image/svg+xmlUniversidades: surgimento, nacionalização e indicadores de internacionalizaçãoRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 1, p. 3-19, jan./mar. 2021. e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.133543UNIVERSIDADES: SURGIMENTO, NACIONALIZAÇÃO E INDICADORES DE INTERNACIONALIZAÇÃO1UNIVERSIDADES: SURGIMIENTO, NACIONALIZACIÓN E INDICADORES DE INTERNACIONALIZACIÓNUNIVERSITIES: EMERGENCE, NATIONALIZATION AND INDICATORS OF INTERNATIONALIZATIONIracema Campos CUSATI2Luciano José VIANNA3Paulo César Marques de Andrade SANTOS4Rita di Cássia de Oliveira ANGELO5Antonio Carrillo AVELAR6RESUMO:O presente artigo iniciaapresentando a trajetória das Universidades desde o surgimento no período medieval, com a criação de uma comunidade de scolares; passando pelo fenômeno da nacionalização, com a consequente perda do seu caráter inicial influenciado pelas escolas de ofício e posteriormente pela ordem eclesiástica e imperial; abordando nesse bojo o processo deestatização a partir da revolução francesa. A universidade brasileira, fortemente influenciada até a década de 1970 pelo modelo europeu, foi impactada pelas premissas das reformas educacionaise objetivos delineados para uma estrutura integradora entre ensino e pesquisa, que ocorreu de forma mais efetiva a partir da década de 1980, movimento apresentado juntamente com as iniciativas de internacionalização da universidade. Por último, são elencadas as estratégias para o desenvolvimento de um projeto de internacionalização das universidades brasileiras no século XXI sob a premissa de que para conceber a cooperação internacional, como parte integrante das missões institucionais, cabe às 1O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001”2Universidade dePernambuco (UPE),Petrolina PE Brasil.Professora Adjunta do Colegiado de Matemática e Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI). Doutoradoem Educação (USP). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4812-8412. E-mail: iracema.cusati@upe.br3Universidade de Pernambuco (UPE), Petrolina PE Brasil.Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI). Doutoradoem História Medieval pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7355-7609. E-mail: luciano.vianna@upe.br4Universidade de Pernambuco (UPE), PetrolinaPE Brasil. Professor Adjunto do Colegiado Pleno de Pedagogia e Coordenador da Linha de Políticas Educacionais, Formação Docente e Práxis Pedagógica do Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI). Doutoradoem Educação (UFBA). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5803-2388.E-mail:paulo.marques@upe.br5Universidade de Pernambuco (UPE), Serra TalhadaPE Basil. Professora Adjunta no Colegiado de Medicina. Doutoradoem Neurociências (UFPE). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1694-1927. E-mail: rita.angelo@upe.br6Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), Cidade do México México. Professor do Programa de Pós-Graduação em Pedagogia (UNAM), Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação da Universidad Pedagógica Nacional (UPN) e Professor Visitante do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (UFG).Pós-doutoradoem Educação (USP). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5654-0650. Email: antoniocarrillobr@hotmail.com
image/svg+xmlIracema Campos CUSATI; Luciano José VIANNA; Paulo César Marques de Andrade SANTOS; Rita di Cássia de Oliveira ANGELO e Antonio Carrillo AVELARRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 1, p. 3-19, jan./mar. 2021. e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.133544universidades a criação de mecanismos e estruturas apropriadas para promover a internacionalização como um dos pressupostos indicativos desse direcionamento. PALAVRAS-CHAVE:Internacionalização. Educação superior. Experiências interinstitucionais.RESUMEN: Este artículo se inicia presentando la trayectoria de las Universidades desde el surgimiento en el período medieval, con la creación de una comunidad de escolares; pasando por el fenómeno de la nacionalización, con la consecuente pérdida de su carácter inicial influenciado por las escuelas de oficio y posteriormente por el orden eclesiástica e imperial; abordando en este ámbitoel proceso de estatización a partir de la revolución francesa. La universidad brasileña, fuertemente influenciada hasta la década de 1970 por el modelo europeo, ha sidoimpactada por las premisas de las reformas educacionales y objetivos delineados para una estructura integradora entre enseñanza e investigación, que ocurrió de forma más efectiva a partir de la década de 1980, se presentan juntamente con las iniciativas de internacionalización de la universidad. Por último, seenumeranlas estrategias para el desarrollo de un proyecto de internacionalización de las universidades brasileñas en el siglo XXI,bajo la premisa de que para concebir la cooperación internacional, como parte integrante de las misiones institucionales, cabe a las universidades la creación de mecanismos y estructuras apropiadas para promover la internacionalización como uno de los supuestos indicativos de este direccionamiento. PALABRASCLAVE:Internacionalización. Educación superior. Experiencias interinstitucionales.ABSTRACT:This article begins by presenting the trajectory of universities since the emergence in the medieval period, with the creation of a community of students; passing through the phenomenon of nationalization, with the consequent loss of its initial character influenced by the schools of craft and later by the ecclesiastical and imperial order; addressing in this bulge the process of nationalization in from of the French revolution. The Brazilian university, strongly influenced until the 1970s by the European model, was impacted by the premises of the educational reforms and objectives outlined for an integrating structure between teaching and research, which occurred more effectively from the 1980s, are presented together with the initiatives of the university's internationalization. Finally, the strategies for the development of a project for the internationalization of Brazilian universities in the 21st century are listed under the premise that in order to conceive international cooperation, as an integral part of institutional missions, it is up to universities to create appropriate mechanisms and structures to promote internationalization as one of the indicative assumptions of this direction.KEYWORDS:Internationalization.Higher education.Interinstitutional experiences.Universidades: do surgimento à nacionalizaçãoO século XIII foi um momento crucial na história intelectual do Ocidente medieval, principalmente pelo surgimento de uma nova forma deorganização social e que serviu para
image/svg+xmlUniversidades: surgimento, nacionalização e indicadores de internacionalizaçãoRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 1, p. 3-19, jan./mar. 2021. e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.133545romper gradativamente com o pensamento que até então vigorava neste território: as universidades. Dentre as diversas afirmações que podem ser feitas em relação ao surgimento destas instituições no período medieval, algumas são imprescindíveis e devem ser destacadas, como, por exemplo, sua originalidade na sociedade de então, ser um produto do crescimento demográfico da época, promover o favorecimento da promoção de uma sociabilidade e o rompimento de traços até então tradicionais em termos de organização social com a criação de uma comunidade de scolares, ou seja, formada tanto por professores quanto por alunos. O surgimento das universidades foi um fenômeno de grande importância, em vários sentidos, tanto que Rui AfonsodaCosta Nunes (2018, p. 221), em seu livro História da Educação na Idade Média, ao abordar o capítulo sobre as universidades, deixa claro para o leitor que tal capítulo é o “ponto culminante” do seu livro.Nas palavras de Jacques Verger:Tornar-se estudante: isso significava, no final da Idade Média, independentemente do estatuto anterior de cada um, aceder a uma condição privilegiada; significava poder furtar-se ao imposto e às formas mais rigorosas da justiça ordinária, significava poder pleitear determinados tipos de proventos (proventos dos benefícios eclesiásticos sem obrigação de residência), significava tomar assento sob a direta salvaguarda das mais altas autoridades, laicas ou eclesiásticas, intervindo indiretamente pelos ‘conservadores privilégios’universitários. Antes mesmo de qualquer obtenção de graus, a mera matrícula universitária já era, de uma certa maneira, promoção social (VERGER, 1999, p. 100).Devemos lembrar que o contexto medieval foi um período em quenão havia a ideia de igualdade social perante a lei. Para a época, isso era impensável. Assim, o surgimento da universidade neste período favoreceu a formação de um grupo com condições sociais privilegiadas, de destaque social, um grupo que seria distinto dentro do corpo social medieval e, nas palavras de Le Goff, cada membro deste grupo se sentia “como um artesão, como um homem de ofício” (LE GOFF, 2003, p. 87).Neste sentido, em termos sociais, aos poucos foi se formando um grupo com uma prática cultural distinta, em diversos termos:ensino com base na utilização de autoridades, uso exclusivo do latim e um procedimento pedagógico essencialmente oral e repetitivo. Ademais, também mantinham uma singular autonomia, com estatutos próprios, regras de cooperação mútua e organização autônomadesuas atividades.Gradativamente, o campo do saber tornou-se um lócusde formação profissional e destacou na sociedade a figura do intelectual no contexto universitário, como podemos ver nas palavras de Verger sobre a Paris do século XIII:
image/svg+xmlIracema Campos CUSATI; Luciano José VIANNA; Paulo César Marques de Andrade SANTOS; Rita di Cássia de Oliveira ANGELO e Antonio Carrillo AVELARRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 1, p. 3-19, jan./mar. 2021. e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.133546Paris tornou-se, verdadeiramente, no século XIII, um foco maior de debate intelectual e de renovação das ideias. Centenas de jovens clérigos foram ali formados nas técnicas mais refinadas do trabalho intelectual, segundo métodos seguros. Evidentemente, este trabalho intelectual comportava regras às vezes rígidas, [...], mas a qualidade do ensino universitário parisiense levou a se fazer progressos decisivos em direção à autonomia, para não se dizer, à profissionalização, da cultura erudita. A figura ainda um pouco vagadas pessoas de saber passou a estar associada a um tipo social bem preciso e excepcionalmente prestigioso, o doutor. Compreender-se que a Universidade de Paris tenha se tornado então um modelo que se procuraria imitar e reproduzir em toda a parte em que se fizesse sentir a aspiração a uma semelhante promoção da cultura (VERGER, 2001, p. 208).Neste sentido, a importância do século XIII para o Ocidente medieval é destacada com base no surgimento de novos grupos sociais, dentre os quais o universitário, formado tanto por professores quanto por alunos, os quais cada vez mais seriam vinculados como pertencentes a uma cultura identificada como erudita.Entretanto, embora tenham surgido em espacialidades distantes uma das outras, as universidades medievais destacaram-se desde o início pelo seu caráter internacional, e isso em diversos aspectos. Em primeiro lugar, porque as mesmas favoreceram a migração constante de estudantes entre um território e outro, levando inclusive a formar, no contexto da época, grupos que eram denominados “nações”, ou seja, a formação de grupos que estudavam em um território de indivíduos oriundos do mesmo contexto territorial, fato que se refletia no contexto universitário (PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p. 185). Em segundo lugar, porque muitas vezes os professores também não eram originários do território da universidade, o que implica também em uma movimentação por parte do corpo docente destas instituições (LE GOFF, 2003, p. 101). Ademais, deve-se destacar também a utilização da língua latinanas aulas, a qual foi utilizada para fazer veicular as informações referente aos estudos, principalmente em um contexto no qual as línguas vulgares estavam cada vez mais se destacando (VERGER, 2002, p. 580). Neste sentido, a formação da universidade medievaljá apresenta uma característica que vemos hoje nas universidades atuais, e, dessa forma, sua formação pode ser caracterizada como dinâmica em termos sociais.A criação das universidades obedeceu basicamente a dois contextos. Um primeiro, chamado ex-consuetudine, referia-se à junção a partir de centros de estudos já existentes anteriormente, geralmente formadospela reunião de professores. Neste caso, as universidades eram organismos autônomos de natureza de caráter corporativo, eram reconhecidas pelas instituições eclesiásticas e laicas e tinham autonomia em relação ao ensino, aos programas das
image/svg+xmlUniversidades: surgimento, nacionalização e indicadores de internacionalizaçãoRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 1, p. 3-19, jan./mar. 2021. e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.133547disciplinas, àduração dos estudos, modalidades de exames, entre outros (VERGER, 1999, p. 82). É necessário destacar que este modelo de formação universitária correspondia a um desejo de organização autônoma de uma comunidade de mestres e estudantes, apresentando-se como outro ofício urbano qualquer (BASCHET, 2006, p. 214). O segundo contexto, surgido posteriormente, chamado ex-privilegio, era uma criação universitária concedida pelo poder estatal (NUNES, 2018, p. 230). Assim, com o passar dos séculos, cada vez mais ocorreu a associação entre o mundo universitário e outro fenômeno que estava se formando neste mesmo contexto: a formação estatal. Em termos de formação do estado durante o Medievo, o século XIII apresenta o que seria o quarto estágio da formação estatal de acordo com Genet, aquele que seria, inclusive, o anterior ao estado absolutista. Cada vez mais havia uma centralização de poder, a criação de grupos burocráticos, uma padronização das cobranças de impostos em relação à sociedadee uma padronização em termos de relação da sociedade com o rei, na figura do súdito (GENET, 2002, p. 405-408). Afonso X, rei de Castela entre os anos 1252 e 1284, conhecido como oSábio pelo seu envolvimento com atividades intelectuais no século XIII, nos apresenta esta divisão:Um estudo é uma associação de mestres e de escolares feita num determinado lugar com a vontade e a intenção de aprender os saberes. E dele existem duasmodalidades: uma é a que chamam “estudo geral”, onde há mestres das artes, assim como de gramática, de lógica, de retórica, de aritmética, de geometria, e de astrologia, e outrossim em que há mestres de decretos e senhores de leis (mestres de direito civil);este estudo deve ser estabelecido por mandado de papa, de imperador ou de rei. A segunda modalidade é a que chamam “estudo particular”, quer dizer, quando um mestre ensina nalguma cidade, apartadamente, a poucos escolares. E este, pode mandá-lo fazer oprelado ou conselho de qualquer lugar (PEDRERO-SÁNCHEZ, 2000, p. 182).O primeiro exemplo apresentado no fragmento acima, que na verdade surgiu depois do segundo, é o momento no qual a universidade passa a ser um assunto político, vinculado a uma iniciativade criação política. Dessa forma, a associação dos termos intelecto poder foi um fenômeno que envolveu o contexto universitário cada vez mais a partir do século XIV, integrando-se à dinâmica estatal de cada território. Se em um primeiro momento as universidades foram criadas a partir de uma criação já anterior (ex-consuetudine), posteriormente, cada vez mais as mesmas foram incorporadas ao contexto estatal (ex-privilegio), e foram utilizadas como instrumentos para fortalecer o poder dos estados então nascentes e cada vez mais burocráticos no final do período medieval. Cada vez mais, portanto,
image/svg+xmlIracema Campos CUSATI; Luciano José VIANNA; Paulo César Marques de Andrade SANTOS; Rita di Cássia de Oliveira ANGELO e Antonio Carrillo AVELARRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 1, p. 3-19, jan./mar. 2021. e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.133548iniciou-se um fenômeno que conhecemos como a nacionalização das universidades, cujo primeiro exemplo foi Praga (LE GOFF, 2003, p. 177-178).Uma das primeiras consequências desta nacionalização foi a perda do seu caráter internacional, onde aspectos nacionais ou até mesmo regionais assumiram um destaque em comparação com aspectos internacionais, onde a iniciativa da criação está a cargo de soberanos e de papas. Dentre as universidades deste calado, podem ser citadas, por exemplo: Salamanca, entre 1220 e 1230; Lisboa (1290); Coimbra (1290); Lérida (1300); Praga (1347); Perpignan (1350); Huesca (1354); Colônia (1388); Barcelona (1450); Friburgo-em-Brisgau (1455-1456); Basileia (1459), entre outras (LE GOFF, 2003, p. 169-170). A iniciativa real em relação à fundação das universidades estava vinculada a questões políticas do território, tais como o seu próprio desenvolvimento, o benefício favorecido aos súditos e a tentativa de evitar a participação de políticos estrangeiros (NUNES, 2018, p. 231). Porém, se o século XIII foi o século de ouro das universidades com a constituição das mais importantes, como Paris, Salamanca e Oxford (NUNES, 2018, p. 231), nos séculos seguintes elas começaram a perder as suas características iniciais, ou seja, perda da autonomia inicial em detrimento da centralização feita pelo Estado, e a perda do caráter internacional com a criação de diversas outras universidades em diversos territórios (NUNES, 2018, p. 250). E foi justamente neste contexto que as universidades começaram a estabelecer cada vez mais uma relação de poder com o Estado da época, como podemos observar nas palavras de Le Goff:No final da Idade Média as grandes universidades se convertem em potências políticas, desempenham um papel ativo, às vezes de primeiro plano, nas lutas entre os estados, são o teatro de violência e crise que opõem as ‘nações’ inspiradas a partir de então por um sentimento nacional e se integram, por fim, nasnovas estruturas nacionais dos estados (LE GOFF, 2003, p. 132).Em termos gerais, pode-se afirmar que a partir do século XIV cada vez mais as universidades se direcionaram para ser um importante instrumento de poder por parte do papado e das monarquias, coma formação de profissionais para atuarem no âmbito do poder na origem do Estado laico na Baixa Idade Média. Sua autonomia inicial foi gradativamente sendo englobada pelos Estados que estavam surgindo, e cada vez mais passaram a ser instrumentos nacionais dos novos territórios em formação. Entretanto, dois fenômenos em relação ao mundo universitário, que surgiram no contexto medieval,iriam continuar nos séculos seguintes: a migração de estudantes e a expansão das universidades.
image/svg+xmlUniversidades: surgimento, nacionalização e indicadores de internacionalizaçãoRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 1, p. 3-19, jan./mar. 2021. e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.133549A migração de estudantes ea expansão da universidadeA migração de estudantes é um fenômeno iniciado com as primeiras escolas filosóficas do século III (A.C), comoaHekadimiade Platão na cidade de Atenas. Embora sem essas mesmas características, a academia universitária da idade média contou como marco importante para o desenvolvimento das instituições universitárias a migração de estudantes e professores. Conhecidas no século XII por Studium Generale (Estudos Gerais), essas instituições tinham como objetivo, além de formar clérigos para defesa da fé católica, contribuir para formação dos filhos dos nobres. Com o passar dos anos os Studium Generalepassaram a ser chamados de Universitas Studii ou Magistrorum et Scolarium.Para Jaques Verger (1990), a palavra Studiumsignificava lugar onde os alunos estudavam, um tipo de estabelecimento de Ensino Superior onde se reuniam os aprendizes e mestres. E universitaso nome da organização corporativa responsável pela manutenção e administração do studium. Para a legislação em vigor, significava qualquer tipo de comunidade ou corporação.Provavelmente, as primeiras relações didáticas estabelecidas nesses tipos de associações tenham sido semelhantes às das corporações de ofício onde eram comuns o compartilhamento dos conhecimentos técnicos, profissionais e a prática de atividades de manutenção e proteção da corporação. Pela necessidade de uma sistematização dos conteúdos trabalhados nasce o currículo como instrumento que produz a formação esperada pela sociedade.O currículo era composto por atividades instrumentais e práticas oriundas do college. As atividades instrumentais eram compostas pelo conjunto de três (triviun) ramosdo conhecimento (disciplinas): gramática, retórica e dialética. E as atividades práticas de quatro (cuandriviu) ramos do conhecimento (disciplinas): Astronomia, Geometria, Aritmética e Música. No exercício comum e diário dessas corporações, os alunos eram conduzidos ao exercício de uma mentalidade laica, técnica e racionalista(CAMBI, 1999, p.174-175).Até meados do século XIV as universidades e faculdades funcionavam em casas alugadas, conventos e igrejas. Por vezes, nos conflitos com as autoridades locais, os professores e alunos ameaçavam migrar para outra região. A partir do final do século XIV, a Universidade de Paris começou a fixar o seu funcionamento com a aquisição de prédios e edifícios. No século XV,o mesmo passou a ocorrer com outras universidades.
image/svg+xmlIracema Campos CUSATI; Luciano José VIANNA; Paulo César Marques de Andrade SANTOS; Rita di Cássia de Oliveira ANGELO e Antonio Carrillo AVELARRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 1, p. 3-19, jan./mar. 2021. e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.1335410Por volta de 1500, tanto as novas universidades como as velhas possuíam edifícios acadêmicos apropriados -salas de aulas, salas de reuniões, uma capela, uma ou mais bibliotecas, alojamentos para estudantes e professores. [...] agora, as universidades já não podiam ameaçar com a migração, nem as autoridades tolerar greves ou secessões (GIEYSZTOR, 2000, p. 135-138).Por volta dos anos 1500, em quase todas as regiões da Europa já havia uma Universidade; como os currículos eram semelhantes, era muito comum estudantes migrarem de uma região para outra, por exemplo, saírem da Universidade de Coimbra em Portugal para estudarememOxford na Inglaterra ou o estudante sair de Salamanca, na Espanha, para estudar em Toulouse, na França. Por conta das distâncias, mesmo entre regiões contíguas como Espanha e França, os estudantes se deslocavam de uma para outra com a finalidadede ali permanecerem. Os mais afortunados eram mantidos a expensas de suas famílias e os menos afortunados trabalhavam para custear seus estudos. Essas migrações eram comuns e constantes em todo o período medieval.Segundo Santos (2014, p. 90),com o passardo tempo, as cidades onde essas Universidades foram estabelecidas passaram a ser conhecidas como cidades universitárias, que se beneficiavam tanto com a mobilidade quanto com a migração de estudantes. A migração e a mobilidade eram estimuladas por dois fatores: as aulas nas universidades eram em latim e os graus eram os mesmos em todas as universidades. Um estudante geralmente iniciava seus estudos em uma universidade perto de sua residência e poderia concluí-los em outra mais distante.No fim da Idade Média a Europa já contava com 60 universidades estruturadas nas denominadas cidades universitárias. Com o Renascimento, esse número cresceu rapidamente,chegando a 143 em 1790. Mas, apesar do aumento no número de instituições, isso não impediu que as grandescidades e capitais como Londres, Amsterdam, Anvers, Bruxelas, Rouem, Lyon, Madrid, Milan, Berlin, Saint-Pétersbourg perdessem o controle político e financeiro sobre elas (CHARLE;VERGER, 2012, p. 48).Com as grandes navegações, os hispânicos levaram para suas colônias o modelo de educação superior europeia. Entre os anos de 1511 a 1609, foram criadas nas colônias espanholas 16 universidades. Entre 1677 e 1791, muitas dessas universidades serviram de cenários para criação de outras e extinção de outras tantas. Nesse mesmo período, surgem as primeiras universidades fora da Europa, principalmente nas colônias da América do Norte e na América Latina. Em paralelo a esse movimento expansionista surge um novo modelo de universidade, com uma estrutura administrativa diferente, concepção de ensino, tipologia e metodologias diferentes da
image/svg+xmlUniversidades: surgimento, nacionalização e indicadores de internacionalizaçãoRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 1, p. 3-19, jan./mar. 2021. e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.1335411desenvolvida no período medieval, mas adaptada à ideologia dominante dos grupos que deram origem a essas instituições.Um dos fatores marcantes na vida dos estudantes migrantes é quequando se tornam egressos das universidades estrangeiras, uma grande parte não retorna mais para os países de origem,sendo inseridos no mercado de trabalho do país de destino. O que não acontece na grande maioria dos estudantes em mobilidade acadêmica internacional:No início do século XIV, havia 301 médicos registrados em França; destes, 57,8% tinham estudado em Paris, 35,2% em Montpelllier, 2,7% noutras faculdades de medicina francesas e 4,3% no estrangeiro. No final do século XV, num total de 436 médicos, os alumni de Montpellier formavam apenas 16,3% do total e os de Paris 47,5%; outras universidades de França, então, 27,6% e as faculdades estrangeiras 8,5%. Paris -e Montpellier ainda mais -perderam terreno para Caen, Toulose e Avanhão, ou para Perpinhão, Cahors, Angers, Dôle, Nantes, Poitiers, Bordéus e Borges. Os diplomados pelas universidadesestrangeiras eram quase todos estrangeiros que, depois de