Gênero e trabalho: Pode o empreendedorismo ser um meio para o empoderamento das mulheres?
Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 28, n. 00, e023026, 2023. e-ISSN: 1982-4718
DOI: https://doi.org/10.52780/res.v28i00.17796 16
chefe, já que, por ser empreendedora, trabalha para si mesma, somente ela é responsável pelo
seu sucesso ou fracasso profissional. Se obteve sucesso, foi consequência de seus esforços, de
sua dedicação, de seu mérito; se fracassou, a culpa também é sua. É construída, então, a ideia
de que a empreendedora precisa trabalhar o máximo possível para obter sucesso, já que ela
trabalha para ela mesma, e o seu sucesso só depende de seus esforços e o fruto do seu trabalho
pertence somente a ela. Essa ideia pode ser resumida em: se ela fracassa, é porque não trabalhou
o suficiente, não se dedicou o suficiente, ou seja, é sua culpa e é preciso que se esforce mais.
Sempre vi a força de vendas independente como um microcosmo do sistema
de livre empreendedorismo americano. Independente da idade, gênero,
religião, raça, educação ou experiência de trabalho, qualquer pessoa que passa
a ser Consultora de Beleza Independente Mary Kay entra no negócio no
mesmo nível de outras Consultoras de Beleza Independentes. Ela se torna
literalmente presidente de sua própria empresa. Nós a auxiliamos dando as
ferramentas que podem ajudá-la a ter sucesso. No verdadeiro espírito do livre
empreendedorismo, cada mulher ganha com seu negócio aquilo que está
disposta a investir. Ela é seu próprio chefe, e ninguém diz a ela quando ou
como trabalhar. Se ela tem iniciativa e se baseia na experiência disponível
para auxiliá-la, ela poderá rapidamente criar um negócio de sucesso (ASH,
2013, p. 184).
Como na lógica do neoliberalismo os empreendedores são os responsáveis por seus
sucessos e fracassos, o que se percebe é, ao menos no discurso, a prevalência da lógica da
meritocracia, onde os empreendedores-de-si competem em um mercado e aquele que melhor
aproveitar as oportunidades e tomar as melhores ações obterá sucesso. No caso da Mary Kay,
a lógica da meritocracia, intrínseca ao discurso da gestão empresarial por meio da noção de
empreendedorismo, acaba por responsabilizar as mulheres, de forma individual, pelo sucesso
ou fracasso profissional. Evidentemente que esse discurso empresarial desconsidera que o
desempenho de cada consultora não depende apenas de seus esforços, mas também de outros
fatores, como por exemplo a já comentada dupla jornada de trabalho feminina que rouba das
mulheres tempo e energia.
A partir dessa concepção, o fracasso seria resultado de fatores individuais, como por
exemplo, a ausência de empenho e dedicação nas atividades. Ou seja, o problema para o não-
sucesso profissional seria culpa das próprias mulheres e não resultado de uma estrutura social
discriminatória que dificulta, quando não impossibilita, a realização profissional das mulheres
trabalhadoras em seu conjunto, de uma estrutura que tem como consequência para as mulheres
a inferiorização social e marginalização do mercado de trabalho. O que parece estar presente
nessa concepção e, ainda, ser contraditório com um discurso de empoderamento feminino, é