veio a falecer com 88 anos de idade, após ter dedicado sua vida à promoção da educação das crianças com deficiência, particularmente as cegas. Finalmente, ambas as experiências educacionais foram levadas à grande tela. No belo filme francês O garoto Selvagem(1969), o próprio cineasta François Truffaut interpreta o papel do médico. Por outro lado, o encontro da pequena Helen com a jovem Anne inspirou o estadunidense Arthur Penn a filmar em 1962,O milagre de Anne Sullivan. Este foi nomeado diferentemente dependendo do país onde seria exibido. Em francês a tradução do primeiro deveria ter sido La travailleuse miraculeuse[A trabalhadora milagrosa], porém foi exibido na França com o título Miracle en Alabama[Milagre em Alabama]. A versão brasileira chamou-se O milagre de Anne Sullivan, enquanto a versão portuguesa foi apresentada com o título O milagre de Helen Keller. Como podemos ver todo mundo está de acordo com um único ponto: esta história é de fato um milagre! A discórdia, contudo, é sobre qual seria o agente do milagre. Os estadunidenses afirmam tão só se tratar de alguém que trabalha, os brasileiros acham que foi o adulto, os portugueses a criança e finalmente os franceses se abstêm de identificar o milagreiro da história, afirmando que o fato de uma criança cega e surda vir a falar constitui, sim, um milagre e que o mesmo ocorreu certo dia em Alabama! Justamente, seguindo a pista do mal-entendido em torno do caráter miraculoso da educação de Helen, poderemos interrogar o lugar da palavra no seio das condições de educação de uma criança, considerando como um contraexemplo na matéria, o destino reservado a Victor. Em matéria de milagres, podemos de qualquer forma sempre identificar um agente. Quem realiza o trabalho miraculoso da educação de Helen Keller? A pequena de sete anos? A educadora, quatorze anos mais velha? Nem uma, nem outra. Ambas experimentaram
image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671711a sujeição do milagre inerente ao trabalho da palavra em si mesma. Isso que esteve em causa na educação foi a operação da função significante, como diria Lacan (1966), que instaura a possibilidade de se fazer a experiência no interior do campo da palavra e da linguagem, de nos descobrirmos sempre outro. A função significante é intrínseca ao falasser, ou seja, intrínseca ao ser que não pode não se dizer na diferença junto a outros sob pena de ser parasitado pelo sofrimento psíquico. Embora a aventura pedagógica de Itard (1994) tenha merecido um lugar de destaque nos anais da ciência, aquilo que ela ensina é, ao contrário, o que não deve ser feito na educação de uma criança. O sonho do médico de formatar o ser da criança implicou na perversão das condições que fazem possível uma educação que se preze. Todo adulto deve precisamente renunciar a esse sonho para que uma criança possa se extrair desse lugar onde é procurada e assim conquistar para si um lugar de enunciação em nome próprio, de sujeito de palavra numa história em curso. Itard (1994) encarna o furor pedagógico que não reconhece a impossibilidade da educação (FREUD, 1973b). Ele personifica o voto pedagógico de se encontrar a criança ideal, desprovida de todo saber 6e disposta a ser liberada dessa ignorância radical pela graça do mestre que assim a converteria no seu clone invertido, isto é, num sujeito completo não sujeito à divisão imposta pela lógica significante, não assujeitado ao desejo. O furor pedagógico deriva desse nada querer saber do adulto de sua própria condição de sujeito dividido. O adulto projeta na criança o avesso do si-próprio. Toda educação pretensamente ideal se apresenta como uma missão civilizadora qualquer ‘pelo bem’ do destinatário. O furor pedagógico perverte as condições de possibilidade de uma educação, pois exige da criança seu próprio eclipse como falasser. A criança vê-se obrigada a renunciar à condição de sujeito para poder merecer algum reconhecimento adulto. Victor respondia ao chamado, fazia-se compreender pela senhora Guerin quando tinha fome ou quando queria sair para passear. Ele habitava efetivamente a linguagem. No entanto, Itard, embora admitindo que a criança se comunicava, não conseguia admitir que tal coisa fosse possível sem “a necessidade de nenhum ensinamento prévio” (ITARD, 1994, p.43, tradução nossa). Segundo ele, nada era possível fora do programa supostamente científico, isto é, ele mesmo devia estar na origem de tudo. Assim, Itard (1994, p.44, tradução nossa) conclui que devia se tratar de uma “linguagem de ação [] primitiva da espécie humana” e,portanto, que Victor não habitava verdadeiramente o campo da palavra e da linguagem. Porém, o garoto 6Esse voto pedagógico é o reverso desse outro de se encontrar uma criança na qual já opere o saber natural de forma tal que o adulto venha a ser dispensado de ter que se implicar na educação.
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671712insistia em aportar a contraprova que ele, de fato, o habitava. Victor chegou a balbuciar algumas palavras. O médico reconhecera o nome Julie a filha da Sra. Guerin quando Victor dizia “gli”, o substantivo “leite” enunciado com clareza, e finalmente a exclamação recorrenteda Sra. Guerin “oh meu Deus!”, quando o garoto dizia “ohh Diie”. No entanto, Victor não chegou jamais a se engajar num discurso. Isso estava ao seu alcance? É impossível sabermos. Mas uma coisa é certa, o dispositivo pedagógico destinado a fazê-lo falar consistia no aborto da palavra humana. Por sinal, talvez, esse fracasso permitisse a Victor preservar algo do desejo que lhe dizia respeito na medida em que recusava entregar a Itard (1994) isso mesmo que ele procurava obcecadamente a fala. Jean Itard (1994) admitia que a fala nos diferenciava dos animais, porém não entendia que o uso da mesma pressupunha a operação na criança de um sujeito ao qual o adulto tivesse, num tempo logicamente anterior, reconhecido um lugar singular de enunciação numa história. Dessa forma, ele acabou embaralhando as condições estruturais de uma educação. O médico agia no sentido contrário daquele que uma mãe segue inconscientemente quando metaforiza os sons balbuciados pelo infans, fazendo deste ‘o seu bebê’, bem como convertendo todos os sons em palavras sujeitas a uma intencionalidade singular que foge ao controle adulto. Para a psicanálise, o engajamento de uma mãe nessa direção é função da posição inconsciente com relação ao desejonão dependendo dos conhecimentos linguísticos e científicos que porventura viesse a ter. Essa foi precisamente a posição a partir da qual Anne Sullivan dirigia-se a Helen. A experiência educativa proposta por Itard (1994) estruturava-se a partir da recusa sistemática do desejo. Não era mais do que uma espécie de arapuca pedagógica, pois sendo qual fosse a resposta de Victor nos exercícios de estimulação metódica, ele não era considerado como um alguém animado por um desejo a ser reconhecido, como um sujeito que pleiteia se dizer a que veio ao mundo dos humanos. Se ele não respondia conforme o esperado, segundo o médico, era porque não tinha compreendido. Se, ao contrário, respondia corretamente, Itard (1994) pensava que se tratava de um mero acaso. Se finalmente Victor chegava a falar, então, tinha sido sem intenção de informar sobre uma necessidade a ser satisfeita. A fala de improviso, bem como aquela que era esperada, mas que tinha sido dada fora dos parâmetros previamente estabelecidos, eram julgadas como a expressão da natureza selvagem do menino. Ao mesmo tempo, responder como previsto, significava para Victor convalidar sua própria morte psíquica, na medida em que a demanda pedagógica o reduzia à condição de objeto de gozo ou de satisfação para Itard (1994). Nessas situações, o médico repetia a intervenção sob a forma de contraprova para assim se assegurar que a resposta era aquela mesma procurada. Ele condenava
image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671713inconscientemente Victor a escolher entre dois destinos: entregar-se à frenética ecolaliaou simplesmente não responder, ficando totalmente perdido perante a demanda numa espécie de colapso psíquico. Victor encarnava, seja a natureza buscada pelo médico, seja o oposto, a selvageria. Porém, contrariamente ao que poderíamos supor, embora Victor pudesse não responder como esperado, ele nunca decepcionava Itard (1994), pois este o encontrava no mesmo lugar fantasmático de sempre, onde era procurado mesmo antes de ser capturado na floresta do Aveyron. O médico tinha sempre a seu alcance uma explicação para assim restaurar o narcisismo contrariado por ‘seu’ recalcitrante selvagem. O lugar reservado para o garoto nesta história consistia em ilustrar a verdade apodítica da reflexão itardiana e deste lugar Victor não conseguiu fugir, dando a volta por cima deste sonhado destino. As cartas de Anne Sullivan e os livros de Helen Keller permitem situar a experiência por elas vivida como sendo o avesso do tratamento médico-moral de Itard (1994). Não há dúvida de que a posição como educadora de Anne, a sua forma de endereçar a palavra a Helen, é diferente daquela do médico. E isso não é sem consequências. Essa diferença torna precisamente possível a emergência da palavra na pequena a despeito da surdez e da cegueira. Nas cartas da jovem educadora aos amigos de Boston transparecem suas incertezas, suas dificuldades ligadas à cegueira, não apenas com aquela quase cegueira no sentido próprio que a fazia lacrimejar e que tornava seus olhos sensíveis à luminosidade, mas aquela em sentido figurado, aquela falta de luz no final do túnel da travessia que ela tinha empreendido ao aceitar o emprego na casa dos Keller. Anne confessa que não sabe até onde poderá levá-la a sua implicação na educação de Helen, mas que ao mesmo tempo é incapaz de abandoná-la. Por sinal, ela não aceitou o emprego por pura filantropia ou porque se sentia investida de alguma missão redentora qualquer, porém, simplesmente, porque precisava de um emprego para ganhar o primeiro salário da sua vida. Como ela mesma escreve numa das cartas, tinha aceitado o emprego “forçada pela necessidade de ganhar a vida” (KELLER, 1903, p. 179). Talvez para além da necessidade evidente de ganhar um salário, a declaração de Anne devesse ser escutada de outra forma: tratava-se do imperativo de conquistar um lugar na vida, um lugar de enunciação em nome próprio para além do destino funesto que lhe estava reservado quando de sua entrada no asilo de Tewksbury junto a seu irmão caçula, ambos abandonados pelo pai. Assim sendo, a sua postura não era a mesma que a de Itard (1994) que tinha se engajado na experiência em nome do progresso científico, tendo como pano de fundo uma aposta de prestígio para com o célebre Philippe Pinel.
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671714O filme de Arthur Penn nos mostra uma Anne Sullivan que avança às cegas, sem objetivos claros e precisos. Ela não ‘reflete cientificamente sobre a sua prática’, como o fez de forma inaugural Itard (1994), ao ponto tal que hoje em dia deveria ser elevado à categoria do santo patrono dos pedagogos reflexivos. Anne queria simplesmente falar com Helen e para tanto recorria à única forma possível quando se trata de um interlocutor cego e surdo o alfabeto manual. Por sua parte, parafraseando Françoise Dolto, Itard não falava comVictor, porém sim falava delepara outros através de seus relatórios, em particular endereçados a seus colegas da Société des observateurs de l’hommee ao ministro do interior. Tudo indica que os conhecimentos psicolinguísticos que Anne possuía eram rudimentares. Ela compartilhava da mesma ideia associacionista de Itard (1994) falar é associar signos a coisas destinadas a satisfazer uma necessidade. No entanto, a sua posição enunciativa não era a mesma que a do médico. Anne Sullivan agia com Helen tendo a convicção de que a pequena não só era capaz de se comunicar, senão que possuía uma mesma inteligência linguística que ela e, portanto, que habitava simplesmente a linguagem. A convicção era tal que quando se tratava de justificar o progresso de Helen no diálogo, a justificativa dada era rudimentar: como o cérebro de Helen possui todas as ideias (sic), então, só é necessário ter um pouco mais de paciência para poder estabelecer um diálogo que se preze. A precariedade da reflexão teórica de Anne em nada comprometeu esta verdadeira experiência educativa. As ideias mais ou menos científicas que um adulto diz seguir pouco contam na experiência, pois do que se trata sempre é das condições inconscientes de possibilidade que tangem ao desejo adulto. Se este for anônimo (LACAN, 1986) no sentido de que o adulto rechaça a castração inconsciente que o anima e que singulariza o lugar de palavra numa história em curso, então, as coordenadas estruturais de uma educação acabam desmanchando no ar. Por essa mesma razão também devemos desconfiar de toda invocação automática de slogans pedagógicos, por mais politicamente ou psicologicamente corretos que possam parecer. Anne desejava falar com Helen, tinha algo a lhe dizer, assim como queria escutar alguma coisa dela. Este ‘dela’ faz tanto referência à Helen no sentido de que Anne queria escutar a menina, mas também que Anne queria escutar algo de si mesma, de sua própria intimidade, de sua saga como falasser. É graças às cartas que sabemos que Anne tateava no seu papel de educadora. Nesse sentido, o filme de Arthur Penn soube transmitir o que estava em jogo para ela na experiência educativa com Helen. Ele dá a ver uma jovem mulher acuada à noite por fantasmas e lembranças do tempo de infância. A educadora, assim como Helen, também tateava na escuridão.
image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671715Itard (1994) diferentemente de Anne nada queria saber de tatear na escuridão, de ter que se haver com personagens fantasmáticos e lembranças do tempo de infância, ou mais ainda com perder-se nos sonhos para assim vir a se descobrir outro. A educação de Victor nada mudou na relação de Itard consigo mesmo. Por outro lado, as reminiscências que Anne Sullivan interrogava tinham sido reavivadas pela sua própria implicação na educação de Helen. Elas não cessavam de a assombrar, reclamando assim serem reconhecidas, acolhidas (DE LAJONQUIÈRE, 2019). Foi justamente essa interrogação na qual Anne tinha se implicado o que permitiu o relançamento da simbolização da diferença de posições do adulto e da criança que entranha toda experiência educativa. Essa implicação de Anne possibilitou à palavra fazer seu trabalho e, assim, vir a relançar uma e outra vez o desdobramento a conquista de um lugar de enunciação em nome próprio, de um lugar de palavra para cada uma das protagonistas. A emergência de um sujeito de palavra Educar implica em colocar em circulação traços simbólicos ou significantes que permitam à criança se implicar na conquista sem fim de um lugar a partir do qual o desejo lhe seja possível. Trata-se do inverso do que Itard (1994) colocou em ato com Victor. Trata-se disso mesmo que Anne fez sem ter conhecimento algum na matéria, mas sustentada na experiência por um saber inconsciente. A dita aquisição da fala é o resultado da operação de um sujeito do desejo na criança. A emergência da palavra ou a fala endereçada a um outro pode ser considerada a marca por excelência da sujeição desiderativa a uma língua qualquere efeito princepsde uma educação primordial bem-sucedida. Nesse sentido, a precariedade da fala de Victor denota um fracasso do dispositivo educativo sustentado por Itard (1994). No entanto, nunca saberemos qual teria sido o destino do garoto caso não tivesse caído nas mãos do inventivo e tenaz médico. Entretanto, a loquacidade de Helen, tal como a sua rica biografia testemunha, é sem dúvida alguma a marca de uma educação que se preze. Por que falamos? Para ensinar e interrogar. Que coisa? A verdade. Embora os animais se comuniquem, a dimensão da verdade não lhes diz respeito. A verdade só diz respeito ao falasser. Sigmund Freud, contrariamente a Jean Itard, não entendia que o homem entrasse na dimensão da verdade graças ao contato sistemático com as coisas. Segundo Freud (1973a), a dimensão da verdade entranha a fabricação psíquica da Ideia de Paino seio da experiência da vida junto a outros. A Ideia de pai é uma ideia sui generisporque tanto carece de significado
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671716algum quanto trata-se de uma ideia inconsciente que foge à reflexividade. Por essa dupla razão, a Ideia de pai é chamada no pensamento lacaniano de o significante Nome-do-Pai. Trata-se do significante diretor do campo da palavra e da linguagem que visa à verdade do falasser (DE LAJONQUIÈRE, 2013; 2019). A produção psíquica do significante Nome-do-Pai faz as vezes do fio de Ariadne que nos possibilita não perder o norte na experiência, tateando na escuridão das paixões e reminiscências mais ou menos secretas conforme os testemunhos de Helen Keller e Anne Sullivan. Falar implica em emplacar uma Ideia de pai aí onde antes no horizonte só havia a sombra de um pai-omnipotente que amordaça a palavra, conforme a hipótese de Freud (1973a). A emergência da palavra instaura uma diferença na filogênese do humano: da horda primeva de órfãos à mercê do primata mais forte a uma primeira organização humana regida pela ideia inconsciente de pai (FREUD, 1973a). A palavra carrega a lembrança mítica de um prazer compartilhado entre órfãos mudos em vias de se autoproduzirem humanos quando do assassinato do chefe da horda. Nesse sentido, a dita aquisição da fala carrega o traço do prazer compartilhado entre a criança e o adulto em terem barrado a omnipotência do ser,condição sine qua nonpara a emergência do falasser7. O que significa a educação ideada por Itard (1994) segundo os princípios da medicina moral da época? Simplesmente o estilhaço das coordenadas da emergência da palavra. Nesse sentido, para que Victor viesse a ter chances de se safar do destino funesto que lhe era reservado, teria sido necessário que sua educação tivesse algo daquela de Helen. Pois bem, não se tratava de ‘curar moralmente’ Victor ou de lhe extirpar seu ‘ser selvagem’, mas de deixar germinar na experiência a produção psíquica de uma Ideia de Pai graças ao interrogante do desejo que todo adulto deve testemunhar na educação de uma criança. A produção dessa ideia teria sido o indício da orientação do garoto na experiência de se dizer a que veio ao mundo junto a outros. As chances de ele ocupar um lugar singular de enunciação numa história eram poucas desde o início, em se considerando o tipo de implicação subjetiva por parte do médico na experiência. Se o médico tivesse feito seu 50% necessário, então, ao garoto lhe teria restado fazer o 50% suficiente para emplacar ‘seu’ 100%. Porém, o dispositivo pedagógico de Itard bancava a onipotência do ser, fazendo da educação um fato de difícil acontecimento (DE LAJONQUIÈRE, 1999). Como Itard (1994) massacrava as possibilidades da Ideia de pai vir a operar, a entrada no registro da verdade passou a ser um ato de difícil acontecimento. A ausência dessa operação reduzia Victor ao estatuto de um animal a ser adestrado, isto é, a ser sempre ‘nesse preciso 7Numa próxima oportunidade, desenvolveremos esta hipótese ao tratar especificamente da fala da palavra ‘água’ por parte de Helen.
image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671717lugar onde era procurado obcecadamente pelo médico. Se, ao contrário, a Ideia de pai tivesse operado na experiência, o garoto poderia ter usufruído de um lugar tanto filial quanto familiar, ora como discípulo, ora como aprendiz de Jean Itard. Porém, não foi o que aconteceu. O médico recusou a possibilidade de se descobrir outro diferente de si-mesmo. Se assim tivesse acontecido ele teria dado testemunho na educação de estar sujeito à castração ou à lei do desejo(DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2013; 2020a; 2020b). Um adestrador de animais não é nem mestre, nem pai, nem mãe. Ele não pode perder-se em devaneios, sonhos e reminiscências do tempo de infância, caso não queira perder a cabeça na jaula dos leões. Ao contrário, mestres, pais e educadores devem estar dispostos a perderem a sua, pois é sabido que não conseguirão segurar a barra uma vez metidos a educar. A produção por uma criança da Ideia de Paiimplica na renúncia do adulto a colar no lugar de todo-poderoso que não reconhece a lei que interdita de responder narcisicamente ao odioamoração(LACAN,1975, p. 84) endereçado pela criança. De fato, mestres, pais e mães devem endereçar-se à criança como gente comum, ou seja, referidos à lei do desejo que rege o desdobramento do laço social. Itard (1994) tinha uma necessidade imperiosa de ignorar o desejo. O desejo era um affaireque lhe fazia literalmente perder a cabeça. Esforçando-se para não vir a perdê-la na educação de Victor, fez de tudo para achá-lo onde o procurava. Em suma, fez o que não deve ser feito na educação de uma criança, pois para que esta venha a ter a cabeça no lugar, o adulto como bem lembra a experiência da educação de Helen deve estar disposto a perder-se, a perder seu pretenso lugar de mestria. Considerações finais A ‘educação doselvagemtornou-se paradigma daquilo que passou a se chamar a pedagogia especializada. Até a emergência das primeiras iniciativas educativas alternativas como, por exemplo, a escola de Bonneuil, inspiradas em décadas de experiência acumulada de psicanálise com crianças, a educação à la Itardse impôs como uma experiência a ser reduplicada na educação a ser oferecida às crianças chamadas ora idiotas, ora deficientes, ora com necessidades educativas especiais (DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2020c). O ‘espírito de Itard’ acabou se tornando hegemônico no imaginário social, virando, assim, a chave para se entender toda e qualquer educação. Ele foi, por exemplo, invocado no início do século passado, mas sem o médico ser explicitamente lembrado, pelo psicólogo norte-americano John B. Watson, quem com seu manifesto comportamental emplacou a ilusão adulta de fabricar crianças
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671718sempre predispostas a responder desse lugar fantasmático onde são procuradas pelos adultos. Hoje em dia, o ‘espírito de Itard’ ou a ilusão onipotente de que entre a criança e o adulto nada venha a faltar, vindo, assim, a encorpar o fantasma de um pai-omnipotente, é emplacada pela indústria farmacêutica. Toda educação cobra um preço, aquele de reconhecer o desejo que nos habita enquanto falasserese, portanto, exige renunciarmos à medicalização d’issoque não tem remédio.Condição indispensável para que uma educação possa vingar aí onde menos narcisicamente a procuramos. Pretender que uma educação vingue, sem a criança vir a se deslocar desse lugar que lhe é reservado inconscientemente pelos adultos, constitui uma contradição em seus termos que fármaco algum virá remediar. A saga do Dr. Itard ilustra a nossa insistência em procurarmos o nosso pretenso si-mesmo sempre no mesmo lugar, ao preço de condenar as crianças ao destino funesto de não poder se dizerem junto aos outros. Na educação de uma criança hoje em dia, assim como antes, mais vale virmos a nos arrimar do lado de Anne Sullivan, isto é, de nos sabermos gente comum às voltas com a irremediável diferença que se aninha em nosso endereçamento educativo à criança. Sabermos inconscientemente dessa inevitável diferença faz com que aquilo que fazemos ou deixamos de fazer não venha remediar de coisa alguma, mas simplesmente a testemunhar de nossa posição singular de sujeito de palavra numa história em curso. AGRADECIMENTOS: Consórcio CAPES-COFECUB, projeto Sh 940/19. REFERÊNCIAS DE LAJONQUIÈRE, L. Infância e ilusão (psico)pedagógica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. DE LAJONQUIÈRE, L. A psicanálise e o debate sobre o desaparecimento da infância. Educação & Realidade, v. 31, n. 1, p. 89-106, 2006. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/22973. Acesso em: 10 jan. 2022. DE LAJONQUIÈRE, L. Figures de l’infantile. Paris: L’Harmattan, 2013.DE LAJONQUIÈRE, L. Des réminiscences, de la vérité et de l’histoire chez Freud. Analyse Freudienne Presse, n. 26, p. 49-60, 2019. DOI: 10.3917/afp.026.0049 DE LAJONQUIÈRE, L. De l’invention bien humaine de la haine.Analyse Freudienne Presse, n. 27, p. 53-66, 2020a. DOI: 10.3917/afp.027.0053
image/svg+xmlSobre a irremediável educaçãoEstudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671719DE LAJONQUIÈRE, L. Por uma escola inclusiva ou da necessária subversão do discurso (psico)pedagógico hegemónico. Revista Política & Sociedade, v. 19, n. 46, p. 39-64, 2020b. DOI: 10.5007/2175-7984.2020.e73724 DE LAJONQUIÈRE, Leandro. Pour que l’éducation soit au rendez-vous dans l’inclusion scolaire. Psychologie Clinique, n. 50, p. 25-35, 2020c. DOI: 10.1051/psyc/202050025 DE LAJONQUIÈRE, L. Pour une clinique de l’apprendre entre connaissance et savoir.Cliopsy, n. 24, p. 89-105, 2020d. DOI: 10.3917/cliop.024.0089 DE LAJONQUIÈRE, L. A psicanálise, o autismo e a prevenção na infância: a polêmica Lei 13.438. In: CAPONI, S.; STOLF-BRZOZOWSKI, F.; DE LAJONQUIERE, L. (org.). Saberes expertos e medicalização da infância. São Paulo: Liber Ars, 2021a. p. 91-117. DE LAJONQUIÈRE, L. De um psicanalista na educação. In: ROSADO, J.; PESSOA, M. (org.) As abelhas não fazem fofoca. Estudos psicanalíticos no campo da educação. São Paulo: Instituto Langage, 2021b. p. 13-38. FREUD, S. Tótem y Tabú [1912-13]. In: FREUD, S. Obras completas. Madri: Biblioteca Nueva, 1973a. v. 2, p. 1745-1850. FREUD, S. Prefacio para un libro de August Airchhorn [1925]. In: FREUD, S. Obras completas. Madri: Biblioteca Nueva, 1973b. v. 3, p. 3216-3217. FREUD, S. Em malestar en la cultura [1929]. In:FREUD, S. Obras completas. Madri: Biblioteca Nueva, 1973c. v. 3, p. 3017-3067. ITARD, J. Victor de l’Aveyron[1801]. Paris: Éditions Allia, 1994. KELLER, H. The story of my life with her letters (1887-1901) and a supplementary account of her education, including passages from the reports and letters of her teacher, Anne Mansfield Sullivan. New York: Doubleday Page & Company, 1903. LACAN, J. Fonction et champ de la parole et du langage en psychanalyse [1953]. In: LACAN, J. Écrits. Paris: Éditions du Seuil, 1966. p. 37-322. LACAN, J. Le Séminaire. Livre XX - Encore[1972-1973]. Paris: Editions du Seuil, 1975. LACAN, J. Deux notes sur l’enfant [1969]. Ornicar?n. 37, 1986. p. 13-14. LACAN, J. Joyce le Symptôme [1975]. In: LACAN, J. Autres écrits. Paris: Editions du Seuil Paris: Editions du Seuil, 2001. p. 565-570. O GAROTO selvagem. Direção: François Truffaut, Título Original: L’enfant sauvage. França, 1969. O MILAGRE de Anne Sullivan. Direção: Arthur Penn. Título original: The Miracle Worker.Estados Unidos da América-USA, 1962. PIAGET, J. Biologie et connaissance. Paris: Gallimard, 1967.
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671720Como referenciar este artigo DE LAJONQUIÈRE, Leandro. Sobre a irremediável educação. Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718. DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16717 Submetido em: 15/06/2022 Revisões requeridas em: 10/07/2022 Aprovado em: 12/08/2022 Publicado em: 30/09/2022 Processamento e edição: Editora Ibero-Americana de Educação. Correção, formatação, normalização e tradução.
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167171ABOUT IRREMEDIABLE EDUCATION SOBRE A IRREMEDIÁVEL EDUCAÇÃO SOBRE LA IRREMEDIABLE EDUCACION Leandro DE LAJONQUIÈRE1ABSTRACT: In the wake of the tradition of psychoanalytic studies in education, the author elucidates the current insistence of adults, sometimes professionals, sometimes simple parents, of administering medication to children when they are not actually sick. The reasoning is structured around the counterpoint between two educational experiences that took place in the 19th century, that of the so-called wild boy of Aveyron, in post-revolutionary France, and that of Helen Keller, a seven-year-old blind and deaf girl, in the post-revolutionary United States secession war. This counterpoint allows the author to clarify what is at stake in education; not an effective education, as we are used to dreaming nowadays, but a subjectivizing education, that is, one capable of making a subject of speech emerge. KEYWORDS: Medicalization. Subject. Childhood. Education. RESUMO: Na esteira da tradição dos estudos psicanalíticos em educação, o autor elucida a insistência atual dos adultos, ora profissionais ora simples pais, de administrarem medicamentos às crianças quando estas não estariam de fato doentes. O raciocínio se estrutura em torno do contraponto entre duas experiências educativas ocorridas no século XIX, a do garoto selvagem do Aveyron, na França pós-revolucionária e a de Helen Keller, uma menina de sete anos cega e surda, nos Estados Unidos pós-guerra de secessão. Tal contraponto permite esclarecer o que está em pauta em toda educação que se preze; não uma educação eficaz, como costuma-se sonhar hoje em dia, mas subjetivante, isto é, passível de fazer emergir um sujeito de palavra. PALAVRAS-CHAVE: Medicalização. Sujeito. Infância. Educação. RESUMEN:Siguiendo la tradición de los estudios psicoanalíticos en educación, el autor dilucida la actual insistencia de los adultos, a veces profesionales y a veces padres, en administrar medicamentos a los niños cuando no están realmente enfermos. El razonamiento se articula en torno al contrapunto entre dos experiencias educativas ocurridas en el siglo XIX, el "niño salvaje de Aveyron" en la Francia posrevolucionaria y Helen Keller, una niña sorda y ciega de siete años, en los Estados Unidos posguerra de secesión. Tal contrapunto permite aclarar lo que está en juego en toda educación que se precie; no una educación eficiente, como se acostumbra a soñar hoy en día, sino una educación subjetivadora, es decir, capaz de hacer emerger un sujeto de palabra. PALABRAS CLAVE: Medicalización. Sujeto. Infancia. Educación. 1Université Paris 8 Vincennes Saint-Denis (Paris8), Saint-Denis France. Research Director, Ecole doctorale Pratiques et Théories du Sens. Doctor in Education. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6286-1784. E-mail: ldelajon@gmail.com
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167172I do not search, I find Pablo Picasso (our translation) A little more than half a century ago, when we were still children, any behavior that was disapproved in the school environment was subject to some sanction. Sometimes we should go and talk to the school principal to tell him about the misconduct. The latter, after listening to us, asked us to sit in silence, watching him work, until the penance was over. On other occasions, we should write the sentence ‘I shouldn’t talk in class’ two hundred times. When we had some difficulty in math, the teacher would make us go to the blackboard to red-handedly correct our wrong way of calculating. When, at times, we were distracted in class, she would ask us if we were “on the moon of Valencia”2, motivating us to smile slightly and redirect our gaze to the blackboard. When what was needed, in the opinion of our teachers, was our dedication to school tasks, then the parents were called and they knew how to give the child the time that he said he did not have to do his homework they gave him they forbade them to go out and play with friends on the street or on the corner playground for a while. The pedagogical merit of these correctives eludes any so-called scientific evidence. Furthermore, none of us, now in our sixties, would be able to maintain that their entrepreneurial success or the fact of having passed the entrance exam or becoming a doctor, for example, is the direct result of the way adults had of touching life with children until a few decades ago. Any of these features in our lives is nothing more than an imponderable that psychoanalysis places in the column subject of desire at the time of existential accounting (DE LAJONQUIÈRE, 2021a). Some pedagogical spirits, clouded by psychological and/or financial performance, may even propose that, given the fact that this considered traditional education lacks any justification, then there is nothing better than replacing it with a more effective one. An education would supposedly be effective if it is capable of making children always there in that imaginary place where we wait for them, more or less (im)patiently, as fully developed beings. However, there is something in this story that can indeed be considered, although this is decidedly beyond any utilitarian parameter. In this sense, it would be appropriate to ask what could be left of childhood time3to be remembered as an adult, when we do not have in stock 2The author of this essay studied elementary school in Argentina and is still unaware of the origin of this sentence in Castilian. Why on earth, the moon that held the children's attention, had to be from Valencia and not from any other Spanish city? 3On the preference to use “childhood time” and not simply the term childhood, see: A psicanálise e o debate sobre o desaparecimento da infância(DE LAJONQUIÈRE, 2006) and Figures de l’infantile(DE LAJONQUIÈRE, 2013).
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167173these or other experiences to tell, thus implying that we too were young in a not-so-long past. There just isn't much left worth remembering. If we take away from childhood the fact that we were once a child destined not to be trapped in this place where we were ghostly sought after by adults, then there is not much left that deserves to be told. These 'fouls committed' say as much about ourselves as about the adults who saw fit to play, in a unique way, a certain place of responsibility in the educational enterprise. In short, they speak of the type of social bond that developed between adults and children at a moment in our history or, in other words, they speak of the social imaginary that is possible to inhabit in a given time and in which every educational experience is rooted. According to psychoanalytic studies in education, these lacks speak of desire as a lack that makes both encounter and mismatch or difference in the intimacy of the intergenerational bond(DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2013, 2021a). In this sense, today's children run the risk of not having much worth remembering tomorrow. Unless someone thinks that being sickor suffering from different and varied syndromes has some fun in being remembered when grown up in a conversation with our children and/or students. On the contrary, remembering that an accident could have been fatal, or that with some effort and care, we ended up overcoming an illness is something very different. The first event tells of our good fortune, the second of our perseverance. When illness covers the entirety of existence, then it is no longer possible to be sick, because one becomes sick. In cases of chronic diseases that erupt at a moment in life, the question is how the sick person can still enjoy a non-diseased being in order to be sick, without being sick. Such a challenge is not an easy thing when it comes to big people and diseases of the body. However, the examples of those who manage to preserve their being from illness, disability or bodily loss are numerous. Nor is the number of people whose psychic investment in life is reduced to the hobby of waiting resignedly for the miracle that will restore their lost performance. When it comes to children and, even more, to supposed illnesses in the way of being, turning around becomes unlikely. Indeed, when a child is diagnosed, a disease in the being, the supposed disease, parasitizes the being through its entrails. The weight of this state-being holophrase compromises the child's chances of conquering for himself a unique place as a subject in an ongoing historyand, thus, of saying that he came into the world together with others. There are diseases that are not, in fact: they look like diseases, but they are not. Diseases of the body are diseases, some are curable and some are not. On the other hand, those that look like diseases, but are not, correspond to modes of existence. They are sometimes called diseases of the spirit or soul. However, although there may be more or less troubled souls or spirits, this
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167174does not mean that they are or became sick. Every disease worth its salt implies a state more or less deviated from a biological functioning considered standard or normal with a view to the survival of the organism. Thus, the so-called diseases of the spirit are a contradiction in terms: either they are not diseases or they do not concern the spirit, although this good may suffer4. Being disorderly, hopeful, or lazy are not diseases. Being heterosexual, homosexual, unsympathetic, depressed, happy, hardened, obsessive or aversive to marriage are not diseases either, although none of these ways of being is exempt from the psychic discomfort inherent to any and all human existence. Missing spellings, not learning math, being scattered in class, not being very supportive of friends, not going to school excitedly, or being more or less fussy are not diseases either. That's why psychotropic pills don't even tickle the ways of touching human life. Pharmacology is incapable of affecting the individual in his intimacy, although it can numb or accelerate certain physiological reactions of the medicated person who, from a certain distance, can even give the impression of being much better. Neither, comparatively, but in the strict register of molecular life, a dose of paracetamol capable of reducing fever is incapable of opposing resistance to the advance of Covid infection. In short, the so-called benefits of medicines melt into the air after a while when it comes to wanting to suture the malaise inherent in human existence (FREUD, 1973c). The existence of a subject, a being of the word, or a parlêtre, according to the neologism dear to Jacques Lacan (2001), implies the existence of a living organism, but the being of the parlêtreis not biomolecular. Therefore, pharmaceuticals, as well as surgery, can make it possible for a sick body to rebalance the chances of living longer, as there are diseases that kill quickly if nothing is done. However, no way of being, whether heterosexuality, homosexuality, depression, sympathy, ADHD, dyscalculia, dyslexia, etc. have the power to kill in themselves and, for this very reason, no doctor makes reference to any of them on a death certificate. In this sense, it is worth asking: why do we insist today on medicating children who scream, who don't stop moving, who have spelling mistakes, who don't calculate correctly or who focus their attention on the Valencia Moon? The brain is unable to think The adult epidemic of administering medication to children, even though they are not actually sick, follows a number of reasons of different content and caliber. Two elements of this equation are worth mentioning. 4Self-proclaimed childhood autism prevention initiatives usury fall into this contradiction, although they claim not to be iatrogenic (DE LAJONQUIÈRE, 2021a).
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167175On the one hand, we are unable to free ourselves from the illusion that the forms of parlêtreare epiphenomena of organic life. We insist on confusing the fact that a person needs the brain to indulge in the most varied thoughts with the brain's inability to think. Contrary to this illusion, in solidarity with that other one of being able to extract that stone of madness, but at the time when children were already taking Fontoura biotonic, although not yet Ritalin, Jean Piaget (1967) argued that although we must be alive to think mathematically, neurology will never explain why 2 plus 2 is 4, for the simple reason that neurons don't think. Brain functioning does not cause or structure thought. As I understand it, the brain is simply a limit for a parlêtre. However, nowadays and as proof of the hegemonic pregnancies of this illusion, not even supporters of the so-called Brazilian pedagogical constructivism are able to distrust the habit of medicating children under the pretext of having supposedly been born or contracted dyslexia or dyscalculia. On the other hand, there is the very adult fall that children are there, in that place, where we fantasize them, or, in other words, the hope that they will always respond from the place they occupy in our unconscious phantasm, there being no lack some in education. Thus, we spare no effort to correct the response considered to be an indication of an alleged deviation. In this way, a vicious circle is closed: the very adult desire to make the child always appear well focused in the photo, that is, not lacking, embodies the belief in epiphenomenal reductionism which, in turn, grants pseudoscientific credibility to the which lacks any justification. The reader should not conclude that the author of this essay considers it wonderful that a child does not learn to read and write with some correction or that another cannot conclude that 2 plus 2 is 4. That this is worrying and that it implies our Adult responsibility does not justify being considered responses from a deviant being. Because? For the simple fact that there is no deviation, no norm. We must not confuse miscalculations, false knowledge, hasty reasoning and more or less delusional ideas with deviations from the thinking of a brain. No brain thinks, just as there is no normal way for the parlêtreto think. Between thinking and organic life, which by supporting it also places a limit on it, the relationship is one of mortal struggle, but not of cause and effect. Faced with a child who does not learn to read, write or calculate, when, in principle, this knowledge is taught to him with a certain parsimony in a literate society, when a child is condemned to mutism, he either talks non-stop or does not say anything at all, or cannot to stop walking on tiptoe, or toss around incessantly, it is possible to think that she is not well with herself or with others to the point that she loses the direction of social circulation and gets tangled up in being. Every time it is not possible for a parlêtreto say what he came into the
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167176world for, the being gets bogged down in psychic suffering. Therefore, all these ways of being of the child in a place of being of exception in the social bond speak of the suffering of the parlêtrecome to say with others. This difficulty is all yours, but it is at the same time the result of how the child is positioned in the face of the demands and desires of adults, in the order of 50% each. In this sense, an intervention that aims to change the status quo must hook thinking by the gut, that is, the being of the parlêtrethat is being said in the field of word and language (DE LAJONQUIÈRE, 2020d, 2021a, 2021b). Administering drugs in these cases not only does not change the equation in favor of thinking, of unfolding the parlêtre, but even more, it meta-transmits to the child that adults do not want to know about their suffering due to the fact that they have sunk into an impasse with themselves and with others. This does not bode well in the education of a child. Intending to extirpate the behavior or a child's response considered deviated for the 'good of the child' is not as valuable as the simple pretension of teaching a child to write without spelling mistakes, since the language deserves our respect as much as the child deserves to enjoy the opportunity to join us in this endeavor. Intending to erase the deviation is the tip of the iceberg of an unconscious way that we have to address the child, which in this case implies our rejection of accepting the difference in question in all education(DE LAJONQUIÈRE, 1999). Education implies both a meeting with a child and a mismatch. The found is not the sought after. This difference returns to the transvested adult in the form of an indication of a deviant being-child to be corrected thanks to miraculous medication. Medicalization confirms the very adult fall of wanting to know nothing that the deviation seen is in fact nothing more than a difference in position in the field of speech and discourse between generations. Adults do not want to know anything about this difference that every child must know how to play in the conquest of a unique place as a subject in an ongoing history in the field of words and language. This achievement implies that the child will come to extract himself from this place in which the adult seeks him. If the child does not produce this difference for himself again and again, then he is confused in saying what for he came to men's lives. What every child shows the adult, whether or not it is considered a supposed deviation to be corrected, is its own product, that is, it is the result of the psychic work involved in the fact that it must deal with the demands and the desire of adults. When the child actually learns with a certain lightness of mind what he is taught the most varied knowledge it means that he is able to sustain two distinct psychic operations in the same and unique time: on the one hand, to hook himself to the signifiers that articulate the educational experience and, on the
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167177other hand, to drop the objectifying bias embedded in the operation of apprehending the signifiers set to circulate by the adult. Every baby who launches into the word, who speaks, ends up one day enunciating any word with a certain clarity and distinction, except for those two so impatiently stimulated (sic) by the parents, that is, 'mommy' or 'daddy'. Why is it that the baby can't offer the words so sought after? Because delivering 'this'5without further barriers implies answering from this place where the child is illusory for adults. It would be like answering in echo. Speaking, then, implies a double and same operation of alienation and separation, in which the second move, which is not in fact such, comes to repress, or erase, the first. On the other hand, the fact that the child closes himself up in silence or speaks echoly speaks of his impossibility to sustain the psychic operation of repression of the adult desire that he respond from the place where he is dreamed of, or, in other words, the impossibility of it will come to extract itself as a subject from this place of phantom object on the horizon. The event of speaking is 100% the nature of a subject, but that does not mean that the child and the adult do not contribute 50% each. No child launches into speech if an adult does not address 'his word' to him, although not a few consider speaking to be natural. The child takes the adult's word by assault, uttering a different term than the one sought. In this way, the 50% that the child holds end up in fact becoming 'the child' 100%. There is no way to spare the child the psychic work involved in any and all learning. This work will always be done regardless of one of the two dimensions of adult addressing. The success in the enterprise is all credit to the subject who operates in the child, but it is likely that the desire at stake in the education regarding which the child must position himself as a subject ingrain for the child a challenge out of all proportion. In this case, education may well become a difficult event (DE LAJONQUIÈRE, 1999). The fact that a child takes a step on its own in the conquest of a place of subject, ingrains on the part of the adult the acceptance of a difference produced by the child himself when moving from the place where he is sought. Of this the adults are not very willing to know, because narcissism rages. In this sense, pharmacology, the armed wing of the medicalization of life with children, ended up becoming a great ethical alibi. 5The term 'this' refers to the Freudian unconscious. In a way, what is at stake in speech is the recognition of subjection to the unconscious. “Giving over the unconscious” would be equivalent to getting rid of it.
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167178Of a wild boy and a blind and deaf girl Administering medicine to children, even though they are not sick, is one aspect of medicalization. However, medicalization as a way of understanding the education of a child and, therefore, what is at stake in the psychic time of childhood(DE LAJONQUIÈRE, 2006, 2013), began well before the pharmaceutical industry became one of the most profitable. It began at the beginning of the 19th century, when Jean Itard (1994) decided to educate what not only he, but the social imaginary of the time, considered to be a wild child. There is no record that this doctor administered any type of drug. Perhaps his only attempt to alter bodily functioning, with a view to facilitating the learning of everything he thought to teach the boy found in 1800 wandering in a forest in the French region of the Aveyron, was to give him regular baths with almost boiling water, from a rather absurd hypothesis. The education of the 'wild boy' was the work not only of a physician, but of modern medical reasoning. Education was designed according to the motor rehabilitation model: methodical repetition of increasingly complex movements or activities with a view to ensuring that the damaged parts of the body involved in the task progressively respond to normal functioning parameters. Itard (1994), unlike his famous teacher, the doctor, Philippe Pinel, did not consider the boy to be sick. But unfortunately, the good intuition at the start was neutralized by the fact that Itard (1994) imagined the perfect opposite of the disease, that is, he considered that the boy's body was in a virginal state, ready to respond to the doctor's command according to the principles of 'moral medicine'. His endeavor ended up becoming a model. It supports the so-called education proposed today to autistic children. Perhaps the latter, combining training and pharmacology, should be considered the summumof the medicalization process. But it also underlies, despite appearances to the contrary, the matrix of what I call (psycho)pedagogical illusion (DE LAJONQUIÈRE, 1999, 2020b), that is, the belief that it is both possible and necessary to adapt adult intervention to the 'form child's natural being. The 'wild boy' is to some extent the perfect mirror opposite of the current imaginary child. He seems to be devoid of all natural knowledge, the same supposed to operate 'naturally' in the 'normal' child these days. However, Itard (1994) does not get carried away by appearances, as he is convinced that the boy is the depository of a dormant natural human knowledge that the moral medical device will know how to awaken in a methodical way. Education a la Itardillustrates precisely what should not be done, under penalty of imploding the set of structural conditions necessary for the education of a child. At the opposite extreme, the 19th century also offered us, almost ninety years later, the education of a blind and
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.167179deaf girl Helen Keller thanks to the singular implication of Anne Sullivan. Both adults did not address children in the same way, although the young American pedagogue breathed the same ideas that the French doctor had forged in an inaugural form at the beginning of the century. In the case of Helen Keller, the merit of what was learned was all hers, but her educator showed up with the necessary 50% in education. Education a la Sullivanis not the opposite of that in the fashion of Itard (1994) and, therefore, it is not “what should be done”, as parents and pedagogues, avid for methods, often question. The educational experience from which Helen knew how to benefit is just the opposite of the 'education of a savage'. Although successful, it is not an educational method to be followed, because despite our regrets, there is no normative model in education.At first glance, we thought that the chances of Helen speaking being deaf and blind would be minimal, unlike Victor, who did not suffer from any sensory impairment. The examination by contrast allows to situate and question the difference between both experiences. The hypothesis is that from the set of conditions for the possibility of educating a child, the way we have to address our word to him constitutes precisely a prince element of the experience. This adult addressing concerns the adult's unconscious position in relation to desire, always challenged by the very fact of having to deal with a child in education (DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2013; 2021b). We will briefly recall some elements of these two events that made history. A simple parallelism will already allow us to place the set of conditions for the education of each child. Jean Itard (1994) was a young doctor, while Anne Sullivan was a young woman without a degree, just out of Boston College for the Blind. Victor is a child of approximately 10 or 12 years old, captured in the woods, considered clinically normal by Itard (1994), but at the same time 'wild' from a psychic point of view. On the other hand, it is known that Helen Keller was born in good health and that when she was two years old, she became blind and deaf due to an infection. Anne Sullivan will say, when they first met on a March 1887 day (the little girl was seven years old), that she was a capricious child, but intelligent and eager to learn. The common point is that neither Victor nor Helen spoke when meeting with their respective educators. Jean Itard (1994) leaves Victor after five years, having the conviction that there was nothing more to be done. On the contrary, Anne Sullivan and Helen Keller became friends and never left. Although the first got married, the second went to live in the couple's neighborhood. Helen was forever blind and deaf, but she started to speak. She becomes a writer in her teens. By the way, it will be thanks to the publication of her books that we will learn
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671710something about what may have happened between her and her educator. For her part, Anne Sullivan left written letters to her friends at the Perkins School for the Blind, in particular addressed to their principal, but it is thanks to Helen that we can read them today, as she published them after her friend's death. Helen died at the age of 88, after dedicating her life to promoting the education of children with disabilities, particularly the blind. Finally, both educational experiences were brought to the big screen. In the beautiful French film O garoto Selvagem(1969), the filmmaker François Truffaut himself plays the role of the doctor. On the other hand, the meeting of little Helen with young Anne inspired the American Arthur Penn to film in 1962, The Miracle Worker. This one was named differently depending on the country where it was going to be shown. The French translation of the first should have been La travailleuse miraculeuse[The Miracle Worker], but it was shown in France under the title Miracle en Alabama[Miracle in Alabama]. The Brazilian version was called O milagre de Anne Sullivan(The miracle of Anne Sullivan), while the Portuguese version was presented with the title O milagre de Helen Keller(The miracle of Helen Keller). As we can see everyone agrees on one point: this story is indeed a miracle! The disagreement, however, is over who would be the agent of the miracle. The Americans claim that it is only someone who works, the Brazilians think it was the adult, the Portuguese the child and finally the French refrain from identifying the miracle worker in history, claiming that the fact that a blind and deaf child could speak is, yes, a miracle, and that the same thing happened one day in Alabama! Precisely, following the trail of the misunderstanding around the miraculous character of Helen's education, we can question the place of the word within the conditions of a child's education, considering as a counterexample in the matter, the destiny reserved for Victor. In matters of miracles, we can in any case always identify an agent. Who does the miraculous work of Helen Keller's education? The seven-year-old? The educator, fourteen years older? Neither one nor the other. Both experienced the subjection of the miracle inherent in the work of the word itself. What was at stake in education was the operation of the signifying function, as Lacan (1966) would say, which establishes the possibility of having an experience within the field of word and language, of always discovering ourselves as another. The signifying function is intrinsic to the parlêtre, that is, intrinsic to the being that cannot not be said in the difference with others, under penalty of being parasitized by psychic suffering. Although Itard's (1994) pedagogical adventure has deserved a prominent place in the annals of science, what it teaches is, on the contrary, what should not be done in the education of a child. The doctor's dream of shaping the child's being implied the perversion of the
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671711conditions that make a self-respecting education possible. Every adult must renounce this dream so that a child can extract himself from this place where he is sought and thus conquer for himself a place of enunciation in his own name, of a subject of speech in an ongoing history. Itard (1994) embodies the pedagogical fury that does not recognize the impossibility of education (FREUD, 1973b). He personifies the pedagogical vow of finding the ideal child, deprived of all knowledge6and willing to be freed from this radical ignorance by the grace of the master who would thus convert him into his inverted clone, that is, into a complete subject not subject to the division imposed by significant logic, not subject to desire. The pedagogical fury derives from the adult's wanting to know nothing about his own condition as a divided subject. The adult projects the opposite of the self onto the child. All supposedly ideal education presents itself as a whatever civilizing mission 'for the good' of the recipient. Pedagogical frenzy perverts the conditions for the possibility of an education, as it demands from the child its own eclipse as a parlêtre. The child is forced to renounce the condition of subject in order to deserve some adult recognition. Victor answered the call, made himself understood by Madame Guerin when he was hungry or when he wanted to go out for a walk. He effectively inhabited language. However, Itard, although admitting that the child communicated, could not admit that such a thing was possible without “the need for any previous teaching” (ITARD, 1994, p. 43, our translation). According to him, nothing was possible outside the supposedly scientific program, that is, he himself had to be at the origin of everything. Thus, Itard (1994, p. 44, our translation) concludes that it must be a “language of action [] primitive of the human species” and, therefore, that Victor did not truly inhabit the field of speech and language. However, the boy insisted on providing the counter-proof that he, in fact, inhabited it. Victor even stammered a few words. The doctor recognized the name JulieMrs. Guerin when Victor said “gli”, the noun “milk” spelled out clearly, and finally Mrs. Guerin “oh my God!” when the boy said “ohh Diie”. However, Victor never got around to engaging in a speech. Was that within his reach? It's impossible for us to know. But one thing is certain, the pedagogical device destined to make him speak consisted in the abortion of the human word. By the way, perhaps, this failure allowed Victor to preserve something of the desire that concerned him insofar as he refused to hand over to Itard (1994) what he was obsessively looking for speech. Jean Itard (1994) admitted that speech differentiated us from animals, but did not understand that its use presupposed the operation in the child of a subject to which the adult 6This pedagogical vow is the reverse of this other one of finding a child in whom natural knowledge already operates in such a way that the adult will be exempt from having to be involved in education.
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671712had, in a logically previous time, recognized a singular place of enunciation in a story. In this way, he ended up shuffling the structural conditions of an education. The doctor acted in the opposite direction of what a mother unconsciously follows when she metaphorizes the sounds babbled by the infant, making him 'her baby', as well as converting all sounds into words subject to a singular intentionality that escapes adult control. For psychoanalysis, a mother's engagement in this direction is a function of her unconscious position in relation to desire, not depending on the linguistic and scientific knowledge that she might have. This was precisely the position from which Anne Sullivan addressed Helen. The educational experience proposed by Itard (1994) was structured from the systematic refusal of desire. It was nothing more than a kind of pedagogical trap, because whatever Victor's response in the methodical stimulation exercises, he was not considered as someone animated by a desire to be recognized, as a subject who pleads to say what he came to do in the human world. If he didn't respond as expected, according to the doctor, it was because he didn't understand. If, on the contrary, he answered correctly, Itard (1994) thought that it was mere chance. If Victor finally got around to talking, then he had been unintentionally informing about a need to be satisfied. The impromptu speech, as well as the one that was expected, but that had been given outside the previously established parameters, were judged as the expression of the wild nature of the boy. At the same time, responding as expected meant for Victor to validate his own psychic death, insofar as the pedagogical demand reduced him to the condition of an object of enjoyment or satisfaction for Itard (1994). In these situations, the doctor repeated the intervention in the form of a retest to ensure that the answer was the same one sought. He unconsciously condemned Victor to choose between two fates: surrender to the frantic echolalia or simply not respond, being totally lost in the face of demand in a kind of psychic collapse. Victor embodied, whether the nature sought by the doctor, or the opposite, savagery. However, contrary to what we might suppose, although Victor might not respond as expected, he never disappointed Itard (1994), as he found him in the same illusory place as always, where he was sought after even before he was captured in the Aveyron forest. The doctor always had an explanation within his reach to restore the narcissism thwarted by "his" recalcitrant savage. The place reserved for the boy in this story consisted of illustrating the apodictic truth of the Itardian reflection and from this place Victor could not escape, turning around this dreamed destiny. Anne Sullivan's letters and Helen Keller's books allow us to situate their experience as the opposite of Itard's (1994) medical-moral treatment. There is no doubt that Anne's position as an educator, her way of addressing Helen, is different from that of the doctor. And this is not
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671713without consequences. This difference makes it precisely possible for the word to emerge in the child despite deafness and blindness. In the letters of the young educator to her friends in Boston, her uncertainties, her difficulties linked to blindness, appear, not only with that almost blindness in the proper sense that made her tear up and that made her eyes sensitive to luminosity, but that in a figurative sense, that lack of light at the end of the tunnel on the journey she had undertaken when she took the job at the Keller house. Anne confesses that she doesn't know how far her involvement in Helen's education will take her, but that at the same time she is unable to abandon her. By the way, she didn't accept the job out of pure philanthropy or because she felt invested in some redemptive mission, but simply because she needed a job to earn the first salary of her life. As she herself writes in one of the letters, she had accepted the job “forced by the need to earn a living” (KELLER, 1903, p. 179, our translation). Perhaps, in addition to the obvious need to earn a salary, Anne's declaration should be heard in another way: it was about the imperative to conquer a place in life, a place of enunciation in her own name, beyond the disastrous fate that was in store for her when she entered the Tewksbury Asylum with her younger brother, both abandoned by their father. Therefore, her stance was not the same as that of Itard (1994) who had engaged in the experiment in the name of scientific progress, against the backdrop of a prestige bet with the famous Philippe Pinel. Arthur Penn's film shows us an Anne Sullivan who advances blindly, without clear and precise objectives. It does not 'scientifically reflect on its practice', as Itard (1994) did in an inaugural way, to the point that nowadays it should be elevated to the category of the patron saint of reflective pedagogues. Anne simply wanted to talk to Helen and for that she used the only possible way when dealing with a blind and deaf interlocutor the manual alphabet. For his part, to paraphrase Françoise Dolto, Itard did not speak toVictor, but spoke about him to others through his reports, in particular addressed to his colleagues at the Société des observateurs de l'hommeand to the minister of the interior. Everything indicates that Anne's psycholinguistic knowledge was rudimentary. She shared the same associationist idea as Itard (1994) talking is associating signs with things designed to satisfy a need. However, her enunciative position was not the same as the doctor's. Anne Sullivan acted with Helen with the conviction that the little girl was not only capable of communicating, but that she possessed the same linguistic intelligence as her and, therefore, that she simply inhabited language. The conviction was such that when it came to justifying Helen's progress in the dialogue, the justification given was rudimentary: as Helen's brain has all the ideas (sic), then, it is only necessary to have a little more patience to be able to establish
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671714a worthy dialogue. The precariousness of Anne's theoretical reflection in no way compromised this true educational experience. The more or less scientific ideas that an adult claims to follow count for little in experience, because what it is always about is the unconscious conditions of possibility that relate to adult desire. If this is anonymous (LACAN, 1986) in the sense that the adult rejects the unconscious castration that animates him and that singularizes the place of the word in an ongoing story, then the structural coordinates of an education end up falling apart in the air. For this same reason, we must also be suspicious of any automatic invocation of pedagogical slogans, however politically or psychologically correct they may seem. Anne wanted to talk to Helen, had something to say to her, just as she wanted to hear something from her. This ‘her’ makes both a reference to Helen in the sense that Anne wanted to listen to the girl, but also that Anne wanted to hear something of herself, of her own intimacy, of her saga as a parlêtre. It is thanks to the letters that we know that Anne was groping in her role as an educator. In this sense, Arthur Penn's film was able to convey what was at stake for her in the educational experience with Helen. It shows a young woman cornered at night by ghosts and childhood memories. The educator, like Helen, was also groping in the dark. Itard (1994) unlike Anne did not want to know anything about groping in the dark, having to deal with ghost characters and childhood memories, or even more with getting lost in dreams in order to discover someone else. Victor's upbringing changed nothing in Itard's relationship with himself. On the other hand, the reminiscences that Anne Sullivan interrogated had been revived by her own involvement in Helen's upbringing. They never ceased to haunt her, demanding to be recognized, welcomed (DE LAJONQUIÈRE, 2019). It was precisely this questioning in which Anne had become involved that allowed the re-launch of the symbolization of the difference in positions between the adult and the child that permeates every educational experience. This implication of Anne made it possible for the word to do its work and, thus, come to relaunch again and again the unfolding of the conquest of a place of enunciation in their own name, of a place of speech for each of the protagonists. The emergence of a subject of speech Educating implies putting into circulation symbolic or significant traits that allow the child to be involved in the endless conquest of a place from which desire is possible. This is the opposite of what Itard (1994) put into action with Victor. This is exactly what Anne did without having any knowledge of the matter but sustained in experience by an unconscious knowledge.
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671715The said acquisition of speech is the result of the operation of a subject of desire in the child. The emergence of the word or the speech addressed to another can be considered the mark par excellence of the desiderative subjection to any languageand the princepseffect of a successful primordial education. In this sense, the precariousness of Victor's speech denotes a failure of the educational device supported by Itard (1994). However, we will never know what the boy's fate would have been had he not fallen into the hands of the inventive and tenacious doctor. However, Helen's loquacity, as her rich biography testifies, is undoubtedly the hallmark of a self-respecting education. Why do we speak? To teach and interrogate. What? The truth. Although animals communicate, the dimension of truth does not concern them. The truth only concerns the parlêtre. Sigmund Freud, unlike Jean Itard, did not understand that man entered the dimension of truth thanks to systematic contact with things. According to Freud (1973a), the dimension of truth permeates the psychic fabrication of the Idea of Fatherwithin the experience of life together with others. The Idea of a father is a sui generisidea because it lacks any meaning as it is an unconscious idea that escapes reflexivity. For this double reason, the Idea of the father is called in Lacanian thought the signifier Name-of-the-Father. It is the directing signifier of the field of word and language that aims at the truth of the parlêtre(DE LAJONQUIÈRE, 2013; 2019). The psychic production of the signifier Name-of-the-Father takes the place of Ariadne's thread that allows us not to lose the north in the experience, groping in the darkness of more or less secret passions and reminiscences according to the testimonies of Helen Keller and Anne Sullivan. Speaking implies placing an Idea of a father there where before on the horizon there was only the shadow of an omnipotent father who muzzles the word, according to Freud's hypothesis (1973a). The emergence of the word establishes a difference in the phylogenesis of the human: from the primeval horde of orphans at the mercy of the strongest primate to a first human organization governed by the unconscious idea of a father (FREUD, 1973a). The word carries the mythical memory of a pleasure shared between mute orphans on the way to self-produce humans when the head of the horde is murdered. In this sense, the said acquisition of speech carries the trace of the pleasure shared between the child and the adult in having barred the omnipotence of being, a sine qua non condition for the emergence of the parlêtre7. What does the education conceived by Itard (1994) mean according to the principles of moral medicine at the time? Simply the shard of the coordinates of the word emergence. In this sense, for Victor to have a chance of escaping the disastrous fate that was in store for him, it 7In a next opportunity, we will develop this hypothesis when dealing specifically with the speech of the word 'water' by Helen.
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671716would have been necessary for his education to have something like Helen's. Well, it was not a question of 'morally healing' Victor or of extirpating his 'wild being', but of letting the psychic production of an Idea of a Father germinate in experience, thanks to the questioning of the desire that every adult must witness in the education of a child. The production of this idea would have been the indication of the boy's orientation in the experience of saying that he came into the world together with others. The chances of him occupying a singular place of enunciation in a story were few from the beginning, considering the type of subjective implication on the part of the physician in the experience. If the doctor had done his necessary 50%, then the boy would have had to do the 50% sufficient to score 'his' 100%. However, Itard's pedagogical device supported the omnipotence of being, making education a difficult event (DE LAJONQUIÈRE, 1999). As Itard (1994) massacred the possibilities of the Idea of a father coming to operate, the entry into the register of truth became an act of difficult happening. The absence of this operation reduced Victor to the status of an animal to be trained, that is, to be always ‘there’ in this precise place where he was obsessively sought after by the doctor. If, on the contrary, the Idea of a father had operated in the experience, the boy could have enjoyed a place that was both filial and familiar, either as a disciple or as an apprentice of Jean Itard. However, that is not what happened. The doctor refused the possibility of discovering someone other than himself. If that had happened, he would have given evidence in education of being subject to castration or the law of desire(DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2013; 2020a; 2020b). An animal trainer is neither a master, nor a father, nor a mother. He can't get lost in daydreams, dreams and reminiscences of childhood, if he doesn't want to lose his mind in the lions' cage. On the contrary, teachers, parents and educators must be willing to lose theirs, as it is known that they will not be able to hold the bar once they are involved in educating. The production by a child of the Idea of Father implies the adult's renunciation of gluing in the place of the almighty who does not recognize the law that prohibits responding narcissistically to the hate-love(LACAN, 1975, p. 84) addressed by the child. In fact, teachers, fathers and mothers must address the child as common people, that is, referring to the law of desire that governs the unfolding of the social bond. Itard (1994) had an overwhelming need to ignore desire. Desire was an affairethat literally made him lose his mind. Striving not to lose her in Victor's upbringing, she did everything she could to find him where she was looking for him. In short, he did what should not be done in the education of a child, because in order for the child to have his head in
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671717place, the adult as Helen’s education experience well recalls –must be willing to lose himself, to lose their pretense of mastery. Final considerations The 'education of the wild' became a paradigm of what came to be called specialized pedagogy. Until the emergence of the first alternative educational initiatives, such as the Bonneuil school, inspired by decades of accumulated experience of psychoanalysis with children, education a la Itardimposed itself as an experience to be reduplicated in the education to be offered to children called sometimes idiots, sometimes disabled, sometimes with special educational needs (DE LAJONQUIÈRE, 1999; 2020c). The ‘spirit of Itard’ ended up becoming hegemonic in the social imaginary, thus becoming the key to understanding any and all education. It was, for example, invoked at the beginning of the last century, but without the doctor being explicitly mentioned, by the American psychologist John B. Watson, who with his behavioral manifesto created the adult illusion of producing children always predisposed to respond from this phantasmatic place where they are sought after by adults. Nowadays, the ‘spirit of Itard’ or the omnipotent illusion that between the child and the adult nothing will be lacking, thus coming to embody the ghost of an omnipotent father, is promoted by the pharmaceutical industry. All education charges a price, that of recognizing the desire that inhabits us as parlêtres and, therefore, demands that we renounce the medicalization of that which has no remedy. An indispensable condition for an education to succeed where we least narcissistically seek it. Pretending that an education succeeds, without the child coming to move from this place that is unconsciously reserved for him by adults, constitutes a contradiction in terms that no drug will come to remedy. The saga of Dr. Itard illustrates our insistence on always looking for our so-called self in the same place, at the price of condemning children to the disastrous fate of not being able to speak with others. In the education of a child today, as before, it is better to come to stand on the side of Anne Sullivan, that is, to know that we are ordinary people dealing with the irremediable difference that nestles in our educational approach to children. Unconsciously knowing this inevitable difference means that what we do or fail to do does not come as a remedy for anything, but simply testifies to our unique position as a subject of speech in an ongoing story.
image/svg+xmlLeandro DE LAJONQUIÈRE Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671718ACKNOWLEDGEMENTS: CAPES-COFECUB consortium, project Sh 940/19. REFERENCES DE LAJONQUIÈRE, L. Infância e ilusão (psico)pedagógica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. DE LAJONQUIÈRE, L. A psicanálise e o debate sobre o desaparecimento da infância. Educação & Realidade, v. 31, n. 1, p. 89-106, 2006. Available: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/22973. Access: 10 Jan. 2022. DE LAJONQUIÈRE, L. Figures de l’infantile. Paris: L’Harmattan, 2013.DE LAJONQUIÈRE, L. Des réminiscences, de la vérité et de l’histoire chez Freud. Analyse Freudienne Presse, n. 26, p. 49-60, 2019. DOI: 10.3917/afp.026.0049 DE LAJONQUIÈRE, L. De l’invention bien humaine de la haine. Analyse Freudienne Presse, n. 27, p. 53-66, 2020a. DOI: 10.3917/afp.027.0053 DE LAJONQUIÈRE, L. Por uma escola inclusiva ou da necessária subversão do discurso (psico)pedagógico hegemónico. Revista Política & Sociedade, v. 19, n. 46, p. 39-64, 2020b. DOI: 10.5007/2175-7984.2020.e73724 DE LAJONQUIÈRE, Leandro. Pour que l’éducation soit au rendez-vous dans l’inclusion scolaire. Psychologie Clinique, n. 50, p. 25-35, 2020c. DOI: 10.1051/psyc/202050025 DE LAJONQUIÈRE, L. Pour une clinique de l’apprendre entre connaissance et savoir.Cliopsy, n. 24, p. 89-105, 2020d. DOI: 10.3917/cliop.024.0089 DE LAJONQUIÈRE, L. A psicanálise, o autismo e a prevenção na infância: a polêmica Lei 13.438. In: CAPONI, S.; STOLF-BRZOZOWSKI, F.; DE LAJONQUIERE, L. (org.). Saberes expertos e medicalização da infância. São Paulo: Liber Ars, 2021a. p. 91-117. DE LAJONQUIÈRE, L. De um psicanalista na educação. In: ROSADO, J.; PESSOA, M. (org.) As abelhas não fazem fofoca. Estudos psicanalíticos no campo da educação. São Paulo: Instituto Langage, 2021b. p. 13-38. FREUD, S. Tótem y Tabú [1912-13]. In: FREUD, S. Obras completas. Madri: Biblioteca Nueva, 1973a. v. 2, p. 1745-1850. FREUD, S. Prefacio para un libro de August Airchhorn [1925]. In: FREUD, S. Obras completas. Madri: Biblioteca Nueva, 1973b. v. 3, p. 3216-3217. FREUD, S. Em malestar en la cultura [1929]. In:FREUD, S. Obras completas. Madri: Biblioteca Nueva, 1973c. v. 3, p. 3017-3067. ITARD, J. Victor de l’Aveyron[1801]. Paris: Éditions Allia, 1994.
image/svg+xmlAbout irremediable education Estudos de Sociologia, Araraquara,v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718DOI:https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.1671719KELLER, H. The story of my life with her letters (1887-1901) and a supplementary account of her education, including passages from the reports and letters of her teacher, Anne Mansfield Sullivan. New York: Doubleday Page & Company, 1903. LACAN, J. Fonction et champ de la parole et du langage en psychanalyse [1953]. In: LACAN, J. Écrits. Paris: Éditions du Seuil, 1966. p. 37-322. LACAN, J. Le Séminaire. Livre XX - Encore[1972-1973]. Paris: Editions du Seuil, 1975. LACAN, J. Deux notes sur l’enfant [1969]. Ornicar?n. 37, 1986. p. 13-14. LACAN, J. Joyce le Symptôme [1975]. In: LACAN, J. Autres écrits. Paris: Editions du Seuil Paris: Editions du Seuil, 2001. p. 565-570. O GAROTO selvagem. Direção: François Truffaut, Título Original: L’enfant sauvage. França, 1969. O MILAGRE de Anne Sullivan. Direção: Arthur Penn. Título original: The Miracle Worker.Estados Unidos da América-USA, 1962. PIAGET, J. Biologie et connaissance. Paris: Gallimard, 1967. How to reference this article DE LAJONQUIÈRE, Leandro. About irremediable education. Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 27, n. esp. 2, e022018, 2022. e-ISSN: 1982-4718. DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16717 Submitted: 15/06/2022 Required revisions: 10/07/2022 Approved: 12/08/2022 Published: 30/09/2022 Processing and publishing: Editora Ibero-Americana de Educação. Review, formatting, standardization and translation