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Construção do critério gênero no Programa Nacional do Livro Didático (2006
-
2020)
RIAEE
–
Revista Ibero
-
Americana de Estudos em Educação
,
Araraquara, v. 16, n. 1, p. 63
-
83, jan./mar. 202
1
. e
-
ISSN: 1982
-
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DOI:
https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.13752
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CONSTRUÇÃO DO CRITÉRIO GÊNERO NO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO
DIDÁTICO (2006
-
2020)
CONSTRUCCIÓN DEL CRITERIO DE GÉNERO EN EL
PROGRAMA NACIONAL
DEL LIBRO DIDÁCTICO
(2006
-
2020)
CONSTRUCTION OF THE GENDER CRITERION IN THE NATIONAL
TEXTBOOK
PROGRAM (2006
-
2020)
Lívia de Rezende CARDOSO
1
Rosa Virgínia Oliveira Soares
de
MELO
2
RESUMO
:
São problemáticas que envolvem currículo, gênero e livros didáticos que
tomamos como interesse de investigação neste artigo. Analisamos aqui
como a categoria
gênero é construída nos critérios de inclusão ou exclusão em editais do Programa Nacional do
Livro Didático. Algumas vezes, gênero é abarcado em critérios de cidadania ou Direitos
Humanos. Outras, vem explicitamente associado à mulher e re
lacionado ao que é construído
sobre feminino e masculino. Para empreender as análises, observamos os documentos legais
reguladores do PNLD, além dos editais do período de 2006 a 2020, disponíveis para consulta
eletrônica. Com as análises, percebemos o cará
ter geral e pouco característico dos itens
avaliativos sobre questões de diversidade de gênero, que, além de estar em reduzidos itens,
compartilham espaço com outras categorias analíticas, como raças e etnias. Tal avaliação, a
depender do posicionamento po
lítico em relação à temática, acarreta, portanto, em
silenciamentos ou aprisionamentos de gênero nas coleções de LD.
PALAVRAS
-
CHAVE
: Currículo.
G
ênero.
L
ivro didático.
RESUMEN
:
S
on temas que involucran currículo, género y libros
didácticos
que tomamos
c
omo interés en la investigación en este artículo. Analizamos aquí cómo la categoría de
género se basa en los criterios de inclusión o exclusión en los avisos
públicos
del Programa
Nacional de Libros de Texto. A veces, el género se incluye en los criterios
de ciudadanía o
derechos humanos. Otros están explícitamente asociados con las mujeres y relacionados con
lo que se construye sobre lo femenino y lo masculino. Para llevar a cabo los análisis,
observamos los documentos legales reglamentarios de PNLD, ademá
s de los avisos públicos
del período 2006 a 2020, disponibles para consulta electrónica. Con los análisis, nos dimos
cuenta del carácter general y poco característico de los ítems evaluativos sobre temas de
diversidad de género, que, además de estar en íte
ms reducidos, comparten espacio con otras
categorías analíticas, tales como razas y etnias. Tal evaluación, dependiendo de la posición
política en relación con el tema, conduce a silencios o encarcelamientos de género en las
colecciones de LD
.
1
Universidade Federal de Sergipe
(
UFS
)
, São Cristóvão
–
SE
–
Brasil
.
Professora
no
Programa de Pós
Graduação e
m
Educação
.
Doutora
do
em Educação (UFMG).
ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0003
-
4091
-
9110
.
E
-
mail: livinha.bio@gmail.com
2
Universidade Federal de Sergipe
(
UFS
)
, São Cristóvão
–
SE
–
Brasil
.
Mestranda
n
o Programa de Pós
-
graduação em Educação.
ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
8165
-
1483.
E
-
mail:
rosavirginia.aju@gmail.com
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Lívia de Rezende CARDOSO
e
Rosa Virgínia Oliveira Soares de MELO
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PALABRAS
-
CL
AVE
: Currículo
.
G
énero.
L
ib
ro didáctico
.
ABSTRACT
:
These are issues that involve curriculum, gender and textbooks that we take as
an interest in research in this article. We analyze here how the gender category is built on the
inclusion or exclusion criteria in notices of the National Textbook Program. Som
etimes,
gender is included in citizenship or human rights criteria. Others are explicitly associated
with women and related to what is built on feminine and masculine. To undertake the
analyzes, we observe the PNLD regulatory legal documents, in addition t
o the public notices
from the period 2006 to 2020, available for electronic consultation. With the analyzes, we
noticed the general and uncharacteristic nature of the evaluative items on issues of gender
diversity, which, in addition to being in reduced it
ems, share space with other analytical
categories, such as races and ethnicities. Such an assessment, depending on the political
position in relation to the theme, therefore leads to silencing or imprisonment of gender in the
LD collections.
KEYWORDS
: Cu
rriculum.
G
ender.
T
extbook.
Situando a questão
Livros didáticos (LD) e paradidáticos vêm sendo tomados como objeto de várias
investigações sobre representações de gêneros, de grupos étnicos e classes sociais. Juntamente
com os currículos de
escolas, esses materiais pedagógicos e LD contemplam conteúdos que,
sob tormentas da ‘ideologia de gênero’, vêm sendo contestados “para impedir que a diferença
se prolifere e para fazer com que gênero e sexualidade sejam considerados temas não
escolares” (
PARAÍSO, 2018, p. 23). Isso porque alguns modos de regulação tentam definir o
“campo do ‘costumeiro, do aceito, do normalizado e do esperado’ e nesse processo definem
capacidades expressivas particulares como marginais, falsas ou perversas” (SIMON, 2008, p
.
74).
Quando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) colocaram “a pluralidade
cultural como tema transversal, criaram um território para a contenção dos temas postos na
educação” (RODRIGUES; ABRAMOWICZ, 2013, p. 22). Assim, em 2014, o termo gênero
foi
suprimido do Plano Nacional de Educação (PNE) em nível de Congresso Nacional e
fortemente combatido em secretarias municipais e estaduais nos anos seguintes. Em 2017, a
regra do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que previa nota zero à redação que
ofend
esse princípios dos Direitos Humanos foi entendida pelo desembargador federal como
violação da liberdade de manifestação do pensamento, ao avaliar pedido da associação Escola
Sem Partido (EsP). Na decisão, mantida pela Ministra do Supremo, defendeu
-
se que
não
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existe uma base epistemológica, impondo
-
se o respeito ao ‘politicamente correto’, nada mais
do que um ‘simulacro ideológico’ dos direitos humanos propriamente ditos
3
.
Em janeiro de 2019, o então Ministro da Educação tentou modificar
critérios do
vigente Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), excluindo
-
se a obrigação de as obras
apresentarem diversidade étnica, combate à violência contra mulher e promoção positiva da
imagem da mulher
4
. Nota
-
se, portanto, como esses textos oficiai
s se constituem como
políticas regulatórias que predizem “padrões, condições de trabalho e atuação, regras
individuais e para o grupo” (POSSA; BRAGAMONTE, 2018, p. 1058).
São problemáticas que envolvem currículo, gênero e LD que tomamos como interesses
de
investigação neste artigo. Mais especificamente, buscamos analisar como a categoria
gênero é construída nos critérios de inclusão ou exclusão em editais do PNLD,
compreendendo o período de 2006 a 2020. Por vezes, gênero é abarcado em critérios de
cidadania
e de Direitos Humanos. Em outras, vem explicitamente associado à mulher e às
suas relações com o que é construído sobre feminino e masculino, mantendo a hegemônica
maneira de classificação estruturada em torno de oposições binárias. Para Silva (2008, p. 7
6),
“em uma oposição binária, um dos termos é sempre privilegiado, recebendo um valor
positivo, enquanto o outro recebe uma carga negativa”.
Para empreender essas análises, observamos os documentos legais que regulamentam
o PNLD, bem como os editais dispo
níveis para consulta eletrônica. Mesmo tratando
-
se de
uma política curricular que estabelece a necessidade de discussões acerca da diversidade
cultural nos LD, vale destacar que “as políticas curriculares são, por sua natureza, discursos
normativos com a f
inalidade de gerir populações” (MACEDO; RANNIERY, 2018, p. 743).
Nesse sentido, questionamos o público endereçado por essa política curricular como “algo que
não é
–
nem pode ser
–
fixo e muito menos da ordem da semelhança, do espelhamento ou,
ainda, da me
smidade” (p. 748). Além disso, as políticas públicas educacionais podem se
constituir como “uma trama complexa, na qual a diferença, sem a qual não há educação, é
constrangida” (p. 743).
Currículo é aqui entendido “como um artefato cultural que ensina, ed
uca e produz
sujeitos, que está em muitos espaços desdobrando
-
se em diferentes pedagogias” (PARAÍSO,
2010, p. 11). Com tal finalidade, instâncias culturais, assim como os LD, “transmitem uma
variedade de formas de conhecimento que embora não sejam reconhec
idas como tais são
3
Disponível
em
:
https://www.conjur.com.br/2017
-
out
-
26/liminar
-
impede
-
zerar
-
redacao
-
enem
-
ofenda
-
direitos
-
humanos
.
A
cesso em
:
jul
.
2019.
4
Disponível
em
:
https://novaescola.org.br/conteudo/14998/vai
-
nao
-
vai
-
entenda
-
a
-
confusao
-
no
-
e
dital
-
do
-
pnld
-
2020
-
que
-
permitia
-
erros
-
nos
-
livros
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A
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:
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.
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vitais na formação de identidade e de subjetividade” (SILVA, 2003, p. 140). De modo
estratégico, “os grupos dominantes sempre falaram sobre os demais grupos e construíram
representações que tiveram e têm efeitos de poder e de verdade” (P
ARAÍSO, 2004, p. 60).
Dessa forma, “as políticas de currículo, as condições de ensino e as práticas pedagógicas são
orientadas pela ‘política’ convencional dos governos” (SIMON, 2008, p. 67). Também
chamadas por este autor de Tecnologias culturais, esse co
njunto de práticas organizacionais,
curriculares e pedagógicas “contribuem para definir as formas pelas quais o significado é
produzido, pelas quais as identidades são moldadas e os valores contestados ou preservados”
(p. 68). Isso significa distanciar, di
ferenciar, separar, posicionar e classificar grupos.
A grade de ideias refe
rente à aprendizagem, ao ensino e ao currículo funciona “para
separar e classificar os indivíduos, criando diferenciações cada vez mais apuradas do
comportamento rotineiro” (POPKEW
ITZ, 2001, p. 29), implicando um contexto no qual “se
ensina e regula o corpo, produzindo subjetividades e arquitetando formas e possibilidades de
viver em sociedade” (MOREIRA; SILVA JUNIOR, 2016, p. 48). Nesse sentido, “deter o
privilégio de classificar s
ignifica também deter o privilégio de atribuir diferentes valores aos
grupos assim classificados” (SILVA, 2008, p. 82). O processo de classificação é central na
vida social e as classificações são sempre feitas a partir do ponto de vista da identidade. Par
a
Silva (2008, p. 73), “identidade é simplesmente aquilo que se é”. Em oposição a ela, “a
diferença é aquilo que o outro é” (IDEM) e ambas são “uma relação social. Isso significa que
sua definição
-
discursiva e linguística
-
está sujeita a vetores de forç
a, a relações de poder”
(p. 75). A identidade e a diferença são tomadas como “declarações sobre quem pertence e
sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído” (IDEM).
“Selecionar é questão de poder” (p.168) e, afinal, “o poder está
inscrito no currículo” (IDEM).
Partido da assertiva que o discurso não é apenas uma mera denominação de coisas
através das “letras, palavras e frases, mas uma série de acontecimentos em que estão
vinculadas relações de poder, articuladas a uma ordenação d
o saber, que legitimam certos
modos de dizer as coisas” (POSSA; BRAGAMONTE, 2018, p. 1052), analisamos todos os
documentos selecionados, considerando a orientação em relação ao modo como aí está
inserida a categoria gênero. Observamos que, quase em sua tot
alidade, as orientações são
gerais, visam respeitar os direitos humanos e as diversidades sociais, culturais e religiosas da
sociedade brasileira, o pluralismo de ideias, preparar os indivíduos para o exercício da
cidadania e para o convívio social, e gara
ntir as oportunidades e a igualdade de condições
para o acesso e a permanência dos/as alunos/as na escola.
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As abordagens referentes à categoria gênero, “na maioria das vezes, estão
centralizadas em discursos vigilantes e moralizantes, e, além disso, refor
çam modelos de
como deve ser o comportamento considerado adequado” (GIACHINI; LEÃO, 2016, p. 1411)
para as subjetividades Consideramos, porém, que tal categoria tem ganhado amplitude em
investigações e não pode ser operada apenas como um termo ou dimensão.
Gênero é uma
norma, que estabelece “os significados culturais assumidos pelo corpo sexuado” (BUTLER,
2010, p. 24); é a “condição social pela qual somos identificados como homem ou como
mulher” (LOURO, 1997, p. 80); é a “capacidade de o sujeito assumir det
erminado lugar
social, de agir socialmente, de maneira voluntária, de fazer escolhas e decidir sobre si” (DOS
ANJOS; CARDOSO, 2014, p. 71). O gênero não nega a biologia, mas enfatiza a “construção
social e histórica produzida sobre as características bioló
gicas” (p.
22). Ao não se falar a
respeito de tais questões, talvez se almeje que os indivíduos tomem conhecimento e possam
se interessar por elas. Desse modo, “o silenciamento
-
a ausência da fala
-
aparece como uma
espécie de garantia da ‘norma’” (p. 68)
.
A relação entre o Governo Federal, por meio do Ministério da Educação, e o
gerenciamento de LD que chegam às escolas públicas remete ao ano de 1938, quando se
instituiu a Comissão Nacional do LD. A partir do Decreto
-
Lei n.º 1.006, foram estabelecidas
con
dições de autorização, produção, importação, utilização e correções nos LD. Em 1945, tal
comissão assumiu o controle sobre a adoção de LD em todos os estabelecimentos de ensino
no país. Em 1972, o Instituto Nacional do Livro admitiu o processo de coedições
de LD em
conjunto com as editoras. E em 1983, foi criada a Fundação de Assistência ao Estudante,
incorporando
-
se o Programa do LD que, em 1985, teve o seu nome ampliado para PNLD. A
essa altura, o governo se torna financiador dos LD, extinguindo
-
se o proc
esso de coedição.
Esse programa se fundamenta na distribuição gratuita de LD, obras pedagógicas e
literárias aos alunos dos Ensinos Fundamental e Médio das escolas públicas, instituições
confessionais, comunitárias ou filantrópicas sem fins lucrativos e co
nveniadas com o poder
público, além de oferecer outros materiais de apoio à política educativa. É gerido pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e se respalda na livre participação de
editoras privadas e na livre escolha por parte dos pr
ofessores/as. A legislação que rege o
PNLD é Portaria do MEC 7/2007, Resolução 51/2009, Resolução 02/2011, Resolução
40/2011, Resolução 42/2012, Decreto 9099/2017 e Resolução 15/2018.
Os editais do PNLD são dispositivos utilizados pelo Estado para estabele
cer as
diretrizes para a escolha dos LD distribuídos às escolas públicas. Cada edital versa sobre o
modo como acontecem as etapas do programa, desde as normas de inscrição, condutas de
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participação, documentação necessária, etapas do processo de avaliação
e seleção das
coleções, processos de habilitação, aquisição, produção e entrega dos materiais, a disposições
gerais e anexos. Os anexos trazem modelos de declaração, da estrutura editorial e outras
especificações técnicas para a produção, além de princípio
s e critérios gerais e específicos
(nas áreas de Ciências, Geografia, História Língua Portuguesa, inclusive Alfabetização, e
Matemática) para avaliação dos livros didáticos. Há editais destinados, também, a escolhas de
dicionários e de obras literárias. En
contram
-
se disponíveis eletronicamente os que
compreendem às edições de 2006 a 2020, com exceção da versão 2009, que não está
disponível no endereço eletrônico do MEC.
Os editais do PNLD analisados trataram respectivamente do processo de seleção e
avaliaçã
o de obras destinadas à escolha de: i) 2006
-
dicionários de Língua Portuguesa para os
anos iniciais do ensino fundamental; ii) 2007
-
coleções para as séries iniciais do ensino
fundamental; iii) 2008
-
coleções para os anos finais do ensino fundamental; i
v) 2009
-
Edital
não disponível no endereço eletrônico do MEC; v) 2010
-
coleções e obras complementares
para os anos iniciais do ensino fundamental; vi) 2011
–
coleções de língua espanhola para
professores do ensino médio e para a educação de jovens e adu
ltos; vii) 2012
-
coleções para o
ensino médio e dicionários brasileiros de língua portuguesa; viii) 2013
-
coleções para alunos
do campo, para os anos iniciais do ensino fundamental e obras complementares para os anos
iniciais do ensino fundamental (1º, 2
º e 3º anos); ix) 2014
-
coleções para a Educação de
Jovens e Adultos (EJA), coleções para os anos finais do ensino fundamental e obras de
literatura para alunos do ensino fundamental das escolas públicas, no âmbito do PNLD de
Alfabetização na Idade Certa;
x) 2015
-
coleções para o ensino médio;
xi) 2016
-
coleções
para alunos do campo e para os anos iniciais do ensino fundamental; xii) 2017
-
coleções para
os anos finais do ensino fundamental; xiii) 2018
-
coleções para o ensino médio; xiv) 2019
–
coleções
para os anos iniciais do ensino fundamental; xv) 2020
–
coleções e obras literárias
para os anos finais do ensino fundamental.
Nas próximas seções, analisaremos, inicialmente, a construção dos critérios de
avaliação dessa política curricular até os editai
s de 2016, aos quais se observa certo
aprimoramento das questões de diversidade e gênero. Na seção seguinte, identificaremos
efeitos da BNCC e da onda conservadora que tenta influenciar as políticas educacionais nos
regulamentos do PNLD, acarretando em uma
supressão de vários textos antes presentes nos
editais. Na quarta seção, passaremos a uma análise por disciplinas específicas, explicitando
quais áreas têm maiores avanços e seus reflexos nas obras didáticas, segundo a literatura
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especializada em livros d
idáticos. Por fim, teceremos algumas considerações gerais sobre a
política curricular em questão.
A construção de critérios até 2016
Os Direitos Humanos são aqueles inerentes a todos os seres humanos, independe de
raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma
, religião ou qualquer outra condição. Neles estão
incluídos o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao
trabalho e à educação, entre outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.
O
Direito Internacional dos Direitos Humanos
estabelece as obrigações dos governos a fim de
promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos (ONU,
1948). A
Educação
em Direitos Huma
nos
é essencialmente a formação de uma cultura de
respeito à dignidade humana através da promoção e da vivência dos valores da liberdade, da
justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz.
Se atentarmos à
teorização cultural con
temporânea, há uma tendência a abordar o multiculturalismo, ou
pluralismo cultural, em educação simplesmente como uma questão de tolerância e respeito
para com a diversidade cultural. Segundo Silva (2008, p. 79), “por mais edificantes e
desejáveis que poss
am parecer, esses nobres sentimentos impedem que vejamos a identidade e
a diferença como processos de produção social, como processos que envolvem relações de
poder”.
De acordo com Rodrigues e Abramowicz (2013, p. 16), nos últimos vinte anos, a
diversidade
e outros temas a ela relacionados estão sendo abordados “de forma central no
debate internacional e nacional, nas discussões sobre o desenvolvimento e na formulação de
políticas públicas, especialmente na área da educação”. Assim, nas documentações
seleci
onadas,
observou
-
se, por exemplo, que em relação à diversidade, a portaria normativa
do MEC nº 7, de 05 de abril de 2007, que dispõe sobre as normas de conduta no âmbito da
execução dos Programas do Livro, encontra
-
se a orientação que se considerem para a
escolha
dos livros didáticos as diversidades sociais e culturais características da sociedade brasileira,
bem como do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
As Resoluções/CD/FNDE nº 51, de 16 de setembro de 2009
–
que Dispõe sobre o
PNLD para Ed
ucação de Jovens e Adultos (PNLD EJA)
–
e a de nº 42, de 28 de agosto de
2012
–
que Dispõe
sobre
o PNLD para
a
educação básica
–
, repetem a mesma orientação nas
considerações iniciais, solicitando que tais diversidades sejam levadas em conta, já que a
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educ
ação é direito de todos e dever do Estado,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania
e
sua qualificação para o trabalho.
O decreto nº 9099, de 18 de julho de 2017, que versa sobre o PNLD, apresenta sobre o
respei
to às diversidades em seu artigo 3º, respeito às diversidades sociais, culturais e
religiosas e respeito à liberdade e o apreço a tolerância. A Resolução/CD/FNDE nº 15, de 26
de julho de 2018, que dispõe sobre as normas de conduta no âmbito da execução do
PNLD,
repete o considerando já visto nas Resoluções/CD/FNDE nº 51 e nº 42, ao dizer que se deve
considerar as diversidades sociais e culturais que caracterizam a sociedade brasileira, bem
como o pluralismo de ideias e as concepções pedagógicas no processo
de escolha.
Ao analisar os editais, observou
-
se que há uma grande preocupação com o caráter
social do LD ao contribuir para a formação da cidadania, para o respeito mútuo entre as
pessoas, a ética e o reconhecimento da diversidade, favorecendo o diálogo e
o apreço à
tolerância. Segundo Rodrigues e Abramowicz (2013, p. 16), essa seria uma possível estratégia
pedagógica “liberal” que “consistiria em estimular e cultivar os bons sentimentos e a boa
vontade para com a chamada "diversidade" cultural”. Alguns edi
tais analisados trazem
orientações básicas como a não veiculação de preconceitos de quaisquer condições
econômico
-
social, étnico
-
racial, de gênero no item destinado aos critérios de avaliação
comuns a todas as áreas.
Sobre essa necessidade de uma
educação para a cidadania, Bampi (2000, p. 1) afirma
que “quando cidadania é apresentada como uma solução para a emancipação, transformação e
libertação dos indivíduos, sua construtibilidade é suprimida”. Além disso, são postas em
“funcionamento técnicas s
utis de governamentalidade”, através das quais se moldam e
normalizam a “conduta, as aspirações as decisões dos indivíduos, com o propósito de alcançar
objetivos considerados desejáveis” (p. 10).
Foucault (2008, p. 45) define
a governamentalidade como um “
conjunto formado pelas
instituições, procedimentos, análises, reflexões, os cálculos e táticas” comuns a “todas as
formas modernas de pensamento e ação políticos” (MILLER
;
ROSE, 2012, p. 40), tendo “por
alvo principal a população, por principal forma de sa
ber a economia política e por instrumento
técnico essencial os dispositivos de segurança” (FOUCAULT, 2008, p. 143). De acordo com
Bampi, governar as pessoas não é força
-
las a fazer o que deseja o governante; é uma espécie
de manipulação tênue no modo pelo
qual os indivíduos conhecem a si mesmos e se
conduzem, ou seja, é a “
sutil integração de tecnologias de coerção e tecnologias do eu”
(FOUCAULT, 1993).
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Construção do critério gênero no Programa Nacional do Livro Didático (2006
-
2020)
RIAEE
–
Revista Ibero
-
Americana de Estudos em Educação
,
Araraquara, v. 16, n. 1, p. 63
-
83, jan./mar. 202
1
. e
-
ISSN: 1982
-
5587
DOI:
https://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.13752
71
Nos editais dedicados à escolha dos dicionários, seja de Língua Portuguesa ou de
Língua Estrangeira, as r
eferências feitas ao respeito às diversidades são encontradas como
critério de exclusão, àqueles que apresentarem palavras ou imagens, preconceitos em relação
à condição econômico
-
social, cor, etnia, gênero, orientação sexual, religião, linguagem ou
qualqu
er outra forma de atitude discriminatória.
Tal edital cita, ainda, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/1996), que preconiza como princípios do ensino a
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento,
a arte e o saber, o
pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, o respeito à liberdade e apreço à
tolerância.
Isso quer dizer que, pedagogicamente, os indivíduos devem ter contato com a
diversidade de expressões e grupos culturais, aceitando a diver
sidade como natural, numa
“visão superficial e distante das diferentes culturas”. Nela, “o outro aparece sob a rubrica do
curioso e do exótico”, sem que sejam questionadas as relações de poder, ou como surgiram os
processos de diferenciação, implicando, as
sim, na produção de novas dicotomias, a exemplo
da “do dominante tolerante e do dominado tolerado ou a da identidade hegemônica, mas
benevolente e da identidade subalterna, mas ‘respeitada’” (RODRIGUES; ABRAMOWICZ,
2013, p. 16).
Todavia, grande parte dos e
ditais apresenta, em seus princípios gerais, uma vez que
pouquíssimas vezes aparecem como critério de qualificação, as recomendações de promover
positivamente a imagem da mulher, considerando sua participação em diferentes profissões e
espaços de poder; qu
e se abordasse a temática de gênero, da não violência contra a mulher,
visando à construção de uma sociedade não sexista, justa e igualitária.
Ao tratar de modo tão
genérico as diversidades
–
fazendo
-
se menção apenas ao termo “mulher”
–
, o início do PNLD
p
autou
-
se em uma visão de gênero como sinônimo de sexo biológico. A linguagem faz esse
papel de instituir distinções e desigualdades, pois ela é “
seguramente, o campo mais eficaz e
persistente, tanto porque ela atravessa e constitui a maioria de nossas prát
icas, como porque
ela nos parece, quase sempre, muito ‘natural’” (LOURO, 1997, p. 65). Desse modo, os textos
acabam reproduzindo esse ocultamento feminino através dos atributos, qualidades
comportamentos e analogias, no uso do diminutivo, por exemplo.
A op
osição binária
masculino e feminino, determinada biologicamente, materializa
-
se no termo utilizado apenas
como substituta das palavras homens e mulheres, adotando o gênero como uma substituição
mecânica do sexo. As relações de gênero, segundo Butler (2010,
p. 24), são
“significados
culturais assumidos pelos corpos sexuados”, ou seja, é uma condição sócio
-
histórico
-
cultural
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Lívia de Rezende CARDOSO
e
Rosa Virgínia Oliveira Soares de MELO
RIAEE
–
Revista Ibero
-
Americana de Estudos em Educação
,
Araraquara, v. 16, n. 1, p. 63
-
83, jan./mar. 202
1
. e
-
ISSN: 1982
-
5587
DOI: https
://doi.org/10.21723/riaee.v16i1.13752
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que vai além da condição estabelecida biologicamente através do sexo masculino ou
feminino.
Essa orientação sofreu algumas modificações
com o tempo. Em 2007, 2008 e 2010, o
texto era o mesmo. Já nos editais do EJA de 2011, nos editais do Campo e de 2013, nos do
EJA e de 2014 e no edital do Campo 2016, ampliou
-
se tal texto, de modo que não só se
abordasse a temática de gênero, nem só se pro
movesse positivamente a imagem da mulher,
mas que se reconhecesse e que se tratasse de modo adequado a diversidade de gênero,
considerando a participação de mulheres e homens em diferentes trabalhos, profissões e
espaços de poder, discutir as diferentes po
ssibilidades de expressão de feminilidades e
masculinidades, além de desmistificar preconceitos e estereótipos sexuais e de gênero,
visando à construção de uma sociedade não
-
sexista, não
-
homofóbica.
Assim, vemos que, a partir de 2011, a concepção de gêner
o é um pouco ampliada nos
editais do PNLD. Vemos uma mudança no reconhecimento do gênero apenas como sexo
biológico para se pensar em diversidade de gêneros e, de modo implicado, de sexualidades,
uma vez que a heterossexualidade dividiu espaço com outras n
arrativas. Outro ponto
acrescentado é que se fala em promover discussões sobre preconceitos, discriminação e
violências correlatas às minorias sociais ligadas às relações de gênero, às minorias sexuais,
étnico
-
raciais, geracionais, entre localidades urbana
s e rurais e às relações socioambientais,
sendo que algumas dessas não são parte de nossas discussões neste artigo.
A BNCC e os critérios a partir de 2016
A partir de 2016 e até o edital de 2019, o texto volta um pouco ao mesmo modelo inicial
do ano de 2007, quando a sugestão é de que apenas se promova positivamente a figura da
mulher, acrescentando
-
se somente que se reforce sua visibilidade e protagonismo s
ocial, e,
por fim, que se aborde a temática de gênero, acrescentando
-
se, no entanto, que tal abordagem
vise à construção de uma sociedade não
-
sexista, justa e igualitária, inclusive no que diz
respeito ao combate à homo e transfobia. Mais uma vez, o abstra
cionismo “segue tentando
controlar os fantasmas, produzindo políticas inclusivas que visam a acomodar e a incorporar