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Embates históricos do federalismo na educação brasileira: origens, conceitos, equívocos e atores no cenário nacional
RIAEE
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Revista Ibero
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Americana de Estudos em Educação
,
Araraquara, v. 16, n. 1, p. 227
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245, jan./mar. 202
1
. e
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ISSN: 1982
-
5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.13580
227
EMBATES HISTÓRICOS DO FEDERALISMO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:
ORIGENS, CONCEITOS, EQUÍVOCOS E ATORES NO CENÁRIO NACIONAL
ENFRENTAMIENTOS HISTÓRICOS DEL FEDERALISMO EN LA EDUCACIÓN
BRASILEÑA: ORÍGENES, CONCEPTOS, ERRORES Y ACTORES EN EL ESCENARIO
NACIONAL
HIS
TORICAL CLASHES OF FEDERALISM ON BRAZILIAN EDUCATION: ORIGINS,
CONCEPTS, MISTAKES AND ACTORS IN THE NATIONAL SCENE
Célio
da
CUNHA
1
Denise Gisele
de Britto
DAMASCO
2
RESUMO
:
Esse
artigo
compartilha reflexões sobre os
embates
históricos do federalismo n
a
educação brasileira. Apresenta as origens, conceitos e embates históricos na configuração do
federalismo na Educação, bem como o papel de diversos atores no contexto educacional.
Discute
-
se sobre os impactos das distorções e equívocos históricos do feder
alismo advindos
dos limites do federalismo assimétrico no Brasil, tendo em vista as discrepâncias existentes
entre as unidades federativas e dentro delas.
Os vários órgãos e instituições buscam trabalhar
conjuntamente para que a educação brasileira possa d
esempenhar seu papel na sociedade.
A
progressiva evolução de um federalismo hegemônico para um federalismo cooperativo
contribui para reduzir as desigualdades regionais, que dependem necessariamente de decisões
políticas que somente um pacto federativo leg
ítimo viabilizará.
PALAVRAS
-
CHAVE
:
Federalismo na educação brasileira. Políticas educacionais. História
da educação brasileira
. Federalismo hegemônico. Federalismo cooperativo.
RESUMEN
:
Este artículo comparte reflexiones sobre los enfrentamientos hist
óricos del
federalismo en la educación brasileña. Presenta los orígenes, conceptos y conflictos
históricos en la configuración del federalismo en la educación, así como el papel de varios
actores en el contexto educativo. Discute los impactos de las distor
siones y los malentendidos
históricos del federalismo derivados de los límites del federalismo asimétrico en Brasil, en
vista de las discrepancias entre y dentro de las unidades federativas. Los diversos organismos
e instituciones buscan trabajar juntos pa
ra que la educación brasileña pueda desempeñar su
papel en la sociedad. La evolución progresiva del federalismo hegemónico al federalismo
cooperativo ayuda a reducir las desigualdades regionales, que necesariamente dependen de
decisiones políticas que solo
un pacto federativo legítimo hará posible.
1
Universidade Católica de Brasília (UCB), Águas Claras
–
DF
–
Brasil. Docente permanente do Programa de
Pós
-
Graduação em Educação.
Doutorado em Educação (UNICAMP). ORCID: http
s
://orc
id.org/0000
-
0002
-
9212
-
4208.
E
-
mail: celio.cunha226@gmail.com
2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC
-
SP), São Paulo
–
SP
–
Brasil. Pós
-
doutoranda
n
o
Programa de Estudos Pós
-
graduados em Psicologia da Educação.
ORCID: http
s
://orcid.org/0000
-
000
2
-
0250
-
0776.
E
-
mail: denise.damasco@gmail.com
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de Britto
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PALABRAS CLAVE
: Federalismo en la educación brasileña. Políticas educativas. Historia
de la educación brasileña. Federalismo hegemónico. Federalismo cooperativo.
ABSTRACT
:
This article shares reflections on th
e historical clashes of federalism in
Brazilian education. It presents the origins, concepts and historical conflicts in the
configuration of federalism in Education, as well as the role of several actors in the
educational context. It discusses the impact
s of the distortions and historical
misunderstandings of federalism arising from the limits of asymmetric federalism in Brazil, in
view of the discrepancies between and within the federative units. The various bodies and
institutions seek to work together
so that Brazilian education can play its role in society. The
progressive evolution from hegemonic federalism to cooperative federalism helps to reduce
regional inequalities, which necessarily depend on political decisions that only a legitimate
federative
pact will make possible.
KEYWORDS
: Federalism in
brazilian
education. Educational policies. History of
brazilian
education.
Hegemonic federalism. Cooperative federalism.
Introdução
O federalismo no Brasil, em decorrência de distorções e equívocos em
sua construção
histórica, permite
flutuações nas políticas educacionais de governo, podendo gerar
contiguidade ou sobreposição
na administração pública. Constata
-
se a presença de um
federalismo hegemônico, prevalecendo um des
equilíbrio entre os entes feder
ados.
Surge a
necessidade de se clarear quem é quem no cenário educacional brasileiro, tendo em vista que
novos atores surgiram no cenário nacional,
n
o Poder Executivo, passando pelo legislativo e
judiciário, até o ministério público, órgão classificado co
mo essencial à justiça. Em
consequência, há problemas provenientes quer da diluição de responsabilidades, da falta de
transparência e de dificuldades políticas para efetivação do direito à educação no país, quer da
atuação em contiguidade dos atores presen
tes na administração educacional.
Essa reflexão é apresentada em duas partes. Primeiramente, busca
-
se compreender o
federalismo no Brasil, origens, conceitos, marcos e embates históricos (de 1824
-
2014).
Resgatar a memória histórica sobre o federalismo no
Brasil, seu estado da arte sobre embates
e conflitos do passado e contemporâneos significa compreender a “tessitura democrática”
(TELLES, 2006, p. 156) na qual o Brasil alicerçou suas bases para que a administração
educacional se organize. Pesquisadores so
bre o federalismo registram que nas origens do
federalismo brasileiro, o formato que tomou ao longo da história do país, concentrando
poderes em algumas unidades federadas em detrimento das mais carentes, é a explicação para
muitos dos conflitos de atribui
ções que persistem até os dias atuais.
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Em seguida,
aponta
-
se os
atores
n
o cenário nacional
, mapeando o debate em torno d
e
diversos
contextos e esferas
de garantia e defesa do direito
,
discutindo a atuação do
p
oder
e
xecutivo,
do
m
inistério
p
úblico
,
de outr
as instituições
, org
anismos
da
representatividade da
sociedade civil nessa organização político
-
administrativa, tendo em vista os avanços e
retrocessos no acesso à educação e os entraves para uma educação de qualidade
e um
federalismo cooperativo
.
Marco
s históricos, origens, conceito e evolução do federalismo na educação brasileira
Para uma compreensão mais abrangente do atual sistema brasileiro de educação e
d
os
novos atores no cenário educacional, cabe compreender que as competências referentes à
educ
ação
sã
o as mesmas pela Constituição e LDB,
sendo
que
a diferença resid
e
na capacidade
de execução entre os entes federados. Torna
-
se necessário, ainda que de forma lacônica,
examinar algumas de suas marcas históricas, pois como já havia observado Michael
Sadler há
quase um século, um sistema nacional de educação é o resultado de lutas e dificuldades
esquecidas e de batalhas que se deram no passado. Há nele alguma coisa de funcionamento
secreto da vida nacional (SADLER, 1972), e só a história pode contribui
r para um melhor
entendimento de suas características.
Entre as singularidades da história do país, uma delas foi oportunamente ressaltada por
um dos grandes historiadores do federalismo: “O Império não foi fundado na Capital, mas na
província” (TORRES, 1
961, p. 88). Sem dúvida o fato de a Independência ter sido
proclamada em São Paulo não é desprezível. Além disso, acrescenta Torres, na fixação dos
símbolos nacionais, as estrelas representam as províncias
,
e na orla do brasão de armas do
Império e na Orde
m do cruzeiro do Sul D. Pedro I homenageou as três províncias que
formaram a sua base de ação: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais (
TORRES, 1961
, p.
88).
Logo após a outorga da Constituição centralizadora de 1824, em 1827, foi aprovada
uma lei pela A
ssembleia Nacional
,
sancionada pelo Imperador D. Pedro I
,
que determinava a
abertura de escolas em todas as vilas e localidades mais populosas do país
(BRASIL, 1974)
.
Se implantada, teria sido sem dúvida de grande alcance para a educação nacional. Um de se
us
artigos determinava aos presidentes das províncias (Estados) informar à Assembleia Geral as
providências tomadas, o que significava a decisão do Estado brasileiro em liderar a política de
educação do país após a Independência. Todavia, em 1930, com a ab
dicação de D. Pedro I em
favor de seu filho, D. Pedro II, uma nova etapa seria inaugurada na vida política e econômica
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do país, com a promulgação do Ato Adicional de 12 de agosto de 1834. Com essa medida, o
poder central formalizou sua ausência sobre os de
stinos da educação comum, cabendo
-
lhe
somente o ensino superior e o ensino secundário da Corte. Martins (2011) lamenta que o
poder central distorceu o espírito e a letra do Ato Adicional de 1834, quando não considerou
sua obrigação atuar na educação básica
no momento que esta passou a ser de competência das
províncias.
Várias revoltas que então se registraram tinham características federalistas, sendo
algumas delas de caráter separatista, como a revolta da Cabanagem (índios caboclos e
escravos) no Pará e a
de Farroupilhas (guerra dos estancieiros) no Rio Grande do Sul, ambas
em 1835 (CARVALHO, 2012, p. 90
-
91). Essas revoltas e suas implicações políticas e
econômicas afetavam o clima interno das unidades federadas em todos os setores, inclusive o
da educação.
Do ato de 1834 que descentralizou o Estado e
,
posteriormente, o surgimento de ideias
liberais, observa
-
se que a partir da segunda metade do século XIX, o país já emitia sinais que
anunciavam maior consciência quanto à necessidade de descolamento das amar
ras coloniais.
A propósito
,
escreveu Cruz Costa, esse bando de ideias agitou o Brasil e lhe deu novas
diretrizes (COSTA, 1967, p. 98
-
115). A essa efervescência no plano das ideias, correspondia,
no plano econômico, o avanço da cultura cafeeira, da indústri
a e das estradas de ferro, entre
outros. No plano político, a fundação do Partido Republicano e o Manifesto Republicano de
1870 pleiteava
m
maior descentralização
,
cheg
ando
mesmo a exigir a constituição de uma
Assembleia Constituinte
.
Registre
-
se que a posi
ção dos signatários desse Manifesto, todos eles ligados à lavoura
cafeeira, longe estava de corresponder aos interesses da maioria das províncias. Ignorava
inclusive
,
como salientou Hebe Mattos, o tema da escravidão, apesar de ter sido publicado um
ano ant
es da Lei do Ventre Livre (liberdade para os recém
-
nascidos filhos de escravos)
,
de
setembro de 1871 (MATTOS, 2012, p. 86). Essa posição dos mais fortes se tornaria vitoriosa
na Constituição de 1891. Por essa época, o poder imperial, em estágio de declínio
, revelava
-
se
cada vez mais impotente para conter o ideal republicano. O republicanismo havia
conquistado
:
[...]
boa parte da intelectualidade, de modo especial os alunos das escolas
superiores. Com a ajuda do positivismo, as duas Faculdades de Direito, u
ma
em São Paulo, outra no Recife, e as duas de Medicina, no Rio de Janeiro e
em Salvador, tornaram
-
se focos de oposição à monarquia (CARVALHO,
2012, p. 111).
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Eventos desgastantes da monarquia se tornariam frequentes e culminariam com a
libertação dos escr
avos, em 1888
,
e a Proclamação da República, em 1889.
Em 1891,
oficializa
-
se a organização da administração educacional por meio da União, os Estados e
Municípios. Nessa época, surgem distintas escolas para educação básica, como por exemplo,
o Colégio Pedr
o II como ente federal na educação básica, diferentemente das outras escolas e
grupos escolares estaduais e municipais.
Com a Constituição de 1891, a monarquia transformava
-
se em República Federativa
do Brasil, não mais com províncias, mas com Estados. Es
tados que foram dotados de grande
autonomia, constituição própria, forças armadas, capacidade de contrair empréstimos
internacionais e justiças especiais específicas. Na prática essa autonomia ficava limitada pela
distribuição das principais fontes de rend
as públicas
,
como o imposto de exportação
,
que
beneficiava somente os
e
stados exportadores (MATTOS, 2012, p. 92).
Na fase inicial da Primeira República, ou “República Velha”, alguns esforços que
poderiam sinalizar tempos mais auspiciosos, como a criação d
o Ministério da Educação,
Correios e Telégrafos
,
entregue a Benjamin Constant, positivista convicto, teria duração
efêmera, retornando os assuntos da educação para uma posição periférica do Ministério da
Justiça. O tipo de política, também denominado de “p
olítica café com leite”, devido à
liderança dos cafeicultores e criadores de gado, foi fortalecida pelo Acordo de Taubaté, de
1906, assegurando aos
maiores e
stado
s
produtores de café, respectivamente São Paulo, Minas
Gerais e Rio de janeiro, financiamento
do Governo Federal para comprar por um valor
mínimo o café excedente (MATTOS, 2012, p. 120). Continuava
,
desta forma
,
o federalismo
hegemônico,
que
privilegiava
os
e
stados mais fortes, ou seja, nega
-
se o próprio conceito de
f
ederação, que significa equilíb
rio entre os entes federados (CUNHA, 1978, p. 165).
Apesar d
ess
a marginalização do ideal republicano, alguns fatos e acontecimentos
começaram a alterar o panorama de indiferença e exclusão. O processo imigratório, com a
vinda de milhares de imigrantes oriu
ndos de vários continentes, que portavam uma visão mais
crítica de cidadania, haveria de influenciar na construção de cenários sociais mais críticos
,
de
que são exemplos as greves operárias
,
que
,
segundo Cunha, “se não chegaram a abalar os
fundamentos do p
oder, pelo menos representavam um componente novo a inquietar a
hegemonia das oligarquias estaduais” (CUNHA, 1981, p. 38). Ademais, não foram
desprezíveis os efeitos da primeira guerra mundial que, de acordo com Nelson Werneck
Sodré, ajudou a delinear um p
arque industrial que passou a ter influência no conjunto da
economia do país (SODRÉ, 1978
,
p. 132). Nessa direção não faltaram propostas que, de
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início, mostravam
-
se alentadoras, mormente diante da iniciativa de Vargas de criar o
Ministério da Educação e S
aúde, em 1930.
Em 1932, a divulgação ao povo e ao governo do Manifesto dos Pioneiros da Escola
Nova configurou
-
se como a proposta dos educadores para atender pedido do Governo Vargas
feito em fins de 1931. Esse documento, um dos mais importantes da histór
ia educacional do
país, ainda atual em muitos aspectos, procurou recolocar questões relevantes para a
construção de um novo federalismo no campo da educação, sem as distorções que foram se
acumulando desde o Ato Adicional de 1834
e
sem os conflitos de resp
onsabilidades entre os
entes federados.
O Manifesto, criteriosamente redigido por Fernando de Azevedo a partir de diálogos
com os principais educadores da época
,
como Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Frota Pessoa
,
entre outros, começa por declarar que na h
ierarquia dos problemas
n
acionais nenhum deveria
ser mais importante que o da educação, nem mesmo os de ordem econômica. Ressalta que a
educação é uma função essencialmente pública que deveria ter organização unitária sobre as
bases e os princípios do Esta
do, não implicando um centralismo estéril ao qual se opõem as
condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses
e às exigências regionais (AZEVEDO, 1958). Unidade não deveria significar uniformidade.
Ao contrário
, pressupõe a multiplicidade. Não será na centralização, mas na aplicação da
doutrina federativa que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma
obra metódica e coordenada de acordo com um plano comum.
À
União, na capital, e aos
e
sta
dos em seus respectivos territórios, é que deve competir a educação em todos os graus.
Chama
-
se
a atenção para uma questão central do federalismo educativo que é o papel do
Estado. Ao governo central, por intermédio do Ministério da Educação, caberá vigiar
pela
obediência dos princípios e diretrizes da educação, fazendo executar as orientações e os
rumos gerais da política educacional.
Ao tempo da divulgação do Manifesto, ainda havia sinais de que Governo Vargas
segu
ia
as direções democráticas com as quais
ele mesmo se comprometera. A aprovação de
uma nova Constituição, em 1934, renovava algumas boas expectativas. Pela primeira vez na
história a Constituição brasileira inseriu
-
se na Carta Magna um capítulo próprio para o setor
educacional, contemplando parc
ialmente algumas teses do Manifesto. Preceitua que a
educação é um direito de todos e de responsabilidade do poder público; determina à União
elaborar o plano nacional de educação e fiscalizar sua execução, competindo ao Conselho
Nacional de Educação a sua
elaboração; exerce ação supletiva em termos técnicos e
financeiros onde se fizer necessári
o
em todo o território nacional;
provê
ensino integral
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primário gratuito com extensão progressiva da gratuidade ao ensino secundário; d
á
-
se
competência aos Estados e
ao Distrito Federal de organizar e manter seus sistemas educativos,
além de criar conselhos de educação com funções similares ao do Conselho Nacional de
Educação; vincul
a
recursos para a educação, devendo à União aplicar nunca menos que 10% e
aos Estados
e Municípios, nunca menos que 20% da renda resultante de impostos; determin
a
-
se
à União, aos Estados e
a
o Distrito Federal reservar uma parte de seus patrimônios para a
formação de fundos especiais de apoio ao desenvolvimento da educação, de acordo com a
C
onstituição de 1934 em seus artigos 148
-
157.
Os avanços referidos representavam a possibilidade de organização do Sistema
Nacional de Educação com responsabilidade compartilhada de todos os entes federativos,
porém sob a coordenação da União,
o
que deveri
a ser materializado pelo Plano Nacional de
Educação, seguido de aprovação pelo Poder Legislativo e coordenado pela União, por
intermédio do Ministério da Educação.
Malgrado tais avanços da doutrina federativa no campo da educação, acontecimentos
políticos
ideológicos que se seguiram, entre eles a intentona Comunista de 1935, serviram de
pretexto para o Governo Vargas revelar de vez suas inclinações autoritárias, promovendo
perseguições políticas e implantando oficialmente a ditadura, em 1937, como uma nova
Constituição, com diretrizes e orientações autoritárias que passou a ser chamada de Estado
Novo. A nova Constituição
de
1937 que foi outorgada, formalizou o regime de exceção e
restrição de liberdades (ditadura do Estado Novo).
Os avanços da Constituição
anterior, como
a vinculação de recursos, organização dos sistemas estaduais de educação, plano nacional de
educação, conselho federal e estaduais, entre outros
,
foram subtraídos. Como o brasilianista
Skidmore (1975) frisou, o governo federal aumentou seus
poderes. Muitas atribuições
,
antes
da competência dos
e
stados que possuíam ampla autonomia, foram transferidas para o
governo federal. Em áreas fundamentais como educação e trabalho, se durante a República
Velha pertenciam à competência dos
e
stados, com o
Estado Novo a centralização assumiu
formas radicais. O poder dos governos estaduais e municipais foi progressivamente
desgastado pela restrição de fontes tradicionais de receita tributária (SKIDMORE, 1975, p.
55
-
57).
Se durante a República Velha predominou
o federalismo hegemônico, com a política
dos governadores dos
e
stados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro
–
período em que
só tais
e
stados estavam ao abrigo da ajuda federal direta (FAORO, 1977, p. 568)
–
durante o
Estado Novo, a situação inverteu
-
se. Isso ocorreu mediante a concentração de poderes na
esfera federal, mais especificamente, nas mãos de Vargas, que sabia utilizá
-
los, graças, de
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acordo com Skidmore, ao seu conhecimento magistral da psicologia do brasileiro, um de seus
grandes trunfos p
olíticos (SKIDMORE, 1975, p. 61).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e queda de Vargas, em 1945
,
e consequente
normalização democrática, o Brasil terá uma nova Constituição, inaugurando
-
se uma nova
etapa da vida nacional. Ela retoma algumas conquistas da
Constituição de 1934,
principalmente com referência à vinculação de recursos, mantendo os percentuais e definindo
competência aos
e
stados e
a
o Distrito Federal para organizar os seus sistemas de ensino.
Estabeleceu ainda
,
como atribuição da União
,
legislar
sobre as diretrizes e bases da educação
nacional (CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 1976).
Em decorrência da atribuição dada à União de elaborar as diretrizes e bases da
educação, uma comissão de especialistas foi designada pelo Ministro da Educação para
elaborar
o projeto. Muitos dos membros da referida comissão pertenciam à geração dos
pioneiros que assinaram o Manifesto, em 1932. O projeto foi enviado ao Congresso Nacional
em 1948 e, após longa trajetória permeada por debates, conflitos e tensões entre educadore
s
liberais e defensores da iniciativa privada, o projeto foi aprovado em 1961, avaliado como
“uma meia vitória, mas vitória” pelo educador Anísio Teixeira.
De fato, em que pesem lacunas e omissões, a 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei
nº 4.024/1961) caracterizou
-
se por avanços possíveis diante do contexto
político e econômico da época. Ampliou as atribuições do Conselho Federal de Educação e,
no que diz respeito a um plano nacional de educação, presente na Constituição de 1934 e
suprimi
do pela Constituição de 1937, a LDB de 1961 optou, como bem observou Villalobos,
por retirar o termo
‘
nacional
’
de modo a evitar conflito com as teses de descentralização e
liberdade do ensino (VILLALOBOS, 1969, p. 201).
A Lei de Diretrizes e Bases da Edu
cação de 1961 promove a divisão entre as
responsabilidades. Segundo Martins (2011), no período do Regime Militar, “a luta dos
educadores foi num primeiro momento, pela retomada da vinculação constitucional dos
recursos à educação e, a partir da Emenda Calm
on, pelo efetivo cumprimento da letra e do
espírito da legislação” (p.16). Ao defenderam a vinculação de recursos de impostos à
educação e sua gestão por meio de fundos, já se compreendia, segundo Martins
:
[...]
os fundos, que originalmente deveriam geri
r os recursos vinculados,
passaram a ser constituídos por sobras orçamentárias, perdendo, assim, sua
relevância como mecanismo de financiamento em decorrência de sua baixa
capacidade de acumular o montante necessário de recursos para financiar a
educação (
MARTINS, 2011,
p.
16).
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D
estaca
-
se
que a União falha no cumprimento de suas “funções supletiva e
redistributiva”
, pois
,
segundo
Martins (2011
, p. 6)
, essa redistribuição é fruto da inação do
poder político. A redistribuição “não é a centralização, mas a a
utonomia articulada com a
democracia, o funcionamento das instituições da Federação
cooperativa” (MARTINS, 2011,
p.
8).
A rigor, as dificuldades que sempre surgiram quanto à necessidade de conciliar um
plano nacional de educação com o princípio federativo
e exigência dele decorrente, de
autonomia dos sistemas estaduais de educação, concorreram para encontrar na LDB/1961 a
conciliação possível (VILLALOBOS, 1969, p. 200). Por isso a lei dispõe sobre planos de
educação correspondente a cada um dos fundos previ
stos para o ensino primário, médio e
superior. Foi a partir da criação desses fundos que Anísio Teixeira, então membro do
Conselho Federal de Educação, coordenou a elaboração, em 1962, de um plano que veio a ser
chamado de o Primeiro Plano Nacional de Educ
ação. Por ser supletiva a ação do governo
central, os planos deveriam levar em conta os serviços dos
e
stados e
m
unicípios no campo do
ensino
,
pois nenhuma dúvida poderia haver que o espírito da lei, de criar fundos, foi o de
prestar ajuda financeira para o
desenvolvimento e melhoria da educação dos
e
stados e
m
unicípios (VILLALOBOS, 1969, p. 205).
Como se pode observar, Anísio adotou posição conciliatória na elaboração do primeiro
Plano Nacional de Educação que, lamentavelmente, não avançou devido ao golpe
de Estado
de 1964 e outorga de mais uma Constituição, a de 1967. Um pouco antes, no final de 1964,
foi aprovado o salário
-
educação
,
que acrescentou recursos significativos ao desenvolvimento
do ensino primário. Em seguida, na revisão do Plano Nacional de E
ducação de 1962, em
pleno regime militar, a doutrina descentralizadora fortaleceu
-
se ainda, pois os planos federais
relativos a cada fundo deveriam restringir
-
se a uma simples redistribuição, de modo a
preservar a autonomia das unidades federativas.
Em seg
uimento, a Carta Magna de 1967,
como era de se esperar, suprimiu a vinculação de recursos e estendeu a obrigatoriedade da
educação dos 7 aos 14 anos. Além disso, atribuiu à União competência para elaborar planos
nacionais de educação, como ainda prestar as
sistência técnica e financeira às políticas
educacionais dos
e
stados e do Distrito Federal (VILLALOBOS, 1969, p. 210
-
220). Logo em
seguida, em 1969, face às condições políticas vigentes, outra Constituição (ou Emenda
Constitucional) haveria de ser promulga
da definindo com maior clareza o fortalecimento do
Poder Executivo.
Os anos que se seguiram caracterizaram
-
se por intensa luta pela restauração
democrática do país, tempo em que o problema do federalismo foi objeto de inúmeras
image/svg+xml
Célio
da
CUNHA e Denise Gisele
de Britto
DAMASCO
RIAEE
–
Revista Ibero
-
America
na de Estudos em Educação
,
Araraquara, v. 16, n. 1, p. 227
-
245, jan./mar. 202
1
. e
-
ISSN: 1982
-
5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.13580
236
reflexões, culminando com ins
talação de uma Assembleia Constituinte que discutiu e aprovou
a histórica Constituição de 1988, com um novo desenho do federalismo no campo da
educação.
Martins (2011) analisa a década de 1990 quando ocorreu a Reforma do Estado e
sua política descentraliza
dora. Segundo o autor, surge nessa época o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), e anos
mais tarde, em 2006, o Fundo de Manutenção e desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Prof
issionais da Educação (FUNDE
B
)
,
em meio ao fortalecimento dos
movimentos sociais.
Esse
autor chama a atenção para o regime de colaboração
,
segundo a
noção de federalismo cooperativo adotad
a
pela Constituição de 1988.
A fragilidade da
articulação foi redime
nsionada pela Constituição de 1988