SEGUINDO OS TRAÇOS DA EPISTEME MODERNO/COLONIAL NO DOCUMENTO CURRICULAR DO ESTADO DO PARÁ


SIGUIENDO LAS HUELLAS DE EPISTEMAS MODERNOS/COLONIALES EM EL DOCUMENTO CURRICULAR DEL ESTADO DE PARÁ


FOLLOWING THE TRACES OF MODERN/COLONIAL EPISTEMS IN THE CURRICULAR DOCUMENT OF THE STATE OF PARÁ


Joyce Otânia Seixas RIBEIRO1


RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a política curricular do estado do Pará, considerando a episteme moderno/colonial. O aporte teórico é o do giro decolonial com Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo

(2014), e dos estudos curriculares com Silva (1999), Macedo (2014; 2015) e Lopes (2004; 2008; 2019). O campo de investigação é o Documento Curricular do Estado do Pará, e a arte do fazer é a etnografia multilocal, um procedimento emergente para a análise de documentos (MARCUS, 2001). Os resultados indicam que dois traços da episteme moderno/colonial se destacam, a estrutura disciplinar e a homogeneização cultural, produzindo um documento curricular inconsistente. Indico como razão de tal inconsistência curricular o fato de os agentes estatais terem conduzido a metodologia de elaboração do Documento Curricular do Estado do Pará por meio de excessiva obediência epistêmica, bem como por terem excluído a sociedade civil organizada e as comunidades tradicionais do processo. Concluo argumentando que a desobediência epistêmica é capaz de produzir uma política do conhecimento outra, orientada pela política do lugar, pela transdisciplinaridade e pela interculturalidade.


PALAVRAS-CHAVE: Episteme moderno/colonial. DCEPará. Estrutura disciplinar. Homogeneização cultural. Desobediência epistêmica.


RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo analizar la política curricular del estado de Pará, considerando la episteme moderno/colonial. El aporte teórico es el del giro decolonial con Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo

(2014), y de estudios curriculares con Silva (1999), Macedo (2014; 2015) y Lopes (2004; 2008; 2019). El campo de investigación es el Documento Curricular del Estado de Pará, y el arte de hacer es la etnografía multilocal un procedimiento emergente para el análisis de documentos (MARCUS, 2001). Los resultados indican que se destacan dos rasgos de la episteme moderno/colonial, la estructura disciplinaria y la homogeneización cultural, produciendo un documento curricular inconsistente. Indico como razón de tal inconsistencia curricular el hecho de que los agentes estatales hayan conducido la metodología de elaboración del Documento Curricular del Estado de Pará a través de una excesiva obediencia epistémica, así como por haber excluido del proceso a la sociedad civil organizada y las comunidades tradicionales. Concluyo argumentando que la desobediencia


1 Universidade Federal do Pará (UFPA), Abaetetuba – PA – Brasil. Professora da Faculdade de Educação e Ciências Sociais e Professora do Programa de Pós-Graduação em Cidades: Territórios e Identidades. Doutorado em Educação (UFPA). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1323-3554. E-mail: joyce@ufpa.br




epistémica es capaz de producir una política de conocimiento diferente, guiada por la política del lugar, la transdisciplinariedad y la interculturalidad.


PALAVRAS CLAVE: Episteme moderno/colonial. DCEPará. Estructura disciplinaria. Homogeneización cultural. Desobediencia epistémica.


ABSTRACT: This paper aims to analyze the curricular policy of the state of Pará, considering the modern/colonial epistemic. The theoretical contribution is that of the decolonial overturn with Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo (2014), and of the curricular studies with Silva (1999), Macedo (2014; 2015), and Lopes (2004; 2008; 2019). The field of investigation is the Documento of the State of Pará, and the art of doing is multifocal ethnography, an emerging producer for the analysis of documents (MARCUS, 2001). The results indicate that two features of the modern/colonial epistemic stand out, the disciplinary structure and the cultural homogenization, producing an inconsistente curriculum document. I indicate as a reason for such curricular inconsistency the fact that the state agents have conducted the methodology of elaboration of the Curricular Document of the State of Pará through excessive epistemic obedience, as well as for having excluded organized civil society and traditional communities from the process. I conclude by arguing that epistemic disobedience is capable of producing a different knowledge policy, guided by the politics of place, transdisciplinarity and interculturality.


KEYWORDS: Modern/colonial episteme. DCEPará. Disciplinary structure. Cultural homogenization. Epistemic disobedience.


Introdução


Este artigo tem como objetivo seguir dois traços da episteme moderno/colonial presentes na política curricular do estado do Pará e, neste movimento, conto com as contribuições do giro decolonial, dialogando com Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo (2014), bem como com Silva (1999), Macedo (2014; 2018) e Lopes (2004; 2008; 2019) no campo dos estudos curriculares.

Penso que convém esclarecer brevemente sobre o giro decolonial. Trata-se de um movimento político, teórico e ético que vem sendo constituído por uma comunidade de argumentação com intelectuais da América Latina, como Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Ramón Grosfoguel, Nelson Maldonado-Torres, Arturo Escobar, Santiago Castro-Gómez, Zulma Palermo, María Lugones, Catherine Walsh, e muitos outros. Este movimento se iniciou no final da década de 1990, tendo se consolidado como uma alternativa crítica para pensar saídas aos problemas da região. Esta comunidade de argumentação parte do pressuposto de que a modernidade é produto do colonialismo e das quatro estratégias coloniais2,

2 Colonialidade do poder, colonialidade do saber, colonialidade do ser e colonialidade de gênero.




intencionando visibilizar seu lado obscuro os problemas sociais, epistemológicos e ontológicos , e interromper o domínio colonial na América Latina. Com esta intenção, o giro decolonial tece críticas as teorias liberais, críticas e pós-críticas por considerar que estas ignoram os efeitos do colonialismo na política do lugar e na política do conhecimento. Considerando disso, seu desafio tem sido produzir ferramentas analíticas não-eurocêntricas capazes de auxiliar na constituição de uma episteme e uma arte de viver outra nesta região.

Quanto ao método, em outro lugar3 apresentei com mais vagar a etnografia multilocal e, agora, em razão do espaço, serei breve. A etnografia multilocal é uma arte do fazer emergente, contestada, mas produtiva, que surgiu na década de 1980 como resposta às crises epistêmica e contextual contemporâneas (MARCUS, 2001; MARCUS; FISHER, 2000), expressas na diluição das culturas e no desaparecimento de povos nativos, objetos clássicos da Antropologia. Foi decisivo na opção metodológica pela etnografia multilocal o fato de esta ser marcada pelo rastreio de formações culturais em espaços inusitados no sistema-mundo, palavra-chave do giro decolonial. Há duas modalidades de etnografia multilocal e, aqui, desenvolverei aquela que se ocupa do estudo de arquivos, mais precisamente de documentos. Como os documentos constituem parte do estado moderno, foi imperativo acionar a noção de estado e de burocracia, na medida em que o aspectos regulatórios são centrais (ABRAMS, 2014).

Nesta perspectiva, documentos são considerados espaços sociais definidos por interesses políticos específicos na condução da instituição estatal, por condensarem uma multiplicidade de experiências sociais, o que os torna fonte privilegiada de informação (ZARIAS, 2004, p. 01). Aqui, o documento analisado é o Documento Curricular do Estado do Pará. A arte do fazer consiste em rastrear o discurso, a metáfora e a trama (MARCUS, 2001) que produzem certo documento, mas há outros procedimentos relativos ao manuseio de documentos destacados por Zabala (2010), bem como por Muzzopappa e Villalta (2011), a serem observados. A postura da pesquisadora é orientada por uma ética cujo princípio é “o pessoal é político”, o que constitui identidades e subjetividades voláteis, e permite estranhar o trivial (ZABALA, 2010).

Na tentativa de alcançar o objetivo indicado, organizei o artigo partindo da organização do conhecimento no DCEPará, para, em seguida, me deter nos dois traços da episteme moderno/colonial presentes no documento: a estrutura disciplinar e a homogeneização cultural. Encerro apontando a desobediência epistêmica como possibilidade


3 Artigo intitulado A política de identidade do Documento Curricular do Estado do Pará. Revista Estudios sobre las culturas contemporáneas, Colima, Época III, v. XXVI, n. 52, pp. 9-36, jan./jun. 2021.




para elaborar uma política de conhecimento orientada pela política do lugar, pela interculturalidade e pela transculturalidade, o que já é realidade na Bolívia, Venezuela e Equador.

Convém, ainda, frisar que mesmo estando ciente da consolidação dos estudos curriculares no Brasil, decidi aceitar a provocação de Tomaz Tadeu da Silva (1999) sobre o imperativo de descolonizar o currículo. O curriculista gaúcho prepara o caminho para a realização desta tarefa, porém, o faz por meio da teoria pós-colonial; aqui, aposto na experimentação acionando as ferramentas analíticas do giro decolonial, uma episteme-em- formação envolvente e potente. De tudo, só no ensaio e no erro é possível inventar novas trilhas.


A organização do conhecimento no Documento Curricular do Estado do Pará


Após a aprovação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC no ano de 2018, teve início o processo de implementação para o qual todas as Unidades da Federação foram ampla e intensamente mobilizadas, de modo que até o momento, vinte e um estados e o Distrito Federal já reformularam os currículos da educação infantil e do ensino fundamental4 alinhados à Base. Assim, a Secretaria de Estado de Educação - SEDUC/Pa, aderiu a apoiou a implementação da BNCC, argumentando que: “[...] o MEC convocou os estados para realizar a implementação da referida Base visto que a mesma passa a ser a referência nacional e obrigatória para a (re)formulação dos currículos” (PARÁ, 2018, p. 12, grifo meu), a partir de objetivos de aprendizagem e de habilidades propostas pela BNCC, considerada referência obrigatória. Não me deterei nos problema relativos a adesão à BNCC, pois estes têm sido amplamente debatidos e dizem respeito à lógica da política curricular nacional, marcada pelo ideário neoliberal e pela pedagogia instrumental.

Desse modo, no Pará, várias ações foram realizadas para que as redes de ensino pudessem contar com currículos adaptados à BNCC. O processo envolveu os agentes estatais (equipe técnica) e professores-professoras em um conjunto de atividades visando a reformulação do currículo local, bem como mudanças na avaliação, nos materiais didáticos e na formação continuada de docentes. O Documento Curricular do Estado do Pará/DCEPará foi elaborado sob a coordenação de uma equipe técnica da Secretaria de Estado de Educação do Estado do Pará - SEDUC/Pará e, mesmo contestado, foi aprovado em dezembro de 2018, pelo Conselho Estadual de Educação - CEE/Pará, sendo disponibilizado no portal da SEDUC/

4 Disponível em: http://www.consed.org.br/consed/implementacao-da-bncc-nos-estados. Acesso em: 15 dez. 2020.




Pará5. O documento curricular é apresentado em 462 páginas e organizado em cinco partes. Na capa, chama a atenção as várias imagens em alusão à multiplicidade da cultura paraense, na clara intenção de estabelecer vínculo entre território, cultura e educação.

Antes de apresentar a organização do conhecimento para a educação infantil e o ensino fundamental, o documento em análise situa o contexto histórico contemporâneo, marcado por intensas mudanças sociais e cognitivas, bem como suas consequências nas várias dimensões da vida.


Na sociedade contemporânea vivemos um tempo de intensas mudanças: a dinâmica do trabalho, a maneira como as pessoas interagem, a vida cotidiana e até mesmo o pensamento estão num apelo que solicita aos sujeitos expandirem sua maneira de ver e atuar no mundo e quebrar o olhar padrão sobre as coisas (PARÁ, 2018, p. 13, grifo meu).


[...] a visão moderna de conhecimento que, derivada da especialização, fragmentou-o em especialidades, perdendo assim a visão de totalidade separando os que sabem ‘cientistas’ dos que não sabem cidadãos comuns (FERNANDES, 2007 apud PARÁ, 2018, p. 13).


O documento curricular reconhece que as mudanças socioculturais resultaram dos avanços civilizatórios, e que estes também produziram desigualdades sociais, econômicas, culturais, assim como problemas epistêmicos. Neste último caso, os problemas foram ocasionados pela visão moderna de conhecimento que fragmentou o saber, separou os que sabem dos que não sabem, valorizou os saberes científicos e invisibilizou os saberes populares, levando à perda da visão de totalidade (PARÁ, 2018). O documento curricular informa que tais problemas impõem a necessidade de mudanças. Assim, sugere que as desigualdades sociais e a compartimentação do saber podem ser sanadas por duas ações, uma epistêmica e outra pedagógica. A primeira se expressa na indicação de quebrar o olhar de modo a alterar a forma de ver o conhecimento; a segunda diz respeito à prática pedagógica interdisciplinar; ambas são consideradas necessárias para superar a compartimentação e valorizar a diversidade.

A noção de currículo acionada no documento em tela é a de construção social, logo, o currículo é emancipatório e resultado de seleção cultural conflituosa em razão do controle social. Por outro lado, é perceptível certa inter-relação entre currículo, experiências escolares e identidades. Neste sentido, o currículo traduz-se nas próprias


[...] experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos/as estudantes. Currículo, associa-se, assim, ao conjunto de

5 Portal SEDUC/Pará. Disponível em: http://www.seduc.pa.gov/site/seduc. Acesso em: 15 dez. 2020.




esforços pedagógicos desenvolvidos, com intenções educativas, nas instituições escolares (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 21 apud PARÁ, 2018, p. 16).


No trecho acima fica clara a relação entre experiência, conhecimento e identidades, por isso, o DCEPará insiste no argumento de que as intenções educativas da escola precisam distanciar-se de práticas descontextualizadas e compartimentadas. Para concretizar a noção de currículo como construção social e seu vínculo com as experiências cotidianas que constituem identidades, o documento tenta se distanciar do currículo tipo coleção – sugerindo acompanhar a crítica ao currículo formulada por Basil Bernstein –, pois esta modalidade de currículo fragmenta e isola os conhecimentos. Para o documento em análise, o currículo ideal é o construído coletivamente por ser capaz de expressar identidades.

Com o terreno preparado, o DCEPará apresenta a organização do conhecimento realizada a partir de eixos estruturantes, considerados campos temáticos capazes de mobilizar os conhecimentos eleitos na escola para serem tratados cientificamente e confrontados com os saberes produzidos por homens e mulheres, como na passagem a seguir:


O documento curricular do estado do Pará apresenta como concepção de organização do conhecimento os eixos estruturantes, tal qual são apresentados pelas DCNEI (BRASIL, 2010a) e pela própria BNCC (BRASIL, 2017a), estes se configuram como campos temáticos amplos e privilegiados, capazes de mobilizar conhecimentos/conteúdos eleitos na escola e tratados cientificamente, no confronto com saberes produzidos historicamente e reelaborados [sic] por homens e mulheres (PARÁ, 2018, p. 63).


Os eixos estruturantes organizam tanto a educação infantil quanto o ensino fundamental. Na educação infantil, as interações e as brincadeiras subsidiam a aprendizagem e o desenvolvimento, e são consideradas como capazes de garantir os direitos de aprendizagem das crianças direitos de conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer. No ensino fundamental, os eixos estruturantes são: Espaço/Tempo e suas Transformações, Linguagem e Suas Formas Comunicativas, Valores à Vida Social, e, por fim Cultura e Identidade. Há a previsão de Ciclos de Aprendizagem com fluxos mais flexíveis, e componentes curriculares da tradição pedagógica, como Língua Portuguesa, Educação Física, Arte, Língua Inglesa, História, Geografia, Estudos Amazônicos, Ciências, Matemática e Ensino Religioso.

Ao rastrear o documento guiada pelo giro decolonial, avancei rastreando a episteme moderno/colonial, e identifiquei dois de seus traços, que passarei a explorar.




O DCEPará: estrutura disciplinar e homogeneização cultural


Apesar de perceber que há muitos traços para a reflexão, me deterei em apenas dois, a estrutura disciplinar e a homogeneização cultural. O primeiro traço fica expresso quando o documento critica o currículo do tipo coleção e a compartimentação do saber, propondo organizar o conhecimento em eixos estruturantes e campos de experiência; porém, este intento não se materializa, pois o conhecimento acaba sendo organizado na tradicional estrutura disciplinar, arbórea e canônica.

Na educação infantil é perceptível a dificuldade de pensar uma organização alternativa à estrutura disciplinar, logo, o documento se mantém no lugar comum dessa lógica, ao associar os campos de experiência a campos de saber como o numeramento, a linguagem oral e escrita, hierarquizando o conhecimento. Ao refletir sobre a lógica de organização do conhecimento para a educação infantil, Tiriba e Flores (2016) reafirmam que a concepção curricular precisa ter como eixo as interações e as brincadeiras, e destacam que a estrutura disciplinar com foco no letramento e no numeramento tem a intenção de facilitar a avaliação em larga escala prevista na BNCC.

No Ensino Fundamental não é diferente, aliás, a estrutura disciplinar, arbórea e canônica é confirmada pelos componentes curriculares previstos. A estrutura disciplinar compartimentada fica clara nas fronteiras disciplinares bem definidas, sugerindo limites que não devem ser ultrapassados, o que pode dificultar o diálogo e as trocas. A organização curricular é arbórea em razão da existência de disciplinas hierarquizadas, na medida em que alguns componentes curriculares são considerados mais relevantes, como Português e Matemática, o que é comprovado pelo quantitativo mais elevado de objetivos e de habilidades esperadas, ao contrário dos componentes curriculares considerados menos relevantes, como Educação Física e Ensino Religioso, por exemplo.

Em relação ao cânone, este é mantido do mesmo modo como disposto na BNCC. O cânone se expressa na indicação de temas e obras consideradas clássicas e indispensáveis na tradição pedagógica ocidental. Tiriba e Flores (2016) questionam o cânone expresso na exclusividade de referências paradigmáticas ocidentais, no detrimento dos conhecimentos das comunidades tradicionais brasileiras. É assim em razão do cânone ser constituído por um conjunto de obras reconhecidas por seu valor cultural e científico, logo, obras que não atendam a este critério são descartadas por serem consideradas irrelevantes, como é o caso de obras elaboradas por autores/as de grupos minoritários (FRANCO, 2008). A seleção do cânone é realizada por intelectual com autoridade para tal, ação que não é neutra e/ou




asséptica, mas informada pelo contexto social, político e cultural de cada período histórico, bem como por gênero, raça e classe social. No fim, o cânone é a expressão do universalismo abstrato e do eurocentrismo, devendo ser seguido pela nação que quer ser representada como civilizada.

Sobre a estrutura disciplinar, Lopes (2008) destaca que na sociedade ocidental o currículo disciplinar é hegemônico, fato que não impede outras formas de organização do conhecimento. Apesar de a autora argumentar que nos últimos vinte anos é perceptível certa flexibilização curricular, com organização contextualizada e interdisciplinar do conhecimento, a política do conhecimento no Brasil tem sido marcada pela ambivalência na medida em que recupera tradições curriculares instrumentais (como a BNCC), o que permite a crítica às disciplinas escolares, consideradas retrógradas e descoladas da vida dos estudantes.

Nesta cena, as disciplinas escolares tem sido representadas como descontextualizadas, fragmentadas e empecilhos para a diversificação do sistema de ensino. Apoiando-se em argumentos de Ivor Goodson, para quem as disciplinas definem a organização da estrutura educacional (orientam certas exigências sócio educacionais como a produção de diplomas, a formação de professores, o trabalho docente) por meio da produção de discursos que são sustentados e sustentam comunidades disciplinares, Lopes (2008) conclui que as disciplinas escolares não são “boas” ou “ruins”, “certas” ou “erradas” em si, pois são instituições educativas com as quais se negocia a significação da política curricular. Assim sendo, a intenção dos sistemas de ensino de quebrar a disciplinaridade poderá se revelar inalcançável, caso as ações não sejam capazes de garantir o diálogo com as comunidades disciplinares. Em artigo recentemente publicado, Lopes (2019) esclarece, mais uma vez, que as disciplinas não são intocáveis, mas salienta que a reorientação da organização curricular não pode se limitar a alterar a listagem de conteúdos, competências e habilidades, mas precisa considerar as práticas discursivas e as identidades docentes. No fim, a autora afirma que a organização disciplinar não é, necessariamente, um mal a ser superado.

Quanto ao segundo traço, a homogeneização cultural, ao rastrear o documento curricular em análise, mapeei discursos ancorados em teorias educacionais críticas, metáforas que traduzem intenções sócio educacionais e políticas, como construção, quebrar o olhar, pilar fundador, bem como a trama da qual é indissociável. Sobre a trama política, esta foi bem articulada durante o processo de elaboração do DCEPará, com reuniões, encontros e seminários preparatórios consultivos, cujos participantes foram apenas os professores e as professoras da rede, ou seja, as comunidades disciplinares. A trama política foi excludente na medida em que impediu a participação efetiva da sociedade civil organizada e das




comunidades tradicionais. Esta é a razão da homogeneização promovida pelo documento, pois não é possível enfrentá-la com práticas hierárquicas, burocratizantes e excludentes como as desta metodologia de elaboração meramente consultiva. Porém, diante da exclusão, a sociedade civil organizada resistiu e se insurgiu ocupando a plenária da sessão do Conselho Estadual de Educação, impedindo a aprovação do documento (foi aprovado em outra sessão). O processo de elaboração e o documento curricular foram criticados pelo Manifesto em Defesa da Educação Pública (2018), e há várias reportagens nos jornais locais e blogs que divulgaram o conflito. O combate à homogeneização cultural só é possível mediante a garantia da efetiva participação dos grupos excluídos, de modo a estabelecer o diálogo e a escuta às suas demandas culturais e epistêmicas.

A despeito desta metodologia de elaboração excludente, o documento curricular insiste no discurso sobre diversidade, clamando por valorização cultural, respeito e reconhecimento dos saberes, como em passagens como esta:


Toda política curricular deve ter na cultura sua baliza, pois é fruto da seleção e produção de saberes, das manifestações culturais, dos embates e parcerias entre pessoas, concepções de conhecimento e aprendizagem e formas de imaginar e perceber o mundo (PARÁ, 2018, p. 99, grifos meus).


Considerar os conhecimentos ancestrais como saberes é uma forma de inferiorizá-los, pois, para Mignolo (2005; 2008), a episteme moderno-colonial hierarquiza conhecimento e saber, de modo que o conhecimento verdadeiro e universal é sempre aquele produzido pela racionalidade científica europeia; por outro lado, os saberes são considerados irrelevantes porque elaborados pelos povos colonizados, bárbaros, logo, sem habilidades cognitivas para produzir conhecimentos. O apagamento das diferenças se concretiza pela defesa da similiaridade humana, na medida em que todos são considerados como iguais no mundo.

Wallerstein (2004) argumenta que a homogeneização cultural é uma estratégia central de apagamento das culturas nativas e das diferenças, materializada por meio da imposição de políticas culturais uniformizadoras como as reformas curriculares às nações periféricas e semi periféricas, como o Brasil; no fim, a homogeneização cultural garante a coesão social e a acumulação incessante no sistema-mundo contemporâneo. No caso brasileiro, Gabriel (2015), destaca que a finalidade última de um currículo homogeneizador é o de unificar a nação por meio de uma cultura comum nacional, e este intento foi concretizado por um esquema político entre a elite nativa, os empresários, a direita política brasileira e os agentes estatais, todos comprometidos com a a acumulação do capital.




Ainda da perspectiva da estrutura estatal e de sua conexão com o sistema-mundo moderno/colonial, o estado neutro e objetivo é uma ilusão, pois sua pesada máquina burocrática com documentos, rituais, normas e interesses definem um poder temeroso e de longa duração (WEBER, 1999). A burocracia estatal é pesadamente racional com foco na ordem e na hierarquia; em razão disso, as massas são impedidas de participar das decisões, por serem consideradas irracionais, logo, promoverem a desorganização e diluirem a hierarquia.

A mentalidade burocrática, o discurso indolente e improdutivo dos agentes estatais conduziram a elaboração do DCEPará, dificultando efetivas mudanças na organização do conhecimento. No fim, a política de conhecimento do estado do Pará segue com uma identidade política em sintonia com a episteme moderno/colonial do atual mundo, marcado pela globalidade imperial pós-11 de setembro de 2001, que privilegia a educação compartimentada, monolíngue e monocultural.


A violência epistêmica e seus efeitos no conhecimento e nas culturas


Os argumentos de Lopes (2008; 2019) de que as disciplinas não se constituem em um problema a ser superado difere da analítica do giro decolonial pois, nesta perspectiva, as disciplinas estão implicadas no projeto de colonização das Américas. Assim, nesta parte pretendo explorar um pouco mais sobre esta relação nos termos da decolonialidade, acionando algumas de suas ferramentas analíticas. A colonialidade do saber é uma das ferramentas centrais, considerada como uma estratégia que controla o conhecimento por todo o globo desde o início da modernidade, impondo uma episteme particular como universal e padrão a ser seguido. Muitos estudos sobre as causas e as consequências da modernidade já foram produzidos, porém, os do giro decolonial entretecem uma analítica particular e inovadora. Entre os intelectuais que integram esta comunidade de argumentação está Walter Mignolo, semiólogo argentino que tem se dedicado a compreender a episteme moderno/colonial e seus efeitos políticos, epistêmicos e éticos na América Latina.

Para Mignolo (2008), a modernidade não é um marco temporal, um período histórico do qual não possamos escapar, mas sim, a narrativa de um período histórico elaborado por aqueles que se perceberam como os reais protagonistas, os europeus. Mignolo (2007) representa a modernidade como uma hidra de três cabeças, argumentando que apenas uma delas é visível: a retórica salvacionista. As outras duas cabeças são ocultadas, por serem o




lado obscuro da modernidade: o domínio territorial e a racialização epistêmica, finalidades últimas da colonialidade.

O domínio colonial das Américas contou com a lógica das colonialidades (colonialidade do poder, colonialidade do saber, colonialidade do ser e a colonialidade de gênero), que operam em vários domínios, como: o econômico, controlando territórios e riquezas naturais; o político, controlando a autoridade; o subjetivo, controlando os corpos etnia, gênero e sexualidade; e o epistêmico, por meio do controle do conhecimento e das culturas. Nesta cartografia, as colonialidades constituíram a modernidade, garantindo a continuidade da acumulação do capital e definindo as regras do jogo científico, suas bases e seus fundamentos (RIBEIRO, 2019).

A colonialidade do saber foi imposta nas nações colonizadas por meio da violência epistêmica, uma ação planejada com a finalidade de constituir o conhecimento a partir da negação de qualquer conhecimento diferente do europeu e de subjetivar os povos colonizados a partir do centro (MIGNOLO, 2007; 2008). Nestes pouco mais de 500 anos, esta lógica de domínio sofreu mudanças superficiais, de modo que a violência epistêmica segue impondo a episteme moderno/colonial, ancorada em três pilares: a teologia cristã dos países ibéricos, a egologia cartesiana e a teoria política ilustrada − liberalismo e marxismo. Segundo Mignolo (2005; 2007), é assim em razão da experiência colonial ter sido ignorada por Descartes e por Marx não ter articulado raça e classe na leitura dos problemas econômicos.

A episteme moderno/colonial foi entretecida nesta rede quando a Europa, sem um imaginário próprio, naturalizou as colonialidades, produzindo a diferença colonial, transformando certas diferenças em valores. Os conhecimentos produzidos pela teologia cristã, pela egologia cartesiana e pela teoria política ilustrada ocultaram a localização geo- histórica e a racialização epistêmica, por meio de uma política de conhecimento fundamentada no apagamento dos territórios e da cosmovisão nativa como forma de garantir a universalidade do conhecimento (MIGNOLO, 2008). Mesmo camuflada pelo universalismo abstrato, a colonialidade do saber precisa da retórica salvacionista para justificá-la, devido as desigualdades se constituirem em incômodos problemas resultantes da aventura colonial e que são de difícil solução. A retórica salvacionista distrai a atenção da violência epistêmica disseminando discursos de elogio e de enaltecimento à modernidade, por seus supostos benefícios, como o progresso, a democracia, a liberdade e a felicidade para todos, considerados como iguais em todo o globo.

Ao defender o universalismo abstrato, a colonialidade do saber dissemina o eurocentrismo, que não diz respeito a um local geográfico, mas a hegemonia de uma forma de



pensar, o padrão ouro que as nações colonizadas devem seguir para serem consideradas civilizadas. O universalismo abstrato foi sedimentado no ocidente pela teologia, pela Filosofia e pelas Ciências Sociais – esta durante o século XIX –, campos de saber em nada assépticos que emprestaram conceitos e categorias de pensamento para serem usados como armas para impor representações das Américas como bárbaras, mutilar o pensamento e silenciar as vozes nativas; em uma palavra, racializar. Assim fazendo, a colonialidade do saber promoveu a exotização e a fetichização da diferença, impondo os valores coloniais aos povos nativos, adormecendo a ferida colonial, anulando a dor com uma variedade de analgésicos.

Ressaltei que a lógica de racialização possui duas dimensões, a epistêmica e a ontológica, com o propósito de classificar como inferiores os povos colonizados, por sua suposta dificuldade cognitiva para produzir conhecimento. Tal dificuldade cognitiva seria atestada pelo fato destes povos não dominarem a escrita, não serem cristãos e não falarem uma das seis línguas imperiais modernas (português, inglês, francês, italiano, alemão, espanhol); por isso, as línguas nativas são consideradas estranhas e/ou inaptas para o pensamento racional (teológico ou secular). Com esta certeza, a racialização epistêmica hierarquizou saber e conhecimento, ao afirmar que os povos das Américas produziam e produzem sabedoria, e a Europa produzia e produz conhecimentos válidos universalmente (MIGNOLO, 2007). Por seu turno, a racialização ontológica reduziu distintos grupos étnicos das Américas a índios e negros, disseminando discursos de que estes não são parte da história e da humanidade, ou melhor, da humanidade propriamente dita: branca, civilizada e cristã.

A cumplicidade entre a colonialidade do saber e a política de estado de conhecimento foi disfarçada pela “identidade disciplinar”, expressa pelo fato de que na América Latina ainda pensamos, analisamos, sentimos, descrevemos e escrevemos a partir de excessiva obediência aos conceitos, categorias, axiomas e métodos europeus, com sua cosmovisão monotópica e hermeticamente fechada (MIGNOLO, 2003; 2005; 2008).

Por conta disso, o debate sobre a episteme moderno/colonial é central para a compreensão do Estado moderno e sua estrutura organizativa, pois este foi fundado e legitimado “[...] sob a ilusão de que era um estado neutro, objetivo e ‘democrático’ separado da identidade em política” (MIGNOLO, 2008, p. 297). Longe de ser asséptico, o estado é articulado por uma pesada burocracia que garante a disciplina e o controle subjetivo de seus agentes estatais e da população. Assim, na contemporaneidade, o estado neoliberal e globalizado privilegia a continuação do modelo epistêmico europeu, o que é garantido por meio da mentalidade burocrática de seus agentes, responsáveis por definir o conhecimento oficial, em geral, expresso em uma política do conhecimento descontextualizada.




Com estes argumentos, Mignolo (2005; 2008) contesta a sujeição epistêmica, destacando ainda que os gregos inventaram o pensamento filosófico, mas não o pensamento. Assim, o semiólogo argentino se coloca a favor do desprendimento da episteme moderno/colonial, indicando uma rota epistêmica localizada no reservatório das cosmologias nativas desqualificadas nestes mais de 500 anos. Caso permaneçamos presos na episteme hegemônica não visualizaremos outro modo de pensar-fazer-viver na América Latina. A desobediência epistêmica é, portanto, uma responsabilidade política, científica e ética no fazer intelectual em nossa região, que tem registrado uma crescente energia de resistência e de desprendimento da episteme moderno/colonial, tomando forma em pensamentos e ações decoloniais.

Entretecendo o debate epistêmico no campo educativo, Castro-Gómez (2007), filósofo colombiano, argumenta que o conhecimento produzido e ensinado na universidade é herança dos paradigmas coloniais que ao assemelhar a ciência moderna a Deus, transformou-a em verdade universal e absoluta. Este modelo epistêmico tem incidido nos currículos das universidades, de modo que o conhecimento tem sido organizado em uma estrutura disciplinar, arbórea e canônica. Arbórea em razão da ideia de que há hierarquia entre os conhecimentos especializados, diferenciados por fronteiras epistêmicas que não devem ser ultrapassadas. É assim devido ao fim último do conhecimento não ser a apreensão do desconhecido, mas a decomposição da realidade em fragmentos para dominá-la mais e melhor. Em sendo assim, as disciplinas materializam a ideia de que a realidade precisa ser fragmentada, para que as partes possam ser intensamente analisadas na permanente busca de certeza, do conhecimento verdadeiro que está localizado no âmbito incorpóreo, no cogito.

Ainda para o filósofo colombiano, Descartes destaca que tudo o que advém da experiência corporal os odores, os sabores, as cores , se constitui em obstáculo epistemológico, logo, devem ser expulsos do espaço científico; esta é uma solução que condena estes conhecimentos a habitarem a doxa (CASTRO-GÓMEZ, 2007). Observados deste ponto de vista, os conhecimentos ancestrais e as tradições culturais nativas são vistos como doxa, como um obstáculo epistemológico a ser superado, por serem considerados exóticos, anedóticos, superficiais, folclóricos, mitológicos, em uma palavra, pré-científicos. Este binarismo erige fronteiras culturais intransponíveis que consolidam a homogeneização. Outro dispositivo que fixa os conhecimentos em certos lugares para facilitar sua identificação e manuseio é o cânone, materializado por meio de hábeis estratégias presentes em todas as disciplinas. Entre as estratégias que definem o que merece constar como conhecimentos válidos estão: retomar as origens de certa disciplina, destacar seus pais fundadores, os autores



que precisam ser lidos (os clássicos), ou ainda, indicar os temas fundamentais que pertencem unicamente a certas disciplinas. Como é possível notar, a episteme moderno/colonial não afeta unicamente a organização do currículo, afeta as culturas e os sujeitos.

Palermo (2014), também contribui com o debate sobre a relação entre conhecimento, culturas e educação, porém, destacando outro elemento da episteme moderno/colonial, o pensamento único. A imposição do pensamento único exercida pela colonialidade epistêmica impregna todos os âmbitos da vida cotidiana, materializada no terreno da educação em todos os níveis, da educação infantil a pós-graduação, em um sistema que se retroalimenta, sedimentando distinções por meio de diversas estratégias, como a desconsideração de conhecimentos nativos e a produção de subjetividades enjauladas. Neste panorama, tem sido recorrente o descompasso entre discursos e ações pedagógicas, pois o mais comum é a indolência e a improdutividade do discurso das instituições educacionais, na medida em que operam para impedir efetivas mudanças na concepção de conhecimento e nas práticas educativas.

Explorando a política de curriculum, Palermo (2014) informa que desde seu surgimento na Europa, no século XIX, sua finalidade foi formar o/a cidadão/ã para as nações republicanas nascentes, por meio de planos e programas que anulavam os conhecimentos das nações preexistentes. Na contemporaneidade, o pensamento único em educação se manifesta na imposição do livre mercado e nas ações uniformizadoras que silenciam as comunidades tradicionais e invisibilizam o outro, em razão da vergonha de sua cultura supostamente rude, de sua linguagem “terrível”, o que gera surdez a hegemônica relativa as suas vozes e demandas culturais. Diante de tais ações e intenções, é preciso relativizar o currículo oficial, universal e homogêneo, para reagir na perspectiva da decolonialidade do conhecimento, um possível caminho para a necessária afetividade e empatia com a memória sociocultural de pertencimento e com os conhecimentos ancestrais. Para Palermo (2014), não se trata de deixar de teorizar, mas de fazê-lo a partir de outro lugar, descartando algumas ferramentas da episteme moderno/colonial, ousando mapear outras experiências e discursos para a reinterpretação das culturas locais, pois a pedagogia ocidental é incapaz de dar conta das diferenças devido às suas finalidades homogeneizadoras.

Neste sentido, o Estado precisa atuar na construção de uma sociedade plural em todas as dimensões, a exemplo de outros países da América Latina. Se trata de um posicionamento ético e político diante da desumanização globalizada e da imposição do pensamento único na economia, na episteme e na educação. Uma ação pedagógica outra, que altere a subjetividade pedagógica eurocêntrica, as representações inferiorizadas da cultura local e do conhecimento




é demandada, já que a escola tem se limitado a disseminar discursos sobre flexibilidade disciplinar e diversidade, mas ao não promover o diálogo amplo, ao não ouvir as comunidades tradicionais, produz e reproduz ideias e ações excludentes.


A desobediência epistêmica para uma política curricular outra


Não se pode matar as ideias: elas sobrevivem nos corpos, pois são parte da vida.

Walter Mignolo (2014).


A política curricular do estado do Pará impõe às crianças, jovens, professores e professoras, um conhecimento organizado na clássica estrutura disciplinar, arbórea e canônica, objetivando a homogeneização da cultura e a garantia de acumulação incessante no sistema-mundo moderno/colonial contemporâneo. Para distender o debate sobre outro modo de organizar o conhecimento, me aproprio, mais uma vez, das contribuições de Mignolo (2005), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007) e Palermo (2014), com a única intenção de lançar pistas para movimentar o pensamento na direção da desobediência epistêmica.

Mignolo (2005) aponta a necessidade de aprender a desaprender e a reaprender. Mas aprender a desaprender e a reaprender o quê? Aprender a desaprender os conhecimentos eurocêntricos que, recontextualizados em conteúdos escolares, produzem e reproduzem as representações estereotipadas e inferiorizadas sobre as culturas e os conhecimentos nativos, para reaprender a ser e a viver em diálogo com a diferença. O conhecimento orientado pelos princípios éticos, políticos e culturais do giro decolonial precisa ser produzido a partir do desmonte das quatro colonialidades, de modo a permitir que crianças e jovens da escola básica identifiquem a ferida colonial, reconheçam a racialização, as representações inferiorizadas e o eurocentrismo para questioná-los, potencializando habilidades para pensar a partir da política do lugar e da interculturalidade, ferramentas capazes de auxiliar no desafio de pensar uma justa seleção de conhecimento para a América Latina e para a Amazônia.

A política do lugar é um processo de reconhecimento da violência colonial do passado e do presente, para se dar conta da localidade geo-histórica e da fratura de viver no Sul global; é capaz de incitar o pensar-fazer-sentir desde o reconhecimento da história, das memórias e dos conhecimentos ancestrais, para constituir identidades e subjetividades decoloniais. A América Latina é um lugar de culturas vivas, produzidas por mulheres e homens que reagem e lutam em busca de alternativas para as políticas coloniais e pelo bem viver na região (MIGNOLO, 2005). Já a interculturalidade nasceu nos Andes e é uma noção introduzida por intelectuais indígenas para reivindicar direitos epistêmicos no contexto dos




projetos coloniais6. Inter-cultura significa inter-epistemologia, um diálogo intenso entre a cosmologia não-ocidental (afros, indígenas, mestiças, asiáticas, árabe-islâmicos, entre outras) e a ocidental. O diálogo intercultural é uma estratégia ético-política que coloca em cena tanto a razão universal quanto a razão local, promovendo a episteme mestiça constituindo sujeitos outros, capazes de ler e traduzir o encontro colonial e seus efeitos.

Quanto à rígida e compartimentada estrutura disciplinar do conhecimento nas instituições educativas, Castro-Gómez (2005a; 2007) evidenciou antes a genealogia deste modus operandi que reverbera na educação. Considerando que vivemos em um mundo complexo, a prática interdisciplinar exaustivamente proposta como forma de superar a compartimentação não alcança seu intento, pois se limita a trocar informações entre diferentes disciplinas, deixando intactos seus fundamentos. A ação capaz de desfragmentar a compartimentação e promover o diálogo entre os conhecimentos e entre culturas é a transdisciplinar, uma episteme emergente que se torna ponte para o diálogo transcultural entre conhecimentos, auxiliando o intercâmbio cognitivo entre ciência ocidental e conhecimentos nativos. Neste sentido, a transdisciplinaridade é capaz de intervir na estrutura disciplinar, arbórea e canônica, permitindo experimentações de estruturas rizomáticas, manifestas em redes disciplinares e/ou ensaios transculturais.

No Brasil, historicamente o currículo tem sido narrado pelo colonizador e subordinado ao cânone europeu transmitindo conhecimentos supostamente objetivos, o que tem efeitos cruéis nas identidades e subjetividades de crianças e jovens (COSTA, 1998). Porém, há algumas propostas educativas em movimento, como a educação bilíngue para a escola indígena, a educação quilombola, a educação nos espaços dos movimentos sociais, como a proposta pelo Movimento Sem-Terra. Neste terreno aberto, é preciso seguir tensionando para distender o espaço curricular, desafiando a estrutura disciplinar, o cânone e o monoculturalismo das políticas curriculares nacional e local, propondo outra forma de organizar o conhecimento.

Concluo argumentando que o currículo como arena de produção de significados, terreno de lutas entre teorias e visões de mundo, permite negociações entre os interesses do Estado e da sociedade civil, caso se tenha em mente o equilíbrio entre conhecimentos científicos e conhecimentos ancestrais. Uma política curricular que recuse a objetificação do lugar, do outro e dos conhecimentos ancestrais, que avance para além da retórica da



6 A interculturalidade difere do multiculturalismo, considerado por Mignolo (2005) como um produto do Estado americano/EUA, que tem o objetivo de conceder “cultura” mantendo a episteme européia.




valorização da diversidade, das práticas interdisciplinares e da participação, precisa promover redes interculturais e transdisciplinares de conhecimentos.


Considerações provisórias


A etnografia multilocal foi a arte do fazer que permitiu seguir o discurso, as metáforas e a trama do Documento Curricular do Estado do Pará, identificando conflitos e resistências. Foi possível seguir dois traços marcantes do DCEPará que tornaram esta proposta curricular inconsistente, na medida em que mantém a clássica estrutura disciplinar, arbórea, canônica e homogeneizadora, apesar de sua crítica à compartimentação do conhecimento e de discursos sobre diversidade e participação, porém, como afirmei, a sociedade civil organizada e as comunidades tradicionais foram excluídas do processo de elaboração do documento curricular. No fim, esta política curricular traduz os anseios políticos de grupos hegemônicos internos e externos ao país que almejam manter a identidade disciplinar com a episteme moderno/colonial e apagar as culturas minoritárias do mapa do sistema-mundo.

Nos termos do giro decolonial, o DCEPará expressa uma política de Estado de conhecimento obediente a episteme moderno/colonial, em razão dos agentes estatais terem se comprometido com a demandas do sistema-mundo. Apesar da breve contextualização, da noção de currículo como construção social ser coerente com certa crítica a compartimentação do saber, da indicação de quebrar o olhar ao visualizar o conhecimento moderno, de buscar visibilizar os saberes populares, a estrutura disciplinar, arbórea e canônica e a homogeneização cultural o tornam inconsistente.

Outra organização do conhecimento é possível, contudo, é imperativo praticar a desobediência epistêmica, uma reação capaz de desarticular a compartimentação, o cânone e a homogeneização excludentes. Não se trata de produzir conhecimentos a partir de uma simples desvinculação da episteme colonial, mas de intervincular racionalidades diferentes para restituir histórias, memórias e subjetividades colonizadas, por meio do diálogo transdisciplinar e intercultural. A partir das pistas aqui colocadas pelo giro decolonial, visualizo a possibilidade de um currículo decolonial capaz de incitar o diálogo intercultural entre conhecimentos ocidentais e conhecimentos ancestrais, para recontextualizá-los em conhecimentos escolares para um pensar-fazer-viver outro na América Latina e na Amazônia.


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Como referenciar este artigo


SEIXAS RIBEIRO, J. O. Seguindo os traços da episteme moderno/colonial no Documento Curricular do Estado do Pará. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 3, p. 1878-1897, jul./set. 2021. e-ISSN: 1982-5587. DOI: https://doi.org/ 10.21723/riaee.v16i3.13277


Submetido em: 03/02/2020

Revisões requeridas em: 27/11/2020 Aprovado em: 16/12/2020 Publicado em: 01/07/2021




SIGUIENDO LAS HUELLAS DE EPISTEMAS MODERNOS/COLONIALES EM EL DOCUMENTO CURRICULAR DEL ESTADO DE PARÁ


SEGUINDO OS TRAÇOS DA EPISTEME MODERNO/COLONIAL NO DOCUMENTO CURRICULAR DO ESTADO DO PARÁ


FOLLOWING THE TRACES OF MODERN/COLONIAL EPISTEMS IN THE CURRICULAR DOCUMENT OF THE STATE OF PARÁ


Joyce Otânia Seixas RIBEIRO1


RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo analizar la política curricular del estado de Pará, considerando la episteme moderno/colonial. El aporte teórico es el del giro decolonial con Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo

(2014), y de estudios curriculares con Silva (1999), Macedo (2014; 2015) y Lopes (2004; 2008; 2019). El campo de investigación es el Documento Curricular del Estado de Pará, y el arte de hacer es la etnografía multilocal un procedimiento emergente para el análisis de documentos (MARCUS, 2001). Los resultados indican que se destacan dos rasgos de la episteme moderno/colonial, la estructura disciplinaria y la homogeneización cultural, produciendo un documento curricular inconsistente. Indico como razón de tal inconsistencia curricular el hecho de que los agentes estatales hayan conducido la metodología de elaboración del Documento Curricular del Estado de Pará a través de una excesiva obediencia epistémica, así como por haber excluido del proceso a la sociedad civil organizada y las comunidades tradicionales. Concluyo argumentando que la desobediencia epistémica es capaz de producir una política de conocimiento diferente, guiada por la política del lugar, la transdisciplinariedad y la interculturalidad.


PALAVRAS CLAVE: Episteme moderno/colonial. DCEPará. Estructura disciplinaria. Homogeneización cultural. Desobediencia epistémica.


RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a política curricular do estado do Pará, considerando a episteme moderno/colonial. O aporte teórico é o do giro decolonial com Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo

(2014), e dos estudos curriculares com Silva (1999), Macedo (2014; 2015) e Lopes (2004; 2008; 2019). O campo de investigação é o Documento Curricular do Estado do Pará, e a arte do fazer é a etnografia multilocal, um procedimento emergente para a análise de documentos (MARCUS, 2001). Os resultados indicam que dois traços da episteme moderno/colonial se destacam, a estrutura disciplinar e a homogeneização cultural, produzindo um documento curricular inconsistente. Indico como razão de tal inconsistência curricular o fato de os agentes estatais terem conduzido a metodologia de elaboração do Documento Curricular do Estado do Pará por meio de excessiva obediência epistêmica, bem como por terem excluído a sociedade civil organizada e as comunidades tradicionais do processo. Concluo


1 Universidad Federal de Pará (UFPA), Abaetetuba – PA – Brasil. Profesora de la Facultad de Educación y Ciencias Sociales y Profesora del Programa de Posgrado en Ciudad: Territorios e Identidades. Doctorado en Educación (UFPA). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1323-3554. E-mail: joyce@ufpa.br

RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 3, p. 1882-1901, jul./sep. 2021. e-ISSN: 1982-5587



argumentando que a desobediência epistêmica é capaz de produzir uma política do conhecimento outra, orientada pela política do lugar, pela transdisciplinaridade e pela interculturalidade.


PALAVRAS-CHAVE: Episteme moderno/colonial. DCEPará. Estrutura disciplinar. Homogeneização cultural. Desobediência epistêmica.


ABSTRACT: This paper aims to analyze the curricular policy of the state of Pará, considering the modern/colonial epistemic. The theoretical contribution is that of the decolonial overturn with Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo (2014), and of the curricular studies with Silva (1999), Macedo (2014; 2015), and Lopes (2004; 2008; 2019). The field of investigation is the Documento of the State of Pará, and the art of doing is multifocal ethnography, an emerging producer for the analysis of documents (MARCUS, 2001). The results indicate that two features of the modern/colonial epistemic stand out, the disciplinary structure and the cultural homogenization, producing an inconsistente curriculum document. I indicate as a reason for such curricular inconsistency the fact that the state agents have conducted the methodology of elaboration of the Curricular Document of the State of Pará through excessive epistemic obedience, as well as for having excluded organized civil society and traditional communities from the process. I conclude by arguing that epistemic disobedience is capable of producing a different knowledge policy, guided by the politics of place, transdisciplinarity and interculturality.


KEYWORDS: Modern/colonial episteme. DCEPará. Disciplinary structure. Cultural homogenization. Epistemic disobedience.


Introducción


Este artículo pretende seguir dos trazos de la episteme moderna/colonial presentes en la política curricular del estado de Pará y, en este movimiento, me apoyo en las contribuciones del giro decolonial, dialogando con Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez

(2005a; 2005b; 2007), Palermo (2014), así como con Silva (1999), Macedo (2014; 2018) y Lopes (2004; 2008; 2019) en el campo de los estudios curriculares.

Creo que vale la pena hacer una breve aclaración sobre el giro decolonial. Es un movimiento político, teórico y ético que se ha constituido en una comunidad de argumentación con intelectuales de América Latina, como Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Ramón Grosfoguel, Nelson Maldonado-Torres, Arturo Escobar, Santiago Castro-Gómez, Zulma Palermo, María Lugones, Catherine Walsh, y muchos otros. Este movimiento se inició a finales de los años 90 y se ha consolidado como una alternativa crítica para pensar en salidas a los problemas de la región. Esta comunidad de argumentos se basa en el supuesto de que la





modernidad es el producto del colonialismo y de las cuatro estrategias coloniales2, con la intención de hacer visible su lado oscuro los problemas sociales, epistemológicos y ontológicos , y de interrumpir la dominación colonial en América Latina. Con esta intención, el giro decolonial critica las teorías liberales, críticas y postcríticas porque considera que ignoran los efectos del colonialismo en la política del lugar y la política del conocimiento. Teniendo en cuenta esto, su reto ha sido producir herramientas analíticas no eurocéntricas que puedan ayudar a la constitución de una episteme y un arte de vivir otro en esta región.

Con relación al método, en otro lugar3 presenté con más vagar la etnografía multilocal y, ahora, en razón del espacio, seré breve. La etnografía multilocal es un arte de hacer emergente, contestado, pero productivo, que surgió en los años 80 como respuesta a las crisis epistémicas y contextuales contemporáneas (MARCUS, 2001; MARCUS; FISHER, 2000), expresadas en la dilución de las culturas y la desaparición de los pueblos originarios, objetos clásicos de la antropología. El hecho de que la etnografía multilocal esté marcada por el seguimiento de las formaciones culturales en espacios inusuales del sistema-mundo, palabra clave del giro decolonial, fue decisivo en la opción metodológica por la etnografía multilocal. Hay dos modalidades de etnografía multilocal, y aquí desarrollaré la que se ocupa del estudio de los archivos, más precisamente de los documentos. Dado que los documentos forman parte del Estado moderno, era imprescindible activar la noción de Estado y burocracia, ya que los aspectos normativos son fundamentales (ABRAMS, 2014).

Desde esta perspectiva, los documentos son considerados espacios sociales definidos por intereses políticos específicos en la conducción de la institución estatal, ya que condensan una multiplicidad de experiencias sociales, lo que los convierte en una fuente de información privilegiada (ZARIAS, 2004, p. 01). Aquí, el documento analizado es el Documento Curricular del Estado de Pará. El arte de hacer consiste en rastrear el discurso, la metáfora y la trama (MARCUS, 2001) que producen un determinado documento, pero hay otros procedimientos respecto al manejo de los documentos destacados por Zabala (2010), así como por Muzzopappa y Villalta (2011), que deben ser observados. La postura del investigador está guiada por una ética cuyo principio es "lo personal es político", que constituye identidades y subjetividades volátiles, y permite extrañar lo trivial (ZABALA, 2010).

En un intento por lograr el objetivo indicado, he organizado el artículo partiendo de la organización del conocimiento en el DCEPará, para luego centrarme en los dos rasgos de la



2 Colonialidad del poder, colonialidad del conocimiento, colonialidad del ser y colonialidad del género.

3 Artículo titulado A política de identidade do Documento Curricular do Estado do Pará. Revista Estudios sobre las culturas contemporáneas, Colima, Época III, v. XXVI, n. 52, pp. 9-36, jan./jun. 2021.

RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 3, p. 1882-1901, jul./sep. 2021. e-ISSN: 1982-5587



episteme moderna/colonial presentes en el documento: la estructura disciplinaria y la homogeneización cultural. Terminaré señalando la desobediencia epistémica como una posibilidad de elaborar una política del conocimiento guiada por la política del lugar, por la interculturalidad y por la transculturalidad, que ya es una realidad en Bolivia, Venezuela y Ecuador.

También es importante destacar que, aun siendo consciente de la consolidación de los estudios curriculares en Brasil, decidí aceptar la provocación de Tomaz Tadeu da Silva (1999) sobre el imperativo de descolonizar el currículo. El curriculista prepara el camino para la realización de esta tarea, pero lo hace a través de la teoría poscolonial; aquí, apuesto por la experimentación, utilizando las herramientas analíticas del giro decolonial, una episteme en formación envolvente y poderosa. De todos, sólo en el ensayo y error es posible inventar nuevos caminos.


La organización del conocimiento en el Documento Curricular del Estado de Pará


Tras la aprobación de la Base Curricular Nacional Común - BNCC en 2018, se inició el proceso de implementación para el que se movilizaron amplia e intensamente todas las Unidades de la Federación, de modo que hasta ahora, veintiún estados y el Distrito Federal ya han reformulado los planes de estudio de la educación infantil y primaria alineados a la Base. Así, la Secretaría de Estado de Educación - SEDUC/Pa, se adhirió y apoyó la implementación del BNCC, argumentando que: "[...] el MEC exhortó a los estados a llevar a cabo la implementación de dicha Base ya que se convierte en el referente nacional y obligatorio para la (re)formulación de los planes de estudio" (PARÁ, 2018, p. 12, énfasis mío), a partir de los objetivos de aprendizaje y las competencias propuestas por el BNCC, considerado como un referente obligatorio. No me detendré en los problemas relacionados con la adhesión al BNCC, porque han sido ampliamente discutidos y se relacionan con la lógica de la política curricular nacional, marcada por la ideología neoliberal y la pedagogía instrumental.

Así, en Pará, se llevaron a cabo varias acciones para que las redes educativas pudieran tener planes de estudio adaptados al BNCC. El proceso implicó a los agentes estatales (equipo técnico) y a los profesores en un conjunto de actividades destinadas a reformular el plan de estudios local, así como a introducir cambios en la evaluación, los materiales didácticos y la formación continua de los profesores. El Documento Curricular del Estado de Pará/DCEPará fue elaborado bajo la coordinación de un equipo técnico de la Secretaría de Estado de Educación del Estado de Pará - SEDUC/Pará y, aún impugnado, fue aprobado en diciembre




de 2018, por el Consejo Estatal de Educación - CEE/Pará, estando disponible en el portal de SEDUC/Pará . El documento curricular se presenta en 462 páginas y está organizado en cinco partes. En la portada, llama la atención las diversas imágenes que aluden a la multiplicidad de la cultura de Pará, con la clara intención de establecer un vínculo entre territorio, cultura y educación.

Antes de presentar la organización del conocimiento para la educación infantil y la educación primaria, el documento analizado sitúa el contexto histórico contemporáneo, marcado por intensos cambios sociales y cognitivos, así como sus consecuencias en las distintas dimensiones de la vida.


En la sociedad contemporánea vivimos una época de intensos cambios: las dinámicas de trabajo, la forma de interactuar de las personas, la vida cotidiana e incluso el pensamiento están en una convocatoria que pide a los sujetos ampliar su forma de ver y actuar en el mundo y romper la mirada estándar sobre las cosas (PARÁ, 2018, p. 13, el énfasis es mío).


[...] la visión moderna del conocimiento que, derivada de la especialización, lo fragmenta en especialidades, perdiendo así la visión de totalidad que separa a los que saben "científicos" de los que no saben ciudadanos comunes (FERNANDES, 2007 apud PARÁ, 2018, p. 13).


El documento del plan de estudios reconoce que los cambios socioculturales han sido consecuencia de los avances de la civilización, y que éstos también han producido desigualdades sociales, económicas y culturales, así como problemas epistémicos. En este último caso, los problemas fueron causados por la visión moderna del conocimiento que fragmentó el conocimiento, separó a los que saben de los que no saben, valoró el conocimiento científico e invisibilizó el conocimiento popular, lo que llevó a la pérdida de la visión de totalidad (PARÁ, 2018). El documento del plan de estudios informa de que estos problemas imponen la necesidad de un cambio. Así, sugiere que las desigualdades sociales y la compartimentación del conocimiento pueden remediarse mediante dos acciones, una epistémica y otra pedagógica. La primera se expresa en la indicación de romper la mirada para cambiar la forma de ver el conocimiento; la segunda se relaciona con la práctica pedagógica interdisciplinaria; ambas se consideran necesarias para superar la compartimentación y valorar la diversidad.

La noción de currículo en el documento en cuestión es la de construcción social, por lo tanto, el currículo es emancipador y el resultado de una selección cultural conflictiva debido al control social. Por otro lado, es perceptible una cierta interrelación entre el currículo, las





experiencias escolares y las identidades. En este sentido, el plan de estudios se traduce en la propia


[...] experiencias escolares que se desarrollan en torno al conocimiento, en medio de las relaciones sociales, y que contribuyen a la construcción de las identidades de nuestros alumnos. El currículo se asocia así al conjunto de esfuerzos pedagógicos desarrollados, con intenciones educativas, en las instituciones escolares (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 21 apud PARÁ, 2018, p. 16).


En el extracto anterior queda clara la relación entre experiencia, conocimiento e identidades, por lo que el DCEPará insistir en el argumento de que las intenciones educativas de la escuela necesitan alejarse de las prácticas descontextualizadas y compartimentadas. Para dar cuenta de la noción de currículo como construcción social y su vinculación con las experiencias cotidianas que constituyen las identidades, el documento intenta distanciarse del currículo de tipo colección - sugiriendo seguir la crítica al currículo formulada por Basil Bernstein- porque este tipo de currículo fragmenta y aísla el conocimiento. Para el documento analizado, el currículo ideal es el que se construye colectivamente porque es capaz de expresar las identidades.

Con el terreno preparado, el DCEPará presenta la organización del conocimiento realizada a partir de ejes estructurantes, considerados campos temáticos capaces de movilizar los conocimientos elegidos en la escuela para ser tratados científicamente y confrontados con los conocimientos producidos por hombres y mujeres, como en el siguiente pasaje:


El documento curricular del estado de Pará presenta como concepto de organización del conocimiento los ejes estructurantes, tal como los presenta la DCNEI (BRASIL, 2010a) y el BNCC (BRASIL, 2017a), estos se

configuran como campos temáticos amplios y privilegiados, capaces de movilizar conocimientos/contenidos elegidos en la escuela y tratados científicamente, en confrontación con los conocimientos históricamente producidos y reelaborados [sic] por hombres y mujeres (PARÁ, 2018, p. 63).


Los ejes estructurantes organizan tanto la educación infantil como la primaria. En la educación infantil, las interacciones y el juego subvencionan el aprendizaje y el desarrollo, y se consideran capaces de garantizar los derechos de aprendizaje de los niños los derechos a convivir, jugar, participar, explorar, expresar y conocer. En la educación primaria, los ejes estructurantes son: El espacio/tiempo y sus transformaciones, el lenguaje y sus formas comunicativas, los valores de la vida social y, por último, la cultura y la identidad. Existe la previsión de Ciclos de Aprendizaje con flujos más flexibles, y componentes curriculares de la tradición pedagógica, como Lengua Portuguesa, Educación Física, Arte, Lengua Inglesa, Historia, Geografía, Estudios Amazónicos, Ciencias, Matemáticas y Educación Religiosa.




Al rastrear el documento guiado por el giro decolonial, avancé en el rastreo de la episteme moderna/colonial, e identifiqué dos de sus rasgos, que ahora exploraré.


El DCEPará: estructura disciplinaria y homogenización cultural


Aunque soy consciente de que hay muchos rasgos sobre los que reflexionar, me centraré sólo en dos, la estructura disciplinaria y la homogeneización cultural. El primer rasgo se expresa cuando el documento critica el tipo de colección curricular y la compartimentación del conocimiento, proponiendo organizar el conocimiento en ejes estructurantes y campos de experiencia; sin embargo, esta intención no se materializa, porque el conocimiento termina siendo organizado en la estructura disciplinar tradicional, arbórea y canónica.

En la educación infantil, es notoria la dificultad de pensar una organización alternativa a la estructura disciplinar, por lo tanto, el documento se mantiene en el lugar común de esta lógica, al asociar los campos de experiencia a los campos de conocimiento como la aritmética, el lenguaje oral y escrito, jerarquizando el conocimiento. Al reflexionar sobre la lógica de la organización del conocimiento para la educación infantil, Tiriba y Flores (2016) reafirman que el diseño curricular debe basarse en las interacciones y el juego, y destacan que la estructura disciplinar centrada en la lectoescritura y la aritmética pretende facilitar la evaluación a gran escala prevista en el BNCC.

En la Escuela Primaria no es diferente, de hecho, la estructura disciplinaria, arbórea y canónica se confirma con los componentes curriculares que se ofrecen. La estructura disciplinaria compartimentada queda patente en las fronteras disciplinarias bien definidas, que sugieren límites que no deben sobrepasarse, lo que puede dificultar el diálogo y los intercambios. La organización curricular es arbórea debido a la existencia de disciplinas jerarquizadas, en la medida en que algunos componentes curriculares son considerados más relevantes, como el portugués y las matemáticas, lo que se comprueba por la mayor cantidad de objetivos y competencias esperadas, a diferencia de los componentes curriculares considerados menos relevantes, como la Educación Física y la Educación Religiosa, por ejemplo.

En cuanto al canon, éste se mantiene de la misma manera que el previsto en el BNCC. El canon se expresa en la indicación de temas y obras considerados clásicos e indispensables en la tradición pedagógica occidental. Tiriba y Flores (2016) cuestionan el canon expresado en la exclusividad de las referencias paradigmáticas occidentales, en detrimento de los conocimientos de las comunidades tradicionales brasileñas. Esto es así porque el canon está




constituido por un conjunto de obras reconocidas por su valor cultural y científico, por lo que las obras que no cumplen este criterio son descartadas por considerarse irrelevantes, como es el caso de las obras producidas por autores de grupos minoritarios (FRANCO, 2008). La selección del canon la realiza un intelectual autorizado, una acción que no es neutral y/o aséptica, sino que está informada por el contexto social, político y cultural de cada periodo histórico, así como por el género, la raza y la clase social. Al final, el canon es la expresión del universalismo abstracto y del eurocentrismo, y debe ser seguido por la nación que quiere ser representada como civilizada.

Sobre la estructura disciplinaria, Lopes (2008) señala que en la sociedad occidental el currículo disciplinario es hegemónico, hecho que no impide otras formas de organización del conocimiento. Aunque el autor sostiene que en los últimos veinte años se nota cierta flexibilidad curricular, con una organización contextualizada e interdisciplinaria del conocimiento, la política del conocimiento en Brasil ha estado marcada por la ambivalencia en la medida en que recupera tradiciones curriculares instrumentales (como el BNCC), lo que permite criticar las asignaturas escolares, consideradas retrógradas y desvinculadas de la vida de los alumnos.

En este escenario, las materias escolares han sido representadas como descontextualizadas, fragmentadas y como obstáculos para la diversificación del sistema educativo. A partir de los argumentos de Ivor Goodson, para quien las disciplinas definen la organización de la estructura educativa (orientan ciertas demandas socioeducativas como la producción de diplomas, la formación de profesores, el trabajo docente) a través de la producción de discursos que se sustentan y sostienen las comunidades disciplinarias, Lopes (2008) concluye que las asignaturas escolares no son "buenas" o "malas", "correctas" o "incorrectas" en sí mismas, porque son instituciones educativas con las que se negocia el sentido de la política curricular. Así, la intención de los sistemas educativos de romper la disciplinariedad puede resultar inalcanzable si las acciones no son capaces de garantizar el diálogo con las comunidades disciplinarias. En un artículo recientemente publicado, Lopes (2019) aclara, una vez más, que las disciplinas no son intocables, pero subraya que la reorientación de la organización curricular no puede limitarse a cambiar el listado de contenidos, competencias y habilidades, sino que necesita considerar las prácticas discursivas y las identidades docentes. Al final, el autor afirma que la organización disciplinaria no es necesariamente un mal que haya que superar.

En cuanto al segundo rasgo, la homogeneización cultural, al rastrear el documento curricular analizado, mapeé discursos anclados en las teorías educativas críticas, metáforas



que traducen las intenciones socioeducativas y políticas, como la construcción, la ruptura de la mirada, el pilar fundacional, así como la trama de la que es inseparable. Sobre la trama política, ésta se articuló bien durante el proceso de elaboración del DCEPará, con reuniones, encuentros y seminarios preparatorios consultivos, cuyos participantes eran sólo los profesores de la red, es decir, las comunidades disciplinares. La trama política fue excluyente hasta el punto de impedir la participación efectiva de la sociedad civil organizada y de las comunidades tradicionales. Esta es la razón de la homogeneización que promueve el documento, porque no es posible afrontarlo con prácticas jerárquicas, burocráticas y excluyentes como las de esta metodología de elaboración meramente consultiva. Sin embargo, ante la exclusión, la sociedad civil organizada resistió y protestó, ocupando el pleno del Consejo Estatal de Educación, impidiendo la aprobación del documento (se aprobó en otra sesión). El proceso de elaboración y el documento curricular fueron criticados por el Manifiesto en Defensa de la Educación Pública (2018), y hay varias noticias en periódicos y blogs locales que dieron a conocer el conflicto. La lucha contra la homogeneización cultural sólo es posible asegurando la participación efectiva de los grupos excluidos, para establecer un diálogo y escuchar sus demandas culturales y epistémicas.

A pesar de esta metodología de elaboración excluyente, el documento curricular insiste en el discurso de la diversidad, apelando a la valorización cultural, al respeto y al reconocimiento de los saberes, como en pasajes como el siguiente:


Toda política curricular debe tener en la cultura su faro, ya que es el resultado de la selección y producción de conocimientos, de las manifestaciones culturales, de los choques y asociaciones entre las personas, las concepciones del conocimiento y el aprendizaje y las formas de imaginar y percibir el mundo (PARÁ, 2018, p. 99, destacados míos).


Para Mignolo (2005; 2008), la episteme moderno-colonial jerarquiza el conocimiento y el saber, de manera que el conocimiento verdadero y universal es siempre el producido por la racionalidad científica europea. El borrado de las diferencias se materializa en la defensa de la similitud humana, hasta el punto de que todos se consideran iguales en el mundo.

Wallerstein (2004) sostiene que la homogeneización cultural es una estrategia central de borrado de las culturas nativas y de las diferencias, materializada a través de la imposición de políticas culturales estandarizadoras como las reformas curriculares en naciones periféricas y semiperiféricas como Brasil; al final, la homogeneización cultural asegura la cohesión social y la acumulación implacable en el sistema-mundo contemporáneo. En el caso brasileño, Gabriel (2015), destaca que el propósito último de un currículo homogeneizador es




unificar la nación a través de una cultura nacional común, y esta intención se realizó mediante un esquema político entre la élite nativa, los empresarios, la derecha política brasileña y los agentes estatales, todos comprometidos con la acumulación de capital.

Todavía desde la perspectiva de la estructura del estado y su conexión con el sistema- mundo moderno/colonial, el estado neutral y objetivo es una ilusión, ya que su pesada maquinaria burocrática con documentos, rituales, normas e intereses definen un poder temible y duradero (WEBER, 1999). La burocracia estatal es fuertemente racional y se centra en el orden y la jerarquía; por ello, se impide que las masas participen en las decisiones porque se las considera irracionales, lo que fomenta la desorganización y diluye la jerarquía.

La mentalidad burocrática, el discurso indolente e improductivo de los agentes estatales condujo a la elaboración del DCEPará, impidiendo cambios efectivos en la organización del conocimiento. Al final, la política de conocimiento del estado de Pará continúa con una identidad política en sintonía con la episteme moderna/colonial del mundo actual, marcada por la globalidad imperial después del 11 de septiembre de 2001, que favorece la educación compartimentada, monolingüe y monocultural.


La violencia epistémica y sus efectos en el conocimiento y en las culturas


Los argumentos de Lopes (2008; 2019) de que las disciplinas no constituyen un problema a superar difieren de la analítica del giro decolonial ya que, desde esta perspectiva, las disciplinas están implicadas en el proyecto de colonización de las Américas. Así, en esta parte, me propongo explorar un poco más esta relación en términos de decolonialidad, utilizando algunas de sus herramientas analíticas. La colonialidad del conocimiento es una de las herramientas centrales, considerada como una estrategia que controla el conocimiento en todo el mundo desde el inicio de la modernidad, imponiendo una episteme particular como universal y estándar a seguir. Ya se han producido muchos estudios sobre las causas y consecuencias de la modernidad, pero los del giro decolonial entretejen un análisis particular e innovador. Entre los intelectuales que integran esta comunidad de argumentación se encuentra Walter Mignolo, semiótico argentino que se ha dedicado a entender la episteme moderna/colonial y sus efectos políticos, epistémicos y éticos en América Latina.

Para Mignolo (2008), la modernidad no es un marco temporal, un periodo histórico del que no podemos escapar, sino más bien la narración de un periodo histórico elaborado por quienes se perciben a sí mismos como los verdaderos protagonistas, los europeos. Mignolo (2007) representa la modernidad como una hidra de tres cabezas, argumentando que sólo una




de ellas es visible: la retórica salvacionista. Las otras dos cabezas están ocultas, porque son el lado oscuro de la modernidad: la dominación territorial y la racialización epistémica, objetivos últimos de la colonialidad.

La dominación colonial de las Américas se apoyó en la lógica de las colonialidades (colonialidad del poder, colonialidad del saber, colonialidad del ser y colonialidad del género), que operan en varios ámbitos, como: el económico, controlando los territorios y las riquezas naturales; el político, controlando la autoridad; el subjetivo, controlando los cuerpos

la etnia, el género y la sexualidad; y el epistémico, a través del control de los saberes y las culturas. En esta cartografía, las colonialidades constituyeron la modernidad, asegurando la continuidad de la acumulación de capital y definiendo las reglas del juego científico, sus bases y sus fundamentos (RIBEIRO, 2019).

La colonialidad del conocimiento se impuso a las naciones colonizadas a través de la violencia epistémica, una acción planificada con el propósito de constituir el conocimiento a partir de la negación de cualquier conocimiento que no sea el europeo y de subjetivar a los pueblos colonizados desde el centro (MIGNOLO, 2007; 2008). En estos poco más de 500 años, esta lógica de dominación ha sufrido cambios superficiales, de modo que la violencia epistémica sigue imponiendo la episteme moderna/colonial, anclada en tres pilares: la teología cristiana de los países ibéricos, la egología cartesiana y la teoría política ilustrada -el liberalismo y el marxismo. Según Mignolo (2005; 2007), esto es así porque la experiencia colonial fue ignorada por Descartes y porque Marx no articuló raza y clase en su lectura de los problemas económicos.

La episteme moderna/colonial se tejió en esta red cuando Europa, sin un imaginario propio, naturalizó las colonialidades, produciendo la diferencia colonial, transformando ciertas diferencias en valores. El conocimiento producido por la teología cristiana, la egología cartesiana y la teoría política ilustrada ocultaban la localización geohistórica y la racialización epistémica a través de una política de conocimiento basada en el borrado de los territorios y la cosmovisión nativa como forma de asegurar la universalidad del conocimiento (MIGNOLO, 2008). Incluso disfrazada de universalismo abstracto, la colonialidad del conocimiento necesita de la retórica salvacionista para justificarse, ya que las desigualdades son problemas molestos resultantes de la aventura colonial de difícil solución. La retórica salvacionista distrae la atención de la violencia epistémica mediante la difusión de discursos que alaban y ensalzan la modernidad por sus supuestos beneficios, como el progreso, la democracia, la libertad y la felicidad para todos, considerados iguales en todo el mundo.





Al defender el universalismo abstracto, la colonialidad del conocimiento difunde el eurocentrismo, que no se refiere a una localización geográfica, sino a la hegemonía de una forma de pensar, el patrón oro que deben seguir las naciones colonizadas para ser consideradas civilizadas. El universalismo abstracto fue sedimentado en Occidente por la teología, la filosofía y las ciencias sociales -estas últimas durante el siglo XIX-, campos de conocimiento nada asépticos que prestaron conceptos y categorías de pensamiento para ser utilizados como armas para imponer representaciones de las Américas como bárbaras, mutilar el pensamiento y silenciar las voces nativas; en una palabra, racializar. Al hacerlo, la colonialidad del conocimiento promovió la exotización y fetichización de la diferencia, imponiendo los valores coloniales a los pueblos nativos, adormeciendo la herida colonial, adormeciendo el dolor con una variedad de analgésicos.

Señalé que la lógica de la racialización tiene dos dimensiones, la epistémica y la ontológica, con el propósito de clasificar a los pueblos colonizados como inferiores por su supuesta dificultad cognitiva para producir conocimiento. Dicha dificultad cognitiva quedaría atestiguada por el hecho de que estos pueblos no dominaban la escritura, no eran cristianos y no hablaban una de las seis lenguas imperiales modernas (portugués, inglés, francés, italiano, alemán, español); por lo tanto, las lenguas nativas se consideran extrañas y/o inadecuadas para el pensamiento racional (teológico o secular). Con esta certeza, la racialización epistémica jerarquizó el saber y el conocimiento, al afirmar que los pueblos de América produjeron y producen sabiduría, y Europa produjo y produce conocimiento universalmente válido (MIGNOLO, 2007). A su vez, la racialización ontológica redujo los diferentes grupos étnicos de las Américas a indios y negros, difundiendo discursos de que éstos no forman parte de la historia y de la humanidad, o mejor dicho, de la propia humanidad: blanca, civilizada y cristiana.

La complicidad entre la colonialidad del saber y la política estatal del conocimiento fue disfrazada por la "identidad disciplinaria", expresada por el hecho de que en América Latina todavía pensamos, analizamos, sentimos, describimos y escribimos desde la excesiva obediencia a los conceptos, categorías, axiomas y métodos europeos, con su cosmovisión monotópica y herméticamente cerrada (MIGNOLO, 2003; 2005; 2008).

Por ello, el debate sobre la episteme moderna/colonial es central para la comprensión del Estado moderno y su estructura organizativa, ya que fue fundado y legitimado "[...] bajo la ilusión de que era un Estado neutral, objetivo y 'democrático' separado de la identidad en la política" (MIGNOLO, 2008, p. 297). Lejos de ser aséptico, el Estado está articulado por una pesada burocracia que asegura la disciplina y el control subjetivo de sus agentes estatales y de



la población. Así, en la contemporaneidad, el Estado neoliberal y globalizado privilegia la continuidad del modelo epistémico europeo, que se garantiza a través de la mentalidad burocrática de sus agentes, encargados de definir el conocimiento oficial, generalmente expresado en una política de conocimiento descontextualizada.

Con estos argumentos, Mignolo (2005; 2008) impugna la sujeción epistémica, señalando además que los griegos inventaron el pensamiento filosófico, pero no el pensamiento. Así, el semólogo argentino representa el desprendimiento de la episteme moderna/colonial, indicando una ruta epistémica ubicada en el reservorio de cosmologías nativas descalificadas en estos más de 500 años. Si nos quedamos estancados en la episteme hegemónica, no visualizaremos otra forma de pensar-hacer-vivir en América Latina. La desobediencia epistémica es, por lo tanto, una responsabilidad política, científica y ética en el trabajo intelectual de nuestra región, que ha registrado una creciente energía de resistencia y desprendimiento de la episteme moderna/colonial, concretándose en pensamientos y acciones decoloniales.

Intercalando el debate epistémico en el ámbito educativo, Castro-Gómez (2007), filósofo colombiano, argumenta que el conocimiento producido y enseñado en las universidades es herencia de los paradigmas coloniales que, al asemejar la ciencia moderna a Dios, la transformaron en verdad universal y absoluta. Este modelo epistémico ha repercutido en los planes de estudio universitarios, de modo que el conocimiento se ha organizado en una estructura disciplinar, arbórea y canónica. Arbórea por la idea de que existe una jerarquía de conocimientos especializados, diferenciados por fronteras epistémicas que no se deben cruzar. Es así porque el fin último del conocimiento no es la aprehensión de lo desconocido, sino la descomposición de la realidad en fragmentos para dominarla más y mejor. Así, las disciplinas materializan la idea de que la realidad necesita ser fragmentada, para que las partes puedan ser intensamente analizadas en la búsqueda permanente de la certeza, del verdadero conocimiento que se sitúa en la esfera incorpórea, en el cogito.

Todavía para el filósofo colombiano, Descartes enfatiza que todo lo que proviene de la experiencia corporal los olores, los sabores, los colores , constituye un obstáculo epistemológico, por lo tanto, debe ser expulsado del espacio científico; esta es una solución que condena a este conocimiento a habitar la doxa (CASTRO-GÓMEZ, 2007). Observados desde este punto de vista, los conocimientos ancestrales y las tradiciones culturales autóctonas son vistos como doxa, como un obstáculo epistemológico a superar, porque son considerados exóticos, anecdóticos, superficiales, folclóricos, mitológicos, en una palabra, precientíficos. Este binarismo erige fronteras culturales infranqueables que consolidan la homogeneización.

RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 3, p. 1882-1901, jul./sep. 2021. e-ISSN: 1982-5587



Otro dispositivo que fija el conocimiento en determinados lugares para facilitar su identificación y manejo es el canon, materializado a través de hábiles estrategias presentes en todas las disciplinas. Entre las estrategias que definen lo que merece ser incluido como conocimiento válido están: remontarse a los orígenes de una determinada disciplina, destacar a sus padres fundadores, los autores que hay que leer (los clásicos), o incluso indicar los temas fundamentales que sólo pertenecen a determinadas disciplinas. Como se puede observar, la episteme moderna/colonial no sólo afecta a la organización del currículo, sino que afecta a las culturas y a los sujetos.

Palermo (2014), también contribuye al debate sobre la relación entre el conocimiento, las culturas y la educación, sin embargo, destacando otro elemento de la episteme moderna/colonial, el pensamiento único. La imposición del pensamiento único ejercido por la colonialidad epistémica permea todos los ámbitos de la vida cotidiana, materializada en el campo de la educación en todos sus niveles, desde la educación infantil hasta los estudios de posgrado, en un sistema que se retroalimenta, sedimentando distinciones a través de diversas estrategias, como el desconocimiento de los saberes nativos y la producción de subjetividades enjauladas. En este panorama, el desajuste entre los discursos y las acciones pedagógicas ha sido recurrente, pues lo más común es la indolencia y la improductividad del discurso de las instituciones educativas, ya que operan para impedir cambios efectivos en la concepción del conocimiento y en las prácticas educativas.

Explorando la política curricular, Palermo (2014) informa que desde su surgimiento en Europa, en el siglo XIX, su propósito fue formar al ciudadano para las nacientes naciones republicanas, a través de planes y programas que anularon los conocimientos de las naciones preexistentes. En la época contemporánea, el pensamiento único en la educación se manifiesta en la imposición del libre mercado y en las acciones estandarizadoras que silencian a las comunidades tradicionales e invisibilizan al otro, por la vergüenza de su supuesta cultura ruda, de su lenguaje "terrible", lo que genera sordera a lo hegemónico respecto a sus voces y demandas culturales. Ante tales acciones e intenciones, es necesario relativizar el currículo oficial, universal y homogéneo, para reaccionar desde la perspectiva de la descolonialidad del conocimiento, camino posible para la necesaria afección y empatía con la memoria sociocultural de pertenencia y con los saberes ancestrales. Para Palermo (2014), no se trata de dejar de teorizar, sino de hacerlo desde otro lugar, desechando algunas herramientas de la episteme moderna/colonial, atreviéndose a mapear otras experiencias y discursos para la reinterpretación de las culturas locales, porque la pedagogía occidental es incapaz de dar cuenta de las diferencias debido a sus propósitos homogeneizadores.



En este sentido, el Estado debe actuar en la construcción de una sociedad plural en todas sus dimensiones, siguiendo el ejemplo de otros países latinoamericanos. Se trata de una posición ética y política frente a la deshumanización globalizada y la imposición del pensamiento único en la economía, en la episteme y en la educación. Se exige una acción pedagógica diferente que cambie la subjetividad pedagógica eurocéntrica, las representaciones inferiores de la cultura y el conocimiento local, ya que la escuela se ha limitado a difundir discursos sobre la flexibilidad y la diversidad disciplinar, pero al no promover un diálogo amplio, al no escuchar a las comunidades tradicionales, produce y reproduce ideas y acciones excluyentes.


La desobediencia epistémica para una política curricular otra


Las ideas no se pueden matar: sobreviven en los cuerpos porque forman parte de la vida.

Walter Mignolo (2014).


La política curricular del Estado de Pará impone a los niños, jóvenes, maestros y profesores un conocimiento organizado en la clásica estructura disciplinaria, arbórea y canónica, que tiene como objetivo la homogeneización de la cultura y la garantía de la acumulación incesante en el sistema-mundo moderno/colonial contemporáneo. Para distender el debate sobre otra forma de organizar el conocimiento, me apropio de nuevo de las aportaciones de Mignolo (2005), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007) y Palermo (2014), con la única intención de lanzar pistas para mover el pensamiento en la dirección de la desobediencia epistémica.

Mignolo (2005) señala la necesidad de aprender a desaprender y reaprender. ¿Pero aprender a desaprender y reaprender qué? Aprender a desaprender los conocimientos eurocéntricos que, recontextualizados en los contenidos escolares, producen y reproducen representaciones estereotipadas e inferiores de las culturas y conocimientos autóctonos, para reaprender a ser y vivir en diálogo con la diferencia. El conocimiento guiado por los principios éticos, políticos y culturales del giro decolonial necesita ser producido a partir del desmantelamiento de las cuatro colonialidades, para permitir a los niños y jóvenes de la escuela básica identificar la herida colonial, reconocer la racialización, las representaciones inferiores y el eurocentrismo para cuestionarlos, potenciando habilidades para pensar desde la política del lugar y la interculturalidad, herramientas capaces de ayudar en el desafío de pensar una justa selección de conocimientos para América Latina y la Amazonia.




La política del lugar es un proceso de reconocimiento de la violencia colonial del pasado y del presente, para tener en cuenta la localidad geohistórica y la fractura del vivir en el Sur global; es capaz de incitar el pensar-hacer-sentir desde el reconocimiento de la historia, las memorias y los saberes ancestrales, para constituir identidades y subjetividades decoloniales. América Latina es un lugar de culturas vivas, producidas por mujeres y hombres que reaccionan y luchan en busca de alternativas a las políticas coloniales y por el buen vivir en la región (MIGNOLO, 2005). La interculturalidad, por su parte, nació en los Andes y es una noción introducida por los intelectuales indígenas para reclamar derechos epistémicos en el contexto de los proyectos coloniales. Intercultura significa interepistemología, un intenso diálogo entre cosmologías no occidentales (afro, indígena, mestiza, asiática, árabe-islámica, entre otras) y occidentales. El diálogo intercultural es una estrategia ético-política que pone en juego tanto la razón universal como la razón local, promoviendo una episteme mestiza que constituye otros sujetos, capaces de leer y traducir el encuentro colonial y sus efectos.

En cuanto a la estructura disciplinaria rígida y compartimentada del conocimiento en las instituciones educativas, Castro-Gómez (2005a; 2007) ha evidenciado la genealogía de este modus operandi que reverbera en la educación. Teniendo en cuenta que vivimos en un mundo complejo, la práctica interdisciplinaria propuesta exhaustivamente como forma de superar la compartimentación no logra su propósito, ya que se limita a intercambiar información entre diferentes disciplinas, dejando intactos sus fundamentos. La acción capaz de desfragmentar la compartimentación y promover el diálogo entre conocimientos y entre culturas es la transdisciplinariedad, una episteme emergente que se convierte en un puente para el diálogo transcultural entre conocimientos, ayudando al intercambio cognitivo entre la ciencia occidental y los conocimientos autóctonos. En este sentido, la transdisciplinariedad es capaz de intervenir en la estructura disciplinaria, arbórea y canónica, permitiendo la experimentación con estructuras rizomáticas, manifestadas en redes disciplinarias y/o ensayos transculturales.

En Brasil, históricamente el currículo ha sido narrado por el colonizador y subordinado al canon europeo que transmite un conocimiento supuestamente objetivo, lo que tiene efectos crueles en las identidades y subjetividades de los niños y jóvenes (COSTA, 1998). Sin embargo, hay algunas propuestas educativas en movimiento, como la educación bilingüe para las escuelas indígenas, la educación quilombola, la educación en los espacios de los movimientos sociales, como la que propone el Movimiento Sin Tierra. En este terreno abierto, es necesario seguir tensando para distender el espacio curricular, desafiando la




estructura disciplinaria, el canon y el monoculturalismo de las políticas curriculares nacionales y locales, proponiendo otra forma de organizar el conocimiento.

Concluyo argumentando que el currículo como arena de producción de significados, terreno de luchas entre teorías y cosmovisiones, permite negociar entre los intereses del Estado y de la sociedad civil, si se tiene en cuenta el equilibrio entre el conocimiento científico y el ancestral. Una política curricular que rechace la objetivación del lugar, del otro y de los saberes ancestrales, que supere la retórica de la valoración de la diversidad, de las prácticas interdisciplinarias y de la participación, necesita promover redes interculturales y transdisciplinarias de conocimientos.


Consideraciones provisionales


La etnografía multilocal fue el arte de hacer que permitió seguir el discurso, las metáforas y la trama del Documento Curricular del Estado de Pará, identificando conflictos y resistencias. Fue posible seguir dos rasgos llamativos de la DCEPará que hicieron inconsistente esta propuesta curricular, en la medida en que mantiene la clásica estructura disciplinaria, arbórea, canónica y homogeneizadora, a pesar de su crítica a la compartimentación del conocimiento y a los discursos sobre la diversidad y la participación, sin embargo, como dije, la sociedad civil organizada y las comunidades tradicionales fueron excluidas del proceso de elaboración del documento curricular. En definitiva, esta política curricular traduce los deseos políticos de los grupos hegemónicos dentro y fuera del país que pretenden mantener la identidad disciplinar con la episteme moderna/colonial y borrar las culturas minoritarias del mapa del sistema-mundo.

En términos del giro decolonial, el DCEPará expresa una política estatal de conocimiento que obedece a la episteme moderna/colonial, porque los agentes estatales se han comprometido con las exigencias del sistema-mundo. A pesar de la breve contextualización, la noción de currículo como construcción social es coherente con algunas críticas a la compartimentación del conocimiento, la indicación de romper la mirada al ver el conocimiento moderno, buscar la visibilidad del conocimiento popular, la estructura disciplinaria, arbórea y canónica, y la homogeneización cultural lo hacen incoherente.

Otra organización del conocimiento es posible, sin embargo, es imprescindible practicar la desobediencia epistémica, una reacción capaz de desarticular la compartimentación, el canon y la homogeneización excluyentes. No se trata de producir conocimiento a partir de un simple desprendimiento de la episteme colonial, sino de




entrelazar diferentes racionalidades para restaurar historias, memorias y subjetividades colonizadas, a través del diálogo transdisciplinario e intercultural. A partir de las insinuaciones del giro decolonial, visualizo la posibilidad de un currículo decolonial capaz de incitar al diálogo intercultural entre los saberes occidentales y los saberes ancestrales, para recontextualizarlos en el conocimiento escolar para una forma diferente de pensar-vivir en América Latina y la Amazonia.


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Cómo referenciar este artículo


SEIXAS RIBEIRO, J. O. Siguiendo las huellas de epistemas modernos/coloniales en el Documento Curricular del Estado de Pará. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 3, p. 1882-1901, jul./sep. 2021. e-ISSN: 1982-5587. DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i3.13277


Enviado el: 03/02/2020

Revisiones requeridas el: 27/11/2020

Aprobado el: 16/12/2020

Publicado el: 01/07/2021





FOLLOWING THE TRACES OF MODERN/COLONIAL EPISTEMS IN THE CURRICULAR DOCUMENT OF THE STATE OF PARÁ


SEGUINDO OS TRAÇOS DA EPISTEME MODERNO/COLONIAL NO DOCUMENTO CURRICULAR DO ESTADO DO PARÁ


SIGUIENDO LAS HUELLAS DE EPISTEMAS MODERNOS/COLONIALES EM EL DOCUMENTO CURRICULAR DEL ESTADO DE PARÁ


Joyce Otânia Seixas RIBEIRO1


ABSTRACT: This paper aims to analyze the curricular policy of the state of Pará, considering the modern/colonial epistemic. The theoretical contribution is that of the decolonial overturn with Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo

(2014), and of the curricular studies with Silva (1999), Macedo (2014; 2015), and Lopes (2004; 2008; 2019). The field of investigation is the Document of the State of Pará, and the art of doing is multifocal ethnography, an emerging producer for the analysis of documents (MARCUS, 2001). The results indicate that two features of the modern/colonial epistemic stand out, the disciplinary structure and the cultural homogenization, producing an inconsistent curriculum document. I indicate as a reason for such curricular inconsistency the fact that the state agents have conducted the methodology of elaboration of the Curricular Document of the State of Pará through excessive epistemic obedience, as well as for having excluded organized civil society and traditional communities from the process. I conclude by arguing that epistemic disobedience is capable of producing a different knowledge policy, guided by the politics of place, transdisciplinarity and interculturality.


KEYWORDS: Modern/colonial episteme. DCEPará. Disciplinary structure. Cultural homogenization. Epistemic disobedience.


RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a política curricular do estado do Pará, considerando a episteme moderno/colonial. O aporte teórico é o do giro decolonial com Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo

(2014), e dos estudos curriculares com Silva (1999), Macedo (2014; 2015) e Lopes (2004; 2008; 2019). O campo de investigação é o Documento Curricular do Estado do Pará, e a arte do fazer é a etnografia multilocal, um procedimento emergente para a análise de documentos (MARCUS, 2001). Os resultados indicam que dois traços da episteme moderno/colonial se destacam, a estrutura disciplinar e a homogeneização cultural, produzindo um documento curricular inconsistente. Indico como razão de tal inconsistência curricular o fato de os agentes estatais terem conduzido a metodologia de elaboração do Documento Curricular do Estado do Pará por meio de excessiva obediência epistêmica, bem como por terem excluído a sociedade civil organizada e as comunidades tradicionais do processo. Concluo argumentando que a


1 Federal University of Pará (UFPA), Abaetetuba – PA – Brazil. Professor at the College of Education and Social Sciences and Professor at the Postgraduate Program in Cities: Territories and Identities. Doctorate in Education (UFPA). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1323-3554. E-mail: joyce@ufpa.br


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desobediência epistêmica é capaz de produzir uma política do conhecimento outra, orientada pela política do lugar, pela transdisciplinaridade e pela interculturalidade.


PALAVRAS-CHAVE: Episteme moderno/colonial. DCEPará. Estrutura disciplinar. Homogeneização cultural. Desobediência epistêmica.


RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo analizar la política curricular del estado de Pará, considerando la episteme moderno/colonial. El aporte teórico es el del giro decolonial con Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo

(2014), y de estudios curriculares con Silva (1999), Macedo (2014; 2015) y Lopes (2004; 2008; 2019). El campo de investigación es el Documento Curricular del Estado de Pará, y el arte de hacer es la etnografía multilocal un procedimiento emergente para el análisis de documentos (MARCUS, 2001). Los resultados indican que se destacan dos rasgos de la episteme moderno/colonial, la estructura disciplinaria y la homogeneización cultural, produciendo un documento curricular inconsistente. Indico como razón de tal inconsistencia curricular el hecho de que los agentes estatales hayan conducido la metodología de elaboración del Documento Curricular del Estado de Pará a través de una excesiva obediencia epistémica, así como por haber excluido del proceso a la sociedad civil organizada y las comunidades tradicionales. Concluyo argumentando que la desobediencia epistémica es capaz de producir una política de conocimiento diferente, guiada por la política del lugar, la transdisciplinariedad y la interculturalidad.


PALAVRAS CLAVE: Episteme moderno/colonial. DCEPará. Estructura disciplinaria. Homogeneización cultural. Desobediencia epistémica.


Introduction


This article aims to follow two traits of the modern/colonial episteme present in the curricular policy of the state of Pará and, in this movement, I count on the contributions of the giro decolonial (decolonial turn), dialoguing with Mignolo (2003; 2005; 2007; 2008; 2014), Castro-Gómez (2005a; 2005b; 2007), Palermo (2014), as well as with Silva (1999), Macedo (2014; 2018) and Lopes (2004; 2008; 2019) in the field of curricular studies.

I think it is worth briefly clarifying about the decolonial turn. It is a political, theoretical and ethical movement that has been constituted by a community of arguments with intellectuals from Latin America, such as Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Ramón Grosfoguel, Nelson Maldonado-Torres, Arturo Escobar, Santiago Castro-Gómez, Zulma Palermo, María Lugones, Catherine Walsh, and many others. This movement began in the late 1990s, having consolidated itself as a critical alternative for thinking about solutions to the region's problems. This community of argument is based on the assumption that modernity is a product of colonialism



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and the four colonial strategies2, intending to make visible its dark side – the social, epistemological and ontological problems –, and to interrupt colonial rule in Latin America. With this intention, the decolonial turn criticizes liberal, critical and post-critical theories, considering that they ignore the effects of colonialism on the politics of place and the politics of knowledge. Considering this, its challenge has been to produce non-Eurocentric analytical tools capable of helping in the constitution of an episteme and an art of living another in this region.

As for the method, I have presented the multilocal ethnography more slowly elsewhere3, and now I will be brief. Multilocal ethnography is an emerging, contested, but productive art of doing that emerged in the 1980s as a response to contemporary epistemic and contextual crises (MARCUS, 2001; MARCUS; FISHER, 2000), expressed in the dilution of cultures and the disappearance of native peoples, classical objects of anthropology. The fact that it was marked by the tracking of cultural formations in unusual spaces in the world-system, the key word of the decolonial turn, was decisive in the methodological option for multilocal ethnography. There are two modalities of multilocal ethnography, and here I will develop the one that deals with the study of archives, more precisely of documents. As documents are part of the modern state, it was imperative to trigger the notion of state and bureaucracy, as regulatory aspects are central (ABRAMS, 2014).

In this perspective, documents are considered social spaces defined by specific political interests in the conduct of the state institution, as they condense a multiplicity of social experiences, which makes them a privileged source of information (ZARIAS, 2004, p. 01). Here, the document analyzed is the Curriculum Document of the State of Pará. The art of doing consists in tracking the discourse, metaphor and plot (MARCUS, 2001) that produce a certain document, but there are other procedures related to the handling of documents highlighted by Zabala (2010), as well as by Muzzopappa and Villalta (2011), to be noted. The researcher's posture is guided by an ethics whose principle is “the personal is political”, which constitutes volatile identities and subjectivities, and allows to find the trivial strange (ZABALA, 2010).

In an attempt to reach the indicated objective, I organized the article starting from the organization of knowledge in the DCEPará, to then focus on the two features of the modern/colonial episteme present in the document: the disciplinary structure and cultural homogenization. I close by pointing out epistemic disobedience as a possibility to elaborate a



2 Coloniality of power, coloniality of knowledge, coloniality of being and gender coloniality.

3 Article: A política de identidade do Documento Curricular do Estado do Pará. Revista Estudios sobre las culturas contemporáneas, Colima, Época III, v. XXVI, n. 52, pp. 9-36, jan./jun. 2021.


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knowledge policy guided by the politics of place, by interculturality and by transculturality, which is already a reality in Bolivia, Venezuela and Ecuador.

It should also be noted that even though I am aware of the consolidation of curricular studies in Brazil, I decided to accept the provocation by Tomaz Tadeu da Silva (1999) about the imperative of decolonizing the curriculum. The curriculum specialist prepares the way for this task, however, he does it through the post-colonial theory; here, I bet on experimentation, activating the analytical tools of the decolonial turn, an engaging and powerful episteme-in- formation. Of all, only in trial and error it is possible to invent new tracks.


The organization of knowledge in the Curriculum Document of the State of Pará


After the approval of the Common National Curricular Base - BNCC in 2018, the implementation process began, for which all Federation Units were widely and intensely mobilized, so far twenty-one states and the Federal District have already reformulated the pre- school and elementary education4 curricula aligned with the Base. Thus, the State Department of Education - SEDUC/Pa, joined and supported the implementation of the BNCC, arguing that: “[...] the MEC called upon the states to carry out the implementation of the aforementioned Base as it becomes the national and mandatory reference for the (re)formulation of curricula" (PARÁ, 2018, p. 12, author highlights, our translation), based on learning objectives and skills proposed by the BNCC, considered mandatory reference. I will not dwell on the problems related to joining the BNCC, as these have been widely debated and relate to the logic of the national curriculum policy, marked by neoliberal ideas and instrumental pedagogy.

Thus, in Pará, several actions were carried out so that educational networks could count on curricula adapted to the BNCC. The process involved state agents (technical team) and teachers in a set of activities aimed at reformulating the local curriculum, as well as changes in assessment, in teaching materials and in the continuing education of teachers. The Curriculum Document of the State of Pará/DCEPará was prepared under the coordination of a technical team from the State Department of Education of the State of Pará - SEDUC/Pará5 and, even contested, was approved in December 2018, by the State Council of Education - CEE/Pará, being made available on the SEDUC/Pará portal. The curriculum document is presented in 462 pages and organized in five parts. On the cover, attention is drawn to the various images


4 Available: http://www.consed.org.br/consed/implementacao-da-bncc-nos-estados. Access: 15 Dec. 2020.

5 SEDUC/Pará Portal. Available: http://www.seduc.pa.gov/site/seduc. Access: 15 Dec. 2020.


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alluding to the multiplicity of Pará culture, with the clear intention of establishing a link between territory, culture and education.

Before presenting the organization of knowledge for early childhood education and elementary education, the document under analysis situates the contemporary historical context, marked by intense social and cognitive changes, as well as their consequences in the various dimensions of life.


In contemporary society we live in a time of intense changes: the dynamics of work, the way people interact, everyday life and even thought are an appeal that asks subjects to expand their way of seeing and acting in the world and breaking the standard gaze on things (PARÁ, 2018, p. 13, author highlights our translation).


[...] the modern vision of knowledge that, derived from specialization, fragmented it into specialties, thus losing the vision of totality, separating those who know 'scientists' from those who do not know ordinary citizens (FERNANDES, 2007 apud PARÁ, 2018, p. 13, our translation).


The curriculum document recognizes that sociocultural changes resulted from civilizing advances, and that these also produced social, economic, cultural inequalities, as well as epistemic problems. In the latter case, the problems were caused by the fragmenting of knowledge, separating those who know from those who do not, valued scientific knowledge and made popular knowledge invisible, leading to the loss of the vision of totality (PARÁ, 2018). The curriculum document informs that such problems impose the need for changes. Thus, it suggests that social inequalities and the compartmentalization of knowledge can be remedied by two actions, one epistemic and the other pedagogical. The first is expressed in the indication of breaking the gaze in order to change the way of seeing knowledge; the second concerns the interdisciplinary pedagogical practice; both are considered necessary to overcome compartmentalization and value diversity.

The notion of curriculum triggered in the document on screen is that of social construction, therefore, the curriculum is emancipatory and the result of conflicting cultural selection due to social control. On the other hand, a certain interrelationship between curriculum, school experiences and identities is noticeable. In this sense, the curriculum translates into the


[...] school experiences that unfold around knowledge, amid social relationships, and that contribute to the construction of our students' identities. Curriculum, thus, is associated with the set of pedagogical efforts developed, with educational intentions, in school institutions (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 21 apud PARÁ, 2018, p. 16, our translation).





In the excerpt above, the relationship between experience, knowledge and identities is clear, and for this reason, the DCEPará insists on the argument that the school's educational intentions need to distance themselves from decontextualized and compartmentalized practices. To concretize the notion of curriculum as a social construction and its link with the everyday experiences that constitute identities, the document tries to distance itself from the collection-type curriculum – suggesting to follow the criticism of the curriculum formulated by Basil Bernstein – as this type of curriculum fragments and isolates knowledge. For the document under analysis, the ideal curriculum is collectively constructed for being able to express identities.

With the terrain prepared, the DCEPará presents the organization of knowledge based on structuring axes, considered thematic fields capable of mobilizing the knowledge chosen at school to be scientifically treated and confronted with the knowledge produced by men and women, as in the following passage:


The curricular document of the state of Pará presents as a conception of knowledge organization the structuring axes, as presented by the DCNEI (BRASIL, 2010a) and by the BNCC (BRASIL, 2017a), these are configured as broad and privileged thematic fields, capable to mobilize knowledge/content chosen at school and scientifically treated, in the confrontation with knowledge historically produced and re-elaborated [sic] by men and women (PARÁ, 2018, p. 63, our translation).


The structuring axes organize both early childhood education and elementary education. In early childhood education, interactions and games subsidize learning and development, and are considered capable of guaranteeing children's learning rights rights to socialize, play, participate, explore, express and know. In elementary school, the structuring axes are: Space/Time and its Transformations, Language and its Communicative Forms, Values for Social Life, and, finally, Culture and Identity. There is provision for Learning Cycles with more flexible flows, and curriculum components of the pedagogical tradition, such as Portuguese Language, Physical Education, Art, English Language, History, Geography, Amazon Studies, Science, Mathematics and Religious Education.

By tracking the document guided by the decolonial turn, I proceeded by tracking the

modern/colonial episteme, and identified two of its features, which I will now explore.


The DCEPará: disciplinary structure and cultural homogenization


Despite realizing that there are many features for reflection, I will focus on just two, the disciplinary structure and cultural homogenization. The first trait is expressed when the document criticizes the collection-type curriculum and the compartmentalization of knowledge,




proposing to organize knowledge into structuring axes and fields of experience; however, this intent does not materialize, as knowledge ends up being organized in the traditional disciplinary, arboreal and canonical structure.

In early childhood education, the difficulty of thinking about an alternative organization to the disciplinary structure is noticeable, so the document remains in the common place of this logic, by associating the fields of experience with fields of knowledge such as numeracy, oral and written language, ranking the knowledge. When reflecting on the logic of organizing knowledge for early childhood education, Tiriba and Flores (2016) reaffirm that the curriculum design needs to have interactions and games as its axis and highlight that the disciplinary structure focused on literacy and numeracy has the intent to facilitate the large-scale assessment provided for in the BNCC.

In Elementary School it is no different, in fact, the disciplinary, arboreal and canonical structure is confirmed by the foreseen curricular components. The compartmentalized disciplinary structure is clear in well-defined disciplinary boundaries, suggesting limits that should not be crossed, which can hinder dialogue and exchanges. The curricular organization is arboreal due to the existence of hierarchical subjects, as some curricular components are considered more relevant, such as Portuguese and Mathematics, which is evidenced by the higher quantity of objectives and expected skills, as opposed to the curricular components considered less relevant, such as Physical Education and Religious Education, for example.

In relation to the canon, this is maintained in the same way as provided for in the BNCC. The canon is expressed in the indication of themes and works considered classic and indispensable in the Western pedagogical tradition. Tiriba and Flores (2016) question the canon expressed in the exclusivity of Western paradigmatic references, to the detriment of the knowledge of traditional Brazilian communities. This is because the canon consists of a set of works recognized for their cultural and scientific value, therefore, works that do not meet this criterion are discarded because they are considered irrelevant, as is the case of works written by authors of minority groups (FRANCO, 2008). The selection of the canon is carried out by an intellectual with the authority to do so, an action that is not neutral and/or aseptic, but informed by the social, political and cultural context of each historical period, as well as by gender, race and social class. In the end, the canon is the expression of abstract universalism and Eurocentrism, to be followed by the nation that wants to be represented as civilized.

Regarding the disciplinary structure, Lopes (2008) highlights that in Western society the disciplinary curriculum is hegemonic, a fact that does not prevent other forms of knowledge organization. Although the author argues that in the last twenty years a certain curricular



flexibility is noticeable, with contextualized and interdisciplinary organization of knowledge, the knowledge policy in Brazil has been marked by ambivalence as it recovers instrumental curricular traditions (such as the BNCC), which allows the criticism of school subjects, considered retrograde and detached from students' lives.

In this scene, school subjects have been represented as decontextualized, fragmented and obstacles to the diversification of the education system. Based on arguments by Ivor Goodson, for whom the disciplines define the organization of the educational structure (guiding certain socio-educational requirements such as the production of diplomas, teacher education, teaching work) through the production of discourses that are supported and support disciplinary communities, Lopes (2008) concludes that school subjects are not “good” or “bad”, “right” or “wrong” in themselves, as they are educational institutions with which the meaning of curriculum policy is negotiated. Therefore, the intention of education systems to break disciplinarity may prove unattainable if actions are not able to guarantee dialogue with disciplinary communities. In a recently published article, Lopes (2019) clarifies, once again, that the subjects are not untouchable, but stresses that the reorientation of the curricular organization cannot be limited to changing the list of contents, competences and skills, but needs to consider the practices discursive and teaching identities. In the end, the author states that disciplinary organization is not necessarily an evil to be overcome.

As for the second trait, cultural homogenization, when tracking the curriculum document under analysis, I mapped discourses anchored in critical educational theories, metaphors that translate socio-educational and political intentions, such as construction, breaking the gaze, founding pillar, as well as the plot to which it is inseparable. About the political plot, this was well articulated during the elaboration process of the DCEPará, with meetings, gatherings and consultative preparatory seminars, whose participants were only the teachers of the network, that is, the disciplinary communities. The political plot was exclusive in that it prevented the effective participation of organized civil society and traditional communities. This is the reason for the homogenization promoted by the document, as it is not possible to face it with hierarchical, bureaucratic and excluding practices such as this methodology of merely consultative elaboration. However, faced with the exclusion, organized civil society resisted and rebelled, occupying the plenary session of the State Council of Education, preventing the approval of the document (it was approved in another session). The drafting process and the curriculum document were criticized by the Manifesto in Defense of Public Education (2018), and there are several reports in local newspapers and blogs that publicized the conflict. The fight against cultural homogenization is only possible by



guaranteeing the effective participation of excluded groups, to establish dialogue and listen to their cultural and epistemic demands.

Despite this excluding methodology of elaboration, the curricular document insists on the discourse on diversity, calling for cultural appreciation, respect and recognition of knowledge, as in passages like this:


Every curricular policy must have its measurement in culture, as it is the result of the selection and production of knowings, cultural manifestations, conflicts and partnerships between people, conceptions of knowledge and learning and ways of imagining and perceiving the world (PARÁ, 2018, p. 99, author’s highlights, our translation).


Considering ancestral knowledge as knowings is a way to make them inferior, because, for Mignolo (2005; 2008), the modern-colonial episteme ranks knowledge and knowings, so that true and universal knowledge is always that produced by European scientific rationality; on the other hand, knowings are considered irrelevant because they are elaborated by colonized peoples, barbarians, therefore, without cognitive abilities to produce knowledge. The erasure of differences is achieved through the defense of human similarity, as everyone is considered equal in the world.

Wallerstein (2004) argues that cultural homogenization is a central strategy for erasing native cultures and differences, materialized through the imposition of unifying cultural policies

– such as curricular reforms – on peripheral and semi-peripheral nations, such as Brazil; in the end, cultural homogenization guarantees social cohesion and ceaseless accumulation in the contemporary world-system. In the Brazilian case, Gabriel (2015), highlights that the ultimate purpose of a homogenizing curriculum is to unify the nation through a common national culture, and this intent was achieved through a political scheme between the native elite, businessmen, Brazilian political right and state agents, all committed to capital accumulation.

Still from the perspective of the state structure and its connection with the modern/colonial world-system, the neutral and objective state is an illusion, as its heavy bureaucratic machine with documents, rituals, norms and interests define a fearful and long- lasting power (WEBER, 1999). The state bureaucracy is heavily rational with a focus on order and hierarchy; as a result, the masses are prevented from participating in decisions, as they are considered irrational, thus promoting disorganization and diluting the hierarchy.

The bureaucratic mentality, the indolent and unproductive discourse of state agents led to the elaboration of the DCEPará, making effective changes in the organization of knowledge difficult. In the end, the knowledge policy of the state of Pará continues with a political identity




in tune with the modern/colonial episteme of the current world, marked by the post 11 September 2001 imperial globality, which privileges compartmentalized, monolingual and monocultural education.


Epistemic violence and its effects on knowledge and cultures


Lopes' (2008; 2019) arguments that disciplines do not constitute a problem to be overcome differ from the analysis of the decolonial turn because, in this perspective, disciplines are involved in the project of colonization of the Americas. So, in this part I intend to explore a little more about this relationship in terms of decoloniality, using some of its analytical tools. The coloniality of knowledge is one of the central tools, considered as a strategy that controls knowledge across the globe since the beginning of modernity, imposing a particular episteme as universal and standard to be followed. Many studies on the causes and consequences of modernity have already been produced, however, those of the decolonial turn weave together a particular and innovative analytics. Among the intellectuals that make up this argumentation community is Walter Mignolo, an Argentine semiologist who has dedicated himself to understanding the modern/colonial episteme and its political, epistemic and ethical effects in Latin America.

Para Mignolo (2008), a modernidade não é um marco temporal, um período histórico do qual não possamos escapar, mas sim, a narrativa de um período histórico elaborado por aqueles que se perceberam como os reais protagonistas, os europeus. Mignolo (2007) representa a modernidade como uma hidra de três cabeças, argumentando que apenas uma delas é visível: a retórica salvacionista. As outras duas cabeças são ocultadas, por serem o lado obscuro da modernidade: o domínio territorial e a racialização epistêmica, finalidades últimas da colonialidade.

The colonial domination of the Americas relied on the logic of colonialities (coloniality of power, coloniality of knowledge, coloniality of being and the coloniality of gender), which operate in various domains, such as: the economic, controlling territories and natural wealth; the political, controlling authority; the subjective, controlling bodies ethnicity, gender and sexuality; and the epistemic, through the control of knowledge and cultures. In this cartography, colonialities constituted modernity, guaranteeing the continuity of capital accumulation and defining the rules of the scientific game, its bases and foundations (RIBEIRO, 2019).

The coloniality of knowledge was imposed on colonized nations through epistemic violence, a planned action with the purpose of constituting knowledge from the denial of any




knowledge other than European and of subjectifying colonized peoples from the center (MIGNOLO, 2007; 2008). In just over 500 years, this logic of domination has undergone superficial changes, so that epistemic violence continues to impose the modern/colonial episteme, anchored on three pillars: Christian theology of Iberian countries, Cartesian egology and illustrated political theory − liberalism and marxism. According to Mignolo (2005; 2007), this is because the colonial experience was ignored by Descartes and by Marx, not having articulated race and class in the reading of economic problems.

The modern/colonial episteme was woven into this web when Europe, without its own imaginary, naturalized colonialities, producing colonial difference, transforming certain differences into values. The knowledge produced by Christian theology, Cartesian egology and illustrated political theory concealed the geo-historical location and epistemic racialization, through a policy of knowledge based on the erasure of territories and the native cosmovision as a way to guarantee the universality of knowledge (MIGNOLO, 2008). Even camouflaged by abstract universalism, the coloniality of knowledge needs the salvationist rhetoric to justify it, since inequalities constitute uncomfortable problems resulting from the colonial adventure, which are difficult to solve. Salvationist rhetoric distracts attention from epistemic violence by disseminating speeches and praising modernity for its supposed benefits, such as progress, democracy, freedom and happiness for all, considered equal across the globe.

By defending abstract universalism, the coloniality of knowledge disseminates Eurocentrism, which does not concern a geographic location, but the hegemony of a way of thinking, the gold standard that colonized nations must follow to be considered civilized. Abstract universalism was settled in the West by Theology, Philosophy and Social Sciences – this one during the nineteenth century – fields of knowledge that were not at all aseptic, which lent concepts and categories of thought to be used as weapons to impose representations of the Americas as barbarians, mutilate thought and silence native voices; in a word, to racialize. In so doing, the coloniality of knowledge promoted the exoticization and fetishization of difference, imposing colonial values on native peoples, numbing the colonial wound, nullifying pain with a variety of analgesics.

I emphasized that the logic of racialization has two dimensions, the epistemic and the ontological, with the purpose of classifying colonized peoples as inferior, due to their supposed cognitive difficulty in producing knowledge. Such cognitive difficulty would be attested by the fact that these peoples do not master writing, are not Christians and do not speak one of the six modern imperial languages (Portuguese, English, French, Italian, German, Spanish); therefore, native languages are considered strange and/or unsuitable for rational thought (theological or



secular). With this certainty, epistemic racialization hierarchized knowings and knowledge, stating that the peoples of the Americas produced and produce wisdom, and Europe produced and produce universally valid knowledge (MIGNOLO, 2007). In turn, ontological racialization reduced different ethnic groups in the Americas to indians and blacks, spreading discourses that they are not part of history and humanity, or rather, humanity itself: white, civilized and Christian.

The complicity between the coloniality of knowledge and the policy of the state of knowledge was disguised by the “disciplinary identity”, expressed by the fact that in Latin America we still think, analyze, feel, describe and write from an excessive obedience to concepts, categories, European axioms and methods, with their monotopic and hermetically closed cosmovision (MIGNOLO, 2003; 2005; 2008).

Because of this, the debate on the modern/colonial episteme is central to the understanding of the modern State and its organizational structure, as it was founded and legitimized “[...] under the illusion that it was a neutral, objective and 'democratic' apart from identity in politics” (MIGNOLO, 2008, p. 297, our translation). Far from being aseptic, the state is articulated by a heavy bureaucracy that guarantees discipline and subjective control of its state agents and the population. Thus, in contemporary times, the neoliberal and globalized state privileges the continuation of the European epistemic model, which is guaranteed through the bureaucratic mentality of its agents, responsible for defining official knowledge, in general, expressed in a policy of decontextualized knowledge.

With these arguments, Mignolo (2005; 2008) contests epistemic subjection, highlighting that the Greeks invented philosophical thought, but not thought. Thus, the Argentine semiologist is in favor of detachment from the modern/colonial episteme, indicating an epistemic route located in the reservoir of disqualified native cosmologies in these more than 500 years. If we remain stuck in the hegemonic episteme, we will not see another way of thinking-making-living in Latin America. Epistemic disobedience is, therefore, a political, scientific and ethical responsibility in intellectual doing in our region, which has registered a growing energy of resistance and detachment from the modern/colonial episteme, taking shape in decolonial thoughts and actions.

Weaving the epistemic debate in the educational field, Castro-Gómez (2007), a Colombian philosopher, argues that the knowledge produced and taught at the university is a legacy of colonial paradigms that, by making modern science resemble God, transformed it into universal and absolute truth. This epistemic model has focused on university curricula, so that knowledge has been organized in a disciplinary, arboreal and canonical structure. Arboreal



because of the idea that there is a hierarchy between specialized knowledge, differentiated by epistemic boundaries that must not be crossed. This is because the ultimate end of knowledge is not the apprehension of the unknown, but the decomposition of reality into fragments to dominate it more and better. Therefore, the disciplines materialize the idea that reality needs to be fragmented, so that the parts can be intensely analyzed in the permanent search for certainty, for the true knowledge that is located in the incorporeal realm, in the cogito.

Still for the Colombian philosopher, Descartes emphasizes that everything that comes from bodily experience - odors, flavors, colors - constitutes an epistemological obstacle, therefore, they must be expelled from the scientific space; this is a solution that condemns this knowledge to inhabit the doxa (CASTRO-GÓMEZ, 2007). Viewed from this point of view, ancestral knowledge and native cultural traditions are seen as doxa, as an epistemological obstacle to be overcome, as they are considered exotic, anecdotal, superficial, folkloric, mythological, in a word, prescientific. This binarism erects insurmountable cultural borders that consolidate homogenization. Another device that fixes knowledge in certain places to facilitate its identification and handling is the canon, materialized through skillful strategies present in all disciplines. Among the strategies that define what deserves to be considered valid knowledge are: going back to the origins of a certain discipline, highlighting its founding fathers, the authors that need to be read (the classics), or even indicating the fundamental themes that belong only to certain disciplines. As you can see, the modern/colonial episteme does not only affect the organization of the curriculum, it affects cultures and subjects.

Palermo (2014) also contributes to the debate on the relationship between knowledge, cultures and education, however, highlighting another element of the modern/colonial episteme, the single thought. The imposition of a single thought exerted by epistemic coloniality permeates all areas of everyday life, materialized in the field of education at all levels, from early childhood education to postgraduate school, in a system that feeds back, sedimenting distinctions through different strategies, as the disregard of native knowledge and the production of caged subjectivities. In this panorama, the mismatch between discourses and pedagogical actions has been recurrent, as the most common is the indolence and unproductiveness of the discourse of educational institutions, as they operate to prevent effective changes in the conception of knowledge and in educational practices.

Exploring the curriculum policy, Palermo (2014) informs that since its emergence in Europe in the 19th century, its purpose was to form the citizen for the nascent republican nations, through plans and programs that nullified the knowledge of the preexisting nations. Nowadays, the unique thinking in education is manifested in the imposition of the free market



and in the standardizing actions that silence traditional communities and make the other invisible, due to the shame of its supposedly rude culture, its "terrible" language, which generates hegemonic deafness relative to their voices and cultural demands. Faced with such actions and intentions, it is necessary to relativize the official, universal and homogeneous curriculum, in order to react from the perspective of the decoloniality of knowledge, a possible path towards the necessary affection and empathy with the sociocultural memory of belonging and with ancestral knowledge. For Palermo (2014), it is not about not theorizing, but about doing it from another place, discarding some tools of the modern/colonial episteme, daring to map other experiences and discourses for the reinterpretation of local cultures, as Western pedagogy is unable to account for the differences due to its homogenizing purposes.

In this sense, the State needs to act in the construction of a plural society in all dimensions, like other countries in Latin America. It is an ethical and political position in the face of globalized dehumanization and the imposition of a single thought in the economy, in episteme and in education. Another pedagogical action, which changes the Eurocentric pedagogical subjectivity, the inferior representations of local culture and knowledge is demanded, since the school has been limited to disseminating discourses on disciplinary flexibility and diversity, but by not promoting broad dialogue, by not listening to traditional communities, produces and reproduces exclusionary ideas and actions.


Epistemic disobedience to a different curriculum policy


Ideas cannot be killed: they survive in bodies, as they are part of life.

Walter Mignolo (2014, our translation).


The curriculum policy of the state of Pará imposes on children, young people and teachers a knowledge organized in the classical disciplinary structure, arboreal and canonical, aiming at the homogenization of culture and the guarantee of incessant accumulation in the contemporary modern/colonial world-system. To defuse the debate on another way of organizing knowledge, I once again appropriate the contributions of Mignolo (2005), Castro- Gómez (2005a; 2005b; 2007) and Palermo (2014), with the sole intention of launching clues to move thinking in the direction of epistemic disobedience.

Mignolo (2005) points out the need to learn to unlearn and relearn. But learning to unlearn and relearn what? Learning to unlearn the Eurocentric knowledge that, recontextualized in school content, produces and reproduces stereotyped and inferior representations about native cultures and knowledge, to relearn how to be and how to live in




dialogue with difference. The knowledge guided by the ethical, political and cultural principles of the decolonial turn needs to be produced from the dismantling of the four colonialities, in order to allow primary school children and youth to identify the colonial wound, recognize racialization, inferior representations and Eurocentrism to question them, enhancing abilities to think from the politics of place and interculturality, tools capable of helping in the challenge of thinking about a fair selection of knowledge for Latin America and the Amazon.

The politics of place is a process of recognizing the colonial violence of the past and present, in order to realize the geo-historical locality and the fracture of living in the global South; it is capable of inciting thinking-making-feeling from the recognition of history, memories and ancestral knowledge, to build decolonial identities and subjectivities. Latin America is a place of living cultures, produced by women and men who react and fight in search of alternatives for colonial policies and for the good life in the region (MIGNOLO, 2005). Interculturality, on the other hand, was born in the Andes and is a notion introduced by indigenous intellectuals to claim epistemic rights in the context of colonial projects6. Inter- culture means inter-epistemology, an intense dialogue between non-Western cosmology (Afros, Indians, mestizos, Asians, Arab-Islamics, among others) and Western cosmology. Intercultural dialogue is an ethical-political strategy that places both universal and local reason on stage, promoting the mestizo episteme, constituting other subjects, capable of reading and translating the colonial encounter and its effects.

As for the rigid and compartmentalized disciplinary structure of knowledge in educational institutions, Castro-Gómez (2005a; 2007) showed the genealogy of this modus operandi that reverberates in education. Considering that we live in a complex world, interdisciplinary practice exhaustively proposed as a way to overcome compartmentalization does not achieve its purpose, as it is limited to exchanging information between different disciplines, leaving its foundations intact. The action capable of breaking down the compartmentalization and promoting the dialogue between knowledge and between cultures is transdisciplinary, an emerging episteme that becomes a bridge for the transcultural dialogue between knowledge, helping the cognitive exchange between Western science and native knowledge. In this sense, transdisciplinarity is capable of intervening in the disciplinary, arboreal and canonical structure, allowing experimentation with rhizomatic structures, manifested in disciplinary networks and/or transcultural essays.



6 Interculturalism differs from multiculturalism, considered by Mignolo (2005) as a product of the American State/US, which aims to grant “culture” while maintaining the European episteme.


RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 3, p. 1872-1890, July/Sep. 2021. e-ISSN: 1982-5587



In Brazil, the curriculum has historically been narrated by the colonizer and subordinated to the European canon, transmitting supposedly objective knowledge, which has cruel effects on the identities and subjectivities of children and young people (COSTA, 1998). However, there are some educational proposals in motion, such as bilingual education for the indigenous school, quilombola education, education in the spaces of social movements, such as the proposal by the Landless Workers Movement. In this open terrain, it is necessary to continue tensioning to stretch the curricular space, challenging the disciplinary structure, the canon and the monoculturalism of national and local curriculum policies, proposing another way to organize knowledge.

I conclude by arguing that the curriculum as an arena for the production of meanings, a terrain for struggles between theories and worldviews, allows for negotiations between the interests of the State and civil society, if the balance between scientific knowledge and ancestral knowledge is in mind. A curriculum policy that refuses the objectification of place, the other and ancestral knowledge, which goes beyond the rhetoric of valuing diversity, interdisciplinary practices and participation, needs to promote intercultural and transdisciplinary knowledge networks.


Provisory considerations


Multilocal ethnography was the art of doing that allowed following the discourse, metaphors and plot of the Curriculum Document of the State of Pará, identifying conflicts and resistances. It was possible to follow two striking features of the DCEPará that made this curricular proposal inconsistent, as it maintains the classic disciplinary, arboreal, canonical and homogenizing structure, despite its criticism of the compartmentalization of knowledge and discourses on diversity and participation, however, as I said, organized civil society and traditional communities were excluded from the process of drafting the curriculum document. In the end, this curricular policy reflects the political aspirations of hegemonic groups inside and outside the country that aim to maintain the disciplinary identity with the modern/colonial episteme and erase minority cultures from the world-system map.

In terms of the decolonial turn, the DCEPará expresses a State policy of knowledge that is obedient to the modern/colonial episteme, because state agents have committed themselves to the demands of the world-system. Despite the brief contextualization, the notion of curriculum as a social construction is consistent with some criticism of the compartmentalization of knowledge, the indication to break the gaze when visualizing modern




knowledge, to seek to make popular knowledge visible, the disciplinary, arboreal and canonical structure and the cultural homogenization make it inconsistent.

Another organization of knowledge is possible; however, it is imperative to practice epistemic disobedience, a reaction capable of dismantling the excluding compartmentalization, canon and homogenization. It is not about producing knowledge from a simple detachment from the colonial episteme, but about interlinking different rationalities to restore colonized histories, memories and subjectivities, through transdisciplinary and intercultural dialogue. From the clues presented here by the decolonial turn, I visualize the possibility of a decolonial curriculum capable of inciting intercultural dialogue between Western knowledge and ancestral knowledge, to recontextualize them in school knowledge for another thinking-making-living in Latin America and in Amazon.


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https://doi.org/10.21723/riaee.v16i3.13277


Submitted: 03/02/2020 Required revisions: 27/11/2020 Approved: 16/12/2020 Published: 01/07/2021