image/svg+xml
A produção do conhecimento sobre a Educação do Campo: Opção epistemológica e aporte político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1215
A
PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE A EDUCAÇÃO DO CAMPO:
OPÇÃO EPISTEMOLÓGICA E APORTE POLÍTICO IDEOLÓGICO
LA PRODUCCIÓN DE CONOCIMIENTO SOBRE LA EDUCACIÓN DE CAMPO:
OPCIÓN EPISTEMOLÓGICA Y APOYO POLÍTICO IDEOLÓGICO
THE PRODUCTION OF KNOWLEDGE ABOUT RURAL EDUCATION:
EPISTEMOLOGICAL OPTION AND IDEOLOGICAL POLITICAL SUPPORT
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES
1
Amone Inácia ALVES
2
RESUMO
: O objetivo deste texto é identificar e analisar dissertações e teses desenvolvidas
sobre a temática Educação do Campo, no PPGE/Faculdade de Educação/Universidade Federal
de Goiás, período 2018-2019. Construiu-se o Estado da Arte sobre o tema a partir da análise
das perspectivas teóricas e epistemológicas desenvolvidas. O recorte foi feito a partir de dois
descritores: movimentos sociais, trabalho e educação no/do campo. Nossas questões: que
perspectivas teóricas foram escolhidas pelos autores? Qual é o conceito de educação do campo
defendido? A análise identificou que as bases epistemológicas endossam uma proposta de
Educação do Campo crítica e emancipadora, portanto, teoricamente associada à perspectiva da
bildung, ou seja, representante do viés contra-hegemônico.
PALAVRAS-CHAVE
: Bildung. Educação do campo. Movimentos sociais. Trabalho.
RESUMEN
: El propósito de este texto es identificar y analizar disertaciones y tesis
desarrolladas sobre el tema Educación Rural, realizadas en el PPGE/Facultad de
Educación/Universidad Federal de Goiás, período 2018-2019. A partir del tema, se construyó
el Estado del Arte sobre el tema, además del análisis de las perspectivas teóricas y
epistemológicas desarrolladas. El corte se hizo a partir de dos descriptores: movimientos
sociales, trabajo y educación en/desde el campo. El método dialéctico ayudó a responder las
siguientes preguntas: ¿qué perspectivas teóricas eligieron los autores? ¿Cuál es el concepto
de educación de campo que se defiende? El análisis identificó que las bases epistemológicas
avalan una propuesta de educación crítica y contrahegemónica, por tanto, asumida
teóricamente desde la perspectiva de la bildung, es decir, como representante del sesgo
contrahegemónico.
PALABRAS CLAVE
: Bildung. Educación rural. Movimientos sociales. Trabajo.
1
Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia – GO – Brasil. Docente do curso de Pedagogia e do Programa de
Pós-Graduação em Educação. Doutorado em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1187-112X. E-mail:
solufg@hotmail.com
2
Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia – GO – Brasil. Docente do Programa de Pós-Graduação em
Educação. Doutorado em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3131-6230. E-mail:
amoneinacia@gmail.com
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES e Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1216
ABSTRACT
: The purpose of this text is to identify and analyze dissertations and theses
developed on the theme Rural Education, carried out at PPGE/Faculty of Education/Federal
University of Goiás, period 2018-2019. From the theme, the State of the Art was built on the
theme, in addition to the analysis of the theoretical and epistemological perspectives developed.
The cut was made from two descriptors: social movements, work and education in/from the
countryside. The dialectical method helped to answer the following questions: what theoretical
perspectives were chosen by the authors? What is the concept of field education advocated?
The analysis identified that the epistemological bases endorse a proposal of critical and
counter-hegemonic education, therefore, assumed theoretically from the perspective of bildung,
that is, as a representative of the anti-hegemonic bias.
KEYWORDS
: Bildung. Rural education. Social movements. Work.
Introdução
A proposição de uma Educação do Campo na contramão das atuais reformas
educacionais neoliberais, ou seja, pensada para libertar os povos do campo ou como expressão
das lutas dos movimentos sociais, tem encontrado bastante resistência nos últimos anos
(RAMOS; CUNHA, 2020). E quanto mais ela conseguir dar visibilidade aos sujeitos do campo,
atuar como geradora de conscientização do homem do campo, para que ele possa se fixar na
terra, ser representante dos movimentos sociais (GOHN, 2020) e dos assentamentos, além de
tudo o que esses representam para as comunidades agrárias, maior se constitui a resistência à
sua consolidação. O caso é que quanto mais a proposição de uma Educação do Campo
consolidar um sentido político e ideológico voltado aos interesses dos povos do campo,
portanto, contra-hegemônico, maior tende a ser a força imposta na sua resistência e na
consolidação de um modelo de educação que seja conformadora do campesinato brasileiro
(RAMOS; CUNHA, 2020).
Defender e militar por uma Educação do Campo, conforme as lutas dos ativistas
representantes da base da sociedade campesina, como argumentam Magalhães e Moura (2020a,
p. 645), não prescinde do apoio das universidades públicas que, por meio de várias ações, mas
sobretudo pelo material formativo, advindo da produção acadêmica, apoia a consolidação de
uma “natureza epistemológica e ontológica de educação do campo, com base formativa voltada
à consciência política crítica”, influenciando na construção da identidade dos povos
campesinos.
Isso significa que a
partir do enfoque acadêmico, de aportes teóricos sólidos, como por
exemplo, a partir de uma produção com centralidade no método Materialista Histórico-
Dialético, ajuda-se a reforçar “outra compreensão da realidade”, o que envolve postura política
image/svg+xml
A produção do conhecimento sobre a Educação do Campo: Opção epistemológica e aporte político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1217
esclarecedora (MAGALHÃES; MOURA, 2020a, p. 645). Nesse sentido, o espaço privilegiado
e representativo da produção acadêmica se configura como espaço de defesa de bases teóricas
que garantam posicionamentos ético-políticos, mediados pela emergência de consciências
capazes de gerar de novas alternativas da ação social. A mesma produção tende a ser
representativa da militância dos movimentos sociais em defesa do campesinato brasileiro. Na
particularidade da pós-graduação em educação, com é o caso do Programa de Pós-graduação
em Educação (FE/UFG), a produção de teses e dissertações tem ajudado a fortalecer uma
perspectiva política de educação (FREIRE, 1996; 1998), o que se mostra bastante interessante
e significativo à militância social, uma vez que ajuda a questionar e a romper com instrumentos
de controle social (MAGALHÃES; SOUZA, 2019).
Como asseverou Gramsci (1999), investir em meios e formas de esclarecimento se faz
importante no movimento de superação das ações do grupo dominante, de sua lógica, princípios
e valores. Ao sustentar um referencial teórico crítico, a produção acadêmica torna-se importante
material formativo, capaz de ajudar os sujeitos a saírem da condição de dominação
(MAGALHÃES; MOURA, 2020a). Além disso, o sentido político e ideológico pode reforçar
uma Educação do Campo que normatiza um princípio educativo e pedagógico, voltado à
denúncia e esclarecimento da ideologia dominante.
Do que se entende que a ampla difusão da produção acadêmica sobre o tema poderá
promover um pensar, estrategicamente, voltado à manutenção das lutas contra as desigualdades
sociais e a exclusão das minorias. No campo da educação, como afirmou Saviani (2013, p. 17),
se faz necessário entender que há dois grandes grupos de teorias educacionais: o
primeiro
refere-se às Pedagogias Hegemônicas, ligadas aos interesses da burguesia (classe dominante),
as quais visam à manutenção da lógica atual; o
segundo
grupo visa transformar a sociedade,
correspondendo aos “interesses dos dominados (classe operária), situando-se no movimento
contra-hegemônico”. Kuenzer e Grabowski, (2006, p. 314) complementam sustentando que a
contra-hegemonia refere-se a uma outra possibilidade de sustentar novas bases à uma educação
para os que vivem do trabalho. A educação contra-hegemônica é voltada a um “projeto
associado às demandas populares, articulando afirmação e negação, conquista e manutenção de
processos de hegemonia e contra-hegemonia”.
Freire (1998) e Gramsci (1999) reforçam que a aspiração dos movimentos sociais é a
co
nscientização, e para que isso aconteça se faz necessário a manutenção de uma relação
pedagógica que assegure diferentes elementos ao campo social. Do que se entende que, nos
termos da hegemonia, ainda conforme Gramsci (1999), há a necessidade de uma educação
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES e Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1218
mantenedora da ordem social, a qual deve seguir educando sujeitos adaptados, que se tornam
cada vez mais alienados (MAGALHÃES; MOURA, 2020a).
Nesse sentido, a educação sempre será assumida como principal estratégia da
propagação e consolidação do consenso nos moldes da hegemonia, mas sobretudo, terá função
alienadora, o que inviabiliza a compreensão da luta de classes e da divisão social. Dessa forma,
associada aos motivos políticos, sociais, históricos e culturais, que reverberam na estrutura de
classes da sociedade, a Educação do Campo recebe forte retaguarda ideológica, uma vez que a
própria história brasileira mostra a constante manutenção da oligarquia agrária, para que se
mantenha o controle dos povos do campo – via educação conformadora.
Felizmente, a contradição existe, e a educação também se mostra forma de resistência
e, nesse sentido, na mesma diligência, este trabalho configura-se como instrumento de luta e
resistência, no sentido de ajudar a fortalecer uma concepção de Educação do Campo como
Bildung
(SOUZA, 2014). Sustenta-se que a pós-graduação em educação se constitui como
espaço privilegiado de debate e sistematização de conhecimento formativo, que pode apoiar a
lutas pelos direitos dos povos do campo. Ampliando essa discussão, o percurso desse artigo
sustenta: a) Educação do campo como bildung; b)
A produção acadêmica e a ancoragem de
bases epistemológicas à Educação do Campo; c) A produção do conhecimento sobre a educação
do campo: opção epistemológica x aporte político ideológico.
Educação do campo como
bildung
: pressuposto teórico
O conceito de
bildung
é analisado por Souza (2014) que, a partir de Hegel (1988), o
associa à educação como processo integral de formação histórica; como caminho da consciência
e do espírito para a liberdade, ideia que também
se relaciona ao desenvolvimento interior do
sujeito, de sua autonomia. A
bildung
, enquanto base formativa, implica resistência ao processo
desumanizador, o que exige essencialmente postura ética e política. Severino (2013), em seus
escritos, sustenta que a autêntica
bildung
sustenta a base epistemológica materialista histórica
e dialética, o que pressupõe ir além de aquisição de informações, habilidades técnicas ou
didáticas, cuidado com a personalidade, a subjetividade, a sensibilidade dos sujeitos. Também
exige que a formação esteja envolvida com a teia da vida sócio-cultural, sua compreensão
histórica.
Como fundante do processo de humanização, a
bildung
sustenta à Educação do Campo
a n
ecessidade de romper com a ideia puramente conteudista, meritocrática e individual, tão
presente numa educação tradicional e seus discursos, em torno da ideia de competências e
image/svg+xml
A produção do conhecimento sobre a Educação do Campo: Opção epistemológica e aporte político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1219
habilidades, como é sustentado pelos documentos oficiais, a exemplo da atual Base Nacional
Comum Curricular – BNCC.
Por certo, como descreveu Gramsci (1999), trata-se de uma educação voltada a uma
outra hegemonia – a camponesa; representativa de lutas para a conquista da terra, e para a
construção de um projeto de mudança mais incisiva e revolucionária. Caldart (2000; 2004;
2009), na mesma linha reflexiva, mostrou que uma Educação do Campo
bildung
apresenta bases
e princípios capazes de ajudar a desvelar os estereótipos e condicionamentos postos aos povos
do campo. Poderá elucidar as contradições das polaridades que lhes são impostas:
“negatividade-positividade; denúncia/resistência, luta entre hegemonia/contra hegemonia”
(MAGALHÃES; MOURA, 2020a, p. 650).
Caldart (2009, p. 67-86 apud MAGALHÃES; MOURA, 2020c, p. 70402) afirma que
sem uma ação reflexiva e propositiva, os povos do campo continuarão sendo:
[...] tratados como inferiores, atrasados, pessoas de segunda categoria; que a
situação de miséria seja o seu destino; que no campo não tenha escola, que
seja preciso sair do campo para frequentar uma escola; que o acesso à
educação se restrinja à escola, que o conhecimento produzido pelos
camponeses seja desprezado como ignorância [...].
Ianni (1997), ao debater aspectos dos movimentos sociais e urbanos, também é
referência na defesa de uma hegemonia camponesa. Ele sustenta que os trabalhadores rurais
precisam ser comprometidos com as lutas por seus direitos, precisam dominar os saberes
históricos e socialmente produzidos pela perspectiva da economia camponesa. Assim, sua
preocupação resgata os termos da
bildung
que se ocupam da organização de saberes, capacidade
crítica e de julgar a situação política, capacidade de “[...] distinguir os movimentos políticos
mais amplos que podem determiná-la”: certamente essas questões só poderiam estar filiadas à
educação como bildung (p. 83).
Para finalizar a descrição da concepção de educação do campo
3
sustentada nesse
trabalho, ou seja, como bildung, assume-se com Caldart (2009, p. 37) que é necessário “um
movimento real de combate ao “atual estado de coisas”: que oriente ações/lutas concretas.
Arroyo e Caldart (2009) ainda reforçam que a base de luta deve ser de denúncia, o que se
combinará com os anseios dos povos do campo, ajudando-os a ressignificar suas práticas,
saberes, formas de produção, organização comunitária rural e, quiçá, formulará novas bases de
um projeto de educação alternativa, crítica e emancipatória.
3
Dentre as conquistas, a Resolução CNE/CEB nº 2, de 28 de abril de 2008, conceitua a “educação do campo”
como: aquela da área de localização da população (populações rurais) e aquela dos grupos, povos ou comunidades
que se reconhecem como tal.
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES e Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1220
Como discutido, tendo em vista que não existe uma concepção de Educação do Campo,
mas várias, e que elas estão em constante tensão, sendo representativas de vários grupos sociais,
a pós-graduação tem importante papel ao retornar ao debate sobre a consolidação de
epistemologias, que ancoram concepções de educação contra-hegemônica. Essa é a próxima
discussão.
A produção acadêmica e a ancoragem de bases epistemológicas contra-hegemônicas à
Educação do Campo
O domínio da epistemologia é a ferramenta de que o homem dispõe para cuidar da
orientação da produção do conhecimento. Ajuda os sujeitos no entendimento e intervenção no
mundo natural e no mundo social (MAGALHÃES, 2018a; MAGALHÃES; SOUZA, 2018). A
produção do conhecimento ancora epistemologias, o que será aqui pensado a partir da
epistemologia da prática e epistemologia da práxis. A epistemologia da prática liga-se à vertente
mercadológica, valida práticas hegemônicas e subordina a educação aos princípios liberais que
legitimaram valores de competitividade. Já a epistemologia da práxis associa-se à vertente
emancipadora, que está relacionada a uma posição crítica contra-hegemônica, sobretudo na
promoção da educação como práxis.
Essas duas vertentes estão postas na produção acadêmica, instituindo discursos que são
utilizados como material formativo, por isso acabam por influenciar nas formas como se pensa
a concepção de educação posta aos povos campesinos. Além disso, essas duas vertentes também
implicam explicitar um posicionamento político e ético, não só dos pesquisadores, mas entre
aqueles que utilizam esse material como base formativa. Portanto, as vertentes mercadológicas
e emancipadoras sustentam suas próprias bases epistemológicas, e essas sustentam a
explicitação de conceitos, concepções, ideias, valores e princípios que circulam no campo da
Educação do Campo, e não só no campo acadêmico, mas no exercício da prática social.
Como explicado por Frigotto (2006), se o direcionamento assumido se pautar no método
materialista histórico e dialético, portanto, na epistemologia da práxis, o conhecimento é
ajustado à problematização da realidade e da cultura vivida; mas se for pautado em perspectivas
pragmáticas, ou seja, em favor da ideologia que obscurece o real, mantém-se a alienação dos
homens e sua incapacidade de reconhecer com clareza a sua própria história, será mantenedor
da estrutura social.
Saviani (2011; 2013; 2016) compleme
nta ao afirmar que a epistemologia trata do estudo
das possibilidades, legitimidade, valor e limites do conhecimento científico. A perspectiva
image/svg+xml
A produção do conhecimento sobre a Educação do Campo: Opção epistemológica e aporte político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1221
epistemológica define uma racionalidade ou estruturas conceituais prévias, cujos princípios
dizem como são sustentadas as ideias ou paradigmas orientadores da produção do
conhecimento.
A partir das bases epistemológicas torna-se possível desenhar, em sentido amplo, as
características dos que optam pela epistemologia da prática e dos que escolhem a epistemologia
da práxis. Essas escolhas refletem teoricamente, do ponto de vista da epistemologia da práxis,
como definiu Magalhães (2018b), a produção do conhecimento que é sustentada pelo
materialismo histórico-dialético (MHD), e em termos contra-hegemônicos, sustenta atividades
pedagógicas que oportunizam construções diversas, de maneira crítica, aberta e autônoma, o
que demanda a elaboração reflexiva e saberes emancipatórios, portanto
bildung.
Por outro lado, a epistemologia da prática liga-se à perspectiva positivista do
pensamento convergente, que sustenta e reforça o atual sentido ideológico. Anuncia e sustenta
visões de mundo e de sociedade que encobrem as diferenças entre os homens, em especial as
diferenças das classes sociais, numa imbricação que interfere no desenvolvimento do
pensamento e da própria consciência dos sujeitos. Por isso, sustenta um intento que sugere
constante controle e avaliação da produção do conhecimento, que deve ser voltado às
competências e à eficácia, conforme conceitos originários da indústria e da iniciativa privada,
sujeito à mercantilização, o que também se estende à educação.
Ambas as epistemologias – práxis e da prática, estão relacionadas à consistência
epistemológica da produção do conhecimento, explicita o posicionamento político e ideológico
postos na produção que assume como tema a Educação do Campo. Nesse sentido, questiona-se
se essa descrição teórica pode ser identificada na produção da pós-graduação em educação e se
a opção epistemológica assumida nas pesquisas propaga e contribui para a consolidação de uma
concepção de educação do campo que represente as lutas dos movimentos sociais.
A produção do conhecimento sobre a Educação do Campo: opção epistemológica x aporte
político ideológico
É inconteste que nos últimos anos a universidade pública e a sociedade brasileira se
d
eparam com as pressões neoliberais que, ostensivamente, dirige ameaças, fundadas numa
racionalidade obscurantista, negadora da ciência, da crítica, da verdade e do pensamento livre.
Os ataques também são direcionados a seus cursos de pós-graduação, impondo-lhes forças
antiemancipatórias, antidemocráticas, pró-capitalistas, como pilares da visão do atual governo,
reformista e fundamentalista. Pode-se afirmar que a educação se encontra sob a tutela de uma
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES e Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1222
regulamentação que se sustenta em costumes e em uma moral conservadora, voltados à
formalização imposta por parte do atual governo federal.
Conforme já explicado, a imposição da lógica utilitarista sustenta transformações de
ordem epistêmicas e sociais, que no caso da educação sustenta a passagem do caráter formativo
ao informativo, movimento que exige várias formas de resistência (MAGALHÃES; MOURA,
2020b). No campo da pós-graduação evidencia-se a mesma correlação de forças, as quais
tencionam o que se pretende com a Educação do Campo e referenda os movimentos sociais ou
o imposto pelas políticas educativas. É preocupante a forma como se embasa a produção
acadêmica, entendendo, como já dito, que ela sustenta valores e princípios.
A produção do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação/Universidade Federal de Goiás, período 2018-19, filiada à linha “Trabalho, Educação
e Movimentos Sociais”, é representativa da temática, ajudando na identificação do que se
propõe a Educação do Campo. Na sistematização dos trabalhos optamos pela construção de
categorias de análise que ajudaram a responder se era possível identificar a base epistemológica
assumida; se havia posicionamento político ideológico entre os pesquisadores; e, ainda, se ele
coincidiria com o dos movimentos sociais.
No quadro 1 descreve-se o que se busca com cada categoria de análise:
Quadro 1 –
Descrição das categorias de análise que sustentam a interpretação da concepção
de educação do campo
CATEGORIAS DE ANÁLISE: DESCRIÇÃO DE SEUS SIGNIFICADOS
Categorias
Descrição de ementas
Base
epistemológica
Expressa a lógica de toda
investigação científica; revela a escolha epistemológica, o
como o pesquisador interpreta a realidade, o como imprime um posicionamento
gnosiológico, político e uma ética na pesquisa. O nível de análise epistemológico
relaciona
-se à construção do conhecimento, ao como se sabe ou que se crê saber.
Envolve concepções do real ou visões de mundo, que de forma implícita sustentam
toda relação cognitiva.
Tema
A categoria tema relaciona
-
se ao objeto de estudo, sua clareza sustenta a revisão da
literatura,
os cond
icionamentos
que o envolve e delimita o
objeto de
pesquisa.
Concepção de
educação
Relaciona
-
se a concepções articuladas ao ideário pedagógico, elas expressam: visões
de mundo, homem, sociedade, educação, escola, professor, aluno, processo ensino
-
aprendizagem, construídas conforme pressupostos coerentes com uma abordagem
crítica.
Base teórica
Implica no referencial teórico assumido, no diálogo com os pensadores, ao mesmo
tempo, sustenta a reflexão crítica, a coerência na variedade de conceitos utilizados.
Também se refere à lente que baliza teoricamente o olhar do pesquisador sobre
o
objeto de estudo, de forma implícita sustenta a relação cognitiva construída. Essa
categoria implica um diálogo com pensadores, mas, ao mesmo tempo, reflexão e
crítica constante às questões e às respostas deles. A opção teórica demonstra
coerência na va
riedade de conceitos que o pesquisador constrói a partir da escolha
dos autores.
image/svg+xml
A produção do conhecimento sobre a Educação do Campo: Opção epistemológica e aporte político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1223
Posicionamento
político
Está relacionada à orientação político
-
ideológica do pesquisador; é o responsável pela
manutenção ou posição contrária à hegemonia. O
posicionamento político revela a
ética e o ideológico do pesquisador, quais são seus objetivos perante a realidade social.
Fonte: Magalhães (2018a, p. 11)
A pesquisa inicia-se pela identificação dos trabalhos do período, como mostra o quadro
2. Em seguida, apresenta-se recortes das dissertações e teses. Na linha “Trabalho, Educação e
Movimentos Sociais” localizou-se 12 teses e 10 dissertações defendidas no período proposto
por essa pesquisa. Seus temas eram variados, sobretudo no campo da luta sindical, educação
popular, educação de jovens e adultos, trabalho docente, formação política, dentre outros.
Para analisar a Educação do Campo, desenvolveu-se a abordagem qualitativa, na
composição do Estudo de Caso. A seleção das dissertações e teses seguiu os seguintes
descritores: movimentos sociais, educação do campo, formação de educadores. Ao localizá-las,
nos ocupamos da leitura integral, o que revelou que o objeto de estudo estava centrado nos
seguintes trabalhos:
Quadro 2 –
Teses e dissertações defendidas no PPGE 2018-2019: Temas
TIPO
TÍTULOS
TEMA
AUTORES
ANO DE
DEFESA
1
D
Modo de vida e reprodução camponesa no
Assentamento Vila Boa em Goiás
Cultura;
saberes;
posicionamento
político;
Rodrigo Bastos
Daude
2018
2
D
Ser Kalunga: Entre a modernidade e a
tradição
Identidade; Tradição;
Rosolindo Neto
de Souza Vila
Real
2018
3
D
Aprender a jogar o jogo: práticas
educativas e reprodução camponesa
Educação do campo;
Posicionamento
político;
Juliana Carneiro
Guimarães
2018
4
D
Saberes sociais e memórias de territórios
camponeses em Goiás
Lideranças políticas;
Memória; Saberes;
Joyce de
Almeida Borges
2019
M
Escola Família Agrícola e
reprodução
social camponesa: Construindo caminhos
de resistência
Educação do campo;
Posicionamento
político;
Érika Fernanda
Pereira de Souza
2019
6
M
Memória camponesa: Os conflitos pela
terra e a educação do campo no município
de Barreiras
Educação do campo;
Posicionamento
político;
Cleonice Ferreira
dos Santos
2018
Fonte: Elaborado pelas autoras
No que se refere à categoria tema, o trabalho 1, tese intitulada “Modo de vida e
r
eprodução camponesa no Assentamento Vila Boa em Goiás”, por meio de um estudo
bibliográfico buscou compreender a cultura no assentamento rural de Vila Boa no município
de Goiás-GO. Identificou-se os impasses e avanços na cultura, a partir dos elementos
característicos do modo de vida dos assentados no sentido da reprodução social. Trata da
questão agrária, campesinato e da política agrária no Brasil, bem como das primeiras ocupações
e assentamentos rurais em Goiás. O trabalho contribui com esse estudo no sentido de que
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES e Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1224
identificou a Educação do Campo como reflexo da cultura, criação e um conjunto de práticas,
técnicas, símbolos e valores para convivência social. Indicou-se que a cultura campesina é
mantenedora de um conjunto de práticas representativas de seu modo de vida, sua preservação
significa a manutenção da vida social do camponês. O trabalho 1 reforça a necessidade de uma
Educação do Campo nos termos da bildung, pois ela pode favorecer a compreensão de aspectos
relacionados à reprodução social do camponês.
No trabalho 2,
“Ser Kalunga: Entre a modernidade e a tradição”, foi desenvolvido um
estudo etnográfico que teve como objetivo geral investigar a condição da identidade de atores
que vivem na comunidade Kalunga. Embora o trabalho não trate da especificidade da Educação
do Campo, contribui ao destacar que aquela comunidade campesina possui elementos da
tradição que precisam ser preservados e que eles participam da construção da própria identidade
dos kalungas. O trabalho 2 também reforça a necessidade de uma concepção de educação nos
termos da bildung, destacando como ela implica na formação da identidade dos sujeitos
campesinos.
O trabalho 3, “Aprender a jogar o jogo: práticas educativas e reprodução camponesa”,
pesquisou sobre o papel da educação na reprodução camponesa, por meio da análise das práticas
educativas ofertadas pelos diferentes agentes e instituições que lidam com o campesinato no
campo agrário jataiense. Identificou-se que a educação tem um papel central no processo de
reprodução social do campesinato e interfere diretamente na (re)capitalização ou
descapitalização desse segmento social no interior do campo agrário, pois influencia,
principalmente, na produção, distribuição e comercialização de seus produtos e na renda
familiar, responsável, em boa medida, pela manutenção do campesinato no campo e na terra. O
estudo 3 destacou a importância da função social da educação, enquanto mediadora de
consciência política frente à manutenção do campesinato na terra, o que reforça a necessidade
de uma Educação do Campo, nos termos da bildung, na especificidade de sua função social
emancipadora.
O trabalho 4, “Saberes sociais e memórias de territórios camponeses em Goiás”,
an
alisou as lideranças presentes em movimentos sociais camponeses, em Comunidades
Eclesiais de Base, e nos sindicatos dos trabalhadores rurais. Indicou que essas desempenharam
papéis determinantes no enfrentamento das tensões entre o capital agrário e o campesinato. Fez
parte do corpo da análise as ações desenvolvidas e as intermediações nos conflitos no campo,
as memórias de lutas e as resistências de atores ligados ao Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST) e ao Movimento Terra Livre (MTL). Ao compor a história da comunidade
campesina analisada, denotou-se que os assentados possuem conhecimentos e saberes ligados
image/svg+xml
A produção do conhecimento sobre a Educação do Campo: Opção epistemológica e aporte político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1225
aos aspectos formais e informais, transitam ainda entre as práticas religiosas, com menor
participação hoje em movimentos sociais. Embora a especificidade do trabalho 4 não esteja
relacionada à discussão de uma educação do campo, enfatizou a existência de um saber social
construído a partir de confrontos sociais, por meio do diálogo, das ações coletivas e individuais,
e de construções pedagógicas do cotidiano, através de formação, como a participação em
reuniões, em místicas, em círculos de debates, em cursos, em equipes de trabalho, em ocupações
e palestras, aspectos que estão diretamente relacionados a uma educação que seja mantenedora
de saberes próprios do grupo, no sentido defendido por Brandão – educação como cultura, a
qual possibilitará, por meio de sua abordagem política, novas práticas de enfrentamento coletivo
e popular na formação das pessoas do campo, como novos sujeitos históricos, capazes de
realizar uma leitura mais crítica e política do mundo.
O trabalho 5, desenvolvido na dissertação intitulada “Escola Família Agrícola e
reprodução social camponesa: Construindo caminhos de resistência”, realizou uma revisão
bibliográfica que sustentou a reflexão sobre o movimento por uma Educação do Campo e as
condições de reprodução social camponesa. Destacou os caminhos para consolidação dos
Centros de Formação por Alternância e o histórico de conquistas e desafios da Educação do
Campo em Minas Gerais. Foi dada centralidade à prática político-pedagógica da escola, o que
influenciou os índices de atuação profissional e produtiva dos jovens egressos. Os aspectos
destacados no trabalho 5 consolidam a concepção de Educação do Campo crítica contra-
hegemônica como meio de enfrentamento e resistência dos desafios estruturais para a
reprodução social no território e a necessidade de fortalecimento e articulação entre os
movimentos sociais na busca por melhores condições de vida para as pessoas do campo, ideia
que a reforça como bildung.
O trabalho 6, dissertação intitulada “Memória camponesa: Os conflitos pela terra e a
educação do campo no município de Barreiras”,
apresentou um estudo bibliográfico, de
abordagem qualitativa, que analisou os conflitos no campo e como contribuíram para a
democratização ou a conquista da terra e educação para os diversos povos do campo no
município de Barreiras. O estudo expressa a proposta de uma educação do campo crítica e
contra-hegemônica, portanto, bildung, uma vez que indicou que ela deveria resgatar a memória
coletiva dos camponeses e camponesas, mesmo diante de condições adversas, e deveria ajudar
os camponeses a resistirem ao modelo fundiário perverso.
A partir da leitura e entendimento dos temas desenvolvidos, três t
rabalhos, apesar de
foco em outros objetivos, apresentaram características que ajudam a compor a concepção de
educação que é sustentada nos estudos. Os outros três trabalhos dialogaram diretamente com a
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES e Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1226
especificidade da Educação do Campo, de forma que os recortes apresentados expressavam o
ideário pedagógico, podendo ser articulados à concepção de educação como
bildung
. Isso
implica assumir que as bases teóricas de todos os trabalhos estão filiadas à perspectiva da
epistemologia da práxis.
Ao se analisar os temas e os referenciais teóricos, pode-se inferir que tanto a base
epistemológica quanto o posicionamento político e ideológico dos autores, duas outras
categorias de análise, podem ser associadas à epistemologia da práxis.
No que se refere à categoria referencial teórico, categoria articulada na análise, emergiu
do estudo da revisão da literatura presente nos trabalhos aportes teóricos que se situam numa
postura política a partir do pensamento libertário de Karl Marx, como: Antônio Gramsci, Paulo
Freire, Demerval Saviani, Milton Santos, Moacir Gadotti, Mariano Fernández Enguita,
Gaudêncio Frigotto, Antônio Joaquim Severino, Moacir Gadotti, Germano, Boaventura de
Sousa Santos, Francisco Gutiérrez, Octavio Ianni, Michel Löwy, István Mészáros, David
Harvey, Ricardo Antunes, Miguel Gonzales Arroyo, Frei Betto; Leonardo Boff, Carlos
Rodrigues Brandão, Roseli Salete Caldart, Marilena Chauí, Enrique Dussel, R. B Laraia, Sérgio
Lessa, José Paulo Netto, Milton Santos, Karl Korsch. Ainda compondo o referencial teórico
tem-se: Pierre Bourdieu, Le Goff, Jacques Lefebvre; Maurice Halbwachs, Jean Jacques
Rousseau, Fredric Jameson, Theodor W. Adorno, Michel Foucault, Max Horkheimer, Paul
Singer, Marx Weber, Ecléa Bosi. No conjunto, os teóricos são representativos de uma base
crítica, filiados a uma epistemologia da práxis.
Considerações finais
Ao iniciarmos essa discussão, partimos do seguinte questionamento: Quais temas de
pesquisas foram desenvolvidos? Qual a base epistemológica assumida? As produções
acadêmicas carregam aspectos que podem ser relacionados a uma concepção de educação a
partir da bildung? E, ainda, na especificidade da produção do PPGE, é possível identificar um
posicionamento político ideológico entre os pesquisadores? Ele coincide com a opção dos
movimentos sociais?
A análise da produção identificou que na articulação das categorias: temas, concepção
d
e educação, bases teóricas e posicionamento epistemológico, presentes nas pesquisas, é
possível afirmar que elas expressam as contradições, conflitos e resistências presentes no campo
da pesquisa educacional que se relaciona com a Educação do Campo, mas da análise das
discussões empreendidas pode-se afirmar que se relacionam ao estatuto epistemológico da
image/svg+xml
A produção do conhecimento sobre a Educação do Campo: Opção epistemológica e aporte político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1227
práxis. Portanto, foi possível identificar o posicionamento político dos pesquisadores: contra-
hegemônico.
No que se refere aos aspectos relacionados à concepção de Educação do Campo, vimos
que é voltada à
bildung,
o que reforça a militância dos movimentos sociais e, conforme afirmou
Freire (1996; 1998), ao estar condizente com o entendimento de emancipação, humanização,
conscientização em processo, sustenta-se a militância dos movimentos sociais que se ocupam
de uma nova sociabilidade para os povos do campo.
Afirma-se que a discussão aqui apresentada se distancia de um trabalho avaliativo das
dissertações e teses, ao contrário, invita esforços para entender se o estatuto epistemológico se
relaciona não só à superação de perspectivas mantenedoras das condições atuais dos
campesinos, mas se havia a assunção de um posicionamento político, sustentado pelos
movimentos sociais. Esse movimento é sustentado pela diretiva de Severino (2019), que afirma
que o conhecimento expressa as condições históricas, opera no pensamento e ação, tornando os
sujeitos capaz de intervir na realidade, o que favorece a identificação do posicionamento
político e ideológico nos estudos – crítico e contra-hegemônico –, o qual sustenta a função de
viabilizar a “disponibilidade e acessibilidade aos recursos materiais e simbólicos necessários
ao aprimoramento das condições de vida” do campesinato (SEVERINO, 2019, p. 902).
Portanto, o posicionamento político dos autores é pertinente em responder às demandas
políticas dos movimentos sociais, atrelando-se à preservação dos saberes e da cultura campesina
como componentes de suas identidades.
Além disso, no que se refere à concepção de Educação
do Campo, as discussões tecem um caminho para sua construção nos moldes da bildung, que
revela uma educação como ação política, que referenda a luta dos movimentos sociais, capaz
de ajudar a manter, por meio de uma ação consciente dos sujeitos, os direitos dos povos do
campo.
REFERÊNCIAS
ARROYO, M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C.
Por uma educação do campo
. 4. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
CALDART, R. S.
Pedagogia do Movimento sem Terra
:
escola é mais do que Escola.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
CALDART, R. S.
Educação do Campo
:
traços de uma identidade em construção. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2004.
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES e Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1228
CALDART, R. S. Educação do Campo: notas para uma análise de percurso.
Trabalho,
Educação e Saúde
, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 35-64, mar./jun. 2009. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/tes/a/z6LjzpG6H8ghXxbGtMsYG3f/abstract/?lang=pt. Acesso em: 10
jan. 2021.
FREIRE, P.
Pedagogia do oprimido
.
São Paulo: Editora Cortez, 1996.
FREIRE, P.
A importância do Ato de Ler
. São Paulo: Editora Cortez, 1998.
FRIGOTTO, G. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional.
In:
FAZENDA, I. (org.).
Metodologia da pesquisa educacional
. 10. ed. São Paulo: Cortez,
2006, p. 69-90.
GRAMSCI, A.
Cadernos do cárcere
.
v. 1. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
1999.
GOHN, M. G. A produção sobre os movimentos sociais na América Latina.
Política &
Sociedade
, Florianópolis, v. 13, n. 28, p. 79-103, set./dez. 2014. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2014v13n28p79. Acesso
em: 09 dez. 2020.
HEGEL, G. W. F.
E
nciclopédia das Ciências Filosóficas em Epítome
. Tradução: Artur
Morão. Lisboa: Ed. 70, 1988.
IANNI, O.
Teorias da globalização
. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
KUENZER, A. Z.; GRABOWSKI, G. Educação Profissional: desafios para a construção de
um projeto para os que vivem do trabalho.
Perspectiva
, v. 24, n. 1, p. 297-318, 2006.
Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/10762. Acesso
em: 21 ago. 2021.
MAGALHÃES, S. M. O.; SOUZA, R. C. C. R. Epistemologia da práxis e a produção do
conhecimento.
R. Educ. Públ
., Cuiabá, v. 27, n. 64, p. 17-40, jan./abr. 2018a. Disponível em:
https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/1702. Acesso
em: 19 dez. 2021.
MAGALHÃES, S. M. O. Análise epistemológica da produção acadêmica sobre educação
ambiental: a perspectiva crítica.
Revista Educere Et Educare
, v. 13, n. 30, jan./abr. 2018a.
Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/educereeteducare/article/view/18125.
Acesso em: 10 out. 2021.
MAGALHÃES, S. M. O. Epistemologia da práxis: enfoque emancipatório e contra
hegemônico na produção acadêmica.
Revista Intersaberes,
v. 13, n. 30, 2018b.
MAGALHÃES, S. M. O.; SOUZA, R. C. C. R. de. (org.).
Epistemologia da práxis e
epistemologia da prática
: Repercussões na produção de conhecimentos sobre professores.
Série as dimensões da formação humana. Campinas: Mercado de Letras, 2019.
MAGALHÃES, S. M. O.; MOURA, M. V. Docência universitária na universidade pública
b
rasileira: resistência em tempos de pandemia da COVID-19.
Revista Trabalho, Política e
image/svg+xml
A produção do conhecimento sobre a Educação do Campo: Opção epistemológica e aporte político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1229
Sociedade
, v. 5, n. 09, p. 637-656, jul./dez. 2020a. Disponível em:
http://costalima.ufrrj.br/index.php/RTPS/article/view/700. Acesso em: 12 jun. 2021.
MAGALHÃES, S. M. O.; MOURA, S. A. T. de. Educação do Campo e Formação de
Educadores na Perspectiva do Ensino Desenvolvimental: Por uma Educação Crítica e
Emancipatória aos Povos do Campo.
Obutchénie Revista de Didática e Psicologia
Pedagógica
. Uberlândia, v. 4, n. 3, p. 643-666. set./dez. 2020b. Disponível em:
https://seer.ufu.br/index.php/Obutchenie/article/view/58431. Acesso em: 19 jul. 2021.
MAGALHÃES, S. M. O.; MOURA, S. A. T. Aspectos epistemológicos da educação do
campo como resultado da militância dos movimentos sociais.
Brazilian Journal of
Development
., Curitiba, v. 6, n. 9, p. 70396-70410, set. 2020c. Disponible en:
https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/17015. Acceso: 12 maio
2020.
RAMOS, J. R. S.; CUNHA, K. A educação do campo como política curricular nas
“Amazônias”: territórios, insurgências e re(existências).
Revista Teias
, v. 21, n. 61, abr./jun.
2020. Disponível em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/49776. Acesso em: 30 ago. 2021.
SAVIANI, D.
Pedagogia histórico-crítica
: primeiras aproximações. 11. ed. Campinas:
Autores Associados; 2013.
SAVIANI, D. A Pedagogia Histórico-Crítica na Educação do Campo.
In:
BASSO, J. D.;
NETO, J. L. S.; BEZERRA, M. C. S.
Pedagogia histórico-crítica e educação no campo
:
história, desafios e perspectivas atuais. São Carlos: Pedro & João Editores, 2016.
SEVERINO, A. J. Epistemologias da política educacional: algumas precisões conceituais.
Revista de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa
,
v. 2, n. 1, p. 1-5,
2013. Disponível em: https://revistas2.uepg.br/index.php/retepe/article/view/10477. Acesso
em: 15 abr. 2021.
SEVERINO, A. J. Pesquisa educacional: da consistência epistemológica ao compromisso
ético.
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação
,
Araraquara, v. 14, n. 3, p. 900-
916, jul./set. 2019. DOI: 10.21723/riaee.v14i3.12445. Disponível em:
https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/12445. Acesso em: 18 maio
2021.
S
OUZA, R. C. C. R. de. Qualidades epistemológicas e sociais na formação,
profissionalização e prática dos professores.
In:
SOUZA, R. C. C. R.; MAGALHÃES, S. M.
O. (org.).
Poiésis e Práxis II
:
formação, profissionalização, práticas pedagógicas. Goiânia:
América, 2014.
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES e Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1230
Como referenciar este artigo
MAGALHÃES, S. M. O.; ALVES A. I. A produção do conhecimento sobre a Educação do
Campo: Opção epistemológica e aporte político ideológico.
Revista Ibero-Americana de
Estudos em Educação
, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1215-1230, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-
5587. DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
Submetido em
:
01/02/2021
Revisões requeridas em
: 15/05/2021
Aprovado em
: 27/02/2022
Publicado em
:
01/04/2022
image/svg+xml
La producción de conocimiento sobre la Educación de Campo: Opción epistemológica y apoyo político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1221-1236, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1221
LA PRODUCCIÓN DE CONOCIMIENTO SOBRE LA EDUCACIÓN DE CAMPO:
OPCIÓN EPISTEMOLÓGICA Y APOYO POLÍTICO IDEOLÓGICO
A
PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE A EDUCAÇÃO DO CAMPO:
OPÇÃO
EPISTEMOLÓGICA E APORTE POLÍTICO IDEOLÓGICO
THE PRODUCTION OF KNOWLEDGE ABOUT RURAL EDUCATION:
EPISTEMOLOGICAL OPTION AND IDEOLOGICAL POLITICAL SUPPORT
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES
1
Amone Inácia ALVES
2
RESUMEN
: El propósito de este texto es identificar y analizar disertaciones y tesis
desarrolladas sobre el tema Educación Rural, realizadas en el PPGE/Facultad de
Educación/Universidad Federal de Goiás, período 2018-2019. A partir del tema, se construyó
el Estado del Arte sobre el tema, además del análisis de las perspectivas teóricas y
epistemológicas desarrolladas. El corte se hizo a partir de dos descriptores: movimientos
sociales, trabajo y educación en/desde el campo. El método dialéctico ayudó a responder las
siguientes preguntas: ¿qué perspectivas teóricas eligieron los autores? ¿Cuál es el concepto de
educación de campo que se defiende? El análisis identificó que las bases epistemológicas avalan
una propuesta de educación crítica y contrahegemónica, por tanto, asumida teóricamente desde
la perspectiva de la bildung, es decir, como representante del sesgo contrahegemónico.
PALABRAS CLAVE
: Bildung. Educación rural. Movimientos sociales. Trabajo.
RESUMO
: O objetivo deste texto é identificar e analisar dissertações e teses desenvolvidas
sobre a temática Educação do Campo, no PPGE/Faculdade de Educação/Universidade
Federal de Goiás, período 2018-2019. Construiu-se o Estado da Arte sobre o tema a partir da
análise das perspectivas teóricas e epistemológicas desenvolvidas. O recorte foi feito a partir
de dois descritores: movimentos sociais, trabalho e educação no/do campo. Nossas questões:
que perspectivas teóricas foram escolhidas pelos autores? Qual é o conceito de educação do
campo defendido? A análise identificou que as bases epistemológicas endossam uma proposta
de Educação do Campo crítica e emancipadora, portanto, teoricamente associada à
perspectiva da bildung, ou seja, representante do viés contra-hegemônico.
PALAVRAS-CHAVE
: Bildung. Educação do campo. Movimentos sociais. Trabalho.
1
Universidad Federal de Goiás (UFG), Goiânia – GO – Brasil. Profesora del curso de Pedagogía y del Programa
de Posgrado en Educación. Doctor en Educación. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1187-112X. E-mail:
solufg@hotmail.com
2
Universidad Federal de Goiás (UFG), Goiânia – GO – Brasil. Profesora del Programa de Posgrado en Educación.
Doctor en Educación. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3131-6230. E-mail: amoneinacia@gmail.com
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES y Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1221-1236, Abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1222
ABSTRACT
: The purpose of this text is to identify and analyze dissertations and theses
developed on the theme Rural Education, carried out at PPGE/Faculty of Education/Federal
University of Goiás, period 2018-2019. From the theme, the State of the Art was built on the
theme, in addition to the analysis of the theoretical and epistemological perspectives developed.
The cut was made from two descriptors: social movements, work and education in/from the
countryside. The dialectical method helped to answer the following questions: what theoretical
perspectives were chosen by the authors? What is the concept of field education advocated?
The analysis identified that the epistemological bases endorse a proposal of critical and
counter-hegemonic education, therefore, assumed theoretically from the perspective of bildung,
that is, as a representative of the anti-hegemonic bias.
KEYWORDS
: Bildung. Rural education. Social movements. Work.
Introducción
La propuesta de una Educación de Campo en el contexto de las actuales reformas
educativas neoliberales, es decir, diseñada para liberar a los pueblos del campo o como
expresión de las luchas de los movimientos sociales, ha encontrado una gran resistencia en los
últimos años (RAMOS; CUNHA, 2020). Y cuanto más pueda dar visibilidad a los sujetos del
campo, actuar como generador de conciencia del hombre del campo, para que pueda asentarse
en el terreno, ser representativo de los movimientos sociales (GOHN, 2020) y asentamientos,
además de todo lo que representan para las comunidades agrarias, mayor será la resistencia a
su consolidación. El caso es que cuanto más consolida la propuesta de una Educación de Campo
un sentido político e ideológico centrado en los intereses de los pueblos del campo, por lo tanto,
contrahegemónico, mayor es la fuerza impuesta en su resistencia y en la consolidación de un
modelo de educación que se ajusta al campesino brasileño (RAMOS; CUNHA, 2020).
Defender y militar por una Educación de Campo, según las luchas de los activistas que
representan la base de la sociedad campesina, como argumentan Magalhães y Moura (2020a,
p. 645), no prescinde del apoyo de las universidades públicas que, a través de diversas acciones,
sino sobre todo por el material formativo, proveniente de la producción académica, apoya la
consolidación de un "carácter epistemológico y ontológico de la educación de campo, basado
en la conciencia formativa centrada en la conciencia política crítica", influyendo en la
construcción de la identidad de los pueblos campesinos.
Esto significa que, desde el enfoque académico, de sólidos aportes teóricos, como de
una producción con centralidad en el método materialista histórico-dialéctico, ayuda a reforzar
"otra comprensión de la realidad", que implica una postura política esclarecedora
(MAGALHÃES; MOURA, 2020a, p. 645). En este sentido, el espacio privilegiado y
image/svg+xml
La producción de conocimiento sobre la Educación de Campo: Opción epistemológica y apoyo político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1221-1236, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1223
representativo de la producción académica se configura como un espacio de defensa de bases
teóricas que garanticen posiciones ético-políticas, mediadas por el surgimiento de conciencias
capaces de generar nuevas alternativas a la acción social. La misma producción tiende a ser
representativa de la militancia de los movimientos sociales en defensa del campesino
brasileño". En la particularidad de los estudios de posgrado en educación, como el Programa
de Posgrado en Educación (FE/UFG), la producción de tesis y disertaciones ha ayudado a
fortalecer una perspectiva política de la educación (FREIRE, 1996; 1998), que es muy
interesante y significativa para la militancia social, ya que ayuda a cuestionar y romper con los
instrumentos de control social (MAGALHÃES; SOUZA, 2019).
Como atacó Gramsci (1999), invertir en medios y formas de clarificación es importante
en el movimiento para superar las acciones del grupo dominante, su lógica, principios y valores.
Al sostener un marco teórico crítico, la producción académica se convierte en un importante
material formativo, capaz de ayudar a los sujetos a salir de la condición de dominación
(MAGALHÃES; MOURA, 2020a). Además, el sentido político e ideológico puede reforzar
una Educación de Campo que regule un principio educativo y pedagógico, dirigido a denunciar
y clarificar la ideología dominante.
De lo que se entiende que la amplia difusión de la producción académica sobre el tema
puede promover un pensamiento, estratégicamente, dirigido a mantener las luchas contra las
desigualdades sociales y la exclusión de las minorías. En el campo de la educación, como
afirmó Saviani (2013, p. 17), es necesario entender que existen dos grandes grupos de teorías
educativas: la primera se refiere a pedagogías hegemónicas, vinculadas a los intereses de la
burguesía (clase dominante), que tienen como objetivo mantener la lógica actual; el
segundo
grupo tiene como objetivo transformar la sociedad, correspondiente a los "intereses de los
dominados (clase trabajadora), en el movimiento contrahegemónico". Kuenzer y Grabowski,
(2006, p. 314) complementan argumentando que la contrahegemonía se refiere a otra
posibilidad de sostener nuevas bases para una educación para quienes viven del trabajo. La
educación contrahegemónica se centra en un "proyecto asociado a las demandas populares,
articulando afirmación y negación, conquista y mantenimiento de los procesos de hegemonía y
contrahegemonía".
Freire (1998) y Gramsci (1999) refuerzan que la aspiración de los movimientos sociales
es la conciencia, y para que esto suceda es necesario mantener una relación pedagógica que
asegure diferentes elementos al campo social. De lo que se entiende que, en términos de
hegemonía, todavía según Gramsci (1999), existe la necesidad de una educación de
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES y Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1221-1236, Abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1224
mantenimiento del orden social, que debe seguir educando sujetos adaptados, que se vuelven
cada vez más alienados (MAGALHÃES; MOURA, 2020a).
En este sentido, la educación siempre será asumida como la principal estrategia de
propagación y consolidación del consenso en líneas de hegemonía, pero, sobre todo, tendrá una
función alienante, que imposibilita entender la lucha de clases y la división social. Así, asociada
a razones políticas, sociales, históricas y culturales, que repercuten en la estructura de clases de
la sociedad, Campo Educación recibe un fuerte respaldo ideológico, ya que la propia historia
brasileña muestra el mantenimiento constante de la oligarquía agraria, de modo que se mantiene
el control de los pueblos del campo – a través de una educación conforme.
Afortunadamente, la contradicción existe, y la educación también muestra una forma de
resistencia y, en este sentido, en la misma diligencia, este trabajo se configura como un
instrumento de lucha y resistencia, con el fin de ayudar a fortalecer una concepción de la
Educación de Campo como
Bildung
(SOUZA, 2014). Se argumenta que los estudios de
posgrado en educación constituyen un espacio privilegiado para el debate y la sistematización
del conocimiento formativo, que puede apoyar las luchas por los derechos de los pueblos del
campo. Ampliando esta discusión, el curso de este artículo apoya: a) La educación de campo
como
bildung
; b) La producción académica y el anclaje de las bases epistemológicas a la
educación de campo; c) La producción de conocimiento sobre la educación de campo: opción
epistemológica x contribución política ideológica.
La educación de
campo como bildung
: supuesto teórico
El concepto de
bildung
es analizado por Souza (2014) quien, desde Hegel (1988), lo
asocia con la educación como proceso integral de formación histórica; como camino de
conciencia y espíritu hacia la libertad, idea que también se relaciona con el desarrollo interno
del sujeto, de su autonomía.
Bildung
, como base formativa, implica resistencia al proceso
deshumanizador, que esencialmente requiere una postura ética y política. Severino (2013), en
sus escritos, sostiene que
el
auténtico bildung
apoya la base epistemológica materialista
histórica y dialéctica, que presupone ir más allá de la adquisición de información, habilidades
técnicas o didácticas, cuidado de la personalidad, subjetividad, sensibilidad de los sujetos.
También requiere que la formación se involucre con la red de la vida sociocultural, su
comprensión histórica.
Como fundamento del proceso de humanización,
bildung apoya
la educación del país
en la necesidad de romper con la idea puramente conteudista, meritocrática e individual, tan
image/svg+xml
La producción de conocimiento sobre la Educación de Campo: Opción epistemológica y apoyo político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1221-1236, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1225
presente en una educación tradicional y sus discursos, en torno a la idea de habilidades y
destrezas, tal como lo respaldan documentos oficiales, como la actual Base Curricular Nacional
Común - BNCC.
Ciertamente, como lo describió Gramsci (1999) es una educación centrada en otra
hegemonía: la campesina; representativo de las luchas por la conquista de la tierra, y por la
construcción de un proyecto de cambio más incisivo y revolucionario. Caldart (2000; 2004;
2009), en la misma línea reflexiva, mostró que una
Educación de Campo Bildung presenta
bases y principios capaces de ayudar a develar los estereotipos y condicionamientos puestos a
los pueblos del campo. Puede dilucidar las contradicciones de las polaridades que se les
imponen: "negatividad-positividad; denuncia/resistencia, lucha entre hegemonía/contra
hegemonía" (MAGALHÃES; MOURA, 2020a, p. 650).
Caldart (2009, p. 67-86 apud MAGALHÃES; MOURA, 2020c, p. 70402) afirma que,
sin una acción reflexiva y propositiva, los pueblos del campo seguirán siendo:
[...] tratados como personas inferiores, atrasadas y de segunda clase; que la
situación de miseria es su destino; que en el campo no hay escuela, que es
necesario salir del campo para asistir a una escuela; que el acceso a la
educación está restringido a la escuela, que el conocimiento producido por los
campesinos es despreciado como ignorancia [...].
Ianni (1997), al discutir aspectos de los movimientos sociales y urbanos, es también un
referente en la defensa de una hegemonía campesina. Sostiene que los trabajadores rurales
necesitan estar comprometidos con las luchas por sus derechos, necesitan dominar el
conocimiento histórico y socialmente producido desde la perspectiva de la economía
campesina. Así, su preocupación rescata los términos del
bildung
que se ocupan de la
organización del conocimiento, la capacidad crítica y de juzgar la situación política, la
capacidad de "[...] distinguir los movimientos políticos más amplios que pueden determinarlo":
ciertamente estos temas sólo podrían estar relacionados con la educación como
bildung
(p. 83).
Finalizar la descripción de la concepción de la educación del campo
3
sostenido en este
trabajo, es decir, como
bildung
, se asume con Caldart (2009, p. 37) que es necesario "un
movimiento real para combatir el "estado actual de las cosas": guiar acciones/luchas concretas.
Arroyo y Caldart (2009) también refuerzan que la base de la lucha debe ser de denuncia, que se
combinará con los anhelos de los pueblos del campo, ayudándoles a resignificar sus prácticas,
3
Entre los logros, la Resolución CNE/CEB Nº 2, de 28 de abril de 2008, conceptualiza la "educación de campo"
como: la del área de ubicación de la población (poblaciones rurales) y la de grupos, pueblos o comunidades que
se reconocen como tales.
image/svg+xml
Solange Martins Oliveira MAGALHÃES y Amone Inácia ALVES
RIAEE –
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1221-1236, Abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1226
conocimientos, formas de producción, organización comunitaria rural y, tal vez, formularán
nuevas bases de un proyecto educativo alternativo, crítico y emancipador.
Como se discutió, considerando que no existe una concepción de la Educación de
Campo, sino varias, y que están en constante tensión, siendo representativas de diversos grupos
sociales, los estudios de posgrado juegan un papel importante en el retorno al debate sobre la
consolidación de las epistemologías, que anclan concepciones de la educación
contrahegemónica. Esta es la siguiente discusión.
La producción académica y el anclaje de bases epistemológicas contrahegemónicas a la
educación de campo
El dominio de la epistemología es la herramienta de que dispone el hombre para
ocuparse de la orientación de la producción de conocimiento. Ayuda a los sujetos en la
comprensión e intervención en el mundo natural y en el mundo social (MAGALHÃES, 2018a;
MAGALLANES; SOUZA, 2018). La producción de conocimiento ancla epistemologías, que
aquí se pensarán desde la epistemología de la práctica y la epistemología de la praxis. La
epistemología de la práctica está conectada con el aspecto de mercado, valida las prácticas
hegemónicas y subordina la educación a principios liberales que legitiman los valores de
competitividad. La epistemología de la praxis se asocia con el aspecto emancipatorio, que se
relaciona con una posición contrahegemónica crítica, especialmente en la promoción de la
educación como praxis.
Estos dos aspectos se colocan en la producción académica, instituyendo discursos que
se utilizan como material formativo, por lo que terminan influyendo en las formas en que se
piensa la concepción de la educación puesta a los pueblos campesinos. Además, estos dos
aspectos implican también explicar una posición política y ética, no solo de los investigadores,
sino entre quienes utilizan este material como base formativa. Por lo tanto, los aspectos de
mercado y emancipatorios sostienen sus propias bases epistemológicas, y estas apoyan la
explicitud de conceptos, concepciones, ideas, valores y principios que circulan en el campo de
la Educación de Campo, y no sólo en el campo académico, sino en el ejercicio de la práctica
social.
Como explica Frigotto (2006), si la dirección asumida se basa en el método materialista
histórico y dialéctico, por lo tanto, en la epistemología de la praxis, el conocimiento se ajusta a
la problematización de la realidad y la cultura vivida; pero si se basa en perspectivas
pragmáticas, es decir, a favor de la ideología que oscurece lo real, se mantiene la alienación de
image/svg+xml
La producción de conocimiento sobre la Educación de Campo: Opción epistemológica y apoyo político ideológico
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1221-1236, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.14721
1227
los hombres y su incapacidad para reconocer claramente su propia historia, mantendrá la
estructura social.
Saviani (2011; 2013; 2016) complementa afirmando que la epistemología se ocupa del
estudio de las posibilidades, legitimidad, valor y límites del conocimiento científico. La
perspectiva epistemológica define una racionalidad o estructuras conceptuales previas, cuyos
principios cuentan cómo se sostienen las ideas rectoras o paradigmas de la producción de
conocimiento.
De las bases epistemológicas es posible extraer, en un sentido amplio, las características
de quienes eligen la epistemología de la práctica y de quienes eligen la epistemología de la
praxis. Estas elecciones reflejan teóricamente, desde el punto de vista de la epistemología de la
praxis, tal como la define Magallanes (2018b), la producción de conocimiento que se apoya en
el materialismo histórico-dialéctico (MHD), y en términos contrahegemónicos, sustenta
actividades pedagógicas que brindan oportunidades para construcciones diversas, de manera
crítica, abierta y autónoma, lo que requiere una elaboración r