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Docência e a profissionalização do magistério no Brasil: contribuições da obra de Luiz Pereira
RIAEE
–
Revista Ibero
-
Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 1
6, n. 1, p. 210
-
226, jan./mar. 202
1
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ISSN: 1982
-
5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.12730
210
DOCÊNCIA E A PROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO NO BRASIL:
CONTRIBUIÇÕES DA OBRA DE LUIZ PEREIRA
1
DOCENCIA
Y LA PROFESIONALIZACIÓN DEL MAGISTRARIO EN BRASIL:
CONTRIBUCIONES DE LA OBRA DE LUIZ PEREIRA
TEACHING AND THE PROFESSIONALIZATION OF THE MAGISTRARY I
N
BRAZIL: CONTRIBUTIONS OF THE WORK OF LUIZ PEREIRA
Renata Porcher SCHERER
2
RESUMO
:
O presente texto propõe
-
se a
estabelecer uma reflexão
crítica
sobre a
profissionalização do magistério no Brasil, revisitando os primeiros estudos sociológico
s
de
Lui
z Pereira acerca da escolarização em nosso país. Utilizando
-
se do procedimento
metodológico da análise documental
e operando com o conceito de prática a partir dos
Estudos F
oucaultianos
,
é possível mapear e descrever alguns enunciados
que se referem à
prof
issionalização do magistério na década de 1960
,
no Brasil. O primeiro
desses enunciados
mapeados se
refere ao d
eclínio da concepção artesanal
-
missionária relacionada à docência em
processo de
substituição por concepções mais burocratizadas dessa profissão.
O segundo
enunciado relaciona
-
se com as capacidades integrativas
,
mostra
ndo como a integração de
papéis domésticos e profissionais n
o magistério fortaleceu
su
a feminização no período
analisado.
PALAVRAS
-
CHAVE
:
Educação básica. Profissionalização do magi
stério. Análise
documental. História da educação. Feminização do magistério.
RESUMEN
:
El presente texto propone establecer una reflexión crítica sobre la
profesionalización de la enseñanza en Brasil, revisando los primeros estudios sociológicos de
Luiz
Pereira sobre la escolarización en nuestro país. Utilizando el procedimiento
metodológico de análisis documental y trabajando con el concepto de práctica de los estudios
de Foucault, es posible trazar y describir algunas afirmaciones sobre la profesionaliz
ación
de la enseñanza en la década de 1960 en Brasil. El primero se refiere al declive de la
concepción artesanal
-
misionera relacionada con la enseñanza en sustitución de concepciones
más burocráticas de esta profesión. La segunda declaración se refiere a
las capacidades
integradoras que muestran cómo la integración de los roles domésticos y profesionales en la
enseñanza ha fortalecido la feminización de la profesión docente en el período analizado.
PALA
BRAS
CLAVE
:
Educación bá
sica
.
Profesionalidad de la p
rofesión docente. Análisis
documental. Historia de la educación. Feminización de la enseñanza.
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
–
Brasil (CAPES)
–
Código de Financiamento 001.
2
Univers
idade do vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo
–
RS
–
Brasil. Doutorado em Educação.
ORCID: https://orcid.org/0000
-
0003
-
2331
-
1453. E
-
mail: renatapscherer@gmail.com
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ABSTRACT
:
The present text proposes to establish
a critical reflection on the
professionalization of teaching in Brazil, revisiting the first sociological stud
ies of Luiz
Pereira about schooling in our country. Using the methodological procedure of documentary
analysis and working with the concept of practice from the Foucaultian studies it is possible
to map and describe some statements about the professionaliz
ation of teaching in the 1960s in
Brazil. The first refers to the decline of the craft
-
missionary conception related to teaching in
substitution for more bureaucratic conceptions of this profession. The second statement
relates to the integrative capacitie
s showing how the integration of domestic and professional
roles in teaching has strengthened the feminization of the teaching profession in the period
analyzed.
KEYWORDS
:
Basic education. Professionalism of the teaching profession.
Documentary
analysis.
History of education. Feminization of teaching.
Introdução
Certamente
,
as lutas em torno do reconhecimento profissional do magistério não
iniciaram na segunda metade do século XX, nem mesmo a literatura brasileira sobre o
trabalho das professoras começ
ou neste per
íodo. Todavia, tal como buscaremos
mostrar nest
e
artigo
, será no contexto de urbanização do país, associado à estruturação do capitalismo
desenvolvido a partir dos anos de 1950
,
que parece desenhar
-
se um cenário acadêmico
favorável aos estudos
da docência como um trabalho. Para tanto,
nes
t
e artigo
,
iremos analisar
duas
obras
produzidas na década de 1960
,
escritas pelo sociólogo Luiz Pereira
,
buscando
mostrar algumas das concepções que circularam e
produziram modificações acerca dos
sentidos
sobr
e a docência
e a profissionalização do magistério
neste período.
A justificativa da importância de t
omarmos tais obras como material empírico deriva
-
se da relevância dos estudos de Pereira
(
1967
;
1969
)
para a teoria educacional brasileira. De
acordo com C
ecília Marafelli, Priscila Rodrigues e Zaia Brandão
(2017, p. 985
)
,
as pesquisas
desenvolvidas pelo sociólogo podem ser consideradas “
fundadoras da abordagem sociológica
do magistério como profissão feminina e do ensino primário (anos iniciais do ensino
fu
ndamental) no Brasil”. Silke Weber (1996)
, por sua vez,
corrobora com tal assertiva ao
apontar que o reconhecimento da docência como trabalho e objeto de estudo teria como
marco o início de urbanização brasileira
no qual
os
estudos
de
Pereira
(
1967; 1969
)
,
prov
avelmente, tenham sido os primeiros a construírem uma abordagem da sociologia para a
educação
. De acordo com a socióloga, o estudo
de Pereira (1969)
,
ao examinar o
magistério
primário como prof
issão feminina de classe média
,
trouxe importantes contrib
uições para
refletirmos sobre a profissionalização do magistério no Brasil.
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Va
le registrar, ainda, que o livro
de Pereira (1967) integra
a importante obra
organizada por Maria do Carmo Xavier (2010, p. 10)
, intitulada
Clássicos da educação
brasileira
,
que
reúne resenhas de obras publicadas entre as décadas de 1930 e 1960. Neste
período, de acordo com a autora, “
a nossa intelectualidade esteve especialmente envolvida em
disputas políticas sobre a construção da sociedade democrática, com o concurso de uma
es
cola pública de qualidade”.
Marafelli,
Rodrigues e Brandão (2017)
destacam que
Luiz
Pereira era
aluno e
orientando de Florestan Fernandes e foi um dos
primeiros,
com suas pesquisas e sua trajetória
pessoal e acadêmica
, a mostrar a importância dos aportes
da Sociologia para analisar e
compreender o papel
do professor na realidade escolar brasileira. Um dos destaques relativos
aos estudos de Pereira
(
1969
)
refere
-
se
à
s suas
análises relativas ao processo de feminização
do magistério. De acordo com o sociólog
o
,
traços intrínsecos como instinto maternal
feminino, amorosidade, compreensão e paciência marcariam a diferença entre os níveis de
profissionalização e na divisão entre carreiras masculinas e femininas. Seriam estes fatores
que, para o autor, contribuiri
am para o baixo prestígio e a men
or remuneração das professoras
(PEREIRA, 1969).
Luiz Pereira, em entrevista realizada por Conrado Pires de Castro com José de Souza
Martins, aluno e pesquisador que trabalhou durante muitos anos diretamente com Pereira, fo
i
descrito como um “leitor
disciplinado, mas pouco motivado para o trabalho de campo”.
(CASTRO, 2010, p. 215). Em outra passagem da entrevista
,
reitera
-
se
tal característica de
Pereira e destaca
-
se sua aproximação com Florestan Fernandes. Como explicita Ma
rtins,
“Luiz Pereira, muito influenciado por Florestan, herdou em sua personalidade esse
protestantismo sem religião, no modo como administrava seus horários e fazia seu dia valer
por dois, tornando
-
se um autêntico campeão de leituras”.
(CASTRO, 2010, p. 2
20).
Cabe destacar que, nas décadas de 1950 a 1960, o Brasil viveu um intenso processo de
urbanização
,
atrelado, fortemente, à política de modernização, industrialização e
desenvolvimentismo, período em que ocorreu o governo do presidente Juscelino Kubits
chek.
Este seria o segundo período de crescimento da hegemonia urbano
-
industrial vivido pelo
nosso país. O primeiro momento, de acordo com Octavio Ianni (1971), teria sido a partir da
implementação do Estado Novo, em 1937, e o segundo, nos anos de 1956 a 1
960, período do
governo de Kubitschek. No referido período, de acordo com o pesquisador, ocorreu um
processo de substituição de importações e o Brasil passou a produzir mais bens duráveis, de
capital e bens intermediários. Porém, a hegemonia do urbano sobr
e o rural teria transformado
também a própria
cultura. Nas palavras do autor,
“a própria cultura, em seu sentido amplo,
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transformou
-
se de modo notável, pelo desenvolvimento de novas formas de pensar e novas
possibilidades de ação” (IANNI, 1971, p. 172).
F
eitos esses destaques com relação
à
relevância de olharmos com atenção para as
pesquisas desenvolvidas por Luiz Pereira para compreendermos o processo de
profissionalização do magistério brasileiro
e sobre o contexto político, social e econômico do
Brasil
entre as décadas de 1950 e 1960, importa
apresentar brevemente as duas obras do
sociólogo que serão analisadas nesse artigo. A primeira obra analisada será
A escola numa
área metropolitana
, na qual o sociólogo Luiz Pereira (1967) identifica uma escola prim
ária
brasileira em mudança frente a um processo de burocratização das instituições escolares.
Neste processo de mudança, Pereira diagnostica um declínio de uma concepção
paternalista do magistério primário como uma atividade artesanal
-
missionária por conc
epções
burocráticas acerca da profissão docente.
A segunda obra que analisaremos constitui
-
se no
estudo nomeado
O
magistério primário numa sociedade de classes
,
onde damos especial
atenção
em nossas análises
para
as
investigações
de Pereira
(1969)
relacion
adas
à
s
capacidades integrativas do magistério entre os papéis domésticos e
aos papéis profissionais
descrito
s pelo sociólogo como uma das principais características para que o magistério fosse
exercido em sua grande maioria por mulheres
.
Acreditamos que
,
através deste
estudo
, podere
mos contribuir para uma maior
compreensão
dos
processos de profissionalização do magistério brasileiro
,
interrogando sobre
sua constituição no interior do pensamento pedagógico brasileiro da segunda metade do
século
XX
(SCHERER,
2019)
.
P
ara
que possamos
c
onsolidar uma pauta investigativa sobre a docência brasileira
,
precisamos investir em estudos históricos que
,
ao atentar
em
para a literatura pedagógica
,
nos
auxiliem a problematizar como tais movimentos constituíram
-
se no interi
or dessa trama
discursiva
.
Nesse artigo
,
realizamos uma opção em termos metodológicos
de analisar a
docência como prática nos aproximando
dos Estudos F
oucaultianos
. Tais estudos
definem o
conceito de prática como uma racionalidade ou regularidade
que organ
iza o que os sujeitos
fazem quando falam ou quando agem, podendo constituir experiências ou pensamentos.
(CASTRO, 2009).
As práticas teriam relação tanto com aquilo que pode “ser descrito, analisado e
problematizado quanto, ao mesmo tempo, o domínio das p
róprias descrições, análises e
problematizações que são colocadas em movimento” (VEIGA
-
NETO, 2008, p. 7). Para
Foucault, tudo seria prática e tudo estaria imerso em relações de saber que se implicam
mutuamente (FISCHER, 2012). “Ou seja, enunciados e visibi
lidades, textos e instituições,
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falar e ver constituem práticas sociais por definição permanentemente presas, amarradas às
relações de poder, que as supõem e as atualizam” (FISCHER, 2012, p. 75).
Nesse sentido
,
ao analisarmos duas obras acadêmicas com imp
ortante impacto sobre a
produção da teoria educacional brasileira
,
propomo
-
no
s a mapear alguns sentidos que
circularam sobre a docência e a profissionalização do magistério
,
interrogando sobre quais
práticas podem ser descritas nesse período. A perspectiva
histórica que assumimos nesse
trabalho distancia
-
se de uma posição que busca glorificar, reeditar e muito menos julgar o
passado. Como explica Heloisa Villela (2005, p. 78)
,
o olhar histórico sobre os documentos
objetiva “compreender o sentido do moviment
o que define as mudanças e perman
ên
cias dos
processos sociais”. N
o presente
artigo
,
ao analisar as obras acadêmicas de Pereira escritas na
década de 1960
,
não desejamos construir explicações
,
nem estabelecer ligações com o
presente. Olhamos para o passado
como “um território de diálogo com as novas gerações e
algumas possibilidades de intuições criativas para os impasses que se colocam no presente
desafiador” (VILLELA, 2005, p.78).
Docência
e burocratização do magistério: declínio da concepção artesanal
-
missionária
Nessa seção
,
como já anunciado anteriormente,
analisaremos
a obra
A escola numa
área metropolitana
, escrita por Luiz Pereira no ano de 1960
3
. O trabalho empírico para escrita
desta obra foi realizado por Pereira na cidade de Santo André, loca
lizada no interior de São
Paulo
,
no final da década de 1950, e foi apresentado em formato de monografia para
conclusão dos
estudos de especialização
em Sociologia sob
orientação do professor Florestan
Fernandes.
Seguimos, então, a linha argumentativa traç
ada pelo sociólogo
na obra
para
compreender como a tensão entre as concepções burocráticas e patrimonialistas da docência
produziram o declínio da concepção artesanal
-
missionária do trabalho docente e,
consequentemente, a perda
de significado da imagem da
professora como uma segunda mãe
dos alunos. Começamos
apresentando um conjunto de excertos em que
Pereira (1967), a partir
3
Na literatura disponível sobre o sociólogo, encontramos duas referências com rela
ção ao ano de publicação da
obra. Enquanto muitos estudos referenciam 1960 como ano de publicação, alguns também anunciam o ano de
1967. Tal divergência parece derivar do fato de o livro ter sido publicado no ano de 1967 e a monografia da qual
a obra foi d
erivada ter sido apresentada em 1960. Nas palavras de Pereira (1967, p. 15)
,
“
s
alvo alguns pequenos
retoques, o texto acima é o mesmo com que apresentamos esta monografia no primeiro semestre de 1960”.
Sendo assim, as duas datas estão corretas e referem
-
se
a
edições distintas da pesquisa. A edição
utilizada
para
análise na tese é a do ano de 1967
,
publicada em formato de livro
.
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de uma análise do Regimento, apresenta as funções docentes exigidas no período dividindo
-
as
em três setores
:
Para fins de exposição
e análise, separamos as atribuições dos professores,
estabelecidas no
Regimento
, em três setores: o das atividades relativas à sua
classe ou turma de alunos, o das suas atividades
extraclasse
, e o das suas
relações com os colegas e demais funcionários da e
scola. As normas do
primeiro setor, bem mais numerosas do que as dos outros dois tipos, definem
três conjuntos de atividades: as docentes, as de controle dos alunos e as de
“escrituração”
(
PEREIRA
,
1967, p. 74
, grifos do autor).
Como é possível observar,
ao longo das análises realizadas por Pereira, as atividades
docentes atribuídas pelo Regimento tinham como função principal organizar este trabalho a
partir de um processo de burocratização
desta ocupação
4
,
que
se
tornava necessário e
consistente com o per
íodo histórico
de urbanização no qual
o Brasil
se
encontrava, descrito
anteriormente nesta seção.
Para o desenvolvimento da nação
,
era necessário deixar uma visão tradicional e
patrimonialista da docência e torná
-
la mais burocratizada. Outra questão que f
oi evidenciada
por Pereira (1967), no Regimento, era a influência da Pedagogia Moderna e das teorias da
Escola Nova que, aos poucos, eram inseridas na formação dos professores e exigida pela
legislação. Porém, o sociólogo afirma que, mesmo com todos os esf
orços de burocratização
observados no Regimento
,
ainda eram visíveis várias inconsistências internas no documento,
especialmente
n
o que concerne a princípios pedagógicos modernos juntamente com
fundamentos
de uma escolarização antiga, como seria visível, n
os quesitos relacionados à
verificação do aprendizado dos alunos e à manutenção da disciplina.
Após analisar o Reg
imento, Pereira (1967) dirige suas análises para o que ele
denomina como a “personalidade
-
status
ideal de professor”
,
que implicaria a aceita
ção de
algumas normas do Regimento e, portanto, uma concepção burocrática da docência
,
juntamente, com a acomodação de algumas concepções patrimonialistas da docência
,
que
permitem
a
o sociólogo afirmar uma condição de semiburocratização da instituição esco
lar por
ele analisada.
4
O processo de burocratização das funções docentes analisados por Pereira é consistente com o período em que
a obra foi escrita.
É importante considerar que análises posteriores sobre os processos de implementação dos
grupos escolares como, por exemplo, os trabalhos da pesquisadora Eliane Peres (2000), mostram que a
consolidação dos grupos escolares na década de 1930 ocorreram no co
ntexto de um processo de fortalecimento
de um novo discurso que a pesquisadora irá nomear como “renovação pedagógica”. A renovação pedagógica é
constituída por distintos saberes e conhecimentos advindos da Psicologia, da Pedagogia Experimental e da
Educaçã
o Nova, entre outros. “Ao configurarem a escola, as ciências modernas, foram também sendo produzidas
e legitimadas pouco a pouco. Houve, portanto, um duplo movimento: as ciências pedagógicas produziam
práticas escolares ao mesmo tempo em que eram produzida
s a partir dessas práticas” (PERES, 2000, p.
16).
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Essa personalidade
-
status
ideal de professor é congruente com a
representação patrimonialista da escola primária pública: como algo
“pertencente” ao seu pessoal docente
-
administrativo, que presta uma espécie
de favor aos seus alunos
e suas famílias, “ajudando
-
os na vida” graças ao
ensino das técnicas elementares da cultura
-
leitura, escrita e cálculo. O “bom”
professor primário dedica
-
se grandemente aos alunos, sentindo
-
se tanto um
“dono” do seu cargo e das crianças de sua classe. Em
vista disso, não admite
interferência dos pais descontentes: “aqui mando eu no seu filho” é frase
compatível com tal concepção. Da mesma forma, não aprecia o controle do
diretor sobre as atividades que dizem respeito à sua classe. Resolve tudo
sozinho, só
recorrendo ao diretor em casos extremos
(
PEREIRA
, 1967, p.
78, grifos do autor).
A partir da “personalidade
-
status ideal de professor”, descrita nas análises de Pereira
(1967), confrontada com as funções docentes descritas no Regimento,
possibilita perceb
er,
esta tensão entre valores patrimonialistas
e
valores burocráticos
, sendo
c
ada um deles ligados
a diferentes concepções de docência
.
É importante destacar
que tal
abordagem do sociólogo
não supõe que os modelos apresentem
distintas temporalidades;
pelo
contrário,
o que Pereira
nos chama atenção em suas análises é para a coexistência destes modelos
. É esta coexistência
dos modelos patrimonialista e burocrático que, de acordo com
Pereira
(
1967
)
, vai
produzir o
declínio da
concepção de docência como uma ati
vidade artesanal
-
missionária.
Para tanto, o
pesquisador brasileiro apresenta, ainda, uma terceira nuance de análise, não mais
como
a
docência do Regimento, nem a docência do status
-
ideal, mas a docência real
,
como podemos
ver no excerto a seguir:
Trata
-
se
da concepção paternalista do magistério primário como atividade
artesanal
-
missionária
, substituída em grande escala por concepções
burocráticas acerca da profissão, que levam os professores a encará
-
la em
termos instrumentais, avaliando
-
a de acordo com as
compensações obtidas
através do trabalho
–
justamente as concepções burocráticas inerentes ao
cargo. Todavia, ainda na avaliação de tais compensações intervêm outros
critérios de ordem tradicional. Assim, é como burocratas que os professores
reclamam cont
ra os salários percebidos, julgando
-
se ‘proletários de gravata’
e admitindo que ‘para pouco dinheiro, pouco trabalho’
(
PEREIRA
, 1967, p.
82
-
83, grifos do autor).
Pereira (1967), ao analisar as transformações da escola primária brasileira em um
contexto de
urbanização,
oferece elementos para
a compreensão de
algumas transformações
importantes relativas ao trabalho docente. Assim
, o autor nos mostra que a substituição de
motivações
paternalistas por outras de natureza burocrática não produziu uma concepção d
e
docência que corresponderia a todos os aspectos exigidos pelo Regimento. Podemos, então,
observar que, neste período, o trabalho docente configurava
-
se por uma justaposição das
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concepções burocráticas e paternalistas da docência, produzindo
–
sim
–
um de
clínio da
concepção artesanal
-
missionária
,
mas não uma docência altamente burocratizada.
As professoras da escola analisada por Pereira (1967), como ele irá apontar, já não se
identificavam com a representação da professora como segunda mãe dos alunos, co
mo
se
pode
observar no excerto que destaco a seguir:
Diante destas, no interior das salas de aula, não se comportam como uma
espécie de segunda mãe, como caberia a quem se identificasse com a
concepção paternalista do magistério primário. Agem como profes
sores
apenas, tendendo suas relações com os alunos ao tipo categórico. Mesmo o
interesse no aprendizado dos alunos parece consistir num interesse “pessoal”
do professor: deseja a aprovação do aluno porque esta lhe dá “pontos” para a
sua remoção para outra
escola, mais do que visa um benefício para a criança
(
PEREIRA
, 1967, p. 83, grifos do autor).
Este declínio da imagem da professora como segunda mãe dos alunos
,
descrito por
Pereira (1967) já na década de 1960, demonstra que o período de urbanização brasi
leiro
produziu importantes mudanças para as formas como os professores eram representados e,
igualmente, uma falta de identificação das professoras tanto com a concepção patrimonialista
de docência
como
com os padrões da concepção burocrática.
O sociólogo
descreve alguns casos extremos derivados de suas incursões empíricas
para dar visibilidade a esta falta de identificação dos novos professores: “por várias vezes
adiantaram o relógio da escola em tentativa de ludibriar a servente encarregada dos sinais de
entrada e saída de classes; e quase diariamente vão para a cozinha, lá permanecendo por meia
hora mais ou menos, abandonando
a classe na
sala de aula!”. (PEREIRA, 1967, p. 83).
Segundo o sociólogo, tal nível de falta de identificação era mais visível nos
professores mais
novos, enquanto os mais antigos
denominavam
estas atitudes como falta de vocação ou
desinteresse das novas gerações
pelo magistério.
A
obra de Pereira (1967)
,
analisada nesta seção, ao descrever um processo de
burocratização das atividade
s docentes, mostra que para exercer este ofício segue
-
se
valorizando “traços tidos também como tipicamente femininos: carinho, paciência,
compreensão, etc. para com as crianças, ligados ao que se costuma chamar de
instinto
maternal
.” (PEREIRA, 1967, p. 79)
. Mesmo este sendo um estereótipo ligado a uma
concepção paternalista de docência, que
,
como aponta o sociólogo, encontra
-
se em declínio
,
esta representação de docência segue a configurar a “personalidade
-
status ideal de professor”
no período analisado pe
l
o sociólogo.
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Docência e a profissionalização do magistério no Brasil: contribuições da obra de Luiz Pereira
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Revista Ibero
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Docência e as capacidades integrativas: relações entre as mulheres e o magistério
Pereira (1969),
na obra que
é
analisada
nes
t
a seção,
ao tomar como objeto de estudo o
magistério primário e apontar esta ocupação como uma das principais mo
dalidades de
profissionalização feminina na sociedade brasileira, olha, metodologicamente, para este
fenômeno a partir de três dimensões: estrutural, ideológica e motivacional. O primeiro excerto
que
gostaría
mos
de destacar das análises do sociólogo refere
-
se à divisão sexual do
trabalho
na organização escolar:
A análise dos papéis desempenhados pelo professor, no plano
institucionalizado da escola primária, mostra que deles fazem parte algumas
atividades de natureza administrativa, ao lado das atividades
propriamente
docentes. Com referência a estas, as tarefas administrativas aparecem como
secundárias e reduzidas, e sempre subordinadas às do diretor, do inspetor e
do delegado de ensino.
Desse
modo revela
-
se no quadro anterior, sob outra
luz,
aquele
mesmo
traço estrutural do sistema escolar primário público
estadual, que agora aparece como constituído pela predominância feminina
nas posições de ‘execução’ e pela masculina nas de ‘direção’. Em outras
palavras, as relações assimétricas entre os sexos repetem
-
se na estrutura
desse
sistema social parcial, refletindo
ele
idênticas orientações do sistema
social global. Ao que se sabe, a mesma característica evidencia
-
se em
empresas
outras com ponderável parcela feminina entre os seus membros
(
PEREIRA
,
1969, p. 18
).
A
o olharmos para o excerto,
operando com gênero como uma categoria analítica,
como nos propôs Scott (1995, p. 14), observa
-
se, necessariamente, uma conexão da história
com as práticas contemporâneas
,
produzindo, então, s
entido à forma como se organiza
e
perceb
e
o conhecimento socialmente construído
,
sendo assim um “elemento constitutivo de
relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos um primeiro modo de
dar significado as relações de poder”.
Pode
-
se evidenciar isso
como uma di
stinção entre o que
se esperava da mulher e do homem, naquela sociedade,
e
ac
abava conduzindo suas escolhas e
suas opções.
Importa também olharmos com atenção para as análises de
Pereira (1969)
com relação
à
pequena representatividade das mulheres nos car
gos de organização das atividades docentes
.
Os números apontados por Pereira (1969) são os seguintes: 93,3% de mulheres ocupam o
cargo de professora primária. Com relação ao cargo de diretor
,
32,6% apenas. Nas outras duas
funções
,
o percentual cai ainda ma
is
,
sendo 5,9% para o cargo de inspetor e 2,2% para o cargo
de delegado de ensino. Pereira (1969, p. 32)
,
justifica estes números a partir de duas
hipóteses.
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A primeira teria relação com o funcionamento social que, ao impor condições
específicas para o pr
eenchimento de cargos como direção, para que ocorresse a realização
adequada das atividades correspondentes
ao cargo,
acabaria afastando as mulheres que “se
achariam menos ajustadas do que os homens, devido às respectivas socializações diferenciais
prévias
”.
E, a segunda, relacionada ao funcionamento do sistema social global, especialmente
relacionado à diferença sexual
,
que acabaria afastando as mulheres de determinadas funções e
aproximando os homens destas. Podemos compreender este fenômeno com base na
teorização
proposta por Christine Willians (1995), na qual a autora mostra que, em diferentes situações,
parece existir “um teto de vidro” que operaria como um limite invisível
e limitador d
a
ascensão das mulheres,
enquanto,
no caso dos homens, teríamos um
a “escada rolante
invisível” que impulsionaria a ascensão masculina.
A relação entre o magistério e o casamento, nas análises de Pereira (1969)
,
também é
um aspecto relevante, pois é justamente ao articular estes dois elementos que o pesquisador
irá apres
entar a questão das capacidades integrativas. De acordo com o sociólogo, casamento
e profissão implicariam para
a
mulher dois conjuntos de papéis diversos
cuja integração ou
conciliação
, na maioria dos casos, seria quase impossível, dificultando a entrada
da mulher
em
determinadas profissões. Assim, as acomodações entre os papéis possíveis de serem
ocupados pelas mulheres, naquele período,
se apresentariam
em três opções
, transcritas
no
excerto a seguir:
Acomodações entre
aqueles
papéis abertos às mulhere
s adultas processam
-
se
de três maneiras distintas: 1) sucessão cronológica entre fases da vida do
indivíduo, a primeira das quais caracterizada pelo celibato e trabalho
profissional e a segunda, pelo casamento e abandono dos papéis
profissionais; 2) filiaç
ão simultânea do indivíduo ao padrão profissional e ao
padrão doméstico plenamente realizado com o matrimônio; 3) permanência
do indivíduo no padrão profissional e na condição celibatária. Estudos
relativos a sistemas urbano
-
industriais os mais avançados m
ostram as
mulheres casadas participando em escala bem menor do que as solteiras da
população economicamente ativa
–
fenômeno
este
explicável, ao menos em
parte, pelas maiores dificuldades de aquelas acomodarem seus papéis
domésticos com os
papéis profissio
nais (
PEREIRA
, 1969, p. 33
-
34).
Com base nas análises diagnósticas, realizadas por Pereira (1969), dos sistemas
urbano
-
industriais
,
ficou
possível perceber
que as mulheres casadas
ocupavam em menor grau
a categoria de população economicamente ativa, por t
ornar
-
se incompatível aliar as atividades
domésticas, exigidas pelo casamento, e as atividades profissionais exigidas pelo trabalho fora
de casa. Sendo assim, muitas mulheres, naquele período, abandonavam suas carreiras
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profissionais para dedicar
-
se ao lar
. Como vimos na seção anterior, esta era uma
opção,
principalmente, das moças de classes mais favorecidas
,
que podiam optar pela dedicação
exclusiva ao lar.
Porém, o que o sociólogo vai nos chamar a atenção, em seu estudo, é que
,
no caso do
magistério pri
mário
,
existia uma tendência de vinculação das professoras para ambos
os
tipos
de papéis,
ou seja,
tanto os domésticos quanto os profissionais. Tal constatação é baseada no
número de professoras casadas e, igualmente, pelo desejo matrimonial da maioria das
professoras ainda solteiras. Com tais dados, Pereira (1969, p. 34) levanta a hipótese de que
existiriam “grandes capacidades integrativas entre papéis domésticos e seus papéis
profissionais atuais”.
T
al possibilidade de conciliar os dois padrões
,
doméstic
o e profissional
,
devia
-
se a algumas características do magistério que facilitariam a acomodação d
estes dois
papéis
,
como
são apresentadas
no excerto a seguir:
Os argumentos justificadores da maior adequação do magistério primário ao
sexo feminino classi
ficam
-
se em dois tipos. O primeiro diz respeito a traços
da personalidade feminina
–
alguns referidos de maneira explícita à
‘hereditariedade’ e outros não. As características psíquicas mais
frequentemente assinaladas são ‘instinto maternal’ e maior dose,
nas
mulheres, de certas aptidões, habilidades ou capacidades tidas como
apropriadas às relações interpessoais do mestre com as crianças: ‘carinho’,
‘amor’, ‘docilidade’, ‘compreensão’, ‘paciência’, ‘abnegação’,
‘comunicabilidade’, ‘meiguice’, ‘dedicação’,
etc. O segundo tipo engloba o
que se chamaria de
fatores
extrínsecos, porque ligados não à personalidade
do professor, mas a condições de funcionamento escolar: salário reputado
como baixo, poucas horas de trabalho diário, prestígio ocupacional
considerado
insatisfatório, etc
(
PEREIRA
, 1969, p. 48).
O excerto acima
nos a
juda
a compreender, de forma mais clara, como o magistério
primário se fortaleceu como uma atividade feminina no Brasil a partir de uma forte ligação
dele com a maternidade. De acordo com M
arina Maluf e Maria Mott (1998), foi a propagação
de um discurso biológico que difundiu a crença de uma natureza feminina e do instinto
materno, homogeneizando o lugar da mãe como aquela que cuida e não abandona seus filhos.
Conforme as pesquisadoras, tal
crença prevaleceu durante a primeira metade do século XX e
reduziu os lugares da mulher na sociedade como: mãe, esposa e dona de casa. Podemos,
então, observar como estes discursos
biologizantes
,
que ligavam o lugar da mulher à
maternidade e ao cuidado da
casa
,
são centrais para o fortalecimento do processo de
feminização do magistério brasileiro.
Para Pereira (1969, p. 51), em seu prisma, esta analogia entre as representações acerca
dos papéis maternos e dos papéis docentes poderia ser explicada como uma
espécie de
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“extensão profissionalizada dos papéis maternos”
,
constituindo
-
se como uma ideologia
profissional correspondente a esta ocupação. A problemática apontada pelo sociólogo desta
relação seria a fundamentação ideológica baseada em relações assimétri
cas
entre os sexos,
que sustentaria tal adaptação e justificaria, entre outras questões, a manutenção das mulheres
em posições subordinadas e, inclusive, os baixos salários. De acordo com o sociólogo
brasileiro (PEREIRA, 1969, p. 53), existiria uma “conexã
o funcional entre estereótipos de
sexo feminino e salários julgados inferiores:
estes
sustentam, ao menos em parte, os
estereótipos e vice
-
versa”. Assim, tanto os estereótipos de sexo, ligados ao magistério
primário, como o nível de remuneração
,
teriam atu
ado como “poderosas
forças
sociais
responsáveis pela elevada predominância numérica feminina nessa ocupação, ao afastarem
dela indivíduos masculinos”. (PEREIRA, 1969, p. 53).
Com tais análises sociológicas, Pereira (1969, p. 59) aponta que a partir de uma
perspectiva privatista, ou seja, que corresponderia aos interesses das professoras e de seus
familiares, o magistério primário configurava “uma das mais bem sucedidas modalidades de
participação da mulher na população economicamente ativa”. Entretanto, a
profissionalização
feminina, pelo magistério, não alcançaria o estágio de profissionalização masculina devido à
organização social e à condição tradicional da mulher na sociedade brasileira daquele período
histórico. Tais questões, ainda de acordo com Pere
ira (1969, p. 61), afetariam “negativamente
o próprio desempenho dos papéis profissionais pelas
professoras
no sistema escolar”,
apontando para a importância de que o estado de acomodação entre os papéis domésticos e
profissionais fosse ultrapassado.
É ne
sse contexto, identificado pelo sociólogo, em que seria necessário ultrapassar a
acomodação entre os papéis domésticos e profissionais no magistério primário
,
que ele aponta
para a importância das discussões sobre a profissionalização desta modalidade, a q
ual ele
dedicará um capítulo completo de sua obra para discorrer. Neste capítulo, Pereira (1969)
discute o trabalho docente a partir de dois modelos: o artesanal e o profissional. Enquanto no
modelo artesanal as recompensas seriam obtidas pelo trabalho em
si, no modelo profissional a
ênfase recairia nas gratificações ou satisfações derivadas do trabalho
.
Em sua pesquisa realizada com professores de escolas normais, normalistas e
professoras primárias sobre quais seriam as aspirações das professoras
primári
as, Pereira
(1969) nos apresenta importantes elementos para compreender sobre quais pilares a
profissionalização do magistério parece se sustentar em um contexto de urbanização do
Brasil. Como nos mostram os dados obtidos por Pereira (1969), dois modelos e
stavam em
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disputa naquele período,
sendo,
de um lado
,
uma
concepção artesanal do trabalho docente e,
de outro, uma visão mais profissional.
A insatisfação das aspirações instrumentais dos professores produziria repercussões
prejudiciais para o caráter cole
tivista do sistema escolar, exacerbando orientações individuais
em detrimento das obrigações inerentes ao cargo. Para exemplificar esta tensão, Pereira
(1969) descreve o caso das atitudes dos professores primários frente aos períodos letivos
diários.
No co
ntexto em que o estudo foi desenvolvido
,
o período letivo deveria ser de quatro
horas, mas, pelo número grande de alunos e pelo pequeno número de salas, muitas escolas e
professores trabalhavam no período de três horas. Porém, aos poucos
,
começava
-
se a
equ
ilibrar tal questão e os períodos deveriam retornar ao horário normal e, de acordo com o
sociólogo, “a quase totalidade dos argumentos invocados pelas
professoras
contra a ampliação
dos seus horários de trabalho diz respeito a outros tipos de atividades po
r elas desempenhadas
durante o tempo em que não estão nas escolas primárias estaduais” (PEREIRA, 1969, p. 126),
tais como afazeres de casa, cuidados de crianças ou doentes e dificuldade na condução para o
local de trabalho.
A problemática das jornadas de
trabalho foi examinada por Maria Esteves de Oliveira
(2017), em publicação recente, como um dos elementos históricos de precarização do trabalho
docente. Conforme a pesquisadora, as primeiras reformas que marcam a ampliação da jornada
docente
para o atendi
mento à expansão da oferta de ensino, no Brasil, datam de 1950.
Todavia, teriam sido “as políticas adotadas posteriormente, pelo regime civil
-
militar, que
conduziram definitivamente à expansão da oferta do ensino público no Brasil sob forte
conotação quant
itativa, massificada em detrimento da expansão qualitativa” (OLIVEIRA,
2017, p. 4).
Como bem aponta Jamil Cury (2007), a Constituição Federal de 1967 apresenta
grandes avanços com relação
à
ampliação da oferta da educação básica gratuita e obrigatória
de o
ito anos. Porém, ao retirar a vinculação constitucional de recursos sob a justificativa de
maior flexibilidade
orçamentária,
teriam sido os professores que
,
com a ampliação das
jornadas de trabalho e a diminuição dos salários
,
acabaram pagando a conta pelo
processo de
democratização do ensino.
É nesse contexto
,
descrito por Cury (2007) e Oliveira (2017), em que
,
de um lado
,
percebemos uma ampliação da democratização do ensino
,
e de outro
,
uma precarização do
trabalho docente
,
que
as obras produzidas por Pe
reira
se insere
m. Se, como buscamos
mostrar
até aqui, o magistério se constituiu como uma profissão adequada para as mulheres, por
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características intrínsecas ligadas a uma suposta natureza feminina e características
extrínsecas ligadas à organização do tr
abalho escolar, que Pereira (1969) denominou como
capacidades integrativas
e
m um segundo momento
,
esta condição passou a ser criticada por
um conjunto de pesquisadores em educação que buscava defender a competência técnica
como fundamento para a prática do
cente.
Como Louro (1986, p. 258) aponta em sua tese, o estudo de Guiomar de Mello sobre o
magistério de 1º Grau deixa “saliente o quanto a vocação
–
expressão vaga e indefinida
–
foi
usada para manter a profissão do magistério como carreira feminina, para
ligá
-
la com um
ideal de sacerdócio e em consequência com aceitação de baixa remuneração”. Objetiva
mente,
neste artigo, buscamos
descrever os modos pelos quais a feminização do magistério, no
Brasil, no decorrer das décadas de 1960 e 1970, adquiriu diferent
es significados e passou por
um processo de tensão. Para além do âmbito de uma vocaç
ão ou natureza feminina,
mostramos
qu
e a feminização foi marcada pelo declínio da concepção artesanal
-
missionária
do magistério, bem como pelas
capacidades integrativas. To
mada enquanto ocupação
feminina,
a
docência é reposicionada no âmbito de uma atividade desenvolvida no contexto
de urbanização brasileira e de democratização do acesso à escolarização.
Considerações finais
Iniciamos esse artigo com
a compreensão de que
um trabalho acadêmico com
documentos
,
em uma perspectiva histórica
,
precisa constituir
-
se como um “
território de
diálogo com as novas gerações e [propor] algumas possibilidades de intuições criativas para
os impasses que se colocam no presente desafiador”
(VILLELA, 2005, p.
78).
Acreditamos
que
,
ao revisar os primeiros estudos sociológicos de Luiz Pereira acerca da profissionalização
do magistério brasileiro
,
conseguimos estabelecer um importante diálogo apontando para
questões importantes de serem conside
radas e compreendidas por futuros estudos que
busquem investigar tais temáticas.
Os estudos produzidos por Pereira sobre a escola brasileira do final da década de 1950
,
ao descrever
em
o deslocamento entre uma concepção paternalista do magistério e uma
con
cepção burocratizada desse agrupamento profissional
,
apresenta
m
importantes
contribuições para compreendermos os aspectos emergentes acerca da profissionalização do
magistério. Importa ainda reiterar que nas análises produzidas pelo sociólogo algumas
quest
ões contemporâneas são visibilizadas
.
D
entre elas
,
destacamos as queixas dos docentes
pelo desinteresse dos alunos, bem como pelos baixos salários. Também
se evidencia
uma
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dificuldade de relacionamento com a comunidade escolar e a ênfase em um modelo de cu
ltura
escolar individualista.
Observa
-
se que o reconhecimento profissional do magistério brasileiro acaba por
constituir
-
se
na ambivalência entre o paternalismo e a burocratização. As capacidades
integrativas entre os papéis domésticos e profissionais que
o magistério oferece
,
além de
fortalecer a docência como uma profissão feminina, no período analisado, acaba por resolver
tal impasse, mesmo que temporariamente.
Como principal contribuição dos estudos de Pereira
,
destaca
-
se a leitura crítica
proposta pe
lo sociólogo sobre a escolarização brasileira da segunda metade do século XX. Em
seus estudos sociológicos
,
Pereira
,
ao propor
-
se investigar sobre a condição do trabalho
docente, sua relevância social e suas repercussões nos cotidianos das comunidades
,
abr
iu uma
pauta investigativa importante para os futuros estudos sobre tais temáticas.
Como nos lembra o historiador António Nóvoa (1999, p. 12)
,
o mínimo que devemos
esperar de um educador é que este “seja capaz de sentir os desafios do tempo presente, de
p
ensar a sua ação nas continuidades
e mudanças do trabalho pedagógico, de participar
criticamente na construção de uma escola mais atenta às realidades dos diversos grupos
sociais”
. Acreditamos que estudos que se proponham a revisitar o pensamento pedagógic
o
brasileiro podem contribuir para que possamos compreender os desafios do nosso tempo e
propor ações e leituras críticas e criativas para os desafios do presente.
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Araraquara, v.
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5587. DOI:
https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.12730
Submetido em:
11/
07/2019
Revisões requeridas:
25/09/2019
Aprovado em:
11/06/2020
Publicado em:
02/01/2021
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Docência e a profissionalização do magistério no Brasil: contribuições da obra de Luiz Pereira
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DOCENCIA Y LA
PROFESIONALIZACIÓN DEL MAGISTE
RIO EN BRASIL:
CONTRIBUCIONES DE LA OBRA DE LUIZ PEREIRA
DOCÊNCIA E A PROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO NO BRASIL:
CONTRIBUIÇÕES DA OBRA DE LUIZ PEREIRA
1
TEACHING AND THE PROFESSIONALIZATION OF THE MAGISTRARY I
N
BRAZIL: CONTRIBUTIONS OF THE WORK OF LUIZ PEREIRA
Renata Porcher SCHERER
2
RESUMEN
:
El presente texto propone establecer una reflexión crítica sobre la
profesionalización de la enseñanza en Brasil, revisando los primeros estudios sociológicos de
Lui
z Pereira sobre la escolarización en nuestro país. Utilizando el procedimiento
metodológico de análisis documental y trabajando con el concepto de práctica de los estudios
de Foucault, es posible trazar y describir algunas afirmaciones sobre la profesional
ización de
la enseñanza en la década de 1960 en Brasil. El primero se refiere al declive de la concepción
artesanal
-
misionera relacionada con la enseñanza en sustitución de concepciones más
burocráticas de esta profesión. La segunda declaración se refiere
a las capacidades
integradoras que muestran cómo la integración de los roles domésticos y profesionales en la
enseñanza ha fortalecido la feminización de la profesión docente en el período analizado.
PALABRAS CLAVE
:
Educación básica. Profesionalidad de la
profesión docente. Análisis
documental. Historia de la educación. Feminización de la enseñanza.
RESUMO
:
O presente texto propõe
-
se a
estabelecer uma reflexão
crítica
sobre a
profissionalização do magistério no Brasil, revisitando os primeiros estudos so
ciológico
s
de
Luiz Pereira acerca da escolarização em nosso país. Utilizando
-
se do procedimento
metodológico da análise documental
e operando com o conceito de prática a partir dos
Estudos F
oucaultianos
,
é possível mapear e descrever alguns enunciados
que
se referem à
profissionalização do magistério na década de 1960
,
no Brasil. O primeiro
desses enunciados
mapeados se
refere ao d
eclínio da concepção artesanal
-
missionária relacionada à docência
em
processo de
substituição por concepções mais burocratizadas
dessa profissão. O segundo
enunciado relaciona
-
se com as capacidades integrativas
,
mostra
ndo como a integração de
papéis domésticos e profissionais n
o magistério fortaleceu
su
a feminização no período
analisado.
PALAVRAS
-
CHAVE
:
Educação básica. Profissio
nalização do magistério. Análise
documental. História da educação. Feminização do magistério.
1
Este
trabaj
o
se realizó
co
n apoy
o d
e l
a Coord
inación
de
Perfeccionamiento
de Pe
r
so
n
al de
Nivel
Superior
–
Brasil (CAPES)
–
Código de Financiam
i
ento 001.
2
Universidade do vale do Rio dos Sinos (UNISINOS),
São Leopoldo
–
RS
–
Brasil. Doctorado en Educación
.
ORCID: https://orcid.org/0000
-
0003
-
2331
-
1453. E
-
mail: renatapscherer@gmail.com
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ABSTRACT
:
The present text proposes to establish
a critical reflection on the
professionalization of teaching in Brazil, revisiting the first sociological stud
ies of Luiz
Pereira about schooling in our country. Using the methodological procedure of documentary
analysis and working with the concept of practice from the Foucaultian studies it is possible
to map and describe some statements about the professionaliz
ation of teaching in the 1960s in
Brazil. The first refers to the decline of the craft
-
missionary conception related to teaching in
substitution for more bureaucratic conceptions of this profession. The second statement
relates to the integrative capacitie
s showing how the integration of domestic and professional
roles in teaching has strengthened the feminization of the teaching profession in the period
analyzed.
KEYWORDS
:
Basic education. Professionalism of the teaching profession.
Documentary
analysis.
History of education. Feminization of teaching.
Introducción
Ciertamente, las luchas en torno al reconocimiento profesional de la docencia no
comenzaron en la segunda mitad del siglo XX, ni siquiera la literatura brasileña sobre el
trabajo de los profe
sores comenzó en este periodo. Sin embargo, como trataremos de mostrar
en este artículo, es en el contexto de la urbanización del país, asociada a la estructuración del
capitalismo desarrollada desde los años 50, donde parece dibujarse un escenario académi
co
favorable a los estudios de la enseñanza como trabajo. Para ello, en este artículo analizaremos
dos obras producidas en la década de 1960, escritas por el sociólogo Luiz Pereira, buscando
mostrar algunas de las concepciones que circularon y produjeron m
odificaciones sobre el
significado de la enseñanza y la profesionalización de la misma en este período.
La justificación de la importancia de tomar esos trabajos como material empírico
deriva de la relevancia de los estudios de Pereira (1967; 1969) para la
teoría educativa
brasileña. Según Cecília Marafelli, Priscila Rodrigues y Zaia Brandão (2017, p. 985), las
investigaciones desarrolladas por la
socióloga pueden considerarse “
fundadoras del enfoque
sociológico de la docencia como profesión femenina y de l
a educación primaria (primeros
años de
la escuela elemental) en Brasil”
. Silke Weber (1996), a su vez, corrobora esta
afirmación al señalar que el reconocimiento de la docencia como trabajo y objeto de estudio
tendría como hito el inicio de la urbanización
brasileña en la que los estudios de Pereira
(1967; 1969) fueron probablemente los primeros en construir un enfoque de la sociología para
la educación. Según la socióloga, el estudio de Pereira (1969), al examinar la enseñanza
primaria como profesión femen
ina de clase media, aportó importantes contribuciones para
reflexionar sobre la profesionalización de la enseñanza en Brasil
.
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Cabe registrar también que el libro de Pereira (1976) integra la importante obra
organizada por Maria do Carmo Xavier (2010, p. 10
), titulada
Clássicos da educação
brasileira
, que reúne rese
ñas de obras publicadas entre las décadas de 30 y 60. En este
período, acorde con la autora, “nuestra intelectualidad estuvo especialmente involucrada en
disputas políticas sobre la construcción d
e la sociedad democrática, con el certamen de una
escuela pública de calidad”.
Marafelli, Rodrigues y Brandão (2017) destacan que Luiz Pereira ha sido alumno y
orientando de Florestan Fernandes
y fue uno de los primeros, con sus investigaciones y su
traye
ctoria personal y académica, a mostrar la importancia de los aportes de la Sociología para
analizar y comprender el rol del profesor en la realidad escolar brasileña. Uno de los
destaques relativos a los estudios de Pereira (1969) se refiere a sus análisis
relativos al
proceso de feminización del magisterio. Acorde con el sociólogo, rasgos intrínsecos como
instinto maternal femenino, amorosidad, comprensión y paciencia marcarían
la diferencia
entre los niveles de profesionalización y en la división entre ca
rreras masculinas y femeninas.
Serían estos factores que, para el autor, contribuyeran para el bajo prestigio y la menor
remuneraci
ón de las profesoras (
PEREIRA, 1969).
Luiz Pereira, en entrevista realizada por Conrado Pires de Castro con José de Souza
Mar
tins, alumno e investigador que trabajó durante muchos a
ños directamente con Pereira, se
describió como un “lector disciplinado, pero poco motivado para su trabajo de campo”.
(CASTRO, 2010, p. 215). En
o
tra parte de la entrevista, se reitera tal caracterís
tica de Pereira
y se destaca su aproximación con Florestan Fernandes
. Como explicita Martins, “
Luiz Pereira,
muy
influenciado por Florestan, heredó
en
su
personalidad
ese protestantismo sin religión,
en
el modo c
ómo administraba sus horarios y hacia su día
valer por dos, volviéndose un
auténtico campeón de lecturas”.
(CASTRO, 2010, p. 220).
Cabe señalar que, en las d
écadas de 1950 a 1960, Brasil vivió un intenso proceso de
urbanización, relacionado, fuertemente a la política de modernización, industrializa
ción y
desarrollo, período que ocurrió el gobierno del presidente
Juscelino Kubitschek
. Este sería el
segundo período de crecimiento de la hegemonía urbano
-
industrial vivido por nuestro país. El
primero momento, acorde con
Octavio Ianni (1971), fue a parti
r de la implementaci
ón del
Estado Novo, en 1937, y el segundo, en los años de 1956 a 1960, período del gobierno de
Kubitschek
. En dicho período, acorde con el investigador, ocurrió un proceso de sustitución
de importaciones y Brasil pasó a producir más bie
nes durables, de capital y bienes
intermediarios. Pero, la hegemonía del urbano sobre el rural hubiera trasformado también la
cultura. En las palabras del autor, “la cultura, en su sentido amplio, se convirtió de modo
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notable, por el desarrollo de nuevas f
ormas de pensar y nuevas posibilidades de acción”
(
IANNI, 1971, p. 172).
Hechos destaques con relación a la relevancia de ver con atención las investigaciones
desarrolladas por
Luiz Pereira
para comprender el proceso de profesionalización del
magisterio br
asileño y sobre el contexto político, social y económico de Brasil entre las
décadas de 1950 a 1960, importa presentar brevemente las dos obras del sociólogo que se
analizarán en este artículo. La primera obra analizada será
A escola numa área metropolita
na
,
en la cual el soci
ólogo
Luiz Pereira (1967)
identifica una escuela primaria brasileña en
cambio frente a un proceso de burocratización de las instituciones escolares.
En este proceso de cambio, Pereira diagnostica un
descenso
de una concepción
paterna
lista del magisterio primario como una actividad artesanal
-
misionaria por
concepciones burocráticas acerca de la profesión docente. La segunda obra que analizaremos
se constituye en el estudio
nombrado
O
magistério primário numa sociedade de classes
,
donde
damos especial atenci
ón en nuestros análisis para las investigaciones de Pereira (1969)
relacionadas a las capacidades integrativas del magisterio entre los papeles domésticos y a los
papeles profesionales descriptos por el sociólogo como una de las princ
ipales características
para que el magisterio fuera ejercido en su gran parte por mujeres.
Creemos que, a través de este estudio, podemos contribuir a una mayor comprensión
de los procesos de profesionalización del magisterio brasileño, cuestionando su co
nstitución
dentro del pensamiento pedagógico brasileño de la segunda mitad del siglo XX (SCHERER,
2019).
Para consolidar una agenda de investigación sobre la enseñanza brasileña, es necesario
invertir en estudios históricos que, mirando la literatura pedag
ógica, nos ayuden a
problematizar cómo se constituyeron esos movimientos dentro de esa trama discursiva. En
este artículo, realizamos una opción en términos metodológicos para analizar la enseñanza
como práctica acercándose a los Estudios Foucaultianos. Es
tos estudios definen el concepto
de práctica como una racionalidad o regularidad que organiza lo que los sujetos hacen cuando
hablan o cuando actúan, y que puede constituir experiencias o pensamientos.
(CASTRO,
2009).
Las prácticas se referirían tanto a lo
que se puede “
describir, analizar y problematizar
como, al mismo tiempo, al dominio de las propias descripciones, análisis y
problemati
zaciones que se ponen en marcha”
(VEIGA
-
NETO, 2008, p. 7). Para Foucault,
todo sería práctico y todo estaría inmerso en
relaciones de saber que se implic
an mutuamente
(FISCHER, 2012). “
En otras palabras, los enunciados y las visibilidades, los textos y las
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instituciones, el hablar y el ver son prácticas sociales por definición permanentemente
aprisionadas, atadas a las rela
ciones de poder, que las suponen y actualizan
”
(FISCHER,
2012, p. 75).
En este sentido, a través del análisis de dos obras académicas con un importante
impacto en la producción de la teoría educativa brasileña, nos proponemos mapear algunos de
los signifi
cados que han circulado sobre la enseñanza y la profesionalización de la misma,
cuestionando qué prácticas pueden ser descritas en este período. La perspectiva histórica que
asumimos en este trabajo se aleja de una posición que pretende glorificar, reedita
r y mucho
menos juzgar el pasado. Como explica Heloisa Villela (2005, p. 78), la perspectiva histórica
de los documentos pretende
“
comprender el significado del movimiento que define los
cambios y la permanencia de los procesos sociales
”
. En este artículo,
al analizar los trabajos
académicos de Pereira escritos en la década de 1960, no queremos construir explicaciones ni
establecer vínculos con el pr
esente. Miramos el pasado como “
un territorio de diálogo con las
nuevas generaciones y unas posibilidades de
intuición creativa para los impases que se s
itúan
en el desafiante presente”
(VILLELA, 2005, p.78).
Doce
ncia
y burocratización del magiste
rio:
descenso
d
e la concepción
artesanal
-
mi
sionaria
En esa sección, como ya anunciado anteriormente, analizaremos
la obra
A escola
numa área metropolitana
,
escrita por Luiz Pereira en el año
1960
3
.
El trabajo empírico para la
escritura de esta obra se realizó por Pereira en la ciudad de Santo André, ubicada en el interior
de São Paulo, en el final de la década de 1950
, y se presentó en formato de monografía para
conclusión de los estudios de especialización en Sociología bajo orientación del profesor
Florestan Fernandes.
Seguimos entonces la línea argumental trazada por el sociólogo en la obra para
entender cómo la te
nsión entre
las concepciones burocráticas
y patrimonialista de la
enseñanza produjo el declive de la concepción artesanal
-
misionera del trabajo docente y, en
consecuencia, la pérdida de sentido de la imagen de la profesora como segunda madre de los
alumnos
. Comenzamos presentando un conjunto de extractos en los que Pereira (1967), a
3
En la bibliografía disponible sobre el sociólogo, encontramos dos referencias sobre el año de publicación de la
obra. Aunque muchos est
udios hacen referencia a 1960 como año de publicación, algunos también anuncian el
año 1967. Esta divergencia parece derivar del hecho de que el libro se publicó en 1967 y la monografía de la que
se derivó el trabajo se presentó en 1960. En palabras de Per
eira (1967, p. 15), "salvo algunos pequeños cambios,
el texto anterior es el mismo con el que presentamos esta monografía en el primer semestre de 1960". Por lo
tanto, las dos fechas son correctas y se refieren a ediciones diferentes de la investigación. L
a edición utilizada
para el análisis en la tesis es la de 1967, publicada en formato de libro.
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partir de un análisis del Regimiento, presenta las funciones docentes requeridas en el período
dividiéndolas en tres sectores:
Para fines de exposición y análisis, separamos l
as atribuciones de los
profesores,
estab
lecidas en el Regimiento, en tres sectores: de las
actividades
relativas a su clase o grupo de alumnos, de sus
actividades
extraclase, y de
sus relaciones
con
colegas y dem
ás funcionarios de la escuela. Las normas
de
l primer sector, mucho más numerosas que las de los otros dos tipos,
definen tres conjuntos de actividades: las docentes, las de control y de los
alumnos y las de “escrituración”
(
PEREIRA
, 1967, p. 74,
énfasis añadido,
traducción nuestra
).
Como se puede o
bservar, a lo largo de los análisis realizados por Pereira, las
actividades docentes atribuidas por el Regimiento tenían como función principal organizar
este trabajo a partir de un proceso de burocratización de esta ocupación
4
,
que se hizo
necesario y coh
erente con el período histórico de urbanización en el que se encontraba Brasil,
descrito anteriormente en esta sección.
Para el desarrollo de la nación, era necesario dejar una visión tradicional y
patrimonialista de la enseñanza y hacerla más burocrática.
Otra cuestión que fue destacada
por Pereira (1967), en el Regimiento, fue la influencia de la Pedagogía Moderna y de las
teorías de la Escuela Nueva que, poco a poco, fueron insertadas en la formación de los
profesores y exigidas por la legislación. Sin e
mbargo, el sociólogo afirma que, incluso con
todos los esfuerzos de burocratización observados en el Regimiento, todavía eran visibles
varias incoherencias internas en el documento, especialmente en lo que respecta a los
principios pedagógicos modernos jun
to con los fundamentos de la antigua escuela, como sería
visible, en las cuestiones relacionadas con la verificación del aprendizaje de los alumnos y el
mantenimiento de la disciplina.
Tras analizar el Regimient
o, Pereira (1967) dirige sus aná
lisis para lo
que
él denomina
como la “personalidad
-
status
inicial de profesor”, que implicaría la aceptación de algunas
reglas del Regimiento y, por lo tanto, una concepción burocrática de la docencia, juntamente,
con la acomodación de algunas concepciones patrimonial
istas, de la docencia, que permiten al
4
El proceso de burocratización de las funciones docentes analizado por Pereira es coherente con la época en que
se escribió la obra. Es importante considerar qu
e análisis posteriores sobre los procesos de implementación de
los grupos escolares, como el trabajo de Eliane Peres (2000), muestran que la consolidación de los grupos
escolares en la década de 1930 se dio en el contexto de un proceso de fortalecimiento d
e un nuevo discurso que
la investigadora denominará "renovación pedagógica". La renovación pedagógica está constituida por diferentes
saberes y conocimientos provenientes de la Psicología, la Pedagogía Experimental y la Nueva Educación, entre
otros. "Al co
nfigurar la escuela, las ciencias modernas también se fueron produciendo y legitimando poco a
poco. Hubo, pues, un doble movimiento: las ciencias pedagógicas produjeron prácticas escolares al mismo
tiempo que se produjeron a partir de esas prácticas".
(PER
ES, 2000, p.
16).
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sociólogo afirmar una condición de semiburocratización de la institución escolar analizada
por él.
Esa personalidad
-
status
ideal de profesor es congruente con la
representaci
ón patrimonialista de la escuela primaria
pública: como algo que
“pertenece” a su personal docente
-
administrativo, que presta una especie de
favor a sus alumnos y sus familias, “
ayudándolos en la vida” gracias a la
enseñanza de las técnicas elementares de la cultura
-
lectura, escritura y
cálculo.
El “buen”
profesor de primaria se dedica mucho a los alumnos,
sintiéndose muy "dueño" de su puesto y de los niños de su clase. En vista de
ello, no admite la interferenc
ia de los padres descontentos: “aquí mando yo a
tu hijo”
es una frase compatible con es
a concepción. Asimismo, no aprecia
el control del director sobre las actividades que conciernen a su clase. Todo
lo resuelve por sí mismo, recurriendo al director sólo en casos extremos
(PEREIRA, 1967, p. 78, énfasis del autor
, traducción nuestra
).
A part
ir de la “personalidad
-
status ideal de profesor”
, descripta en los análisis de
Pereira (1967) confrontada con las funciones docentes descriptas en el Regimiento, posibilita
percibir, esta tensión entre valores patrimonialistas y valores burocráticos, siend
o cada uno de
ellos relacionados a diferentes concepciones de docencia. Es importante destacar que tal
abordaje del sociólogo no supone que los modelos presenten distintas temporalidades; por el
contrario
, lo que Pereira nos llama atención en sus análisis
es para la coexistencia de estos
modelos. Es esta coexistencia de los modelos patrimonialista y burocrático que, acorde con
Pereira (1967), produce el
descenso
de la concepción de docencia como una actividad
artesanal
-
misionaria. Para ello, el investigador
brasileño presenta también
un tercer
matiz
de
análisis, ya no como la docencia del Regimiento, ni la docencia del status
-
ideal, sino la
docencia real, como podemos ver en el trecho a continuación:
Se trata de la concepción paternalista de la enseñanza p
rimaria como
actividad
artesanal
-
misionera
, sustituida a gran escala por las concepciones
burocráticas sobre la profesión, que llevan a los profesores a considerarla en
términos instrumentales, evaluándola en función de las compensaciones
obtenidas a travé
s del trabajo, precisamente las concepciones burocráticas
inherentes al cargo. Sin embargo, en la evaluación de estas compensaciones
se siguen utilizando otros criterios tradicionales. Así, como burócratas, los
profesores se quejan de los salarios percibid
os, juzgándose "proletarios con
corbata" y admitiendo que "a poco dinero, poco trabajo" (PEREIRA, 1967,
p. 82
-
83, énfasis del autor
, traducción nuestra
).
Pereira (1967), al analizar las transformaciones de la escuela primaria brasileña en un
contexto de u
rbanización, ofrece elementos para la comprensión de algunas transformaciones
importantes relacionadas con el trabajo docente. Así, el autor nos muestra que la sustitución
de las motivaciones paternalistas por otras de carácter burocrático no produjo un co
ncepto de
enseñanza que se correspondiera con todos los aspectos exigidos por el Reglamento. Podemos
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observar entonces que, durante este período, la labor docente se configuró mediante una
yuxtaposición de concepciones burocráticas y paternalistas de la en
señanza, produciendo
-
sí
-
una disminución de la concepción artesanal
-
misionera, pero no una enseñanza altamente
burocrática.
Las profesoras de la escuela analizada por Pereira (1967), como él mismo señalará, ya
no se identificaban con la representación de
la maestra como segunda madre de los alumnos,
como puede verse en el fragmento que sigue:
Frente a ellos, dentro de las aulas, no se comportan como una especie de
segunda madre, como correspondería a quienes se identifican con la
concepción paternalista d
e la enseñanza primaria. Actúan únicamente como
profesores, tendiendo sus relaciones con los alumnos al tipo categórico.
Incluso el interés por el aprendizaje de los alumnos parece consistir en un
interés "personal" del profesor: quiere la aprobación del a
lumno porque le da
"puntos" para su traslado a otra escuela, más que un beneficio para el niño
(PEREIRA, 1967, p. 83, énfasis del autor
, traducción nuestra
).
Esta decadencia de la imagen de la profesora como segunda madre de los alumnos,
descrita por Pere
ira (1967) ya en la década de 1960, demuestra que el período de urbanización
brasileño produjo importantes cambios en las formas de representación de los profesores e,
igualmente, una falta de identificación de las profesoras con la concepción patrimoniali
sta de
la enseñanza y los estándares de la concepción burocrática.
El sociólogo describe algunos casos extremos derivados de sus incursiones empíricas
para dar visibilidad a esta falta de identificación de los nuevos profesores:
“
varias veces
adelantan el
reloj de la e
scuela para intentar engañar al funcionario
encargado de las señales
de entrada y salida de clase; y casi a diario se van a la cocina, permaneciendo allí medi
a hora
más o menos, ¡dejando el grupo
en el aula!
”
(PEREIRA, 1967, p. 83). Según el s
ociólogo, ese
nivel de falta de identificación era más visible en los profesores más jóvenes, mientras que los
más veteranos calificaban estas actitudes de falta de vocación o desinterés de las nuevas
generaciones por la enseñanza.
El trabajo de Pereira (1
967), analizado en este apartado, al describir un proceso de
burocratización de la actividad docente, muestra que para llevar a cabo e
ste oficio se siguen
valorando “
rasgos que también se consideran típicamente femeninos: el afecto, la paciencia,
la compre
nsión, etc. hacia los niños, vinculados a lo que se suele llamar
instinto maternal
”
.
(PEREIRA, 1967, p. 79). Aunque se trata de un estereotipo ligado a una concepción
paternalista de la enseñanza que, como señala el sociólogo, está en
descenso
, esta
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repres
entación
docente sigue configurando el “
estatus de
personalidad del profesor ideal”
en
el periodo analizado por el sociólogo.
Docencia y las capacidades integrativas: relaciones entre las mujeres y el magisterio
Pereira (1996), en la obra que se
analiza
en esta secci
ón, al tomar como objeto de
estudio el magisterio primario y señalar esta ocupación como una de las principales
modalidades de profesionalización femenina en la sociedad brasileña, ve, metodológicamente,
este fenómeno desde tres dimensiones:
estructural, ideológica y motivacional. El primer
trecho que nos gustaría destacar de los análisis del sociólogo se refiere a la división sexual del
trabajo en la organización escolar:
El análisis de las funciones que desempeña el profesor en el plan de
la
escuela primaria institucionalizada muestra que algunas actividades de
carácter administrativo forman parte de ellas, junto con las actividades de los
propios profesores. Con respecto a ellas, las tareas administrativas aparecen
como secundarias y reduc
idas, y siempre subordinadas a las del director, el
inspector y el delegado de enseñanza. De este modo, el cuadro anterior
muestra, bajo otra luz, esa misma característica estructural del sistema
público estatal de enseñanza primaria, que ahora aparece com
o consistente
en el predominio de mujeres en los puestos de
“
ejecución
”
y de hombres e
n
los de “
dirección
”
. En otras palabras, las relaciones asimétricas entre los
sexos se repiten en la estructura de este sistema social parcial, reflejando
idénticas orien
taciones del sistema social global. Por lo que sabemos, la
misma característica es evidente en otras empresas con una considerable
proporción de mujeres entre sus miembros
(
PEREIRA
, 1969, p. 18
,
traducción nuestra
).
Mirando el
trecho
, operando con el géne
ro como categoría analítica, como propuso
Scott (1995, p. 14), se observa necesariamente una conexión entre la historia y las prácticas
contemporáneas, produciendo así un sentido a la forma en que se organiza y percibe el
conocimiento socialm
ente construid
o, siendo así un “
elemento constitutivo de las relaciones
sociales basadas en las diferencias percibidas entre los sexos una primera forma de dar se
ntido
a las relaciones de poder”
. Esto puede verse como una distinción entre lo que se esperaba de
las mujer
es y de los hombres en esa sociedad, y terminó conduciendo sus elecciones y sus
opciones.
También es importante observar con atención el análisis de Pereira (1969) sobre la
escasa representatividad de las mujeres en los puestos de organización de las acti
vidades
docentes. Las cifras señaladas por Pereira (1969) son las siguientes: el 93,3% de las mujeres
ocupan el puesto de maestra de primaria. En relación con el cargo de director, sólo el 32,6%.
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En los otros dos puestos, el porcentaje desciende aún más, s
iendo del 5,9% para el puesto de
inspector y del 2,2% para el puesto de delegado de enseñanza.
Pereira (1969, p. 32), justifica
estas cifras por dos supuestos.
La primera estaría relacionada con el funcionamiento social que, al imponer
condiciones específ
icas para el cumplimiento de los cargos de dirección, para que se produzca
el adecuado cumplimiento de las actividades correspondientes al cargo, acabar
ía apartando a
las mujeres que “
se encontrarían menos ajustadas que los hombres, debido a sus
social
izac
iones diferenciales previas”
.
Y la segunda, relacionada con el funcionamiento del sistema social global,
especialmente relacionado con la diferencia sexual, que acabaría alejando a las mujeres de
ciertas funciones y acercando a los hombres. Podemos entende
r este fenómeno a partir de la
teorización propuesta por Christine Willians (1995), en la que la autora muestra que, en
diferentes
situaciones, parece existir un “techo de cristal”
que operaría como límite invisible y
limitaría el ascenso de las mujeres, m
ientras que, en el caso
de los hombres, tendríamos una
“escalera mecánica invisible”
que impulsaría el ascenso masculino.
La relación entre la enseñanza y el matrimonio, en los análisis de Pereira (1969), es
también un aspecto relevante, ya que es precisam
ente articulando estos dos elementos que el
investigador presentará la cuestión de las capacidades integ
radoras. Según el
sociólog
o
, el
matrimonio y la profesión implicarían para las mujeres dos conjuntos de roles diversos cuya
integración o conciliación,
en la mayoría de los casos, sería casi imposible, dificultando el
acceso de las mujeres a determinadas profesiones. Así, la acomodación entre los posibles
roles a ocupar por las mujeres, en ese período, se presentaría en tres opciones, transcritas en el
ex
tracto siguiente:
La acomodación entre esos roles abiertos a las mujeres adultas se procesa de
tres maneras distintas: 1) sucesión cronológica entre las fases de la vida del
individuo, la primera de las cuales se caracteriza por el celibato y el trabajo
p
rofesional y la segunda por el matrimonio y el abandono de los roles
profesionales; 2) afiliación simultánea del individuo a la norma profesional y
a la norma doméstica plenamente realizada con el matrimonio; 3)
permanencia del individuo en la norma profes
ional y en la condición de
célibe. Los estudios de los sistemas urbano
-
industriales más avanzados
muestran que las mujeres casadas participan en una escala mucho menor que
las solteras en la población económicamente activa, un fenómeno que puede
explicarse
, al menos en parte, por las mayores dificultades a las que se
enfrentan para compaginar sus funciones domésticas con las profesionales
(
PEREIRA
, 1969, p. 33
-
34
, traducción nuestra
).
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A partir de los análisis diagnósticos realizados por Pereira (1969) sobr
e los sistemas
urbano
-
industriales, se pudo constatar que las mujeres casadas ocupaban la categoría de
población económicamente activa en menor medida, ya que se hacía incompatible la
combinación de las actividades domésticas, exigidas por el matrimonio, c
on las actividades
profesionales exigidas por el trabajo fuera del hogar. Así, muchas mujeres de la época
abandonaron sus carreras profesionales para dedicarse al hogar. Como vimos en el apartado
anterior, esta era una opción, principalmente, para las chic
as de clases más favorecidas, que
podían optar por dedicarse exclusivamente al hogar.
Sin embargo, lo que el sociólogo señalará en su estudio es que, en el caso de la
enseñanza primaria, había una tendencia a que las profesoras estuvieran vinculadas a amb
os
tipos de roles, es decir, tanto al doméstico como al profesional. Esta constatación se basa en el
número de profesoras casadas e, igualmente, en el deseo matrimonial de la mayoría de las
profesoras aún solteras. Con estos datos, Pereira (1969, p. 34) pl
antea
la hipótesis de que
existirían “
grandes capacidades integradoras entre los domésticos y sus actuales roles
profesional
es”
. Esta posibilidad de conciliar los dos patrones, el doméstico y el profesional, se
debió a algunas características de la profesi
ón docente que facilitarían la acomodación de
estos dos roles, como se presenta en el extracto siguiente:
Los argumentos que justifican la mayor idoneidad de la enseñanza primaria
para el sexo femenino se clasifican en dos tipos. El primero se refiere a l
os
rasgos de la personalidad femenina: algunos s
e refieren explícitamente a la
“herencia”
y otros no. Los rasgos psíquicos más señalados son el
“
instinto
maternal
”
y una mayor dosis, en la mujer, de ciertas aptitudes, habilidades o
destrezas consideradas a
propiadas para las relaciones interpersona
les del
maestro con los hijos: “
afecto
”, “
amor
”, “
docilidad
”
,
“
comprensión
”
,
“
paciencia
”
,
“
abnegación
”, “
comunicabilidad
”, “
dulzura
”, “dedicación”
, etc.
El segundo tipo incluye lo que se llamaría factores extrínsec
os, porque están
vinculados no a la personalidad del profesor, sino a las condiciones de
funcionamiento de la escuela: salario considerado bajo, pocas horas de
trabajo diario, prestigio profesional considerado insatisfactorio, etc.
(
PEREIRA
, 1969, p. 48
, t
raducción nuestra
).
El extracto anterior nos ayuda a entender más claramente cómo la enseñanza primaria
se ha fortalecido como una actividad femenina en Brasil a partir de una fuerte conexión con la
maternidad. Según Marina Maluf y Maria Mott (1998), fue
la propagación de un discurso
biologicista la que difundió la creencia de una naturaleza femenina y del instinto maternal,
homogeneizando el lugar de la madre como aquella que cuida y no abandona a sus hijos.
Según los investigadores, esta creencia prevale
ció durante la primera mitad del siglo XX y
redujo los lugares de la mujer en la sociedad como: madre, esposa y ama de casa. Podemos,
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entonces, observar cómo esos discursos biologizantes, que vinculaban el lugar de la mujer a la
maternidad y al cuidado del
hogar, son centrales para el fortalecimiento del proceso de
feminización de la enseñanza brasileña.
Para Pereira (1969, p. 51), en su opinión, esta analogía entre las representaciones sobre
los roles maternos y docentes podría
explicarse como una especie
de “
extensión
profesionalizada de los roles maternos
”
, constituyendo una ideología profesional
correspondiente a esta ocupación. El problema que señala el sociólogo de esta relación sería el
fundamento ideológico basado en las relaciones asimétricas entre
los sexos, que sustentaría
dicha adaptación y justificaría, entre otras cuestiones, el mantenimiento de las mujeres en
posiciones subordinadas e incluso con bajos salarios. Según la socióloga brasileña
(PER
EIRA, 1969, p. 53), habría una “
conexión funciona
l entre los estereotipos femeninos y
los salarios juzgados como inferiores: éstos sostienen, al menos en part
e, los estereotipos y
viceversa”
. Así, tanto los estereotipos de sexo, ligados a la enseñanza primaria, como el nivel
de remu
neración, habrían actu
ado como “
poderosas fuerzas sociales responsables del elevado
predominio del número de mujeres en esta ocupación, al alejar a los individuos mas
culinos de
la misma”
.
(PEREIRA, 1969, p. 53).
Con estos análisis sociológicos, Pereira (1969, p. 59) señala que
desde una perspectiva
privatista, es decir, que correspondería a los intereses de los maestros y sus famil
ias, la
enseñanza primaria era “
una de las modalidades más exitosas de participación de las mujeres
en la
población económicamente activa”
. Sin embar
go, la profesionalización femenina, para
el magisterio, no alcanzaría la etapa de la profesionalización masculina debido a la
organización social y a la condición tradicional de la mujer en la sociedad brasileña de ese
período histórico. Estas cuestiones
,
según Pereira (1969, p. 61), “
afectarían negativamente al
propio desempeño de las funciones profesionales de las profesoras en el sistema escola
r”
,
señalando la importancia de que se supere el estado de acomodación entre los roles
domésticos y profesionale
s.
Es en este contexto, identificado por el sociólogo, en el que sería necesario superar la
acomodación entre los roles domésticos y profesionales en la enseñanza primaria, que señala
la importancia de las discusiones sobre la profesionalización de esta
modalidad, a la que
dedicará un capítulo completo de su obra para ser discutido. En este capítulo, Pereira (1969)
discute el trabajo docente a partir de dos modelos: el artesanal y el profesional. Mientras que
en el modelo artesanal las recompensas se obte
ndrían por el trabajo en sí mismo, en el modelo
profesional el énfasis se pondría en las recompensas o satisfacciones derivadas del trabajo.
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En su investigación con profesores de escuelas normales, normalistas y primarias
sobre cuáles serían las aspiracion
es de los profesores de primaria, Pereira (1969) nos presenta
elementos importantes para entender sobre qué pilares parece sostenerse la profesionalización
de la enseñanza en un contexto de urbanización en Brasil. Como nos muestra Pereira (1969),
en aquell
a época se disputaban dos modelos, siendo, por un lado, una concepción artesanal del
trabajo docente y, por otro, una visión más profesional.
La insatisfacción de las aspiraciones instrumentales de los profesores produciría
repercusiones perjudiciales para
el carácter colectivista del sistema escolar, exacerbando las
orientaciones individuales en detrimento de las obligaciones inherentes al cargo. Para ilustrar
esta tensión, Pereira (1969) describe el caso de las actitudes de los profesores de primaria
haci
a los periodos escolares diarios.
En el contexto en el que se desarrolló el estudio, el periodo de enseñanza debería ser
de cuatro horas, pero debido al gran número de alumnos y al reducido número de aulas,
muchos centros y profesores trabajaron en el peri
odo de tres horas. Sin embargo, poco a poco,
esta cuestión empezaba a equilibrarse y los periodos debían volver al horario normal y, según
el so
ciólogo, “
casi todos los argumentos esgrimidos por los profesores en contra de la
prolongación de su jornada lab
oral se refieren a otro tipo de actividades que realizan durante
el tiempo que pasan fuera de las escuelas primarias públicas
”
(PEREIRA, 1969, p. 126), como
los deberes, el cuidado de los niños o de los enfermos y la dificultad para conducir hasta el
lugar
de trabajo.
El problema de las jornadas laborales fue examinado por Maria Esteves de Oliveira
(2017), en una publicación reciente, como uno de los elementos históricos de la precariedad
del trabajo docente. Según la investigadora, las primeras reformas qu
e marcan la ampliación
de la jornada docente en Brasil datan de 1
950. Sin embargo, habrían sido “
las políticas
adoptadas posteriormente, por el régimen cívico
-
militar, las que llevaron definitivamente a la
expansión de la educación pública en Brasil bajo u
na fuerte connotación cuantitativa,
masificada en detrime
nto de la expansión cualitativa”
(OLIVEIRA, 2017, p. 4).
Como señala Jamil Cury (2007), la Constitución Federal de 1967 presenta grandes
avances en relación con la ampliación de la educación básica g
ratuita y obligatoria durante
ocho años. Sin embargo, al eliminar la vinculación constitucional de los recursos bajo la
justificación de una mayor flexibilidad presupuestaria, habrían sido los docentes quienes, con
el aumento de la jornada laboral y la dis
minución de los salarios, terminaron pagando la
factura del proceso de democratización de la educación.
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Es en este contexto, descrito por Cury (2007) y Oliveira (2017), en el que, por un lado,
se percibe un aumento de la democratización de la enseñanza y,
por otro, una precarización
del trabajo docente, que se insertan los trabajos producidos por Pereira. Si, como hemos
tratado de mostrar hasta ahora, la profesión docente se constituyó como una profesión
adecuada para las mujeres, por características intrín
secas ligadas a una supuesta naturaleza
femenina y por características extrínsecas ligadas a la organización del trabajo escolar, que
Pereira (1969) denominó en un segundo momento capacidades integradoras, esta condición
comenzó a ser criticada por un grup
o de investigadores en educación que pretendían defender
la competencia técnica como base de la práctica docente.
Como señala Louro (1986, p. 258) en su tesis, el estudio de Guiomar de Mello sobre la
regencia de primer grado deja “
constancia de que la voca
ción
-
expresión vaga e indefinida
-
se utilizó para mantener la profesión de regente como carrera femenina, para vincularla con
un ideal de sacerdocio y, en consecuencia, con la acep
tación de una baja remuneración”
.
Objetivamente, en este artículo buscamo
s describir las formas en que la feminización de la
enseñanza en Brasil durante las décadas de 1960 y 1970 adquirió diferentes significados y
pasó por un proceso de tensión. Más allá del ámbito de una vocación o naturaleza femenina,
mostramos que la femini
zación ha estado marcada por el declive de la concepción artesanal
-
misionera de la enseñanza, así como por las capacidades integradoras. Tomada como una
ocupación femenina, la enseñanza se reposiciona en el ámbito de una actividad desarrollada
en el contex
to de la urbanización brasileña y de la democratización del acceso a la
escolarización.
Consideraciones finales
Iniciamos este artículo entendiendo que un trabajo académico con documentos, desde
una perspectiva histórica, necesita constituir un
“
territo
rio de diálogo con las nuevas
generaciones y [proponer] algunas posibilidades de intuición creativa para los impasses que
surgen en el desafiante
presente”
(VILLELA, 2005, p. 78). Creemos que al revisar los
primeros estudios sociológicos de Luiz Pereira so
bre la profesionalización de la enseñanza
brasileña, pudimos establecer un importante diálogo que apunta a cuestiones importantes que
deben ser consideradas y comprendidas por futuros estudios que busquen investigar tales
temas.
Los estudios producidos p
or Pereira sobre la escuela brasileña de finales de la década
de 1950, al describir el cambio entre una concepción paternalista de la profesión docente y
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una concepción burocratizada de esta agrupación profesional, presentan importantes
contribuciones para
comprender los aspectos emergentes sobre la profesionalización de la
enseñanza. También es importante reiterar que en los análisis producidos por el sociólogo se
hacen visibles algunas cuestiones contemporáneas. Entre ellas, destacan las quejas de los
pro
fesores sobre la falta de interés de los alumnos y los bajos salarios. También se evidencia
una difícil relación con la comunidad escolar y el énfasis en un modelo de cultura escolar
individualista.
Se observa que el reconocimiento profesional del magiste
rio brasileño termina siendo
la ambivalencia entre el paternalismo y la burocratización. Las capacidades integradoras entre
los roles doméstico y profesional que ofrece la profesión docente, además de fortalecer la
docencia como profesión femenina, en el p
eríodo analizado, termina por resolver tal impasse,
aunque sea temporalmente.
La principal contribución de los estudios de Pereira es la lectura crítica que propone el
sociólogo sobre la escolarización brasileña en la segunda mitad del siglo XX. En sus est
udios
sociológicos, Pereira, al proponerse investigar la condición del trabajo docente, su relevancia
social y sus repercusiones en la vida cotidiana de las comunidades, abrió una importante
agenda de investigación para futuros estudios sobre estos temas.
Como nos recuerda el historiador António Nóvoa (1999, p. 12), lo mínimo que
podemos
esperar de un educador es que “
sea capaz de sentir los desafíos de la época actual,
de pensar su acción en las continuidades y cambios del trabajo pedagógico, de participar
críticamente en la construcción de una escuela más atenta a las realidades de
los diferentes
grupos sociales”
. Creemos que los estudios que se proponen revisar el pensamiento
pedagógico brasileño pueden contribuir para que podamos comprender los desafíos
de nuestro
tiempo y proponer acciones y lecturas críticas y creativas para los desafíos del presente.
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Enviado el
:
11/07/2019
Revisiones
requeridas:
25/09/2019
Aprobado el
:
11/06/2020
Publicado el
:
02/01/2021