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Narrativas de apenados sobre
o in
ício da vida escolar
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–
Revista Ibero
-
Americana de Estudos em Educação
,
Araraquara, v. 16, n. 1, p. 258
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275, jan./mar. 202
1
. e
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ISSN: 1982
-
5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.
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.14064
258
NARRATIVAS DE APENADOS SOBRE O INÍCIO DA VIDA ESCOLAR
NARRATIVAS DE PRISIONEROS SOBRE EL INICIO DE LA VIDA ESCOLAR
NARRATIVES OF PRISIONERS ABOUT THE START OF SCHOOL LIFE
Luciane Maria Ribeiro da Cruz SANTOS
1
Carlos Roberto Jamil CURY
2
RESUMO
: O pr
esente artigo demonstra a dificuldade de concretização das políticas públicas
educacionais brasileiras após a aprovação da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e
Bases de 1996. A narrativa de sete homens sentenciados por processos criminais, com ida
des
inferiores a 29 anos, sobre o início de suas vidas escolares ilustra aspectos concretos da
ausência do poder público no atendimento das famílias de classes sociais menos favorecidas
economicamente. Os dados foram recolhidos de uma tese de doutorado rea
lizada pela
primeira autora no Programa de Pós
-
graduação em Educação da PUC
-
MG. O conjunto de
entrevistas semiestruturadas foi analisado buscando os indicadores da concretização dos
objetivos da República e da Educação Nacional. Observou
-
se a exclusão educ
acional
articulada ao conjunto de mecanismos responsáveis pela promoção da justiça social e a
fragilidade da conquista dos direitos do indivíduo por um processo de inclusão excludente dos
direitos sociais.
PALAVRAS
-
CHAVE
: Direito à educação. Escolarização
inicial. Apenados brasileiros.
Justiça social.
RESUMEN
:
Este artículo desar
r
olla
un enfoque descriptivo de la dificultad de implementar
las políticas públicas para la educación en Brasil, desde la aprobación de la Constituicion de
1988 e de la Ley de D
iretrizes y Bases de la Educación Nacional.
La narrativa de siete
hombres condenados por procesos penales, menores de 29 años, sobre el comienzo de su vida
escolar ilustra aspectos concretos de la ausencia de poder público en el cuidado de las
familias de
las clases sociales socialmente menos favorecidas. Los datos fueron recolectados
de una tesis doctoral realizada por el primer autor en el Programa de Postgrado en
Educación de la PUC
-
MG. Se analizó el conjunto de entrevistas semiestructuradas buscando
ind
icadores de prácticas efectivas del logro de los objetivos de la República y la Educación
Nacional. Se observó la exclusión educativa articulada al conjunto de mecanismos
responsables de la promoción de la justicia social y la fragilidad de la conquista de
los
derechos del individuo a través de un proceso de exclusión de los derechos sociales.
PALABRAS CLAVE
:
Derecho a la educación. Escuela inicial. Prisioneros brasileños.
Justicia social.
1
Secretaria Municipal de Educação (
SME
), Itabira
–
MG
–
Brasil.
Professora de Séries Finais
.
Doutorado em
Educação (PUC
-
MG).
ORCID:
https://orcid.org/00
00
-
00
02
-
2052
-
7518
. E
-
mail:
luciane.rcruz@gmail.com
2
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC
-
MG), Belo Horizonte
–
MG
–
Brasil
.
Professor
A
djunto
n
o Programa de Pós
-
graduação em Educação. Doutorado em Educação (PUC
-
SP).
ORCID:
https://orcid.o
rg/00
00
-
0001
-
5555
-
6602
. E
-
mail:
crjcury.bh@terra.com.br
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Luciane Maria Ribeiro da Cruz SANTOS
e
Carlos Roberto Jamil CURY
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ABSTRACT
:
This article demonstrates the difficulty of implementing
Brazilian public
educational policies after the approval of the 1988 Constitution and the 1996 Guidelines and
Bases Law. The narrative of seven men sentenced for criminal proceedings, under the age of
29, about the beginning of their school lives illustrat
es real aspects of the absence of public
power in serving families from socially less favored social classes. The data gathered from a
doctoral thesis carried out by the first author in the Graduate Program in Education at PUC
-
MG. The set of semi
-
structure
d interviews was analyzed search for indicators of the
achievement of the objectives of the Republic and National Education. It was observed the
educational exclusion articulated to the set of mechanisms responsible for the promotion of
social justice.
The
conquest of the individual's rights is a fragile process so, exclusion of
social rights has demonstrated.
KEYWORDS
:
Right to education. Initial schooling.
Brazilian prisoners. Social justice.
Introdução
Neste ano de 2020, durante a vigência de restri
ções sociais tão severas provocadas
pela pandemia de Covid
-
19, a sociedade brasileira assistiu o diferente tratamento dado pelos
sistemas público e privado para solucionar a impossibilidade de contato físico e da
manutenção dos esquemas tradicionais das es
colas da educação presencial.
Por um lado, uma rede privada que se reorganiza, força estruturas, estabelece novos
parâmetros, mas de uma ou de outra forma, apresenta respostas que conseguem chegar aos
seus estudantes e suas famílias. Por outro, a rede púb
lica letárgica, pouco reativa, manifesta
-
se
reconhecedora de sua dificuldade de criar algum tipo de solução capaz de alcançar e atender a
todos.
Conhecido dos estudiosos da educação brasileira, o quadro desigual da dupla rede não
tem como indicador apenas
a questão do acesso aos recursos das tecnologias digitais, sejam
pela via da condição de estruturas ou pelo tipo de uso a esses recursos. Este aspecto da
educação interveniente na possibilidade de “
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exer
cício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
”
(BRASIL, 1996) será
deixado a outros pesquisadores.
Trataremos neste artigo de outros aspectos também denunciadores da dificuldade do
alcance dos objetivos da educação nacional, conforme enunciada na L
ei de Diretrizes e Bases
de 1996, pelo menos para as classes menos favorecidas socioeconomicamente. A discussão
sobre a efetividade do direito à educação será realizada a partir da narrativa da memória de
alguns dos próprios sujeitos afetados pelas polític
as públicas educacionais brasileiras.
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A educação é um direito de todos os brasileiros. Direito juridicamente protegido e
exigente de um processo histórico constitutivo, de um conjunto de políticas públicas e práticas
dos agentes responsáveis pela implement
ação para a materialização desse direito.
Trazemos a narrativa de pessoas de 18 a 29 anos com experiência de privação de
liberdade em virtude de sentença penal para tentar compreender na subjetividade e na
singularidade a aplicação de aspectos importantes
dos direitos articulados às políticas
educacionais brasileiras.
As narrativas dos 7 homens, uma tomada na fase piloto, versam sobre a trajetória dos
anos iniciais da trajetória escolar e buscam na memória as dificuldades e facilidades vividas
em um perío
do muito anterior à entrada no sistema prisional.
O artigo abordará na primeira seção uma visão do direito à educação a partir das
concepções de movimento histórico para situar a educação básica brasileira dentro de uma
visão de condição de cidadania, de a
cordo com a Constituição de 1988. Na segunda seção,
apresentaremos e discutiremos as categorias escolhidas para análise:
segurança social,
inclusão.
Na terceira seção descrevemos aspectos metodológicos da pesquisa
,
e na quarta,
relatamos os resultados dos
confrontos entre as categorias de análise e os conteúdos de
memórias dos sujeitos investigados. Finalizamos o artigo com as conclusões.
Uma visão do direito à educação
Na visão de Bobbio (1992), a qual adotamos, para o estabelecimento de progressivas
f
ormas de relação entre as pessoas nas sociedades e entre os Estados
,
“direitos do homem,
democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico
”
(p.
1). A
ideia de progressividade se estabelece na compreensão de uma história viva dinâm
ica e sem
grandes rupturas. O direito à educação se assenta em uma dimensão estruturante da condição
humana que é a racionalidade
,
e torna
-
se, pelo reconhecimento de sua importância
,
uma
“arma não violenta de reinvindicação e de luta
”
(CURY, 2002, p. 261).
Por mais que o nosso olhar próximo não consiga perceber todo o movimento
transformador de uma década ou os efeitos dos grandes debates, as reverberações das perdas
geradas por processos conducentes a retrocessos, entendemos que os direitos das pessoas, e
m
especial o da educação, repercutem sobre a paz social e melhoram a qualidade das
democracias progressivamente.
Transpor do reconhecimento do direito à educação para a sua concretude exigiu do
Brasil muitas fases, ainda não completadas, iniciadas nos aco
rdos internacionais de
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reconhecimento da Declaração dos Direitos do Homem (1945), até chegar à condição de
direito público, definida pela Constituição Federal de 1988. Posição um pouco diferente adota
Chevallier (2013)
,
para quem a Declaração, por si só, n
ão assume a força de direito positivo, a
menos que venha a fazer parte de um Tratado, de uma Convenção ou de um ordenamento
jurídico nacional. Esta composição dentro do ordenamento jurídico foi referida por Bobbio
(1992) ao destacar os processos de interna
cionalização e de constitucionalização na promoção
do reconhecimento, consolidação, homogeneização e proteção aos direitos fundamentais.
Os direitos são o produto de um processo histórico de articulação dos sujeitos aos
princípios filosóficos propugnados
por um conjunto de pensadores, mas também fruto das
articulações com a vida política e social, portanto, exigentes de “participação cada vez mais
ampla, generalizada e frequente dos membros de uma comunidade no poder político
”
(BOBBIO, 1992, p.
33).
A par
ticipação que gerou desde os direitos civis até os direitos sociais, dentre eles o
objeto desta pesquisa, a educação básica, se esboroa quanto esvaziada da articulação que
confere direção e sentido à ação, seja de um legislador nacional, seja de um agente
político
em sua ação executiva delegada, de um(a) Conselheiro(a) Tutelar, de um(a) profissional de
saúde pública, de um(a) professor(a) de uma escola pública.
Conforme ensina Cury (2009), o Estado de direito é aquele em que as proteções e
garantias aos di
reitos funcionam, superando a falta de condições objetivas e a necessidade de
boa vontade dos que proclamam os meios para proteger os direitos. Com a lei, rompem
-
se os
privilégios e os mecanismos da influência.
A proposição da educação como direito vincula
-
se ao estabelecimento de um Estado
de direito, em cujo processo histórico de constituição se aplicam os substantivos desde a força
da concepção liberal de organização política
,
passando pelas lutas sociais desencadeadas por
organizações sociais implicadas
na ampliação dos direitos políticos e dos direitos sociais. E
vale a observação de Chevallier (2013)
,
que este processo é dotado de um estado de
inacabamento e incompletude que o habilita à dinâmica social.
O processo histórico de conquista dos direitos n
um país como o Brasil, em que a
escravatura provocou um impacto sociocultural, além de ter tornado mais lenta a efetivação
do direito à educação
,
provocou a naturalização de diferenças e discriminações persistentes
até o momento atual. As discriminações ti
snam a percepção da aplicação dos princípios pela
sociedade e tornam difícil o reconhecimento de um estado de injustiça social coexistente com
a legalidade.
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Homens pretos, pobres e suas famílias, mal escolarizados, têm na sociedade
livre, uma realidade ma
is dura e de menor acessibilidade aos serviços de
proteção do Estado, aos bens de consumo, ao mecanismo de preparação pela
educação escolar para a vida social e para o trabalho. Há uma violência
social contra estas pessoas, que exige a reflexão contra a pr
ática excludente
de direitos (SANTOS
,
2020).
A liberdade será o primeiro dos princípios, ao qual o Estado deve respeitar e pelo qual
o cidadão deve lutar em favor de si próprio e de todos os outros. A paz social, obtida pela
aplicação da justiça social,
categoria em que a educação básica ocupa lugar fundamental,
possibilita aos indivíduos as condições para exercer e lutar pela própria liberdade e pelo
desenvolvimento pleno de sua capacidade, exercer em plenas condições sua cidadania dá ao
indivíduo a sens
ação de segurança social.
A segurança social, superando o estado de necessidade que põe a pessoa em constante
luta pela sobrevivência, alça o indivíduo
à
condição de cidadão, qualquer que seja sua classe
social. Possibilita a luta pela participação na defi
nição de seus direitos
,
pois é fruto do gozo de
direitos básicos, fundamentais. Ao sentir
-
se seguro socialmente, o cidadão pode se envolver
em outras questões da vida social e política, uma delas, o sentido da aprendizagem na própria
educação.
Para compor
a segurança social, um conjunto de condições acessórias, não pouco
importantes
,
precisa ser atendida
,
e ao longo do processo de constituição de direito à educação
foram reconhecidas pelas legislações. Dentro dessas condições, elegemos dois aspectos
fundam
entais para a aplicação de um mínimo de justiça social dentro da educação básica, nos
anos iniciais da escolarização. Eles possibilitam o favorecimento da experiência de
aprendizagem das crianças que ingressam o ambiente escolar, quais sejam
,
a segurança
a
limentar e a inclusão
,
e verificamos como estes aspectos repercutiram sobre a integração
aluno
-
escola.
Chamaremos essas condições acessórias de categorias de análise para fins desse
estudo e na seção seguinte analisaremos cada uma dessas categorias.
Co
ndições acessórias para que se cumpra o direito à educação
Para concretizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
,
dispostos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, uma integração das ações protetivas
das políticas públicas soc
iais se faz necessária. Erradicar a pobreza e marginalização, reduzir
as desigualdades sociais, promover o bem de todos sem quaisquer formas de discriminação
são tarefas complexas em que a educação é apenas um dos campos de trabalho.
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Por esse motivo, essa
seção volta
-
se à discussão de duas condições, a segurança
alimentar e a inclusão, consideradas categorias necessárias para que o direito se constitua
efetivo na sua condição democratizante.
Segurança alimentar
A Constituição de 1988 reconheceu o direi
to à segurança alimentar e instituiu no
artigo 208 a universalidade do atendimento da alimentação escolar, sem restrições. Foi criado,
em 1955, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, cujo escopo foi a suplementação
alimentar dos estudantes das escolas
públicas e da rede filantrópica conveniada.
Segundo Santos
et al.
(2007)
,
o Decreto 37.106/1955 instituiu a Campanha de
Merenda Escolar com alimentos obtidos por doações de programas internacionais.
Posteriormente, no final da década de 1970, passou a in
tegrar o Programa Nacional de
Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de alimentação e nutrição, alcançando 14
milhões de escolares de 1º grau e pré
-
escolares com parte das necessidades calóricas e
nutricionais diárias. Em 1983, o programa passou a se
r responsabilidade da Fundação de
Assistência ao Educando até 1997, quando a Secretaria Executiva do Fundo Nacional para o
Desenvolvimento da Educação passou a coordenar, num espírito de autonomia e
descentralização, em acordo com os ventos soprados da car
ta constitucional de 1988 o
Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Abreu (1995
, p. 31
) alertava para a dicotomia na compreensão das políticas
focalizadoras de alimentação escolar. Conforme foi entendido na maioria dos países de
Terceiro Mundo, as polít
icas de alimentação do educando poderiam ser interpretadas por
caráter assistencialista, suplementar, como medida de combate à fome, ou “como um direito
do cidadão e um dever do Estado, que é responsável pelo bem
-
estar das crianças, inclusive
por sua alime
ntação enquanto estão na escola, como acontece em muitos países desenvolvidos
do chamado Primeiro Mundo
”
.
O processo de descentralização foi passo importante para melhorar os resultados do
programa ainda na avaliação de Santos
et al.
(2007). Em 1993, apena
s 300 municípios
aplicavam o programa número que, em 1995, chegou a 3380. A descentralização foi fruto da
verificação de uma série de problemas decorrentes da centralização da política nacional. Em
primeiro lugar, a dificuldade de fazer o programa penetrar
nos mais de 5000 municípios
brasileiros com características tão variadas, em segundo, conforme Abreu (1995), a
dificuldade de atender aos hábitos culturais regionais de alimentação, os problemas com
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corrupção e os desvios de verbas no processo de compra d
e produtos, o favorecimento de
grandes grupos econômicos em detrimento dos pequenos produtores locais.
A dicotomia inicial foi superada pela definição da Lei 11947/2009
,
que concebeu
alimentação escolar como forma de contribuir no desenvolvimento dos alun
os e na melhoria
do rendimento escolar. As diretrizes da legislação definiram pelo respeito às tradições
culturais e alimentares; pela inclusão da educação nutricional no processo de ensino e
aprendizagem; pela universalidade do atendimento; pelo controle
social comunitário das
ações do Programa executadas por cada um dos entes públicos; pelo fortalecimento do
desenvolvimento sustentável; pelos incentivos à inclusão do pequeno produtor e do produtor
de agricultura familiar no processo de aquisição de produt
os; pela equanimidade qualitativa
da oferta calórica e nutricional aos estudantes com necessidades especiais, vulnerabilidades,
condições de saúde e idades específicas (BRASIL, 2009).
Um grande volume de pesquisas foi realizado na avaliação do PNAE. Santo
s
et al
.
(2007) avaliou a execução do programa em 45 municípios baianos, com entrevistas a gestores
e crianças de 7 a 14 anos. Liberman (2015) analisou 10 trabalhos sobre o tema divulgados na
base de dados SCIELO verificando os temas abordados, as tendênci
as de cada investigação,
os problemas identificados e as sugestões apresentadas. Lopes (2017) procurou os
principais
problemas e suas possíveis causas na implementação do PNAE em âmbito nacional. Concluiu
que tanto as características do arranjo federativo
quanto as dificuldades de controle e
fiscalização do PNAE exigem mudanças para a melhoria da aplicabilidade das ações.
As pesquisas convergem na consideração da importância na garantia de segurança
alimentar
,
seja para públicos específicos ou para todo o
público escolar. Entendemos a
efetividade de todo o conjunto de informações organizadas pelas vias documentais, pelo
estudo dos dados oficiais, pelas investigações de campo. Entretanto, também é importante
ouvir as experiências relatadas espontaneamente po
r pessoas que formam um público
vulnerável e para quem o direito de alimentar
-
se na escola se aproxima do cumprimento da
compensação pela falta da condição e segurança alimentar no ambiente familiar.
Este é o esforço revelado neste artigo, apresentado na
seção 3.
Inclusão
Iniciaremos nossa reflexão sobre o processo de inclusão rememorando a queda dos
muros de fronteiras das Ciências Sociais, com consequências sobre o ambiente das pesquisas
historiográficas, a partir da publicação de trabalhos de Le
Goff
e Nora (1995).
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A introdução de uma concepção relativista, capaz de absorver outros objetos de
pesquisa, processos mais singulares de análise e abordagens mais inovadoras ampliou a
tipificação dos problemas e ao mesmo tempo dos sujeitos de pesquisa.
Foi
essa premissa a introdutora de uma visão de História em que o caráter múltiplo e
dinâmico das interações sociais passa a ser explorado para compor mais de uma narrativa
sobre a sociedade
e
as relações nela estabelecidas.
Coloca
-
se em diálogo professo
r e a
luno, gestor e legislador, negro e branco. Desse
diálogo compreende
-
se de forma diferente as situações de opressão/resistência;
demanda/negociação; avanço/retrocesso.
Nessa direção, Gomes (2012) discute a situação da escravidão no Brasil mostrando
qu
e as
pesquisas têm revelado uma complexidade do quadro de opressão histórica do branco
sobre o negro, simultaneamente aos atos de resistência, às negociações, à luta pela identidade
das práticas culturais e religiosas. Toda a ambiguidade desse quadro compõ
e o r
acismo
estrutural brasileiro que repercute, ainda hoje, sobre homens, mulheres e crianças.
O sentido dessa ambiguidade expressa
-
se no conceito de historicidade formulado por
Charles Morazé
(1954, p. 59)
para quem
Devemos procurar para além da geopol
ítica
, do comércio, das artes e da
própria ciência, aquilo que justifica a atitude de obscura certeza dos homens
que se unem, arrastados pelo enorme fluxo do progresso que os espec
í
fica,
opondo
-
os. Sente
-
se que esta solidariedade está ligada à existência i
mplíc
ita
que cada um experimenta em si, duma certa função comum a todos.
Chamamos a esta função historicidade
.
Não há História sem sociedade, sem prática social e interpretação. Assim, traremos
dois aspectos dessa inclusão.
O primeiro será a inclusão de
sujei
tos de pesquisa incomuns nas pesquisas
educacionais, principalmente dedicadas aos anos iniciais da escolarização.
O segundo aspecto da inclusão será tratado a partir da perspectiva de inclusão
excludente e seletiva, conforme tratado por Cury (2008).
Ao se
propor
pensar sobre
“
“
herdeiros
”
e/ou os reais atingidos pela privação dessa destinação universal da educação
escolar como direito específico” o pesquisador percorre ordenamento legal desde os tempos
imperiais para demonstrar a gradatividade da elabo
ração
do direito à educação, paralelamente
à constituição de um “duplo dualismo franco, explícito e seletivo”
(
CURY
, 2008, p. 214).
O caráter multiplicador das faculdades humanas, ínsito nas relações de aprendizagem,
superior à dimensão utilitarista e inst
rumen
talizadora da educação, foi força mobilizadora
para torná
-
la direito constitutivo do indivíduo e social do cidadão.
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A inclusão de todos no direito à educação se fez, no caso brasileiro,
pari passu
à
tessitura de uma dupla rede educacional, a pública
para
os menos favorecidos e a particular
para a elite brasileira. O processo de desigualdade social e concentração de renda identificado
em vários países e no Brasil tem acentuado as dificuldades de produzir
-
se na escola pública
condições de inclusão realm
ente
includentes.
As heranças do processo histórico sobre as condições de desenvolvimento do sucesso
escolar são sintetizadas e explicitadas.
Hoje, até mesmo setores mais conservadores do espectro político
reconhecem que os graves problemas sociais extra
escol
ares interferem
negativamente no acesso, na trajetória e no desempenho dos alunos
procedentes de famílias de baixa renda não foi prioridade nem em políticas
públicas, nem na ação de significativos segmentos das elites. O “empurra
-
empurra” entre os pod
eres
gerais do Império e dos poderes provinciais, a
iniquidade da escravatura, a descentralização sem recursos desde o Ato
Adicional e a perversa distribuição da renda geraram uma herança até hoje
pesada e não superada e que articula fatores sociais, étnic
os, e
spaciais,
regionais e o acesso, a permanência e o desempenho qualitativo na escola
(
CURY
, 2008, p. 217).
A relação de causalidade entre pobreza e educação tem entendimentos em direções
opostos nos estudos sociais. Há abordagens que entendem que a fal
ta da
educação causa a
pobreza e as que pensam na direção inversa. Nosso entendimento é que pobreza e carência
educacional formam um complexo sistema, intrincado e auto sustentável, gerador de mais
carências sociais e econômicas, de violências e outras for
mas d
e exclusão.
Também nessa direção, Julião (2009) investiga a associação empírica entre pobreza,
favelamento, desemprego, migrações e criminalidade, analisando o perfil social de autores de
crimes em busca de indicadores de relação entre pobreza e crimi
nalid
ade.
Nesse foco analítico, Rambla, Pereira e Espluga (2013) verificaram que características
pessoais, familiares e socioeconômicas favorecem ou dificultam o acesso ao sistema de
oportunidades educacionais em sociedades desiguais, como a brasileira.
S
egund
o Couto (2004)
,
a pobreza é uma falta de bem
-
estar em várias dimensões
materiais e não materiais resultantes de processos econômicos, sociais, culturais, políticos,
ambientais e individuais em que não se chega a alcançar níveis satisfatórios ou mesmo
justo
s
para a satisfação das suas necessidades. Assim, pode
-
se perceber que a constituição do direito
público subjetivo da educação é insuficiente, embora necessária condição para que a educação
promova o desenvolvimento pleno das capacidades individuais.
A gar
antia de se estar na
escola pode, inclusive, disparar as outras faltas impeditivas do alcance das satisfações de cada
pessoa e das condições de aprendizagem.
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Sendo componente central de ações públicas comprometidas com o desenvolvimento
social sustent
ável,
a redução da pobreza e das desigualdades é condição essencial para que o
acesso à educação e os níveis de escolaridade possam se configurar ações de qualidade
educacional, em uma perspectiva mais ampla de atendimento social.
Retomando a ideia inicia
lment
e posta nessa seção de discutir a inclusão excludente,
entendemos que é no fortalecimento do direito social, via integração das ações das políticas
públicas sociais
,
que o direito individual se fará fortalecido e o direito social efetivado.
Aspectos
meto
dológicos da pesquisa
Apresentamos um recorte de um estudo de caso múltiplo realizado em um presídio de
Itabira, Minas Gerais, com 29 pessoas brasileiras, homens, com experiência de privação de
liberdade por motivo de sentença penal. A tese de doutor
ado,
disponível no acervo da
PUCMinas, percorre aspectos da trajetória de aprendizagem dos sujeitos da pesquisa a partir
de seus relatos de memória sobre os anos iniciais de escolarização. Subsidiariamente,
percebeu
-
se como se concretizam algumas condições
que
garantem o direito à educação, de
que segurança social dispõem as famílias dos entrevistados para garantir o sucesso dos anos
iniciais da escolarização e como a inclusão educacional realmente se efetiva. Neste quadro foi
possível perceber se as condiç
ões d
e vida favoreciam ou não as relações entre o aluno e a
escola.
As orientações de Yin (2001) serviram para a elaboração da pesquisa empírica, de
abordagem qualitativa, para quem problemas de pesquisa formulados centralmente com as
perguntas como? ou po
r quê
? propiciam elaborações explicativas vinculadas
operacionalmente, ao longo do tempo, não devem exigir do pesquisador controle dos eventos
comportamentais e possibilitam enfoca situações contemporâneas.
Também foram
importantes as orientações metodológ
icas
da História Oral
,
conforme contribuições de Verena
Alberti (1990
;
2006) e Delgado (2006).
Neste artigo, apresentamos discussões sobre os resultados da fase piloto em que se
desenvolveu uma entrevista semiestruturada com um depoente e os da segunda fas
e da
pesquisa
,
quando foram entrevistados 6 outros sujeitos.
A entrevista semiestruturada da fase piloto ofereceu proposições orientadoras da
segunda fase da pesquisa. A escolha dos sujeitos obedeceu ao perfil etário pré
-
estabelecido,
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Narrativas de apenados sobre
o in
ício da vida escolar
RIAEE
–
Revista Ibero
-
Americana de Estudos em Educação
,
Araraquara, v. 16, n. 1, p. 258
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pessoas com idade in
ferio
r a 29 anos. Também foram observados o perfil de participação nas