image/svg+xmlCapital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021 RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331389 CAPITAL DA CIÊNCIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE PESQUISAS ENTRE 2015-2021 CAPITAL DE LA CIENCIA: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA DE LA INVESTIGACIÓN ENTRE 2015-2021 SCIENCE CAPITAL: A SYSTEMATIC REVIEW OF RESEARCH BETWEEN 2015-2021 José Luís FERRARO1Gabriela Sehnem HECK2RESUMO: Este artigo apresenta uma revisão qualitativa de pesquisas sobre o capital da ciência considerando 51 estudos com temas relacionados a esse conceito, entre 2015 e 2021. Além do aumento de pesquisas evidenciado pelo número de publicações sobre o tema nesse período, e o domínio do Reino Unido nas pesquisas de ponta na área, observamos que os temas associados ao capital da ciência variam desde a escolha de carreiras na ciência, passando pela identificação com a ciência, pela promoção de uma cultura cientifica, até o papel da escola no desenvolvimento do capital da ciência e as formas de avaliá-lo. É comum que o engajamento com a ciência, associado ao capital da ciência, seja percebido por meio do alinhamento de três importantes conceitos Bourdieusianos: capital, habituse campo. Nesse sentido, devido à relevância que o tema tem tido na pesquisa científica, afirmamos a importância de uma revisão sistemática que possa fornecer um panorama das investigações atuais envolvendo o capital da ciência. PALAVRAS-CHAVE:Pierre Bourdieu. Engajamento da ciência. Letramento científico. RESUMEN: Este artículo presenta una revisión cualitativa de la investigación sobre el capital de la ciencia considerando 51 estudios con temas relacionados con este concepto, entre 2015 y 2021. Además del aumento de la investigación evidenciado por el número de publicaciones sobre el tema durante este período, y el predominio de Reino Unido en investigación líder en el área, observamos que los temas asociados al capital de la ciencia varían desde la elección de carreras científicas, la identificación con la ciencia y la promoción de una cultura científica, hasta el papel de la escuela en el desarrollo del capital de la ciencia y las formas de evaluarlo. Es común que el compromiso científico, asociado al capital de la ciencia, se vea a través de la alineación de tres importantes conceptos bourdieusianos: capital, habitus y campo. En este sentido, dada la relevancia que ha tenido el tema en la investigación científica, afirmamos la importancia de una revisión sistemática que pueda brindar un panorama de las investigaciones actuales que involucran el capital de la ciencia. 1Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre RS Brasil. Docente no Programa de Pós-graduação em Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática. Doutorado em Educação (PUCRS). Bolsista Produtividade PQ-2 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4932-1051. E-mail: jose.luis@pucrs.br 2Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre RS Brasil. Doutoranda em Educação. Mestre em Educação em Ciências e Matemática (PUCRS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1175-8963. E-mail: heck.gs@gmail.com
image/svg+xmlJosé Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331390 PALABRAS CLAVE:Pierre Bourdieu. Compromiso científico. Alfabetización científica. ABSTRACT: This paper presents a qualitative review of research on science capital considering 51 studies with topics related to this concept, between 2015 and 2021. In addition to the increase in research evidenced by the number of publications on the topic during this period, and the dominance of the United Kingdom in leading research in the area, we observed that topics associated to science capital vary from choosing careers in science, identifying with science and promoting a science culture, to the role of school in developing science capital and the ways to evaluate it. It is common for science engagement, associated to science capital, to be seen through the alignment of three important Bourdieusian concepts: capital, habitus and field. In this sense, due to the relevance that the topic has had in science research, we assert the importance of a systematic review that can provide an overview of current investigations involving science capital. KEYWORDS: Pierre Bourdieu. Science engagement. Scientific literacy. Visão geral Entre os anos de 2015 e 2016, principalmente após a publicação de Archer et al. (2015), o conceito de capital da ciência começou a se espalhar na literatura científica. Inspirados no conceito de capital simbólico do francês Pierre Bourdieu (1972, 1975, 1976, 2003), os pesquisadores desenvolveram uma extensão dele, pensando nas maneiras pelas quais as pessoas se relacionam com a ciência, produzindo diferentes graus de engajamento (ARCHER et al., 2015). O capital da ciência determina graus de envolvimento e participação individual na ciência a partir de uma análise de fatores históricos, sociais e culturais que definiram sua trajetória. No artigo intitulado “Science capital”: a conceptual, methodological, and empirical argument for extending Bourdieusian notions of capital beyond the arts, Archer et al.(2015) definem o capital da ciência de acordo com uma abordagem Bourdieusiana do conceito de capital cultural. Os autores assumem o valor agregado ao conceito, relacionando-o às formas de capital social e cultural em uma publicação do mesmo grupo (ARCHER; DEWITT; WILLIS, 2014), ao explicar e entender as motivações e as oportunidades que permitem que determinados grupos tenham mais ou menos acesso à ciência do que outros. Indo além do estudo de 2014, Archeret al.(2015) observou uma distribuição desigual do capital da ciência em estudantes ingleses entre 11 e 15 anos de idade. A pesquisa demonstrou que a distribuição desigual desse capital está intimamente relacionada a fatores como cultura, gênero e etnia, por exemplo. Esse resultado também confirma a relação que os sujeitos
image/svg+xmlCapital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021 RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331391 estabelecem com a ciência após os 16 anos e suas escolhas para as carreiras científicas. A partir da observação da diferença significativa de respostas entre os indivíduos, divididas em grupos com capital da ciência elevado, médio ou baixo,os pesquisadores estabelecem questões metodológica-conceituais importantes e atuais sobre o conceito. Jensen e Wright (2015), por sua vez, fornecem uma crítica aos estudos de Archeret al.(2015), por considerarem desnecessário introduzir o conceito de capital da ciência associado ao trabalho de Bourdieu. Embora os autores concordem que há um propósito para isso, eles argumentam que, dado o conceito de capital cultural (que se desenvolveu dentro da sociologia do autor francês), uma capital da ciência, que também é de natureza simbólica, poderia ser entendida como um capital relacionado à cultura, sendo assim cultural. Nas palavras de Jensen e Wright (2015), não é uma "disputa pedante", mas uma criação desnecessária de um termo relacionado à ciência, dado que o conceito de capital cultural é suficiente para abordar os padrões de distribuição socioeconômica e cultural desiguais. Como tal, uma análise dos tipos de diferença social e da reprodução das desigualdades poderia ser feita na perspectiva de um termo anteriormente existente e funcional. Os autores acrescentam que a criação de capital da ciência poderia produzir uma espécie de sobreposição em análises que têm sido feitas sobre o conceito de capital cultural. No entanto, o capital da ciência progrediu, como será discutido a seguir. Neste estudo, buscamos artigos que utilizaram o conceito de capital da ciência entre os anos de 2015 e 2021, descrito abaixo. Metodologia Desde a publicação de Archeret al.(2015) até julho de 2021, foram selecionados 51 estudos sobre o tema para a escrita do presente artigo (Figura 1).
image/svg+xmlJosé Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331392 Figura 1Pesquisa sobre o capital da ciência entre 2015-2021 Fonte: Elaborado pelos autores (2021) Para encontrar esses trabalhos, realizamos uma pesquisa na plataforma Google Acadêmico, buscando o termo "Capital da Ciência", o que resultou em aproximadamente 4. 009 documentos (Figura 2). Após filtrarmos os anos de 2015 e 2021, o resultado foi de 2.130 documentos, mas a maioria não se referia ao capital da ciência de Archer et al.(2015). Para encontrar apenas artigos que usam o conceito de capital da ciência de Archer, aplicamos a pesquisa avançada para encontrar artigos ‘Com todas as palavras’: Archer; e ‘Com a frase exata’: "Capital da Ciência"; que resultou em 787 documentos. Destes, selecionamos aqueles cujo título demonstrava o uso da conceituação do capital da ciência na pesquisa, e excluímos aqueles que apenas citaram a pesquisa por Archer et al.(2015), resultando em 84 documentos. Além disso, nesta revisão qualitativa, consideramos apenas artigos publicados em revistas científicas ou capítulos de livros, em inglês, e com acesso aberto, o que resultou em 51 artigos (Apêndice 1). 894107940246810122015201620172018201920202021
image/svg+xmlCapital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021 RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331393 Figura 2 Processo de Revisão Fonte: Elaborado pelos autores (2021) Vale ressaltar que dos 51 estudos encontrados na elaboração deste artigo de revisão, uma análise da afiliação dos autores nos proporcionou uma visão geral dos países e das instituições que estão fazendo pesquisas sobre capital da ciência (Figura 3). Figura 3Envolvimento relacionado a pesquisas sobre o capital da ciência por região entre 2015-2021 Fonte: Elaborado pelos autores (2021)Google Acadêmico n = 4,009 Filtro de data n = 2,130 Pesquisa avançada: n = 787 Potencialmente relevante: n = 84 Base de dados final: n = 51 Critério de exclusão: n = 33
image/svg+xmlJosé Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331394 Entre as afiliações de pesquisadores no Reino Unido, o King's College Londone a University College Londonse destacam nas pesquisas sobre o capital da ciência (Figura 4). Ao analisar as publicações, observamos algumas publicações conjuntas, bem como a mobilidade de pesquisadores de uma instituição para outra. Figura 4Instituições mais envolvidas com pesquisa sobre o capital da ciência entre 2015-2021 Fonte: Elaborado pelos autores (2021)Mesmo a partir da perspectiva crítica de Jensen e Wright (2015), a publicação de Archeret al.(2015) teve um impacto importante na definição de um campo de pesquisa relacionado ao capital da ciência,pois estipulou algumas condições importantes associadas a esse conceito. Perguntas como "o que você sabe?", "como você pensa?", "o que você faz?" e "quem você conhece?" são importantes para entender e estabelecer diferentes níveis de capital da ciência.Com base nessas questões, os autores estabelecem oito aspectos importantes a serem considerados. São eles: (a) alfabetização científica, (b) atitudes e valores relacionados à ciência, (c) conhecimento sobre a transferibilidade da ciência, (d) consumo de mídia relacionadas à ciência, (e) participação em atividades dentro e fora da escola, (f) habilidades, conhecimentos e qualificações científicas da família, (g) conhecer pessoas em um trabalho/papel científico e(h) conversar com outras pessoas sobre ciência (ARCHERet al., 2015). A maioria das publicações selecionadas discute o engajamento de grupos considerados "minorias" na ciência. Temas como participar da ciência, escolher carreiras relacionadas à ciência, identificar-se com a ciência, promover uma cultura científica, o papel da escola no 024681012University College LondonKing’s College LondonUniversity of RoehamptonUniversity of GlasgowBrunel University LondonLeeds Trinity UniversityNorthumbria UniversitySt Mary’s University CollegeUniversity of East AngliaUniversity of LeedsUniversity of ManchesterUniversity of Warwick
image/svg+xmlCapital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021 RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331395 desenvolvimento do capital da ciência e o tema inclusão/exclusão na ciência, são recorrentes nessas publicações, bem como formas de avaliar o capital da ciência. A seguir, vamos analisar cada trabalho. Resultados e discussão A sub-representação de certos grupos e o padrão de distribuição da desigualdade podem ser explicados por Bourdieu (1979) e seu conceito de capital cultural. No caso do capital da ciência, podemos analisar a situação relativa ao acesso e participação na ciência. Archer e DeWitt (2015) discutem a falta de disciplinas científicas obrigatórias na escola e discutem as aspirações que crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos têm em relação às carreiras científicas. Os pesquisadores observaram que as crianças que têm essa aspiração no ensino fundamental e continuam a tê-la no ensino secundário, resultado de interações positivas com conteúdo científico, são muito mais propensas a escolher uma carreira na ciência. No entanto, os autores não confirmaram a relação entre atitudes positivas em relação à ciência na escola e na família como definitiva e decisiva na escolha de uma carreira na ciência. Archer, DeWitt e Osborne (2015) enfatizam as preocupações das políticas que visam diminuir a estratificação de gênero, de raça e étnica observadas ao analisar a participação individual na ciência, considerando matemática e engenharia. Os autores analisaram uma amostra de estudantes negros da África e do Caribe e mostraram que, nesta população, escolher a ciência é menos "concebível" para eles. Considerando a importância da escola na promoção de ações relacionadas ao fomento do capital da ciência,King et al. (2015) relatam os resultados de um programa piloto de um ano voltado para o desenvolvimento profissional de professores do ensino secundário. Ao longo do programa, os educadores discutiram formas de desenvolver capital da ciência e implementar práticas relacionadas a ele em suas salas de aula. Segundo os pesquisadores, o conceito de "capital da ciência" parecia "convincente" para eles e compatível com suas experiências anteriores e compreensão intuitiva da ciência. Os autores ainda afirmam ter observado diferenças na forma como os professores operacionalizam práticas relacionadas ao capital da ciência. Em um estudo com crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, Archer e DeWitt (2015) associaram o gênero à escolha de carreiras na ciência. As pesquisadoras determinaram que o tipo de feminilidade expressa pelas meninas é decisivo para identificar se elas escolhem uma carreira na ciência ou não. Além disso, observaram que a associação entre inteligência e
image/svg+xmlJosé Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331396 masculinidade é um dos fatores que dificulta a criação de feminilidades capazes de aceitar a ciência para si mesmas. Salehjee e Watts (2015) seguiram 12 cientistas em relação a suas carreiras em direçãoou longe daciência. Também observaram três tipos diferentes de transições por esses profissionais. A primeira é uma transição suave, onde os entrevistados sempre souberam o que estavam fazendo e estavam cientes de suas escolhas. Aqui, destacamos o papel da família e dos pares desses profissionais e seus gostos e hobbies compartilhados, relacionados, ou não, à ciência. Além da transição suave, havia também uma transição oscilante. Isso se refere a haver alguma ambivalência no momento da escolha, que pode ser o resultado de um evento de moldagem, embora não necessariamente o único ou decisivo. Aqui, os sujeitos podem ter escolhido qualquer área - dentro ou fora da ciência - mas devido à influência, indecisão ou falta de compromisso, acabaram escolhendo uma delas. Ao contrário da transição oscilante, uma transição transformadora é sobre eventos que determinaram a decisão ou a escolha dos entrevistados, a favor ou contra a ciência, mostrando que, a partir de agora, tornaram-se resolutos em relação às suas escolhas. Henriksen, Dillon e Pellegrini (2016) escrevem sobre a escolha de uma profissão nas áreas de STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics3). Eles consideram a estrutura dos currículos acadêmicos um fator importante para essa escolha, além de observar que muitas vezes não se trata apenas do que as pessoas querem fazer, mas de quem elas querem ser. Os autores também se concentram em uma questão importante: manter os alunos em áreas STEM é tão importante quanto recrutar novos. Isso significa que não só a escola, mas também o currículo de ensino superior, devem oferecer uma experiência importante e significativa aos alunos. Na tentativa de refinar o conceito de capital da ciência, DeWitt, Archer e Mau (2016) analisaram uma amostra de alunos na Inglaterra, em escolas localizadas em áreas consideradas desfavorecidas. As pesquisadoras encontraram uma diferença na associação entre capital cultural e capital da ciência no que diz respeito à observação das aspirações dos alunos para as carreiras científicas. Observaram que, entre os dois, o capital da ciência foi mais decisivo na escolha, ou não, de uma carreira na ciência. Além disso, os aspectos estabelecidos por Archeret al.(2015), como alfabetização científica, percepção da transferibilidade e utilidade da 3Em português: Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática.
image/svg+xmlCapital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021 RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331397 ciência,bem como influência familiar, mostraram-se as mais importantes para o engajamento com a ciência. Padwick et al. (2016) indicam o custo considerável das intervenções relacionadas à promoção da diversidade nas áreas de STEM. No entanto, autores afirmam que, no Reino Unido, menos de 10% dos engenheiros são mulheres. Ao reivindicar a importância do desenvolvimento do capital da ciência como forma de captação de indivíduos na ciência, os autores apresentam uma possível abordagem para avaliá-lo em crianças de 7 a 11 anos de idade. As crianças dessa faixa etária identificaram os cientistas principalmente como trabalhadores, gentis e criativos; em uma faixa etária intermediária, como inteligente, engraçado e sensível; e menos estranho, amigável e legal. Essa percepção era verdadeira independentemente do gênero, embora sexo, idade e capital da ciência influenciassem as crianças a se identificarem com a figura de um cientista. Os autores afirmam que a diminuição dessa lacuna pode estar associada ao futuro engajamento na ciência. Black e Hernandez-Martinez (2016) investigaram o papel do "capital" e da "identidade" no envolvimento dos alunos em programas nos quais os requisitos matemáticos foram destacados. Por isso, pesquisaram o que levou os alunos a escolher programas nos quais os currículos apresentavam uma demanda matemática exigente. Ao observarem que justificam essa escolha de diferentes formas, os autores sugerem a revisão do conceito de capital da ciência,considerando que alguns alunos podem acumulá-lo, tendo-o como valor de intercâmbio, enquanto outros reconhecem sua importância no uso, o que produz diferentes formas de engajamento na ciência. Wong (2016a) realizou um estudo exploratório baseado em 46 entrevistas e 22 horas de observação em sala de aula com estudantes britânicos entre 11 e 14 anos com etnias negras, bengalesas, paquistanesas, indianas e chinesas. A pesquisa demonstrou que estudantes de etnias minoritárias participam da ciência de diferentes formas. Como tal, estabelecem diferentes compromissos com a ciência, o que demonstra - ao contrário do senso comum na literatura científica - que, quando analisados, esses grupos não são homogêneos. Esta é uma evidência de que, mesmo para esses grupos, políticas diferentes e específicas devem ser consideradas. Em outro estudo, Wong (2016b) associa o conceito de habitus, de Pierre Bourdieu (1979), a grupos minoritários na ciência. Portanto, o autor tenta abordar o conceito de capital da ciência, questionando como ele é internalizado nesses grupos. Com base nisso, o autor examina o nível desse capital nessas comunidades, caso seu acesso seja estruturado por etnia, gênero e classe social, destacando estudos que indicam a importância do capital da ciência na
image/svg+xmlJosé Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331398 continuidade dos estudos científicos na fase pós-obrigatória, ou seja, quando o estudo da ciência se torna opcional. Wong (2016c) escreve mais sobre a participação dos jovens na ciência. Com base em uma amostra de 460 jovens britânicos entre 14 e 18 anos que foram entrevistados, 57% visitaram pelo menos um ambiente de aprendizagem não-formal. Portanto, fora da escola, existem outros tipos possíveis de engajamento dos alunos na ciência: em casa ou em Ambientes Informais de Aprendizagem de Ciências (ISLEs4). Ao observar três vezes mais homens do que mulheres empregadas em indústrias relacionadas ao STEM na Irlanda do Norte, Conlan (2016) decidiu investigar o engajamento de gênero e ciência. Ela observou que um pequeno número de mulheres faz cursos nessas áreas e, posteriormente, estudaram estratégias bem-sucedidas desenvolvidas em uma escola primária, promovendo-as como um recurso de desenvolvimento profissional. A autora acredita que o aumento do número de mulheres em empregos em indústrias relacionadas ao STEM pode impactar positivamente a economia do país. Considerando uma perspectiva intercultural, Banner (2016) afirma que é importante que pessoas de diferentes culturas não sejam simplesmente equiparadas, mas vistas e ouvidas em comunidades determinadas. Para a autora, isso torna as oportunidades de aprendizagem mais significativas nesses grupos sociais, ao mesmo tempo em que incentiva estudantes de grupos étnicos minoritários a se envolverem em ciências. Consequentemente, uma vez vistas e percebidas pela escola, uma série de práticas podem ser projetadas para aproximar a cultura científica de suas realidades, uma vez que suaviza a barreira entre a ciência e sua expressão cultural. Archer et al. (2016) abordam a importância de expandir a participação na ciência. Eles associam essa importância aos ISLEs, embora reconheçam que seu uso ainda é limitado. Durante o estudo, 10 pais e 10 crianças de escolas urbanas visitaram um grande museu, onde suas declarações revelaram experiências "divertidas", "desorientadoras" e/ou "significativas" com base em entrevistas pré e pós-visita. Por isso, buscaram compreender as experiências das famílias desfavorecidas em relação a esses espaços que os autores acreditam promover equidade e inclusão. Nomikou, Archer e King (2017) investigaram a construção de capital da ciência na sala de aula. Neste estudo, as pesquisadoras trabalharam com professores do ensino fundamental na Inglaterra para explorar o conceito de capital da ciência na prática, baseado no tema "justiça 4Sigla para Informal Science Learning Environments.
image/svg+xmlCapital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021 RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331399 social". Essa decisão foi destinada a envolver um maior número de estudantes de diversas origens na discussão. Os autores enfatizam a importância de provocar, valorizar e vincular as próprias experiências dos alunos a uma reflexão melhorada sobre o capital da ciência.Neste estudo, DeWitt e Archer (2017) valorizam os espaços de aprendizagem não-formais como uma valiosa oportunidade para aprender ciência, destacando-os como parte integrante de um ecossistema STEM. Por isso, em um estudo envolvendo 6.000 crianças entre 11 e 16 anos, as pesquisadoras analisaram com que frequência elas visitavam esses espaços. Claramente, estudantes de grupos sociais mais privilegiados participam mais, ao mesmo tempo em que encontram mais padrões de gênero e raça nesses espaços. Além disso, as autoras indicaram que certas práticas cotidianas têm mais potencial de serem assimiladas e entendidas, na perspectiva da ciência, nesse tipo de ambiente do que na escola, fazendo assim mais para reduzir as desigualdades no capital da ciência. Mendick, Berge e Danielsson (2017) criticam os modelos que regulam as políticas ocidentais de educação científica. As autoras apontam falhas na correlação entre gênero, etnia, classe social e nacionalidade com o modelo de pipeline, estruturado para criar essas políticas. O estudo analisou o discurso de duas jovens suecas em entrevistas sobre trabalho e produção de identidades. Archer et al. (2017) observaram no Reino Unido o que é chamado de Ciência Tripla, um caminho para três GCSEs separados (General Certificate of Secondary Education5). Os dados foram obtidos a partir de uma amostra de 13.000 estudantes de 15 a 16 anos e de entrevistas com 70 estudantes de 10 e 16 anos. A partir do conceito de ação pedagógicaem Bourdieu (BOURDIEU; PASSERON, 1990), os autores observam como determinadas práticas relacionadas à ciência são escolhidas ou naturalizadas, o que sugere a correta tomada de decisão. Portanto, eles veem como as práticas da Ciência Triplacanalizam os alunos para determinadas escolhas, perpetuando assim certas crenças equivocadas, bem como as desigualdades sociais. O estudo também indica formas potencialmente mais equitativas de refletir sobre o engajamento científiconos alunos após os 16 anos. Godec et al. (2018) abordaram a capital da ciência através do conceito bourdieusiano de campo. Ao longo de um ano, observaram salas de aula de professores secundários em Londres. Ao propor essa análise, seu foco levou a uma conexão entre três conceitos do sociólogo francês: o habitusdos alunos e o capital, com o campo. As autoras observaram uma associação entre o conceito de campo, as regras do jogoe o reconhecimento do aluno. O campo 5Em português Certificado Geral de Ensino Secundário
image/svg+xmlJosé Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331400 é um espaço onde alunos com diferentes capitais da ciência vivenciaram diferentes relações com a ciência, implicando a importância da relação habitus/capital/campusbourdieusianos para a compreensão de diferentes padrões comportamentais dos grupos sociais em relação à ciência. Considerando que a pedagogia do capital da ciência é apoiada pela noção de justiça social, King e Nomikou (2018) observam a importância de diferentes abordagens para a construção do capital da ciência em sala de aula, destacando a importância do papel dos professores. Assim, o corpo docente deve ser considerado em associação a elementos importantes, como o desenvolvimento da autonomia e da reflexividade, não apenas como características dos próprios professores, mas como elementos a serem desenvolvidos nos alunos, que podem, assim, contribuir para o engajamento da ciência, promovendo o capital da ciência.Wilson‐Lopezet al.(2018) estudaram o capital da ciência mobilizado em estudantes do ensino médio que desenvolveram projetos de engenharia. Os participantes da pesquisa se auto-identificaram como hispânicos ou latinos, sendo que alguns tiveram aulas de inglês como segunda língua. Seus pais ou responsáveis migraram para os Estados Unidos e eram membros da classe trabalhadora. A pesquisa incluiu entrevistas mensais e reuniões bimestrais para acompanhar os desenvolvimentos dos projetos dos grupos. O capital da ciência foi mobilizado a partir de conhecimentos científicos formais, práticas de alfabetização e experiências com a resolução de problemas cotidianos; sobre o capital social na forma de conexões com autoridades, especialistas e colegas; sobre o capital objetificado na forma de tecnologias de informação e comunicação (TIC) e ferramentas de medição; e sobre o capital institucional na forma de prêmios e títulos.Cerrato et al. (2018) desenvolveram um estudo com estudantes entre 12 e 19 anos que interromperam seus estudos. A pesquisa foi realizada na International School for Advanced Studies(SISSA), instituição de ensino superior focada em física, matemática e neurociências, na Itália. As atividades voltadas para o engajamento científico foram focadas na produção de videogames. Durante essas atividades, os alunos responderam positivamente em um contexto de socialização do conhecimento, onde eram valorizados e respeitados. Mujtabaet al.(2018) investigaram uma amostra de 4.780 estudantes de inglês de 11 a 13 anos de idade, com uma proporção considerável deles considerados desfavorecidos. Os pesquisadores observaram que a escolha do aluno para estudar ciência ou especificamente, química, após a educação obrigatória estava relacionada à sua motivação intrínseca. Portanto, a utilidade percebida da ciência, juntamente com o interesse extracurricular nesses temas, são
image/svg+xmlCapital da ciência: Uma revisão sistemática de pesquisas entre 2015-2021 RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331401 um fator importante para um maior engajamento científico. Os autores também observam que a influência familiar teve menos impacto, mas ainda importante, neste caso. Curtis (2018a, 2018b) estudou ciência cidadã, que é produzida online pela indicação de características que possibilitam a produção desse tema de conhecimento. O autor enfatiza a importância do conteúdo científico online facilitando o engajamento de muitos participantes que se tornaram ativos na ciência, destacando a tecnologia móvel e a aprendizagem baseada em perguntas. No entanto, apesar dessa perspectiva de que a ciência cidadã está associada à democratização do conhecimento científico, a maioria dos sujeitos da ciência online são homens que têm um certo nível de educação e interesse pela ciência, o que pressupõe um certo capital da ciência.Além disso, ela enfatiza a importância do desenvolvimento de estratégias que possibilitem maior inclusão das pessoas na ciência. Teoet al.(2018) realizaram um estudo em Singapura correlacionando o capital da ciência e a capacidade dos alunos de fazer inferências, uma atividade essencial no domínio da ciência. 1397 alunos de escolas regulares, 637 de escolas técnicas e 37 de escolas públicas do país participaram. Houve uma diferença entre os grupos, em que o capital da ciência dos alunos das escolas regulares, em relação às suas percepções sobre a aprendizagem e a natureza da ciência, foi um preditor significativo de suas competências de inferência científica. Com base no trabalho de campo etnográfico, Dawson (2018) realizou 5 grupos focais e 32 entrevistas com participantes de grupos étnicos minoritários e de baixa renda. Seu estudo mostrou que, no âmbito da comunicação científica, as diferenças sociais marcadas pelas desigualdades estruturais são reproduzidas. A autora observa que a reprodução social no âmbito da ciência contribui para a construção de um público limitado, que também reproduz a percepção das classes dominantes nesse contexto. O estudo tem contribuído significativamente para o debate sobre os mecanismos de inclusão e exclusão na ciência. Thompson e Jensen-Ryan (2018) observam que os professores subestimam seus alunos como futuros cientistas. O campo de estudo estava em uma rede multi-institucional de pesquisa em biologia. Os autores argumentam que há uma espécie de descompasso entre o capital que os alunos têm e exibem e o que os professores esperam ver. A necessidade de os professores ampliarem seu escopo de reconhecimento para afirmar as identidades científicas de seus alunos pode contribuir para que sejam mais bem orientados, tendo assim uma melhor compreensão das regras do campo da ciência. Inspirado nos conceitos de Judith Butler, como inteligibilidadee identidade, Archer et al.(2019) tiveram como objetivo estudar a compreensão de estudantes de grupos subalternos na ciência. Ao observar a sala de aula como um lugar de competição e relações de poder, os
image/svg+xmlJosé Luís FERRARO e Gabriela Sehnem HECK RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 17, n. 3, p. 1389-1416, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.156331402 pesquisadores investigaram uma percepção da ciência imposta por algumas classes de alunos que limitavam as oportunidades de outros colegas de classe parecerem inteligíveis, ou não, nas aulas de ciências. As observações nas escolas de Londres duraram um período de 9 meses, com