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O diagnóstico psiquiátrico e desafios para outra biopolítica da infância
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022024, 2022. e-ISSN:
1982-4718
DOI:
https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16823
1
O DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO E DESAFIOS PARA OUTRA BIOPOLÍTICA DA
INFÂNCIA
DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO Y DESAFÍOS PARA OTRA BIOPOLÍTICA
INFANTIL
PSYCHIATRIC DIAGNOSIS AND CHALLENGES FOR ANOTHER CHILDHOOD
BIOPOLITICS
Luana MARÇON
1
Henrique Sater de ANDRADE
2
RESUMO
:
A partir de “encomendas” que chegam a serviços de atendimento de crianças e
adolescentes, problematizamos o diagnóstico psiquiátrico e desafios contemporâneos para outra
biopolítica da infância. Refletimos criticamente em torno do sistema classificatório de
diagnósticos em saúde mental e seus usos específicos na infância. Discutimos como o saber
psiquiátrico hegemônico tem transformado a infância em um
lócus
privilegiado de governo da
conduta e intervenção sobre risco e desempenho. Por fim, colocamos questões para produzir ao
mesmo tempo acolhimento de crianças com sofrimento mental e práticas de cuidado menos
normativas e disciplinares.
PALAVRAS-CHAVE
: Diagnóstico psiquiátrico. Infância. Biopolítica.
RESUMEN:
A partir de las "órdenes" que llegan a los servicios de asistencia a niños y
adolescentes, problematizamos el diagnóstico psiquiátrico y los desafíos contemporáneos para
otra biopolítica infantil. Reflexionamos críticamente sobre el sistema de clasificación de los
diagnósticos de salud mental y sus usos específicos en la infancia. Discutimos cómo el saber
psiquiátrico hegemónico ha transformado la infancia en un lugar privilegiado de gobierno de
la conducta y de intervención sobre el riesgo y el rendimiento. Por último, formulamos
preguntas para producir tanto la acogida de los niños con trastornos mentales como las
prácticas de atención menos normativas y disciplinarias.
PALABRAS CLAVE
: Diagnóstico psiquiátrico. Infancia. Biopolítica.
1
Universidade Estadual de Campinas, Campinas
–
SP
–
Brasil. Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de
Ciências Médicas. Terapeuta ocupacional e doutoranda em Saúde Coletiva. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-
1299-2679. E-mail: 18.luanamb@gmail.com
2
Universidade Estadual de Campinas, Campinas
–
SP
–
Brasil. Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de
Ciências Médicas. Médico e doutor em Saúde Coletiva. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9847-3663. E-mail:
hsatera@gmail.com
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Luana MARÇON e Henrique Sater de ANDRADE
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ABSTRACT
: From “orders” that arrive at services for the c
are of children and adolescents,
we question the psychiatric diagnosis and contemporary challenges for another childhood
biopolitics. We critically reflect on the classification system of diagnoses in mental health and
its specific uses in childhood. We discuss how the hegemonic psychiatric knowledge has
transformed childhood into a privileged locus for governing conduct and intervention on risk
and performance. Finally, we ask questions to produce, at the same time, care for children with
mental suffering and less normative and disciplinary care practices.
KEYWORDS
: Psychiatric diagnosis. Childhood. Biopolitics.
Introdução
“Vô, o que é um adulto?
É uma criança morta”
Ademir Assunção
Wesley, 15 anos, está há 40 dias em medida de internação na Fundação CASA,
cometeu ato infracional enquanto cumpria medida socioeducativa de
liberdade assistida. É acompanhado desde os 7 anos de idade pela rede de
serviços da assistência social e saúde do município, devido a questões de
vulnerabilidade social e evasão escolar. Durante o período de internação, vem
apresentando comportamento hostil e desafiador com funcionários e com
outros adolescentes, o que vem dificultando sua participação nas atividades
socioeducativas. Também apresenta insônia. Na última semana, a situação
vem causando maiores preocupações já que sua postura desafiadora vem
ficando mais acentuada, profere xingamentos para outros adolescentes e
funcionários, tal funcionamento vem fazendo com que ele fique
constantemente isolado. Encaminhamos para o CAPS infanto juvenil para
avaliação e conduta.
O Teo tem 5 anos. Ainda não fala completamente e fica desatento durante as
brincadeiras. Escolhe sempre os mesmos brinquedos e brinca de forma
repetida com eles, enquanto repete as mesmas palavras. Esse comportamento
também foi percebido na escola. Depois de várias buscas na internet,
identificamos que pode ser tanto TDAH como autismo. Trouxemos nosso
filho no posto de saúde pois queremos saber como conseguir um
encaminhamento para descobrir o que a criança tem e qual o tratamento.
Raquel, 08 anos, vem apresentando dificuldades recorrentes no ambiente
escolar, em muitos momentos está desatenta e irritadiça durante as atividades.
Não consegue realizar as tarefas pedagógicas propostas, levanta-se muitas
vezes e em alguns momentos circula pela sala. Quando chamada a atenção, a
criança mantém o mesmo comportamento e frequentemente não faz as tarefas
enviadas para casa. Chora com facilidade. Recentemente não conseguiu
participar de um jogo coletivo proposto, ficou hostil e jogou o tabuleiro no
chão. Depois de discussão entre o corpo pedagógico da escola, optamos por
encaminhar para o CAPS infanto juvenil para diagnóstico e conduta.
A partir destas e de outras “encomendas” que chegam aos serviços públicos de saúde de
acolhimento clínico de crianças e adolescentes, buscamos no presente artigo refletir sobre o
diagnóstico psiquiátrico e alguns desafios contemporâneos para outra biopolítica na infância.
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Utilizamos o termo “encomendas” pois quem se dedica ao cuidado de crianças e adolescentes
é frequentemente convocado a lidar não com o sofrimento psíquico, mas com a demanda de
uma racionalidade de diagnóstico psiquiátrico específica, que envolve uma expectativa
universalizante e normativa do comportamento e do desenvolvimento infantil.
Nesses serviços, nós profissionais ou
vimos frases como: “meu filho tem TDAH”; “um
médico falou que é autista”; “preciso de um laudo para tomar ‘ritalina’ (metilfenidato) igual o
colega”; “o abrigo quer um relatório médico para encaminhar a criança para a APAE”; “a
professora pediu um laudo co
m diagnóstico para ter uma assistente a mais na sala”; “ele é CID
F71 e recebe benefício”. A partir de diferentes atores e instituições –
familiares, órgãos da
assistência social, escolas e centros especializados
–
os serviços de saúde são obrigados a
aval
iar e emitir um diagnóstico de algum “comportamento desviante”. Optamos por abrir o
texto com três situações ficcionais, inspiradas em centenas de casos que atendemos ou
supervisionamos em equipes de saúde da família e/ou centros de atenção psicossocial infanto-
juvenil (CAPSij).
Apresentaremos reflexões críticas em torno do diagnóstico e seus usos específicos na
infância. Em seguida, discutiremos como a racionalidade psiquiátrica hegemônica compreende
e classifica diferentes desvios de conduta enquanto distúrbios individuais e cerebrais e como o
saber e o poder médico tem configurado a infância como um
lócus
privilegiado de governo da
conduta.
Por fim, colocamos questões que consideramos necessárias para pensar outras
biopolíticas da infância, que garantam ao mesmo tempo acesso e acolhimento das crianças e
práticas de cuidado menos normativas e disciplinares.
Afirmamos, de antemão, que reconhecemos tanto a existência de crianças vivendo com
graves processos de adoecimento quanto a importância do seu acesso a atendimento clínico e a
direitos sociais e políticas públicas específicas. Vale também destacar que, apesar da incidência
generalizada do saber psiquiátrico sobre a sociedade e a infância, é possível identificar
diferentes modulações e expressões do poder disciplinar sobre crianças de grupos sociais
historicamente violentados e privados de direitos, em especial a população pobre e negra
(BARROS; BALLAN; BATISTA, 2021).
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Discussão: o diagnóstico psiquiátrico e seu contexto na infância
O diagnóstico desempenha um papel significativo na cultura e na sociedade (ROSE,
2019; ROSENBERG, 2006). O ato de diagnosticar
–
isto é, de dar um nome a um conjunto de
manifestações clínicas
–
organiza os sintomas em um padrão que se torna reconhecível tanto
para o médico quanto para o paciente e permite uma unificação narrativa em torno de um
conjunto de manifestações heterogêneas e dificilmente conectáveis fora de uma entrevista
clínica.
O diagnóstico psiquiátrico é utilizado socialmente como condição de elegibilidade para
tratamento; como justificativa de afastamento do trabalho e da escola e cobertura de benefícios;
e como registro e organização de instituições de saúde e pesquisas epidemiológicas e clínicas,
incluindo a viabilidade de seus financiamentos.
De forma global, são utilizados dois sistemas classificatórios de transtornos e doenças
mentais: o DSM (em português, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e a
CID (Classificação Internacional de Doenças) (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE
PSIQUIATRIA, 2014; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993).
O DSM é publicado periodicamente pela Associação Americana de Psiquiatria e
utilizado como “padrão ouro” para diagnósticos em saúde mental. O documento, editado pela
primeira vez em 1952 e atualmente na sua quinta edição, de 2013, propõe a padronização de
critérios para a classificação dos transtornos mentais, para facilitar o estabelecimento de
diagnósticos “mais confiáveis”. Seu objetivo é produzir uma “linguagem comum” no campo da
psicopatologia e servir como instrumento de coleta de dados epidemiológicos. Para isso, define
os transtornos mentais como síndromes caracterizadas por uma “perturbação clinicamente
significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo” que
produzem “disfunção nos processos psicológicos, biológicos
ou de desenvolvimento
subjacentes ao funcionamento mental”
(ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA,
2014, p. 463). Reconhece, no entanto, que desvios sociais de comportamento e conflitos que
são basicamente referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais “a menos
que o desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção no indivíduo”
(ASSOCIAÇÃO
AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2014, p.62).
Ainda que na prática cotidiana o DSM não seja comumente citado e utilizado por
psiquiatras de maneira atualizada e textual, suas categorias são referência para a organização
de sistemas de saúde e de pesquisa em saúde mental. E também para a categorização de doenças
e transtornos mentais a partir de CIDs (Classificação Internacional de Doenças e Problemas
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Relacionados com a Saúde, publicado regularmente pela OMS), produzida em diálogo com as
atualizações do DSM.
Este sistema interligado e hegemônico de classificação médica das doenças mentais
passou nas últimas décadas por mudanças abruptas a cada versão. Polêmicas internas
(FRANCES, 2010; MCCARTHY, 2013) e externas (CAPONI, 2014; ROSE, 2019) ao campo
profissional da psiquiatria seguem animando o projeto de catalogar diagnósticos de transtornos
mentais. Com variadas ênfases e posições, tais críticas buscam demonstrar a fragilidade do
projeto da Associação Americana de Psiquiatria de almejar um guia “ateórico” e “puramente
descritivo” no campo da saúde mental, evitando o compromisso com qualquer teoria particular
de causalidade. O que está em jogo nessa busca de confiabilidade é a imagem ideal de um
diagnóstico psiquiátrico representada por uma entidade singular com substrato biológico
subjacente específico para cada condição única, isto é, uma espécie de “ponto de passagem
obrigatório” para seu
surgimento (ROSE, 2019).
Tal noção de “lesão subjacente” possui relação com o conceito de “história natural da
doença”, da identificação de um estado embrionário de lesão que naturalmente desenvolveria
seu curso quando não obstruída por alguma intervenção. Vale destacar, no entanto, que apesar
de a busca por marcadores teciduais, bioquímicos, genéticos dos transtornos mentais ter
recebido vultosos investimentos nas últimas décadas, não há qualquer consenso ou
comprovação definitiva da existência de um sofrimento e transtorno psíquico como derivado
de uma patologia especificamente cerebral ou genética (ROSENBERG, 2006).
Como mostram diferentes investigações (CASTEL, 1978; FOUCAULT, 2006), a
psiquiatria jamais foi apenas uma prática que se preocupou com o diagnóstico e o tratamento
de pessoas com transtornos mentais. Ela sempre se envolveu em questões sociais e políticas.
Por exemplo, na Alemanha nazista, as primeiras pessoas que foram para as câmaras de gás eram
pacientes de hospitais psiquiátricos; depois, o movimento da “Higiene Mental” preconizou a
limpeza mental nas fábricas, escolas, famílias e comunidades como caminho de redução de
desajustes e doenças sociais; e hoje, com campanhas por todo o mundo de prevenção do
suicídio, no Brasil representado pelo “Setembro Amarelo”, alertando para a importância de
prevenir, identificar e intervir sobre o suicídio.
O saber psiquiátrico nunca se limitou à identificação e tratamento de transtornos
mentais, mas também criou suas definições e fronteiras de normalidade e prescreveu formas
adequadas de administrar nossa saúde mental e prevenir o risco de doenças. Hoje diferentes
saberes “psi” ajudam a moldar as formas com que as pessoas compreendem a si mesmas e
avaliam e idealizam projetos para seus estados mentais (CARVALHO
et al
., 2020).
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Aqui o debate liga-se à noção de medicalização social, entendida não como um
complexo fenômeno de inclusão e invenção de problemas cotidianos ao universo médico a
partir de um processo heterogêneo e complexo de proliferação de “experts” em saúde que vem
inventando e executando procedimentos diagnósticos e terapêuticos para visualizar e intervir
sobre o processo saúde-doença (CARVALHO
et al
., 2015; CONRAD, 2007).
Essa ampliação da psiquiatria como um regime de poder inscrito inicialmente no
manicômio e depois presente em toda a comunidade é significativa: se antes as práticas médicas
em relação aos transtornos mentais ficavam quase que exclusivamente restritos à
institucionalização de casos considerados graves ou perigosos, a desinstitucionalização e
combate ao estigma daqueles com sofrimento mental vieram acompanhados da proliferação de
saberes e práticas de análise e intervenção cotidiana sobre a subjetividade. Consequentemente,
ocorreu uma expansão social generalizada de diagnósticos psiquiátricos.
Nesse sentido, Ian Hacking (2009)
descreve um efeito redundante (de “
looping”
) dos
saberes em saúde mental sobre a própria subjetividade, no qual suas práticas classificatórias
não seriam simples representações derivadas da observação de comportamentos, mas também
retroalimentariam (“feedback”) e modificariam as formas intencionais de agir e pensar de todos
os potencialmente diagnosticáveis.
Caponi (2018)
identifica a crescente formação de uma “hermenêutica psiquiátrica de
si”. Fazendo um paralelo com a leitura da hermenêutica cristã de Michel Foucault, a autora
coloca em questão o papel do saber psiquiátrico em relação ao governo de si e dos outros, a
partir da ampliação de diagnósticos para sofrimentos cotidianos, à necessidade de aceitação e
subordinação à verdade psicológica e médica e, por fim, à enunciação permanente de uma
verdade sobre nós mesmos, catalogada em termos patológicos.
Apesar do uso cada vez mais assimilado e utilizado pela sociedade das categorias
diagnósticas da psiquiatria (“depressão”, “transtorno de ansiedade”, “transtorno bipolar”, etc.),
há uma série de contradições e problemas nas classificações, critérios e nomenclaturas para o
sofrimento psíquico. Rosenberg (2006) demonstra como esses limites e fronteiras entre o que é
considerado normal ou patológico vêm sendo alvo de disputa no último século e argumenta que
a psiquiatria vive um momento de coexistência de esperanças reducionistas ligadas ao sonho
de descobrir a verdade biológica e molecular da doença no cérebro, ao mesmo tempo que são
produzidas inúmeras críticas a este reducionismo biológico e comportamental do adoecimento.
Ainda que estejamos cientes como jamais antes estivemos da qualidade arbitrária e socialmente
construída das classificações psiquiátricas, nunca estivemos tão dependentes desses mesmos
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diagnósticos, tanto pela burocracia dos serviços de saúde quanto pela disseminação
generalizada de uma compreensão da subjetividade reduzida ao comportamento e ao cérebro.
A realidade do diagnóstico psiquiátrico ganha contornos específicos no contexto da
infância. Nas últimas décadas, há um aumento significativo de crianças e adolescentes
diagnosticadas com transtornos mentais. Revisões sistemáticas na literatura médica (PATEL
et
al
., 2007) estimam que pelo menos uma a cada quatro a cinco crianças e adolescentes da
população mundial sofrerá de pelo menos um transtorno mental durante o período de um ano.
No Brasil, calcula-se uma prevalência de 13% de habitantes entre 7 e 14 anos com algum
transtorno mental, o que totalizaria pelo menos um total de 3 milhões de diagnosticados nessa
faixa etária. Tal expansão é acompanhada da proliferação de discursos e tecnologias acerca da
identifica
ção e intervenção sobre os “comportamentos desviantes”, cujo risco psíquico
ameaçaria o desenvolvimento infantil saudável.
Como Michel Foucault (2006) apontou em um de seus cursos, o poder psiquiátrico
escapa do manicômio e passa a modular as relações sociais, principalmente no interior da
família (incluindo suas novas funções), preparando as crianças para o futuro e seus destinos, a
prevenção de desvios e a produção de determinadas subjetividades. Durante especialmente o
século XIX, a psiquiatria interagiu de forma heterogênea com as classes mais abastadas e
paulatinamente com as famílias pobres, adentrando o regime familiar e produzindo modos
específicos de disciplinarização pautados no controle da postura, dos gestos, da maneira de se
comportar. Foucault (2006) interroga como as próprias técnicas de controle e coerção da
psiquiatria manicomial passam a figurar no interior da própria família
–
amarrar as mãos;
levantar a cabeça; manter-se ereto: instrumentos disciplinares estabelecidos no interior do
hospício fazem com que a sexualidade da criança passe a ser objeto de saber e intervenção.
Com isso, a criança torna-se alvo central da atuação psiquiátrica, uma vez que a
[...] a psiquiatria diz: deixem vir a mim as criancinhas loucas. Ou: não se é
jamais demasiado jovem para ser louco. Ou ainda: não esperem ficar maiores
ou adultos para serem loucos. E isso tudo se traduz por essas instituições ao
mesmo tempo de vigilância, de detecção, de enquadramento, de terapêuticas
infantis, que vocês veem desenvolver-se no fim do século XIX (FOUCAULT,
2006, p. 155).
Ao investigar o surgimento das primeiras crianças anormais, Lobo (2015) demonstra
que a psiquiatria não se aproxima historicamente da infância para tratar crianças consideradas
“loucas”, mas sim para identificar patologias no desenvolvimento infantil. As primeiras figuras
dessa intervenção eram o idiota e o delinquente. Durante grande parte do século XIX, quem
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enlouquecia eram apenas os adultos (ou, no máximo, adolescentes); a criança anormal emerge
centralmente da figura do “idiota”, considerado um “monstro completo”, e a noção de
desenvolvimento e de instinto são centrais para categorizar e consertar os desvios de
aprendizagem e comportamento.
Donzelot (2012)
aponta que a psiquiatria busca na ideia de “vagabundo” uma síntese
final entre o louco e o anormal, na qual s
ua “natureza infantil” tem papel central, pela
sugestibilidade, emotividade e excessiva imaginação. Essas “fraquezas” das crianças, causada
pela “fragilidade” e “desorganização” de seus cérebros, precisariam ser corrigidas e
enquadradas a tempo. O autor provoca que a psiquiatria infantil nasce não especificamente em
torno de uma patologia da infância, mas na figura do “vagabundo” para o saber médico; e da
necessidade de criar um objeto de intervenção não apenas dos internados em hospícios, mas de
presidir a
inclusão e a correção social, tomando forma “no vazio produzido pela procura de uma
convergência entre os apetites profiláticos dos psiquiatras e as exigências disciplinares dos
aparelhos sociais” (DONZELOT, 2012, p.
105).
Essa variedade de saberes “especializados” acerca de crianças e adolescentes, com
destaque para os saberes psiquiátricos e/ou psiquiatrizantes, não está circunscrita ao encontro
de crianças com médicos em seus consultórios, mas vem ajudando a desenhar as formas de
relação das crianças co
m o mundo. Em nome da “saúde” e da “normalidade”, convoca
-se não
apenas “profissionais”, mas toda a sociedade a interagir com a infância sob um olhar que
privilegia a detecção de riscos e de intervenção profissional e institucional.
Diferentemente do atendimento com adultos, a criança sempre chega aos serviços de
saúde sob a mediação de um acompanhante
–
seja um familiar, um trabalhador da escola ou um
assistente social de alguma instituição. A enunciação sintomática ou dos comportamentos
desviantes da criança é obrigatoriamente intermediada por sua relação com os responsáveis que
precisam decodificar as demandas e sintomas ao qual buscam nomeação e intervenção. Nesse
sentido, o diagnóstico não faz sentido a priori para a criança e as nomenclaturas do campo psi
podem interditar as possibilidades de elaboração sobre si mesma e sobre o mundo através da
fantasia, dos jogos e das brincadeiras. Além disso, vários aspectos em curso da constituição
dessas crianças dão lugar a técnicas terapêuticas consideradas eficazes em relação a
diagnósticos já estabelecidos.
Ocorre aqui um duplo deslocamento: a intervenção se dá sempre sobre uma demanda
posicionada no e pelo mundo dos adultos e regida por sistemas classificatórios e terapêuticos
historicamente ligados ao sofrimento e à doença mental dos adultos. Isto é, os adultos desenham
e destinam encomendas a “experts” da infância, treinados mais a identificar e prevenir o
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surgimento de adultos doentes a partir de critérios diagnósticos especificamente do universo
adulto do que entender e interagir com uma singularidade das próprias crianças e suas infâncias.
A modificação de nosso vocabulário para adjetivarmos aspectos comuns e corriqueiros
da constituição infantil, palavras como
–
habilidades, inteligência emocional, desempenho,
estimulação
–
se tornaram cada vez mais comuns, não apenas nos consultórios. Este contexto
de “governamentalidade neoliberal”
(ANDRADE; CARVALHO; OLIVEIRA, 2022) vem
produzindo um ideal de subjetividade regido por uma permanente avaliação de produtividade
e qualidade. O governo não apenas de nós mesmos, mas também das crianças que buscamos
governar, pressupõe a redução da subjetividade e da vida p
síquica à figura do “eu”, em uma
lógica de investimento econômico na criança para o retorno na vida adulta. Emerge a “avaliação
do desempenho” na infância, um trabalho de vigilância e controle sobre a mente, as emoções e
o comportamento, uma espécie de “racionalização empresarial” do desejo e da subjetividade
(SAFATLE; JUNIOR; DUNKER, 2021), com ideais específicos de saúde igualados à
capacidade de concentração, foco, inteligência emocional e produtividade. A saúde da criança
vai sendo avaliada a partir de uma lista curricular de capacidades e experiências pré-definidas,
no qual a ausência de itens desse checklist mínimo transforma-se em falha, fraqueza e
necessidade de avaliação diagnóstica.
Este projeto de desenvolvimento infantil saudável, a partir da prevenção de riscos e
desenvolvimento e maximização de capacidades cognitivas e emocionais para a vida futura,
entra em choque com questões absolutamente cotidianas da experiência infantil: a angústia, a
frustração, a desobediência, o conflito, o erro, o descompasso. Surgem, assim, crianças
“desobedientes”, “desviantes”, “atrasadas”, “desagradáveis”, “insuportáveis” e “anormais”,
que acabam encaminhadas para o diagnóstico médico, considerado científico e, portanto,
verdadeiramente capaz de compreender e nomear as causas e explicações do comportamento
não esperado.
Independente das intenções, a proliferação de discursos técnicos e científico em torno
de situações cotidianas vividas há décadas pelas famílias acaba desconsiderando um saber
heterogêneo e geracional de cuidados infantis, historicamente exteriores à vigilância e
intervenção especializada. Não se trata, portanto, de anunciar a invalidade do diagnóstico
previamente afirmado e do retorno aos cuidados apenas ao núcleo familiar, mas de assumir que
o aumento de técnicas de diagnóstico e manejo do desenvolvimento infantil com “eficiência
comprovada” é simultâneo ao processo de desqualificação de saberes muitas vezes
considerados “menores” e que não podem ser cientificamente vali
dados.
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Além disso, essas formas “verdadeiras” de nomear e intervir sobre o comportamento
considerado patológico acabam dizendo mais sobre as formas que se busca governar a infância
e conduzir a conduta das crianças a determinados “lugares” e encadeamentos
culturais do que
uma demanda por compreender, lidar e interagir com suas formas de vida e comportamento em
si.
É o que acontece com a classificação diagnóstica mediante os critérios anunciados pelo
DSM, destituída de contexto sociocultural e configurada a partir da entrevista médica entre
profissionais e as crianças acompanhadas da família ou instituição.
Breves notas sobre as “encomendas”
Podemos, por exemplo, fazer um breve exercício de enquadramento diagnóstico das
situações descritas no início do texto. Infelizmente, diversas crianças atualmente são avaliadas
da mesma forma breve e simplista que apresentamos aqui o uso dos manuais diagnósticos e
condutas terapêuticas feitas por psiquiatras e outros profissionais da saúde mental.
O comportamento hostil de Wesley poderia acabar nomeado como um Transtorno de
Oposição Desafiante (CID10 F91.3), “um padrão de humor raivoso/irritável, de comportamento
questionador/desafiante ou índole; vingativa com duração de pelo menos seis meses”. O próprio
DSM aponta, dentre as características associadas que auxiliam em sua identificação, o fato de
o
transtorno ser mais prevalente em famílias “nas quais o cuidado da criança é perturbado por
uma sucessão de cuidadores diferentes ou em famílias nas quais são comuns práticas agressivas,
inconsistentes ou negligentes de criação dos filhos”. O manual também associa o quadro ao
risco aumentado de Wesley, no futuro, ter “uma série de problemas de adaptação na idade
adulta, incluindo comportamento antissocial, problemas de controle de impulsos, abuso de
substâncias, ansiedade e depressão”.
Já o caso de Teo demandaria um refinamento maior da descrição e avaliação do
aprendizado e do comportamento na escola. Da perspectiva psiquiátrica hegemônica, uma
avaliação descritiva do padrão
de “falta de atenção” seria necessária para averiguar se a criança
se encaixaria “verdadeiramente” em um diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção
-
Hiperatividade (descrito na CID10 como um F90-Transtorno Hipercinético) ou um caso mais
grave de transtorno de espectro autista (CID10 F84).
O caso de Raquel poderia, por fim, ser esmiuçado também como um início da situação
clínica de Wesley (F91.3
–
Transtorno de Oposição Desafiante), mas também como um
Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor, um quadro depressivo específico da infância
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cujo diagnóstico não pode ser feito antes do 6 e depois dos 18 anos de idade e comum por
apresentar “explosões de raiva recorrentes e graves manifestadas pela linguagem”
desproporcionais para a situação vivida, em média três ou mais vezes por semana nos últimos
12 meses.
Não se trata aqui de reduzir de forma caricatural os manuais classificatórios a citações
específicas de trechos que descrevem situações que vivemos tanto em serviços de saúde como
em qualquer local de circulação de crianças e adolescentes. Mas de, seguindo importantes
debates aqui já mencionados em torno do DSM e da psiquiatria hegemônica no contemporâneo,
problematizar o uso (e abuso) dessas categorias diagnósticas e seus efeitos sobre as formas que
temos atuado sobre a infância.
Em nome de uma sala de aula “tranquila”, de um serviço de acolhimento “sem
violência”, de um boletim escolar “sem notas vermelhas”, de mais profissionais especializados
em serviços de educação e assistência social, inúmeras crianças têm sido inseridas em serviços
de atendimento especializado, com um volume já alto de crianças com quadros clínicos de
sofrimento psíquico grave. Muitas acabam passando por avaliação médica e recebendo um
diagnóstico e uma terapia medicamentosa e conviverão uma parte (ou o resto) de suas vidas
com o nome de doenças e transtornos em constante reformulação e permanente crítica.
Várias dessas encomendas aos serviços de saúde já aparecem “diagnosticadas” a partir
de nomenclaturas psiquiátricas e sem qualquer tipo de contextualização da experiência vivida
pelas crianças. Este uso indiscriminado da classificação patológica da saúde mental vai aos
poucos modulando e reduzindo os projetos e planos de vida desses sujeitos ao universo
biomédico, ligado a um padrão normal de comportamento esperado para a fase de
desenvolvimento e, no limite, para o que se idealiza como uma criança saudável.
Sob a justificativa de realizar um diagnóstico preciso e verdadeiro de indivíduos após
uma avaliação médica padronizável, a clínica dá lugar à descoberta do nome de uma doença,
capaz de sintetizar e localizar um substrato biológico, neuroquímico e comportamental
previamente validados pela ciência atualizada. O diagnóstico transforma-se, assim, no fio
condutor dos procedimentos clínicos e terapêuticos recomendados à cada uma das crianças
portadoras de um transtorno mental.
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Luana MARÇON e Henrique Sater de ANDRADE
Estudos de Sociologia
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Considerações Finais: desafios para outra biopolítica da infância
Na transição do século XIX para o XX, a sociedade médica ficou escandalizada com a
noção de que crianças possuem sexualidade. Parece-nos que no início do século XXI, o
escândalo seria ligado à ideia de que elas não podem ser resumidas e restringidas a um espaço
de detecção e intervenção sobre o risco e o aprimoramento de desempenho. Tal questão não é
apenas filosófica, ela é síntese da forma como a ludicidade das crianças vem sendo apreendida,
vigiada e esquadrinhada junto aos modos de subjetivação da racionalidade neoliberal.
Se o lúdico vem sendo compreendido como o espaço privilegiado para a constituição
do sujeito infantil vinculado a produção de desejo, a elaboração das regras, a capacidade de se
inserir em jogos, de elaborar a própria realidade e lidar com os conflitos inerentes a produção
de desejo e liberdade, quais são as consequências de a vida lúdica ser inserida em um
treinamento para uma vida adulta mais produtiva e engajada? Aqui, inclusive, a própria noção
de ludicidade entra em choque com a m
oral neoliberal, já que a noção de “brincar por brincar”
passa a ser destituída de sentido para os adultos, que passam a converter o espaço lúdico a um
investimento da criança sobre si mesma, com vista a ganhos específicos para o “eu” infantil.
A subjetivação neoliberal não necessariamente interdita o lúdico e a brincadeira, mas
opera na modulação que esse espaço, necessário ao sujeito infantil, seja ora convertido em
investimento, ora em espaço permanente de detecção e mensuração de anomalias e riscos e
formatação de problemas passíveis de intervenção especializada. Mesmo que de forma
involuntária, a expansão da racionalidade diagnóstica hegemônica tem corroborado na
produção de sujeitos “individualizados” e “atomizados”, e também com possibilidades de
futuro encadeadas em sistemas cada vez mais rígidos.
Paradoxalmente, tal fenômeno produz ao mesmo tempo a proliferação de crianças
diagnosticadas e a manutenção e até agravamento da não garantia de acesso a tratamento de
crianças com sofrimento psíquico grave. Além disso, ainda que essa investida da subjetividade
neoliberal atinja a infância de forma global, ela se configura de forma heterogênea de acordo
com raça, classe e gênero, com a possibilidade de famílias com mães e crianças pobres e negras
estarem mais sujeitas a ser-lhes oferecidas um diagnóstico e, simultaneamente, negadas
diversos direitos sociais.
Nesse ensejo, a criação de outros modos de interação com a infância passa tanto pela
crítica às modulações do “eu” desenhadas como normais, saudáveis e e
speradas, pelo
reconhecimento de um empobrecimento da capacidade imaginativa dos adultos e, por fim, pela
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produção de formas de vida e de governo que comportem crianças e suas angústias e
adversidades.
Se tomamos a infância como uma invenção recente, devemos localizá-la em seu tempo
histórico, político e ligada a determinados projetos de governo e de produção de subjetividade.
No contexto neoliberal, os adultos têm se mostrado cada vez mais destituídos de suas
capacidades imaginativas e reféns de uma noção de cuidado infantil restrita à vigilância e, em
caso de qualquer comportamento dissonante, à procura de um “expert” da saúde infantil.
Parece-nos que essa aposta de condução da conduta infantil que insere os
comportamentos, gestos e olhares das crianças nos caracteres do poder médico psiquiátrico está
conectada a um vetor ascendente, no qual os adultos sentem-se cada vez mais responsabilizados
por adquirir informações médicas e científicas e a partir delas observar e lidar com as crianças.
Essa dimensão produtiva dos modos de governar as crianças retroalimenta adultos destituídos
de autoridade para lidar com conflitos inerentes a infância ou suportar seus sofrimentos. Ao
mesmo tempo, como vetor descendente, é notável o empobrecimento infantil, uma vez que as
experiências das crianças estão a todo tempo sendo consideradas inferiores, em nome da
informação e observação do desenvolvimento e comportamento. Forma-se um diagrama de
poder que controla a conduta e garante a vigilância, convocando não apenas psiquiatras,
psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais etc., mas toda sociedade a ser um “olho
psiquiátrico” sobre a infância.
Como provoca Lajonquière (2021), o mundo adulto não precisa mais dividir sua atenção
entre a imaginação e as crianças. Se antes os adultos ficavam com um olho nas crianças que
brincavam na rua e o outro atento à imaginação, agora os adultos não tiram os olhos das crianças
trancafiadas em casa ou na escola. Quando pais e professores são tomados pelo cansaço de tanto
olhar sem nada ver, pedem aos especialistas para darem uma “olhada” na criança, redigirem um
laudo e, caso sejam médicos, também prescreverem um medicamento e um conjunto de
procedimentos terapêuticos cientificamente validados.
Em um mundo árido de garantias sociais, as possibilidades de futuro desenhadas para
as crianças se alicerçam na noção da infância como um “investimento”, no qual a correção de
qualquer desvio versa sobre um futuro “autônomo e promissor”, para a produção de futuros
“vencedores”, vinculados a uma noção de “eu” não pautada pela singularidade e sim da
exploração no limite de cada capacidade individual.
Em suma, pensar outros modos possíveis para que as crianças habitem o mundo deverá
passar por uma restituição de adultos com capacidade de imaginar um futuro, que contenha
adversidades, imprevisibilidade e alguns danos intrínsecos à vida. Exigirá também a destituição
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de mecanismos que fixem a percepção do “eu” como algo atemporal, não
-relacional e
impermeável ao contexto e às contingências sociais.
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O diagnóstico psiquiátrico e desafios para outra biopolítica da infância
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v. 27, n. esp. 2, e022024, 2022. e-ISSN:
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Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022024, 2022. e-ISSN:
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outra biopolítica da infância
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2022. e-ISSN: 1982-4718. DOI: https://doi.org/10.52780/res.v27iesp.2.16823
Submetido em
: 15/06/2022
Revisões requeridas em
: 10/07/2022
Aprovado em
: 12/08/2022
Publicado em
: 30/09/2022
Processamento e edição: Editora Ibero-Americana de Educação.
Correção, formatação, normalização e tradução.
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Psychiatric diagnosis and challenges for another childhood biopolitics
Estudos de Sociologia
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PSYCHIATRIC DIAGNOSIS AND CHALLENGES FOR ANOTHER CHILDHOOD
BIOPOLITICS
O DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO E DESAFIOS PARA OUTRA BIOPOLÍTICA DA
INFÂNCIA
DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO Y DESAFÍOS PARA OTRA BIOPOLÍTICA
INFANTIL
Luana MARÇON
1
Henrique Sater de ANDRADE
2
ABSTRACT
: From “orders” that arrive at services for the care of children and adolescents, we
question the psychiatric diagnosis and contemporary challenges for another childhood
biopolitics. We critically reflect on the classification system of diagnoses in mental health and
its specific uses in childhood. We discuss how the hegemonic psychiatric knowledge has
transformed childhood into a privileged locus for governing conduct and intervention on risk
and performance. Finally, we ask questions to produce, at the same time, care for children with
mental suffering and less normative and disciplinary care practices.
KEYWORDS
: Psychiatric diagnosis. Childhood. Biopolitics.
RESUMO
:
A partir de “encomendas” que chegam a serviços de atendimento de crianças e
adolescentes, problematizamos o diagnóstico psiquiátrico e desafios contemporâneos para
outra biopolítica da infância. Refletimos criticamente em torno do sistema classificatório de
diagnósticos em saúde mental e seus usos específicos na infância. Discutimos como o saber
psiquiátrico hegemônico tem transformado a infância em um lócus privilegiado de governo da
conduta e intervenção sobre risco e desempenho. Por fim, colocamos questões para produzir
ao mesmo tempo acolhimento de crianças com sofrimento mental e práticas de cuidado menos
normativas e disciplinares.
PALAVRAS-CHAVE
: Diagnóstico psiquiátrico. Infância. Biopolítica.
1
State University of Campinas, Campinas
–
SP
–
Brazil. Department of Public Health, College of Medical
Sciences. Occupational therapist and doctoral student in Public Health. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1299-
2679. E-mail: 18.luanamb@gmail.com
2
State University of Campinas, Campinas
–
SP
–
Brazil. Department of Public Health, College of Medical
Sciences. Doctor and Doctor in Public Health. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9847-3663. E-mail:
hsatera@gmail.com
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Luana MARÇON and Henrique Sater de ANDRADE
Estudos de Sociologia
, Araraquara,
v. 27, n. esp. 2, e022024, 2022. e-ISSN:
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2
RESUMEN:
A partir de las "órdenes" que llegan a los servicios de asistencia a niños y
adolescentes, problematizamos el diagnóstico psiquiátrico y los desafíos contemporáneos para
otra biopolítica infantil. Reflexionamos críticamente sobre el sistema de clasificación de los
diagnósticos de salud mental y sus usos específicos en la infancia. Discutimos cómo el saber
psiquiátrico hegemónico ha transformado la infancia en un lugar privilegiado de gobierno de
la conducta y de intervención sobre el riesgo y el rendimiento. Por último, formulamos
preguntas para producir tanto la acogida de los niños con trastornos mentales como las
prácticas de atención menos normativas y disciplinarias.
PALABRAS CLAVE
: Diagnóstico psiquiátrico. Infancia. Biopolítica.
Introduction
“
Grandpa, what is an adult?
It's a dead child
”
Ademir Assunção (our translation)
Wesley, 15 years old, has been in an internment intervention at Fundação
CASA for 40 days, committed an infraction while serving a socio-educational
measure of assisted freedom. He has been accompanied since he was 7 years
old by the city's social assistance and health services network, due to issues of
social vulnerability and school dropout. During the period of hospitalization,
he has shown hostile and defiant behavior towards employees and other
adolescents, which has made it difficult for him to participate in socio-
educational activities. He also has insomnia. In the last week, the situation has
been causing greater concern as his defiant posture has become more
accentuated, he swears at other teenagers and employees, such functioning has
made him constantly isolated. We forwarded it to the CAPS for children and
adolescents for evaluation and conduct (our translation).
Teo is 5 years old. He still doesn't speak fully and becomes inattentive during
play. He always chooses the same toys and plays with them over and over
again, while repeating the same words. This behavior was also noticed at
school. After several searches on the internet, we identified that it could be
both ADHD and autism. We brought our son to the health center because we
want to know how to get a referral to find out what the child has and what the
treatment is (our translation).
Raquel, 08 years old, has been presenting recurring difficulties in the school
environment, she is often inattentive and irritable during activities. She is
unable to perform the proposed pedagogical tasks, she gets up many times and
sometimes walks around the room. When called to attention, the child
maintains the same behavior and often does not do the tasks sent home. She
cries easily. She recently failed to participate in a proposed collective game,
became hostile and threw the board on the floor. After discussion among the
school's pedagogical body, we chose to refer the child to the CAPS for
children and adolescents for diagnosis and conduct (our translation).
From these and other “orders” that arrive at public health services for the clinical
reception of children and adolescents, we seek in this article to reflect on psychiatric diagnosis
and some contemporary challenges for another biopolitics in childhood. We use the term
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“orders” because those who are dedicated to the care of children and adolescents are often called
upon to deal not with psychic suffering, but with the demand for a specific psychiatric diagnosis
rationality, which involves a universalizing and normative expectation of behavior and child
development.
In these services, we professionals hear phrases such as: “my son has ADHD”; “A
doctor said he is autistic”; “I need a prescription to take ‘ritalin’ (methylphenidate) just like the
colleague”; “the shelter wants a medical report to refer the child to APAE”; “the teacher asked
for a diagnostic report to have an extra assistant in the room”; “he is CID F71 and receives
benefit”. From different actors and institutions –
family members, social assistance bodies,
schools and specialized centers
–
health services are obliged to assess and issue a diagnosis of
some “deviant behavior”. We chose to open the text with three fictional situations, inspired by
hundreds of cases that we attend to or supervise in family health teams and/or child and
adolescent psychosocial care centers (CAPSij).
We will present critical reflections around the diagnosis and its specific uses in
childhood. Then, we will discuss how the hegemonic psychiatric rationality understands and
classifies different conduct deviations as individual and brain disorders and how medical
knowledge and power have configured childhood as a privileged locus of conduct government.
Finally, we pose questions that we consider necessary to think about other childhood
biopolitics, which guarantee at the same time access and reception of children and less
normative and disciplinary care practices.
We state in advance that we recognize both the existence of children living with serious
illness processes and the importance of their access to clinical care and to social rights and
specific public policies. It is also worth noting that, despite the generalized incidence of
psychiatric knowledge on society and childhood, it is possible to identify different modulations
and expressions of disciplinary power over children from social groups historically violated and
deprived of rights, especially the poor and black population (BARROS; BALLAN; BATISTA,
2021).
Discussion: psychiatric diagnosis and its context in childhood
Diagnosis plays a significant role in culture and society (ROSE, 2019; ROSENBERG,
2006). The act of diagnosing
–
that is, naming a set of clinical manifestations
–
organizes
symptoms into a pattern that becomes recognizable to both physician and patient and allows for
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a narrative unification around a set of heterogeneous manifestations and hardly connectable
outside of a clinical interview.
Psychiatric diagnosis is used socially as a condition of eligibility for treatment; as
justification for absence from work and school and coverage of benefits; and as a registry and
organization of health institutions and epidemiological and clinical research, including the
feasibility of their funding.
Overall, two classification systems for mental disorders and illnesses are used: the DSM
(Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) and the ICD (International
Classification of Diseases) (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2014;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993).
The DSM is published periodically by the American Psychiatric Association and used
as the “gold standard” for mental health diagnoses. The document, first edited in 1952 and
currently in its fifth edition, in 2013, proposes the standardization of criteria for the
classification of mental disorders, to facilitate the establishment of “more reliable” diagnoses.
Its objective is to produce a “common language” in the field of psychopathology and t
o serve
as an instrument for collecting epidemiological data. To this end, it defines mental disorders as
syndromes characterized by a “clinically significant disturbance in an individual’s cognition,
emotion regulation, or behavior” that produce “dysfunct
ion in the psychological, biological, or
developmental processes underlying mental functioning” (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE
PSIQUIATRIA, 2014, p. 463, our translation). It recognizes, however, that social deviations
from behavior and conflicts that are primarily concerned with the individual and society are not
mental disorders “unless the deviation or conflict is the result of a dysfunction in the individual”
(ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2014, p. 62, our translation).
Although in everyday practice the DSM is not commonly cited and used by psychiatrists
in an up-to-date and textual manner, its categories are a reference for the organization of health
systems and research in mental health. And also for the categorization of mental illnesses and
disorders from ICDs (International Classification of Diseases and Related Health Problems,
regularly published by the WHO), produced in dialogue with DSM updates.
This interconnected and hegemonic system of medical classification of mental illnesses
has undergone abrupt changes in each version in recent decades. Internal (FRANCES, 2010;
MCCARTHY, 2013) and external (CAPONI, 2014; ROSE, 2019) controversies in the
professional field of psychiatry continue to animate the project of cataloging diagnoses of
mental disorders. With varied emphases and positions, such criticisms seek to demonstrate the
fragility of the American Psychiatric Association's project to aim for a "atheoretical" and
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"purely descriptive" guide in the field of mental health, avoiding commitment to any particular
theory of causality. What is at stake in this search for reliability is the ideal image of a
psychiatric diagnosis represented by a singular entity with a specific underlying biological
substrate for each unique condition, that is, a kind of “obligatory crossing point” for its
emergence (ROSE, 2019).
Such notion of “underlying lesion” is related to the concept of “natural history of the
disease
”, of the identification of an embryonic state of lesion that would naturally develop its
course when not obstructed by some intervention. It is worth noting, however, that despite the
fact that the search for tissue, biochemical, and genetic markers of mental disorders has received
substantial investments in recent decades, there is no consensus or definitive proof of the
existence of psychological suffering and disorder as a result of a pathology specifically brain
or genetics (ROSENBERG, 2006).
As different investigations show (CASTEL, 1978; FOUCAULT, 2006), psychiatry was
never just a practice that was concerned with the diagnosis and treatment of people with mental
disorders. It has always been involved in social and political issues. For example, in Nazi
Germany, the first people who went to the gas chambers were psychiatric hospital patients;
later, the “Mental Hygiene” movement advocated mental cleansing in factories, schools,
families and communities as a way of reducing social maladjustments and illnesses; and today,
with suicide prevention campaigns all over the world, in Brazil represented by “Yellow
September”, alerting to the importance of preventing, identifying and intervening on suicide.
Psychiatric knowledge has never been limited to the identification and treatment of
mental disorders but has also created its definitions and boundaries of normality and prescribed
appropriate ways of managing our mental health and preventing the risk of disease. Today,
different “psi” knowledge helps
to shape the ways in which people understand themselves and
evaluate and devise projects for their mental states (CARVALHO
et al.
, 2020).
Here the debate is linked to the notion of social medicalization, understood not as a
complex phenomenon of inclusion and invention of everyday problems to the medical universe
from a heterogeneous and complex process of proliferation of health "experts" who have been
inventing and executing procedures diagnostics and therapeutics to visualize and intervene on
the health-disease process (CARVALHO
et al.
, 2015; CONRAD, 2007).
This expansion of psychiatry as a regime of power initially registered in the asylum and
later present throughout the community is significant: if before medical practices in relation to
mental disorders were almost exclusively restricted to the institutionalization of cases
considered serious or dangerous, the deinstitutionalization and combating the stigma of those
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with mental suffering were accompanied by the proliferation of knowledge and practices of
analysis and daily intervention on subjectivity. Consequently, there has been a generalized
social expansion of psychiatric diagnoses.
In this sense, Ian Hacking (2009) describes a redundant (looping) effect of mental health
knowledge on subjectivity itself, in which its classifying practices would not be simple
representations derived from the observation of behaviors but would also provide feedback
(“feedback”) and would modify the intentional ways of acting and thinking of all those
potentially diagnosable.
Caponi (2018) identifies the growing formation of a “psychiatric hermeneutic of the
self”. Making a parallel with the reading of Michel Foucault's Christian hermeneutics, the
author questions the role of psychiatric knowledge in relation to the government of the self and
others, from the expansion of diagnoses for everyday suffering, the need for acceptance and
subordination to the psychological and medical truth and, finally, to the permanent enunciation
of a truth about ourselves, cataloged in pathological terms.
Despite the increasingly assimilated and used use by society of the diagnostic categories
of psychiatry (“depression”, “anxiety disorder”, “bipolar disorder” etc.), there are a number of
contradictions and problems in the classifications, criteria and nomenclatures for psychic
suffering. Rosenberg (2006) demonstrates how these limits and boundaries between what is
considered normal or pathological have been the subject of dispute in the last century and argues
that psychiatry is experiencing a moment of coexistence of reductionist hopes linked to the
dream of discovering the biological and molecular truth of disease in the brain, at the same time
that numerous criticisms of this biological and behavioral reductionism of illness are produced.
While we are aware as never before of the arbitrary and socially constructed quality of
psychiatric classifications, never have we been more dependent on these same diagnoses, both
by the bureaucracy of health services and by the widespread dissemination of an understanding
of subjectivity reduced to behavior and the brain.
The reality of psychiatric diagnosis gains specific contours in the context of childhood.
In recent decades, there has been a significant increase in children and adolescents diagnosed
with mental disorders. Systematic reviews of the medical literature (PATEL
et al.
, 2007)
estimate that at least one in four to five children and adolescents in the world population will
suffer from at least one mental disorder during a one-year period. In Brazil, a prevalence of
13% of inhabitants between 7 and 14 years of age with some mental disorder is estimated,
which would total at least a total of 3 million diagnosed in this age group. Such expansion is
accompanied by the proliferation of discourses and technologies about the identification and
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intervention on “deviant behaviors”, whose psychic risk would threaten healthy child
development.
As Michel Foucault (2006) pointed out in one of his courses, psychiatric power escapes
from the asylum and starts to modulate social relations, especially within the family (including
its new functions), preparing children for the future and their destinies, the prevention of
deviations and the production of certain subjectivities. Especially during the 19th century,
psychiatry interacted heterogeneously with the wealthier classes and gradually with poor
families, entering the family regime and producing specific modes of disciplining based on the
control of posture, gestures, and behavior. Foucault (2006) questions how the techniques of
control and coercion of asylum psychiatry come to appear within the family itself
–
tying hands;
raise the head; remain upright: disciplinary instruments established inside the hospice make the
child's sexuality an object of knowledge and intervention. With this, the child becomes a central
target of psychiatric work, since
[...] psychiatry says: let the little crazy children come to me. Or: one is never
too young to be crazy. Or even: don't wait to get bigger or adults to be crazy.
And this is all translated by these institutions, at the same time of surveillance,
detection, framing, of child therapies, which you see developing at the end of
the 19th century (FOUCAULT, 2006, p. 155, our translation).
When investigating the emergence of the first abnormal children, Lobo (2015)
demonstrates that psychiatry does not historically approach childhood to treat children
considered “crazy”, but rather to identify pathologies in child
development. The first figures of
this intervention were the idiot and the delinquent. For much of the 19th century, it was only
adults (or, at best, teenagers) who went crazy; the abnormal child emerges centrally from the
figure of the “idiot”, considered
a “complete monster”, and the notion of development and
instinct are central to categorizing and correcting deviations in learning and behavior.
Donzelot (2012) points out that psychiatry seeks in the idea of “vagrant” a final synthesis
between the mad an
d the abnormal, in which their “childish nature” plays a central role, due to
suggestibility, emotionality and excessive imagination. These “weaknesses” of children, caused
by the “fragility” and “disorganization” of their brains, would need to be correcte
d and framed
in time. The author argues that child psychiatry is not born specifically around a childhood
pathology, but in the figure of the “vagrant” for medical knowledge; and the need to create an
object of intervention not only for those admitted to hospices, but to preside over inclusion and
social correction, taking shape “in the void produced by the search for a convergence between
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the prophylactic appetites of psychiatrists and the disciplinary demands of social apparatuses”
(DONZELOT, 2012, p. 105, our translation).
This variety of “specialized” knowledge about children and adolescents, with emphasis
on psychiatric and/or psychiatric knowledge, is not limited to the meeting of children with
doctors in their offices but has been helping to design the forms of relationship between children
and the world. In the name of “health” and “normality”, not only “professionals” are called
upon, but the whole of society to interact with childhood from a perspective that privileges the
detection of risks and professional and institutional intervention.
Unlike adult care, the child always arrives at the health services through the mediation
of a companion
–
be it a family member, a school worker or a social worker from some
institution. The symptomatic enunciation or the child's deviant behaviors is necessarily
mediated by their relationship with those responsible who need to decode the demands and
symptoms to which they seek naming and intervention. In this sense, the diagnosis does not
make a priori sense for the child and the nomenclatures of the psi field can interdict the
possibilities of elaboration about themselves and about the world through fantasy, games and
playfulness. In addition, several ongoing aspects of the constitution of these children give rise
to therapeutic techniques considered effective in relation to already established diagnoses.
A double shift occurs here: the intervention is always based on a demand positioned in
and by the world of adults and governed by classificatory and therapeutic systems historically
linked to the suffering and mental illness of adults. That is, adults design and send orders to
childhood “experts”, who are more trained to identify and prevent the emergence of sick adults
based on diagnostic criteria specifically from the adult universe than to understand and interact
with a uniqueness of children themselves and their childhoods.
The modification of our vocabulary to describe common and everyday aspects of
children's constitution, words such as - skills, emotional intelligence, performance, stimulation
-
have become increasingly common, not just in offices. This context of “neoliberal
governmentality” (ANDRADE; CARVALHO; OLIVEIRA, 2022) has been producing an ideal
of subjectivity governed by a permanent evaluation of productivity and quality. The
government not only of ourselves, but also of the children we seek to govern, presupposes the
reduction of subjectivity and psychic life to the figure of the “I”, in a logic of economic
investment in the child for the return in a
dult life. The “performance evaluation” emerges in
childhood, a work of surveillance and control over the mind, emotions and behavior, a kind of
“business rationalization” of desire and subjectivity (SAFATLE; JUNIOR; DUNKER, 2021),
with ideals specific health measures equated with the ability to concentrate, focus, emotional
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intelligence and productivity. The child's health is evaluated based on a curricular list of pre-
defined skills and experiences, in which the absence of items from this minimum checklist
becomes failure, weakness and the need for diagnostic evaluation.
This healthy child development project, based on the prevention of risks and the
development and maximization of cognitive and emotional capacities for the future life, collides
with absolutely everyday issues of children's experience: anguish, frustration, disobedience,
conflict, the error, the mismatch. Thus, “disobedient”, “deviant”, “backward”, “unpleasant”,
“unbearable” and “abnormal” children appear, who end up being referred for medi
cal diagnosis,
considered scientific and, therefore, truly capable of understanding and naming the causes and
explanations of unexpected behavior.
Regardless of the intentions, the proliferation of technical and scientific discourses
around everyday situations experienced by families for decades ends up disregarding a
heterogeneous and generational knowledge of child care, historically outside surveillance and
specialized intervention. It is not, therefore, about announcing the invalidity of the previously
affirmed diagnosis and the return to care only to the family nucleus, but to assume that the
increase in diagnostic techniques and management of child development with “proven
efficiency” is simultaneous with the process of disqualification of knowledge th
at is often
considered “minor” and that cannot be scientifically validated.
Furthermore, these “true” ways of naming and intervening on the behavior considered
pathological end up saying more about the ways that one seeks to govern childhood and lead
children’s behavior to certain “places” and cultural chains than a demand for understanding,
deal with and interact with their ways of life and behavior itself.
This is what happens with the diagnostic classification according to the criteria
announced by the DSM, devoid of a sociocultural context and configured from the medical
interview between professionals and the children accompanied by the family or institution.
Brief notes on “orders”
We can, for example, do a brief diagnostic framing exercise of the situations described
at the beginning of the text. Unfortunately, many children are currently evaluated in the same
brief and simplistic way that we present here the use of diagnostic manuals and therapeutic
approaches made by psychiatrists and other mental health professionals.
Wesley's hostile behavior could end up being named Oppositional Defiant Disorder
(ICD10 F91.3), “a pattern of angry/irritable mood, questioning/defiant behavior or temper;
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vindictive action lasting at least six months”. The DSM
itself points out, among the associated
characteristics that help in its identification, the fact that the disorder is more prevalent in
families “in which child care is disturbed by a succession of different caregivers or in families
in which aggressive,
inconsistent or negligent practices of parenting are common”. The manual
also links the condition to Wesley's increased risk in the future for "a range of adjustment
problems in adulthood, including antisocial behavior, impulse control problems, substance
abuse, anxiety and depression."
Teo's case, on the other hand, would require further refinement of the description and
assessment of learning and behavior at school. From the hegemonic psychiatric perspective, a
descriptive assessment of the pattern of “lack of attention” would be necessary to ascertain
whether the child would “truly” fit a diagnosis of Attention Deficit Hyperactivity Disorder
(described in ICD10 as an F90-Hyperkinetic Disorder) or a more severe case of autism spectrum
disorder (ICD10 F84).
Raquel's case could, finally, be discussed also as the beginning of Wesley's clinical
situation (F91.3 - Oppositional Defiant Disorder), but also as a Disruptive Mood Dysregulation
Disorder, a specific childhood depressive condition whose diagnosis cannot be done before 6
and after 18 years of age and common for having “recurrent and severe outbursts of anger
manifested by language” disproportionate to the situation experienced, on average three or more
times a week in the last 12 months.
It is not a question of caricaturedly reducing the classification manuals to specific
quotations of passages that describe situations we experience both in health services and in any
place where children and adolescents circulate. But, following important debates already
mentioned here around the DSM and hegemonic psychiatry in the contemporary world, to
problematize the use (and abuse) of these diagnostic categories and their effects on the ways
we have acted on childhood.
In the name of a “quiet” classroom, of a “violence
-
free” reception service, of a “no red
marks” school report, of more professionals specialized in education and social assistance
services, countless children have been placed in services of specialized care, with an already
high volume of children with clinical conditions of severe psychological distress. Many end up
undergoing medical evaluation and receiving a diagnosis and drug therapy and will live a part
(or the rest) of their lives with the name of diseases and disorders in constant reformulation and
permanent criticism.
Several of these orders to health services already appear “diagnosed” from psychiatric
nomenclatures and without any kind of contextualization of the experience lived by the
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children. This indiscriminate use of the pathological classification of mental health gradually
modulates and reduces the projects and life plans of these subjects to the biomedical universe,
linked to a normal pattern of behavior expected for the development phase and, in the limit, for
what is idealized as a healthy child.
Under the justification of performing an accurate and true diagnosis of individuals after
a standardized medical evaluation, the clinic gives rise to the discovery of the name of a disease,
capable of synthesizing and locating a biological, neurochemical and behavioral substrate
previously validated by updated science. The diagnosis thus becomes the guiding thread of the
clinical and therapeutic procedures recommended for each of the children with a mental
disorder.
Final Considerations: challenges for another childhood biopolitics
In the transition from the 19th to the 20th century, medical society was scandalized by
the notion that children have sexuality. It seems to us that at the beginning of the 21st century,
the scandal would be linked to the idea that they cannot be summarized and restricted to a space
of detection and intervention on risk and performance improvement. This question is not just
philosophical, it is a synthesis of the way children's playfulness has been apprehended,
monitored and scrutinized along with the modes of subjectivation of neoliberal rationality.
If the playfulness has been understood as the privileged space for the constitution of the
child subject linked to the production of desire, the elaboration of rules, the ability to enter into
games, to elaborate one's own reality and deal with the conflicts inherent to the production of
desire and freedom, what are the consequences of the playful life being inserted into training
for a more productive and engaged adult life? Here, even, the very notion of playfulness comes
into conflict with neoliberal morality, since the notion of “playing for the sake of playing”
becomes meaningless for adults, who begin to convert the playful space into an investment by
the child on itself, with a view to specific gains for the child's "I".
Neoliberal subjectivation does not necessarily prohibit play and play, but it operates in
the modulation that this space, necessary for the child subject, is sometimes converted into
investment, sometimes into a permanent space for the detection and measurement of anomalies
and risks and the formatting of problems subject to specialized intervention. Even if
involuntarily, the expansion of hegemonic diagnostic rationality has corroborated the
production of “individualized” and “atomized” subjects, and also with possibilities for the
future linked in increasingly rigid systems.
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Paradoxically, this phenomenon produces, at the same time, the proliferation of
diagnosed children and the maintenance and even worsening of the non-guarantee of access to
treatment for children with severe psychological distress. Furthermore, even though this
onslaught of neoliberal subjectivity reaches childhood globally, it is configured in a
heterogeneous way according to race, class and gender, with the possibility that families with
poor and black mothers and children are more subject to be offered a diagnosis and, at the same
time, denied various social rights.
In this opportunity, the creation of other modes of interaction with childhood involves
both a criticism of the modulations of the “I” designed as normal, healthy and expected, the
recognition of an impoverishment of the imaginative capacity of adults and, finally, the
production of forms of life and government that include children and their anguish and
adversities.
If we take childhood as a recent invention, we must locate it in its historical and political
time and linked to certain government projects and the production of subjectivity. In the
neoliberal context, adults have shown themselves to be increasingly deprived of their
imaginative capacities and hostage to a notion of child care restricted to surveillance and, in
case of any dissonant behavior, looking for an “expert” in child health.
It seems to us that this bet on the conduct of children's behavior that inserts the
behaviors, gestures and looks of children in the characteristics of psychiatric medical power is
connected to an ascending vector, in which adults feel increasingly responsible for acquiring
medical information and and from them to observe and deal with children. This productive
dimension of the ways of governing children feeds back adults deprived of authority to deal
with conflicts inherent to childhood or to bear their sufferings. At the same time, as a downward
vector, child impoverishment is notable, since children's experiences are constantly being
considered inferior, in the name of information and observation of development and behavior.
A power diagram is formed that controls behavior and guarantees surveillance, calling not only
psychiatrists, psychologists, pedagogues, occupational therapists, etc., but the whole of society
to be a “psychiatric eye” on childhood.
As Lajonquière (2021) provokes, the adult world no longer needs to divide its attention
between imagination and children. If before adults kept an eye on children playing in the street
and the other attentive to imagination, now adults do not take their eyes off children locked up
at home or at school. When parents and teachers get tired of looking so much without seeing
anything, they ask specialists to take a “look” at the child, write a report and, if they are doctors,
also prescribe a medication and a set of scientifically validated therapeutic procedures.
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In an arid world of social guarantees, the possibilities for the future designed for children
are based on the notion of childhood as an “investment”, in which the correction of any
deviation is about an “autonomous
and promising” future, for the production of future
“winners”, linked to a notion of “I” not guided by singularity, but by exploring the limits of
each individual capacity.
In short, thinking about other possible ways for children to inhabit the world must go
through a restitution of adults with the ability to imagine a future, which contains adversity,
unpredictability and some intrinsic damage to life. It will also require the removal of
mechanisms that fix the perception of the “I” as something timeless
, non-relational and
impervious to the context and social contingencies.
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Submitted
: 15/06/2022
Required revisions
: 10/07/2022
Approved
: 12/08/2022
Published
: 30/09/2022
Processing and publishing: Editora Ibero-Americana de Educação.
Review, formatting, standardization and translation