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Capital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021
RIAEE
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15633
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CAPITAL DA CIÊNCIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE PESQUISAS ENTRE
2015-2021
CAPITAL DE LA CIENCIA: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA INVESTIGACIÓN
ENTRE 2015-2021
SCIENCE CAPITAL: A SYSTEMATIC REVIEW OF RESEARCH BETWEEN 2015-2021
José Luís FERRARO
1
Gabriela Sehnem HECK
2
RESUMO
: Este artigo apresenta uma revisão qualitativa de pesquisas sobre o capital da ciência
considerando 51 estudos com temas relacionados a esse conceito, entre 2015 e 2021. Além do
aumento de pesquisas evidenciado pelo número de publicações sobre o tema nesse período, e o
domínio do Reino Unido nas pesquisas de ponta na área, observamos que os temas associados
ao capital da ciência variam desde a escolha de carreiras na ciência, passando pela identificação
com a ciência, pela promoção de uma cultura cientifica, até o papel da escola no
desenvolvimento do capital da ciência e as formas de avaliá-lo. É comum que o
engajamento
com a ciência
, associado ao capital da ciência, seja percebido por meio do alinhamento de três
importantes conceitos Bourdieusianos: capital,
habitus
e campo. Nesse sentido, devido à
relevância que o tema tem tido na pesquisa científica, afirmamos a importância de uma revisão
sistemática que possa fornecer um panorama das investigações atuais envolvendo o capital da
ciência.
PALAVRAS-CHAVE
:
Pierre Bourdieu. Engajamento da ciência. Letramento científico.
RESUMEN
: Este artículo presenta una revisión cualitativa de la investigación sobre el capital
de la ciencia considerando 51 estudios con temas relacionados con este concepto, entre 2015
y 2021. Además del aumento de la investigación evidenciado por el número de publicaciones
sobre el tema durante este período, y el predominio de Reino Unido en investigación líder en
el área, observamos que los temas asociados al capital de la ciencia varían desde la elección
de carreras científicas, la identificación con la ciencia y la promoción de una cultura científica,
hasta el papel de la escuela en el desarrollo del capital de la ciencia y las formas de evaluarlo.
Es común que el compromiso científico, asociado al capital de la ciencia, se vea a través de la
alineación de tres importantes conceptos bourdieusianos: capital, habitus y campo. En este
sentido, dada la relevancia que ha tenido el tema en la investigación científica, afirmamos la
importancia de una revisión sistemática que pueda brindar un panorama de las investigaciones
actuales que involucran el capital de la ciencia.
1
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre
–
RS
–
Brasil. Docente no
Programa de Pós-graduação em Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Matemática. Doutorado em Educação (PUCRS). Bolsista Produtividade PQ-2 do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4932-1051. E-mail:
jose.luis@pucrs.br
2
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre
–
RS
–
Brasil. Doutoranda em
Educação. Mestre em Educação em Ciências e Matemática (PUCRS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1175-
8963. E-mail: heck.gs@gmail.com
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José Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
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PALABRAS CLAVE
:
Pierre Bourdieu. Compromiso científico. Alfabetización científica.
ABSTRACT
: This paper presents a qualitative review of research on science capital
considering 51 studies with topics related to this concept, between 2015 and 2021. In addition
to the increase in research evidenced by the number of publications on the topic during this
period, and the dominance of the United Kingdom in leading research in the area, we observed
that topics associated to science capital vary from choosing careers in science, identifying with
science and promoting a science culture, to the role of school in developing science capital and
the ways to evaluate it. It is common for science engagement, associated to science capital, to
be seen through the alignment of three important Bourdieusian concepts: capital, habitus and
field. In this sense, due to the relevance that the topic has had in science research, we assert
the importance of a systematic review that can provide an overview of current investigations
involving science capital.
KEYWORDS
: Pierre Bourdieu. Science engagement. Scientific literacy.
Visão geral
Entre os anos de 2015 e 2016, principalmente após a publicação de Archer
et al
. (2015),
o conceito de capital da ciência começou a se espalhar na literatura científica. Inspirados no
conceito de capital simbólico do francês Pierre Bourdieu (1972, 1975, 1976, 2003), os
pesquisadores desenvolveram uma extensão dele, pensando nas maneiras pelas quais as pessoas
se relacionam com a ciência, produzindo diferentes graus de engajamento (ARCHER
et al.
,
2015). O capital da ciência determina graus de envolvimento e participação individual na
ciência a partir de uma análise de fatores históricos, sociais e culturais que definiram sua
trajetória.
No artigo intitulado “
Science capital”: a conceptual, methodological, and empirical
argument for extending Bourdieusian notions of capital beyond the arts
, Archer
et al.
(2015)
definem o capital da ciência de acordo com uma abordagem Bourdieusiana do conceito de
capital cultural. Os autores assumem o valor agregado ao conceito, relacionando-o às formas
de capital social e cultural em uma publicação do mesmo grupo (ARCHER; DEWITT; WILLIS,
2014), ao explicar e entender as motivações e as oportunidades que permitem que determinados
grupos tenham mais ou menos acesso à ciência do que outros.
Indo além do estudo de 2014, Archer
et al.
(2015) observou uma distribuição desigual
do capital da ciência em estudantes ingleses entre 11 e 15 anos de idade. A pesquisa demonstrou
que a distribuição desigual desse capital está intimamente relacionada a fatores como cultura,
gênero e etnia, por exemplo. Esse resultado também confirma a relação que os sujeitos
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estabelecem com a ciência após os 16 anos e suas escolhas para as carreiras científicas. A partir
da observação da diferença significativa de respostas entre os indivíduos, divididas em grupos
com capital da ciência elevado, médio ou baixo
,
os pesquisadores estabelecem questões
metodológica-conceituais importantes e atuais sobre o conceito.
Jensen e Wright (2015), por sua vez, fornecem uma crítica aos estudos de Archer
et al.
(2015), por considerarem desnecessário introduzir o conceito de capital da ciência associado ao
trabalho de Bourdieu. Embora os autores concordem que há um propósito para isso, eles
argumentam que, dado o conceito de
capital cultural
(que se desenvolveu dentro da sociologia
do autor francês), uma capital da ciência, que também é de natureza simbólica, poderia ser
entendida como um capital relacionado à cultura, sendo assim cultural.
Nas palavras de Jensen e Wright (2015), não é uma "disputa pedante", mas uma criação
desnecessária de um termo relacionado à ciência, dado que o conceito de capital cultural é
suficiente para abordar os padrões de distribuição socioeconômica e cultural desiguais. Como
tal, uma análise dos tipos de diferença social e da reprodução das desigualdades poderia ser
feita na perspectiva de um termo anteriormente existente e funcional. Os autores acrescentam
que a criação de capital da ciência poderia produzir uma espécie de sobreposição em análises
que têm sido feitas sobre o conceito de
capital cultural
.
No entanto, o capital da ciência progrediu, como será discutido a seguir. Neste estudo,
buscamos artigos que utilizaram o conceito de capital da ciência entre os anos de 2015 e 2021,
descrito abaixo.
Metodologia
Desde a publicação de Archer
et al.
(2015) até julho de 2021, foram selecionados 51
estudos sobre o tema para a escrita do presente artigo (Figura 1).
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José Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK
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Figura 1
–
Pesquisa sobre o capital da ciência entre 2015-2021
Fonte: Elaborado pelos autores (2021)
Para encontrar esses trabalhos, realizamos uma pesquisa na plataforma Google
Acadêmico, buscando o termo "Capital da Ciência", o que resultou em aproximadamente 4.
009 documentos (Figura 2). Após filtrarmos os anos de 2015 e 2021, o resultado foi de 2.130
documentos, mas a maioria não se referia ao capital da ciência de Archer
et al.
(2015). Para
encontrar apenas artigos que usam o conceito de capital da ciência de Archer, aplicamos a
pesquisa avançada para encontrar artigos
‘Com todas as palavras’
: Archer; e
‘Com a frase
exata’
: "Capital da Ciência"; que resultou em 787 documentos. Destes, selecionamos aqueles
cujo título demonstrava o uso da conceituação do capital da ciência na pesquisa, e excluímos
aqueles que apenas citaram a pesquisa por Archer
et al.
(2015), resultando em 84 documentos.
Além disso, nesta revisão qualitativa, consideramos apenas artigos publicados em revistas
científicas ou capítulos de livros, em inglês, e com acesso aberto, o que resultou em 51 artigos
(Apêndice 1).
8
9
4
10
7
9
4
0
2
4
6
8
10
12
2015201620172018201920202021
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Figura 2
–
Processo de Revisão
Fonte: Elaborado pelos autores (2021)
Vale ressaltar que dos 51 estudos encontrados na elaboração deste artigo de revisão,
uma análise da afiliação dos autores nos proporcionou uma visão geral dos países e das
instituições que estão fazendo pesquisas sobre capital da ciência (Figura 3).
Figura 3
–
Envolvimento relacionado a pesquisas sobre o capital da ciência por região entre
2015-2021
Fonte: Elaborado pelos autores (2021)
Google
Acadêmico
n = 4,009
Filtro de data
n = 2,130
Pesquisa
avançada:
n = 787
Potencialmente
relevante:
n = 84
Base de dados
final:
n = 51
Critério de
exclusão:
n = 33
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José Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK
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Entre as afiliações de pesquisadores no Reino Unido, o
King's College London
e a
University College London
se destacam nas pesquisas sobre o capital da ciência (Figura 4). Ao
analisar as publicações, observamos algumas publicações conjuntas, bem como a mobilidade
de pesquisadores de uma instituição para outra.
Figura 4
–
Instituições mais envolvidas com pesquisa sobre o capital da ciência entre 2015-
2021
Fonte: Elaborado pelos autores (2021)
Mesmo a partir da perspectiva crítica de Jensen e Wright (2015), a publicação de Archer
et al.
(2015) teve um impacto importante na definição de um campo de pesquisa relacionado ao
capital da ciência
,
pois estipulou algumas condições importantes associadas a esse conceito.
Perguntas como "o que você sabe?", "como você pensa?", "o que você faz?" e "quem você
conhece?" são importantes para entender e estabelecer diferentes níveis de capital da ciência
.
Com base nessas questões, os autores estabelecem oito aspectos importantes a serem
considerados. São eles:
(a) alfabetização científica, (b) atitudes e valores relacionados à
ciência, (c) conhecimento sobre a transferibilidade da ciência, (d) consumo de mídia
relacionadas à ciência, (e) participação em atividades dentro e fora da escola, (f) habilidades,
conhecimentos e qualificações científicas da família, (g) conhecer pessoas em um
trabalho/papel científico
e
(h) conversar com outras pessoas sobre ciência
(ARCHER
et al.
,
2015).
A maioria das publicações selecionadas discute o engajamento de grupos considerados
"minorias" na ciência. Temas como participar da ciência, escolher carreiras relacionadas à
ciência, identificar-se com a ciência, promover uma cultura científica, o papel da escola no
024681012
University College London
King’s College London
University of Roehampton
University of Glasgow
Brunel University London
Leeds Trinity University
Northumbria University
St Mary’s University College
University of East Anglia
University of Leeds
University of Manchester
University of Warwick
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Capital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021
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desenvolvimento do capital da ciência e o tema inclusão/exclusão na ciência, são recorrentes
nessas publicações, bem como formas de avaliar o capital da ciência. A seguir, vamos analisar
cada trabalho.
Resultados e discussão
A sub-representação de certos grupos e o padrão de distribuição da desigualdade podem
ser explicados por Bourdieu (1979) e seu conceito de capital cultural. No caso do capital da
ciência, podemos analisar a situação relativa ao acesso e participação na ciência. Archer e
DeWitt (2015) discutem a falta de disciplinas científicas obrigatórias na escola e discutem as
aspirações que crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos têm em relação às carreiras científicas.
Os pesquisadores observaram que as crianças que têm essa aspiração no ensino fundamental e
continuam a tê-la no ensino secundário, resultado de interações positivas com conteúdo
científico, são muito mais propensas a escolher uma carreira na ciência. No entanto, os autores
não confirmaram a relação entre atitudes positivas em relação à ciência na escola e na família
como definitiva e decisiva na escolha de uma carreira na ciência.
Archer, DeWitt e Osborne (2015) enfatizam as preocupações das políticas que visam
diminuir a estratificação de gênero, de raça e étnica observadas ao analisar a participação
individual na ciência, considerando matemática e engenharia. Os autores analisaram uma
amostra de estudantes negros da África e do Caribe e mostraram que, nesta população, escolher
a ciência é menos "concebível" para eles.
Considerando a importância da escola na promoção de ações relacionadas ao fomento
do capital da ciência
,
King
et al
. (2015) relatam os resultados de um programa piloto de um ano
voltado para o desenvolvimento profissional de professores do ensino secundário. Ao longo do
programa, os educadores discutiram formas de desenvolver capital da ciência e implementar
práticas relacionadas a ele em suas salas de aula. Segundo os pesquisadores, o conceito de
"capital da ciência" parecia "convincente" para eles e compatível com suas experiências
anteriores e compreensão intuitiva da ciência. Os autores ainda afirmam ter observado
diferenças na forma como os professores operacionalizam práticas relacionadas ao capital da
ciência.
Em um estudo com crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, Archer e DeWitt (2015)
associaram o gênero à escolha de carreiras na ciência. As pesquisadoras determinaram que o
tipo de feminilidade expressa pelas meninas é decisivo para identificar se elas escolhem uma
carreira na ciência ou não. Além disso, observaram que a associação entre inteligência e
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masculinidade é um dos fatores que dificulta a criação de feminilidades capazes de aceitar a
ciência para si mesmas.
Salehjee e Watts (2015) seguiram 12 cientistas em relação a suas carreiras
em direção
ou
longe da
ciência. Também observaram três tipos diferentes de transições por esses
profissionais. A primeira é uma transição suave, onde os entrevistados sempre souberam o que
estavam fazendo e estavam cientes de suas escolhas. Aqui, destacamos o papel da família e dos
pares desses profissionais e seus gostos e hobbies compartilhados, relacionados, ou não, à
ciência.
Além da transição suave, havia também uma transição oscilante. Isso se refere a haver
alguma ambivalência no momento da escolha, que pode ser o resultado de um evento de
moldagem, embora não necessariamente o único ou decisivo. Aqui, os sujeitos podem ter
escolhido qualquer área - dentro ou fora da ciência - mas devido à influência, indecisão ou falta
de compromisso, acabaram escolhendo uma delas. Ao contrário da transição oscilante, uma
transição transformadora é sobre eventos que determinaram a decisão ou a escolha dos
entrevistados, a favor ou contra a ciência, mostrando que, a partir de agora, tornaram-se
resolutos em relação às suas escolhas.
Henriksen, Dillon e Pellegrini (2016) escrevem sobre a escolha de uma profissão nas
áreas de STEM (
Science, Technology, Engineering and Mathematics
3
). Eles consideram a
estrutura dos currículos acadêmicos um fator importante para essa escolha, além de observar
que muitas vezes não se trata apenas do que as pessoas querem fazer, mas de quem elas querem
ser. Os autores também se concentram em uma questão importante: manter os alunos em áreas
STEM é tão importante quanto recrutar novos. Isso significa que não só a escola, mas também
o currículo de ensino superior, devem oferecer uma experiência importante e significativa aos
alunos.
Na tentativa de refinar o conceito de capital da ciência, DeWitt, Archer e Mau (2016)
analisaram uma amostra de alunos na Inglaterra, em escolas localizadas em áreas consideradas
desfavorecidas. As pesquisadoras encontraram uma diferença na associação entre capital
cultural e capital da ciência no que diz respeito à observação das aspirações dos alunos para as
carreiras científicas. Observaram que, entre os dois, o capital da ciência foi mais decisivo na
escolha, ou não, de uma carreira na ciência. Além disso, os aspectos estabelecidos por Archer
et al.
(2015), como
alfabetização científica, percepção da transferibilidade e utilidade da
3
Em português: Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática.
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ciência,
bem como influência familiar, mostraram-se as mais importantes para o engajamento
com a ciência.
Padwick
et al
. (2016) indicam o custo considerável das intervenções relacionadas à
promoção da diversidade nas áreas de STEM. No entanto, autores afirmam que, no Reino
Unido, menos de 10% dos engenheiros são mulheres. Ao reivindicar a importância do
desenvolvimento do capital da ciência como forma de captação de indivíduos na ciência, os
autores apresentam uma possível abordagem para avaliá-lo em crianças de 7 a 11 anos de idade.
As crianças dessa faixa etária identificaram os cientistas principalmente como trabalhadores,
gentis e criativos; em uma faixa etária intermediária, como inteligente, engraçado e sensível; e
menos estranho, amigável e legal. Essa percepção era verdadeira independentemente do gênero,
embora sexo, idade e capital da ciência influenciassem as crianças a se identificarem com a
figura de um cientista. Os autores afirmam que a diminuição dessa lacuna pode estar associada
ao futuro engajamento na ciência.
Black e Hernandez-Martinez (2016) investigaram o papel do "capital" e da "identidade"
no envolvimento dos alunos em programas nos quais os requisitos matemáticos foram
destacados. Por isso, pesquisaram o que levou os alunos a escolher programas nos quais os
currículos apresentavam uma demanda matemática exigente. Ao observarem que justificam
essa escolha de diferentes formas, os autores sugerem a revisão do conceito de capital da
ciência
,
considerando que alguns alunos podem acumulá-lo, tendo-o como valor de
intercâmbio, enquanto outros reconhecem sua importância no uso, o que produz diferentes
formas de engajamento na ciência.
Wong (2016a) realizou um estudo exploratório baseado em 46 entrevistas e 22 horas de
observação em sala de aula com estudantes britânicos entre 11 e 14 anos com etnias negras,
bengalesas, paquistanesas, indianas e chinesas. A pesquisa demonstrou que estudantes de etnias
minoritárias participam da ciência de diferentes formas. Como tal, estabelecem diferentes
compromissos com a ciência, o que demonstra - ao contrário do senso comum na literatura
científica - que, quando analisados, esses grupos não são homogêneos. Esta é uma evidência de
que, mesmo para esses grupos, políticas diferentes e específicas devem ser consideradas.
Em outro estudo, Wong (2016b) associa o conceito de
habitus
, de Pierre Bourdieu
(1979), a grupos minoritários na ciência. Portanto, o autor tenta abordar o conceito de capital
da ciência, questionando como ele é internalizado nesses grupos. Com base nisso, o autor
examina o nível desse capital nessas comunidades, caso seu acesso seja estruturado por etnia,
gênero e classe social, destacando estudos que indicam a importância do capital da ciência na
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José Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
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continuidade dos estudos científicos na fase pós-obrigatória, ou seja, quando o estudo da ciência
se torna opcional.
Wong (2016c) escreve mais sobre a participação dos jovens na ciência. Com base em
uma amostra de 460 jovens britânicos entre 14 e 18 anos que foram entrevistados, 57%
visitaram pelo menos um ambiente de aprendizagem não-formal. Portanto, fora da escola,
existem outros tipos possíveis de engajamento dos alunos na ciência: em casa ou em Ambientes
Informais de Aprendizagem de Ciências (ISLEs
4
).
Ao observar três vezes mais homens do que mulheres empregadas em indústrias
relacionadas ao STEM na Irlanda do Norte, Conlan (2016) decidiu investigar o engajamento de
gênero e ciência. Ela observou que um pequeno número de mulheres faz cursos nessas áreas e,
posteriormente, estudaram estratégias bem-sucedidas desenvolvidas em uma escola primária,
promovendo-as como um recurso de desenvolvimento profissional. A autora acredita que o
aumento do número de mulheres em empregos em indústrias relacionadas ao STEM pode
impactar positivamente a economia do país.
Considerando uma perspectiva intercultural, Banner (2016) afirma que é importante que
pessoas de diferentes culturas não sejam simplesmente equiparadas, mas vistas e ouvidas em
comunidades determinadas. Para a autora, isso torna as oportunidades de aprendizagem mais
significativas nesses grupos sociais, ao mesmo tempo em que incentiva estudantes de grupos
étnicos minoritários a se envolverem em ciências. Consequentemente, uma vez vistas e
percebidas pela escola, uma série de práticas podem ser projetadas para aproximar a cultura
científica de suas realidades, uma vez que suaviza a barreira entre a ciência e sua expressão
cultural.
Archer
et al
. (2016) abordam a importância de expandir a participação na ciência. Eles
associam essa importância aos ISLEs, embora reconheçam que seu uso ainda é limitado.
Durante o estudo, 10 pais e 10 crianças de escolas urbanas visitaram um grande museu, onde
suas declarações revelaram experiências "divertidas", "desorientadoras" e/ou "significativas"
com base em entrevistas pré e pós-visita. Por isso, buscaram compreender as experiências das
famílias desfavorecidas em relação a esses espaços que os autores acreditam promover equidade
e inclusão.
Nomikou, Archer e King (2017) investigaram a construção de capital da ciência na sala
de aula. Neste estudo, as pesquisadoras trabalharam com professores do ensino fundamental na
Inglaterra para explorar o conceito de capital da ciência na prática, baseado no tema "justiça
4
Sigla para
Informal Science Learning Environments.
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social". Essa decisão foi destinada a envolver um maior número de estudantes de diversas
origens na discussão. Os autores enfatizam a importância de provocar, valorizar e vincular as
próprias experiências dos alunos a uma reflexão melhorada sobre o capital da ciência
.
Neste estudo, DeWitt e Archer (2017) valorizam os espaços de aprendizagem não-
formais como uma valiosa oportunidade para aprender ciência, destacando-os como parte
integrante de um ecossistema STEM. Por isso, em um estudo envolvendo 6.000 crianças entre
11 e 16 anos, as pesquisadoras analisaram com que frequência elas visitavam esses espaços.
Claramente, estudantes de grupos sociais mais privilegiados participam mais, ao mesmo tempo
em que encontram mais padrões de gênero e raça nesses espaços. Além disso, as autoras
indicaram que certas práticas cotidianas têm mais potencial de serem assimiladas e entendidas,
na perspectiva da ciência, nesse tipo de ambiente do que na escola, fazendo assim mais para
reduzir as desigualdades no capital da ciência.
Mendick, Berge e Danielsson (2017) criticam os modelos que regulam as políticas
ocidentais de educação científica. As autoras apontam falhas na correlação entre gênero, etnia,
classe social e nacionalidade com o modelo de
pipeline
, estruturado para criar essas políticas.
O estudo analisou o discurso de duas jovens suecas em entrevistas sobre trabalho e produção
de identidades.
Archer
et al
. (2017) observaram no Reino Unido o que é chamado de Ciência Tripla,
um caminho para três GCSEs separados (
General Certificate of Secondary Education
5
). Os
dados foram obtidos a partir de uma amostra de 13.000 estudantes de 15 a 16 anos e de
entrevistas com 70 estudantes de 10 e 16 anos. A partir do conceito de
ação pedagógica
em
Bourdieu (BOURDIEU; PASSERON, 1990), os autores observam como determinadas práticas
relacionadas à ciência são escolhidas ou naturalizadas, o que sugere a correta tomada de
decisão. Portanto, eles veem como as práticas
da Ciência Tripla
canalizam os alunos para
determinadas escolhas, perpetuando assim certas crenças equivocadas, bem como as
desigualdades sociais. O estudo também indica formas potencialmente mais equitativas de
refletir sobre o
engajamento científico
nos alunos após os 16 anos.
Godec
et al
. (2018) abordaram a capital da ciência através do conceito bourdieusiano
de campo. Ao longo de um ano, observaram salas de aula de professores secundários em
Londres. Ao propor essa análise, seu foco levou a uma conexão entre três conceitos do
sociólogo francês: o
habitus
dos alunos e o capital, com o campo. As autoras observaram uma
associação entre o conceito de campo, as
regras do jogo
e o reconhecimento do aluno. O campo
5
Em português Certificado Geral de Ensino Secundário
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José Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK
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1400
é um espaço onde alunos com diferentes capitais da ciência vivenciaram diferentes relações
com a ciência, implicando a importância da relação
habitus
/capital/
campus
bourdieusianos para
a compreensão de diferentes padrões comportamentais dos grupos sociais em relação à ciência.
Considerando que a pedagogia do capital da ciência é apoiada pela noção de justiça
social, King e Nomikou (2018) observam a importância de diferentes abordagens para a
construção do capital da ciência em sala de aula, destacando a importância do papel dos
professores. Assim, o corpo docente deve ser considerado em associação a elementos
importantes, como o desenvolvimento da autonomia e da reflexividade, não apenas como
características dos próprios professores, mas como elementos a serem desenvolvidos nos
alunos, que podem, assim, contribuir para o
engajamento da ciência
, promovendo o capital da
ciência
.
Wilso
n‐Lopez
et al.
(2018) estudaram o capital da ciência mobilizado em estudantes do
ensino médio que desenvolveram projetos de engenharia. Os participantes da pesquisa se auto-
identificaram como hispânicos ou latinos, sendo que alguns tiveram aulas de inglês como
segunda língua. Seus pais ou responsáveis migraram para os Estados Unidos e eram membros
da classe trabalhadora. A pesquisa incluiu entrevistas mensais e reuniões bimestrais para
acompanhar os desenvolvimentos dos projetos dos grupos. O capital da ciência foi mobilizado
a partir de conhecimentos científicos formais, práticas de alfabetização e experiências com a
resolução de problemas cotidianos; sobre o capital social na forma de conexões com
autoridades, especialistas e colegas; sobre o capital objetificado na forma de tecnologias de
informação e comunicação (TIC) e ferramentas de medição; e sobre o capital institucional na
forma de prêmios e títulos.
Cerrato
et al
. (2018) desenvolveram um estudo com estudantes entre 12 e 19 anos que
interromperam seus estudos. A pesquisa foi realizada na
International School for Advanced
Studies
(SISSA), instituição de ensino superior focada em física, matemática e neurociências,
na Itália. As atividades voltadas para o engajamento científico foram focadas na produção de
videogames. Durante essas atividades, os alunos responderam positivamente em um contexto
de socialização do conhecimento, onde eram valorizados e respeitados.
Mujtaba
et al.
(2018) investigaram uma amostra de 4.780 estudantes de inglês de 11 a
13 anos de idade, com uma proporção considerável deles considerados desfavorecidos. Os
pesquisadores observaram que a escolha do aluno para estudar ciência ou especificamente,
química, após a educação obrigatória estava relacionada à sua motivação intrínseca. Portanto,
a utilidade percebida da ciência, juntamente com o interesse extracurricular nesses temas, são
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Capital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021
RIAEE
–
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15633
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um fator importante para um maior
engajamento científico
. Os autores também observam que
a influência familiar teve menos impacto, mas ainda importante, neste caso.
Curtis (2018a, 2018b) estudou
ciência cidadã
, que é produzida online pela indicação de
características que possibilitam a produção desse tema de conhecimento. O autor enfatiza a
importância do conteúdo científico online facilitando o engajamento de muitos participantes
que se tornaram ativos na ciência, destacando a tecnologia móvel e a aprendizagem baseada em
perguntas. No entanto, apesar dessa perspectiva de que a ciência cidadã está associada à
democratização do conhecimento científico, a maioria dos sujeitos da ciência online são
homens que têm um certo nível de educação e interesse pela ciência, o que pressupõe um certo
capital da ciência
.
Além disso, ela enfatiza a importância do desenvolvimento de estratégias
que possibilitem maior inclusão das pessoas na ciência.
Teo
et al.
(2018) realizaram um estudo em Singapura correlacionando o capital da
ciência e a capacidade dos alunos de fazer inferências, uma atividade essencial no domínio da
ciência. 1397 alunos de escolas regulares, 637 de escolas técnicas e 37 de escolas públicas do
país participaram. Houve uma diferença entre os grupos, em que o capital da ciência dos alunos
das escolas regulares, em relação às suas percepções sobre a aprendizagem e a natureza da
ciência, foi um preditor significativo de suas competências de inferência científica.
Com base no trabalho de campo etnográfico, Dawson (2018) realizou 5 grupos focais e
32 entrevistas com participantes de grupos étnicos minoritários e de baixa renda. Seu estudo
mostrou que, no âmbito da comunicação científica, as diferenças sociais marcadas pelas
desigualdades estruturais são reproduzidas. A autora observa que a reprodução social no âmbito
da ciência contribui para a construção de um público limitado, que também reproduz a
percepção das classes dominantes nesse contexto. O estudo tem contribuído significativamente
para o debate sobre os mecanismos de inclusão e exclusão na ciência.
Thompson e Jensen-Ryan (2018) observam que os professores subestimam seus alunos
como futuros cientistas. O campo de estudo estava em uma rede multi-institucional de pesquisa
em biologia. Os autores argumentam que há uma espécie de descompasso entre o capital que
os alunos têm e exibem e o que os professores esperam ver. A necessidade de os professores
ampliarem seu escopo de reconhecimento para afirmar as identidades científicas de seus alunos
pode contribuir para que sejam mais bem orientados, tendo assim uma melhor compreensão das
regras do campo da ciência.
Inspirado nos conceitos de Judith Butler, como
inteligibilidade
e
identidade
, Archer
et
al.
(2019) tiveram como objetivo estudar a compreensão de estudantes de grupos subalternos
na ciência. Ao observar a sala de aula como um lugar de competição e relações de poder, os
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José Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK
RIAEE
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15633
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pesquisadores investigaram uma percepção da ciência imposta por algumas classes de alunos
que limitavam as oportunidades de outros colegas de classe parecerem inteligíveis, ou não, nas
aulas de ciências. As observações nas escolas de Londres duraram um período de 9 meses, com