image/svg+xml
Efeitos do programa de treinamento de rastreador ocular para aluno com doença neuromuscular
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1659
EFEITOS DO PROGRAMA DE TREINAMENTO DE RASTREADOR OCULAR
PARA ALUNO COM DOENÇA NEUROMUSCULAR
EFECTOS DEL PROGRAMA DE ENTRENAMIENTO DEL SEGUIMIENTO OCULAR
POR ESTUDIANTES CON ENFERMEDAD NEUROMUSCULAR
EFFECTS OF THE EYE TRACKER TRAINING PROGRAM FOR STUDENTS WITH
NEUROMUSCULAR DISEASE
Juliana Roberta FANTI
1
Ligia Maria Presumido BRACCIALLI
2
RESUMO
: Este artigo apresenta parte de uma pesquisa de mestrado que elaborou, aplicou e
analisou um programa de treinamento de uso de rastreador ocular como dispositivo de acesso
ao computador para alunos com doenças neuromusculares, verificando o efeito do programa
sobre o desempenho motor. A pesquisa caracterizou-se como experimental com delineamento
de sujeito único do tipo A-B-A. As variáveis pesquisadas foram acurácia, tempo de reação,
tempo de movimento e erro, mensuradas pelos softwares Discrete Aiming Task 2.0, Tracking
Task 2.0 e Single Switch Performance Test 1.0. Os resultados demonstram mudança positiva
no desempenho motor da participante, exceto na frequência de erros, que aumentou
proporcionalmente à porcentagem de tempo de movimento, indicando uma relação positiva
entre as variáveis, relacionada à demanda da tarefa. Conclui-se que o programa de treinamento
melhorou o desempenho motor da aluna no uso do rastreador ocular, proporcionando o uso
independente do recurso no ambiente escolar.
PALAVRAS-CHAVE
: Educação especial. Tecnologia assistiva. Doenças neuromusculares.
Rastreador ocular. Aprendizagem motora.
RESUMEN
: Este artículo presenta parte de una investigación de maestría que elaboró, aplicó
y analizó un programa de capacitación sobre el uso de un seguidor ocular como dispositivo de
acceso a computadoras para estudiantes con enfermedades neuromusculares, verificando el
efecto del programa en el desempeño motor. La investigación se caracterizó como experimental
con un diseño de un solo sujeto de tipo A-B-A. Las variables investigadas fueron precisión,
tiempo de reacción, tiempo de movimiento y error, medidos por el software Discrete Aiming
Task 2.0, Tracking Task 2.0 y Single Switch Performance Test 1.0. Los resultados evidencian
un cambio positivo en el desempeño motor del participante, excepto de la frecuencia de errores,
que aumenta proporcionalmente al porcentaje de tiempo de movimiento, lo que indica una
relación positiva entre las variables, relacionadas con la demanda de la tarea. Se concluye que
el programa de capacitación mejoró el desempeño motor del alumno en el uso del eye tracker,
brindando el uso independiente del recurso en el entorno escolar.
1
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília – SP – Brasil. Mestrado em Educação. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-4698-0449. E-mail: julianafanti@yahoo.com.br
2
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília – SP – Brasil. Docente aposentada do Departamento de
Educação Especial. Doutorado em Educação Física (UNICAMP). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2540-
3725. E-mail: ligia.braccialli@unesp.br
image/svg+xml
Juliana Roberta FANTI e Ligia Maria Presumido BRACCIALLI
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1660
PALABRAS CLAVE
:
Educación especial. Tecnología de asistencia. Enfermedades
neuromusculares. Rastreador de ojos. Aprendizaje motor.
ABSTRACT
: That Article presents part of an research of master's degree that was elaborated,
applicated and analyzed an training program of use of eye tracking as dispositive access to
computer to students with neuromuscular diseases, checking the effects about the motor
performance. The research characterizes as experimental with outline as subject unique as type
A-B-A. The resource variety where accurate, reaction time,moviment time and error, measured
by the softwares Discrete Aiming Task 2.0,Tracking Task 2.0 and Single Switch Performance
Test 1.0. The results demonstrate positive changes on motor perfomance, except on error
frequency, that raised proportionally to the percentage of moving time, showing an positive
relation between the variants, on the demanding of the task. It oncludes that the training
program raised up the motor performance of the student that used eye tracking, giving
independency to the source on school ambient.
KEYWORDS
: Special education. Supportive tecnlogy. Neuromuscular diseases. Eye tracking.
Motor learning.
Introdução
Este artigo apresenta um recorte de uma dissertação de um programa de pós-graduação
strictu sensu
de uma universidade pública estadual localizada na cidade de Marília, no estado
de São Paulo, e parcialmente financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - CNPq. A presente pesquisa desenvolveu um programa de
treinamento de tecnologia assistiva de rastreamento ocular para acessar o computador em
alunos com doenças neuromusculares e analisou seu efeito sobre o desempenho motor do aluno,
após a aplicação do programa pela pesquisadora, em um estudo de delineamento de sujeito
único tipo A-B-A, sendo que esse delineamento de pesquisa foi selecionado devido à
quantidade de participantes, que contemplavam os requisitos de inclusão nesse estudo.
O texto desse artigo discorre sobre a aplicação do programa de treinamento e seus efeitos
na mensuração do desempenho motor do aluno com doença neuromuscular, considerando as
variáveis acurácia, tempo de reação, tempo de movimento e erro.
O proces
so de inclusão de crianças com deficiência física decorrente de doença
neuromuscular progressiva é bastante desafiador, pois esses alunos necessitam de modificações
e adaptações de recursos e de estratégias pedagógicas para que assim ocorra a sua participação,
autonomia e independência no contexto escolar, mantendo sua qualidade de vida. As adaptações
para esses alunos devem ter como foco a utilização de suas funções residuais e oferecer o menor
gasto energético e esforço motor possível durante as atividades. No entanto, a disponibilização
image/svg+xml
Efeitos do programa de treinamento de rastreador ocular para aluno com doença neuromuscular
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1661
do recurso pedagógico adaptado nem sempre é suficiente para que seu uso ocorra com eficácia,
sendo necessário, por vezes, tecnologias e equipamentos que possibilitem o acesso a esses
recursos.
Dentre os recursos de tecnologia assistiva, o computador destaca-se como um
equipamento que pode promover a estimulação de funções motoras residuais, a independência
e a inclusão de crianças com deficiência física grave.
O computador oferece diversas possibilidades para leitura, busca, comunicação e
registro de escrita do conteúdo pedagógico, quando essas funções são significativamente
prejudicadas por comprometimentos de estruturas motoras.
No entanto, nem sempre os equipamentos periféricos que permitem o acesso ao
computador, como mouse e teclado, são eficientes para pessoas com doenças neuromusculares,
diminuindo significativamente as oportunidades de participação dessa população às tecnologias
(RAYA
et al
., 2010).
Muitas são as ofertas de softwares e dispositivos de acesso ao computador, como teclado
virtual, sistema de varredura, acionamento por comando de voz ou movimentos de cabeça,
contudo a progressão contínua do comprometimento motor em alunos com doença
neuromuscular pode impedir o uso do computador e de dispositivos de acesso mais comuns,
sendo necessário um recurso de tecnologia assistiva que seja mais sensível ao movimento e
exija menos funções motoras para o seu acionamento.
O rastreador ocular é considerado um dispositivo adequado para diversas finalidades
comunicativas e de controle ambiental para pessoas com deficiência física severa, entre elas as
doenças neuromusculares (MAJARANTA; DONEGAN, 2012).
Contudo, limitações também são encontradas no uso desses dispositivos, como exaustão
visual, ergonomia e condições ambientais, calibração e configuração do sistema, alto custo, e
treinamento (SPATARO
et al
., 2014; KÄTHNER; KÜBLER; HALDER, 2015; GARRY
et al
.,
2016; CHANG
et al
., 2017).
Para pessoas com doenças neuromusculares, essas limitações aumentam o índice de
desuso do dispositivo de rastreamento. Segundo Federici e Borsci (2014), para sanar essas
limitações deve-se apresentar uma “solução assistiva”, que envolva além da oferta do
dispositivo, um treinamento e acompanhamento realizados por um profissional especializado
para o uso do recurso.
A realidade em diferentes países tem mostrado que a aquisição e uso de recursos de
t
ecnologia assistiva, seja de baixo ou alto custo, tem que ser acompanhado de programas de
treinamento com o usuário e com os profissionais da educação. A falta de um programa de
image/svg+xml
Juliana Roberta FANTI e Ligia Maria Presumido BRACCIALLI
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1662
treinamento tem sido motivo para o abandono do recurso, muitas vezes sem nunca ter sido
utilizado.
Para eficácia do treinamento do uso do rastreador ocular, deve-se propor um programa
que favoreça uma mudança no desempenho motor ocular do indivíduo, considerando que esse
dispositivo de acesso exige dos seres humanos funções oculomotoras específicas, as quais são
diferentes do uso habitual dos olhos.
A partir dessas informações, questionou-se: um programa de treinamento de uso de
dispositivo de rastreamento ocular pode melhorar o desempenho oculomotor no acesso ao
computador de aluno com doença neuromuscular progressiva?
O estudo teve como objetivo comparar o desempenho oculomotor de aluno com doença
neuromuscular antes e depois da aplicação de um programa de treinamento individualizado.
Método
A pesquisa foi realizada por um estudo de sujeito único, A-B-A, caracterizado por coleta
com único participante, sendo ele o seu próprio controle. Suas conclusões foram obtidas pelo
efeito de uma intervenção em condições controladas, e o comportamento medido repetidamente
até a estabilidade ou variações mínimas. A variável dependente é o comportamento medido, na
qual o pesquisador aplica sua intervenção e mensura seus efeitos. A linha de base (A) descreve
as respostas do período sem intervenção, refletindo o desempenho natural do comportamento
medido, enquanto a linha B, chamada de intervenção, mensura as respostas do desempenho
durante a intervenção. Nesse modelo de pesquisa experimental (A-B-A), a linha de base é
replicada após a intervenção, com intuito de comprovar que as mudanças no desempenho se
mantêm mesmo após encerrada a intervenção (GAST, 2010).
Ética em pesquisa
A princípio foram contatadas a Secretaria Municipal de Educação e Diretoria Regional
de Ensino de uma cidade do interior paulista, de médio porte, para esclarecimento da pesquisa
e posteriormente autorização da realização da mesma.
Após a autorização, foi solicitado às instituições supracitadas o levantamento dos alunos
m
atriculados no ensino comum das escolas públicas do munícipio e região, cadastrados na
Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (PRODESP) com doenças
neuromusculares, na faixa etária entre sete e dezessete anos. Os setores responsáveis pela
image/svg+xml
Efeitos do programa de treinamento de rastreador ocular para aluno com doença neuromuscular
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1663
Educação Especial das duas instituições colaboraram com a pesquisa fornecendo os nomes das
escolas e salas de atendimento especializados que tinham alunos com deficiência física
matriculados. Até o momento não havia informação sobre os diagnósticos dos alunos com
deficiência física.
Em seguida, a pesquisadora se dirigiu pessoalmente a cada escola indicada, para a
identificação dos possíveis participantes para a pesquisa. Para fins de identificação dos alunos
com diagnóstico de doença neuromuscular a pesquisadora teve acesso ao prontuário escolar de
cada aluno com deficiência física.
Os alunos com doença neuromuscular comprovada por relatório médico foram listados
pela pesquisadora e, posteriormente, foi solicitado autorização do diretor da escola para a coleta
de dados em ambiente escolar, estabelecidos dias, horário e local para coleta, e então,
contatados os familiares dos alunos selecionados para apresentação da pesquisa e entrega do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, caso concordassem com a participação no estudo.
Inicialmente foram identificados sete participantes com os critérios necessários para
inclusão no estudo, porém um se mudou de cidade, pertencendo a outra jurisdição, outros dois
os familiares não autorizaram a participação na pesquisa, um faleceu na data de início da coleta,
assim apenas três participantes iniciaram a pesquisa. Após uma semana de coleta de dados, dois
participantes não puderam continuar na pesquisa, pois houve suspensão do transporte escolar
devido à manutenção e eles não tinham como se dirigir à escola, sendo que apenas um
participante finalizou a pesquisa.
O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa com o número CAAE:
81841417.1.0000.5406. Seguindo os critérios éticos, foram realizadas leitura e assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e do Termo de Assentimento, pelo responsável e
participante respectivamente, antes do início da coleta de dados.
Participante
Participou da pesquisa uma criança com 9 anos de idade, do sexo feminino, com
diagnóstico de Distrofia Muscular, tipo não especificada, estudante do 4º ano do ensino comum
de uma escola estadual.
Para descrição das limitações e potencialidades motoras da criança, a mesma foi
s
ubmetida a avaliação por meio da escala de Medida da Função Motora em Doenças
Neuromusculares – MFM, e as informações obtidas foram organizadas e apresentadas pela
Figura 1. A criança apresentou comprometimento motor grave em membros superiores e
image/svg+xml
Juliana Roberta FANTI e Ligia Maria Presumido BRACCIALLI
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1664
inferiores, diminuição de amplitude de movimento em ombros, compensação postural para
realização dos movimentos desejados. Outras informações relevantes para a descrição da
participante são que a mesma fazia uso de cadeira de rodas com faixa abdominal para
posicionamento e uso de transporte escolar adaptado. Já a mesa escolar não apresentava
nenhuma adaptação. Nas atividades de registro de conteúdo pedagógico, apresentava lentidão
na cópia, sendo que a adaptação proposta pela escola para essa tarefa foram as impressões de
algumas atividades escolares. No contraturno a aluna frequentava a sala de recurso de
deficiência física, na própria escola, duas vezes na semana.
Figura 1
–
Escore da capacidade motora em % da participante
Dimensões
Cálculo do escore em %
Dimensão 1 (D1)
0
Dimensão 2 (D2)
58,3
Dimensão 3 (D3)
76,1
Escore total
38,5
Fonte: Elaborado pelos autores
D1= posição em pé e transferências; D2 = motricidade axial e proximal; D3 = motricidade distal
Coleta de dados
Para o posicionamento da aluna durante a coleta de dados foram utilizados uma mesa
escolar retangular comum com as seguintes dimensões: altura de 76cm, comprimento de 60cm
e largura de 45cm; cadeira de rodas comum com largura total de 64,5cm, altura total de 88cm.
Seguindo as normas de ergonomia, além da mesa foi utilizado suporte reclinável para
notebook com inclinação variável de 0 a 90º.
Para a coleta de dados foi usado um
Notebook
HP
Touch
Smart
PC, com monitor 12,1
polegadas, sistema operacional Windows Vista, e o dispositivo de rastreamento ocular da
Tobii
PCEye Go
(Tobii Dynavox), o qual era acoplado ao visor do
notebook
permitindo ao usuário o
controle das atividades na tela com os movimentos oculares, sem a utilização do
mouse
ou
teclado comuns (TOBII DYNAVOX, 2015).
A Figura 2 contextualiza de forma temporal as cinco semanas de coleta de dados e as
atividades desenvolvidas nesse período, contemplando o treinamento da profissional de apoio
pedagógico, a qual foi responsável pela aplicação dos testes, para que não houvesse viés na
pesquisa, e também avaliação motora da aluna e mensuração de dados por meio de softwares
específicos, sendo as linhas de base e intervenção.
image/svg+xml
Efeitos do programa de treinamento de rastreador ocular para aluno com doença neuromuscular
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1665
Figura 2
–
Cronograma da coleta de dados com a participante A
Treinamento
–
profissional de apoio
pedagógico
(avaliador)
Avaliação
motora –
MFM
Linha de base
-
A¹
Intervenção
–
B
Linha de base
–
A²
Semana 1
Semana 2
Semana 3
Semana 4
Semana 5
Fonte: Elaborado pelos autores
Inicialmente a pesquisadora realizou a avaliação motora da participante do estudo.
Ainda na primeira semana foi realizado um treinamento com a profissional de apoio pedagógico
sobre os seguintes conteúdos: dispositivo de acesso ao computador por rastreamento ocular
(
Tobii PCEye Go
) e uso dos softwares de medidas do desempenho motor. Esta profissional,
durante a coleta de dados, realizou a calibração diária do dispositivo de rastreamento ocular e
aplicou os testes por meio dos softwares de medida,
Discrete Aiming Task 2.0
(DAT)
(OKAZAKI, 2008),
Tracking Task 2.0
(TT) (OKAZAKI, 2008) e
Single Switch Performance
Test
1.0 (SSPT), os quais mensuravam o do desempenho motor da aluna. As avaliações foram
realizadas por esta profissional para que não houvesse viés na pesquisa, já que pesquisadora
desenvolveu o programa de intervenção.
As quatro semanas subsequentes contemplaram a coleta de dados do desempenho
oculomotor no uso do dispositivo de tecnologia assistiva de rastreamento ocular, totalizando
vinte sessões, cinco dias letivos por semana.
Os primeiros cinco dias letivos da coleta de dados foram caracterizados pela mensuração
do desempenho oculomotor natural da linha de base A¹. Os dez dias letivos seguintes, segunda
e terceira semanas, caracterizaram a fase de intervenção (B), na qual foi aplicado o programa
de treinamento do uso do rastreador ocular.
A
quarta e última semana, durante os cinco dias letivos, contemplou a fase final da
coleta de dados, a linha de base A², a qual mensurou o desempenho oculomotor natural da aluna
no uso do dispositivo de rastreamento ocular após o período de intervenção, ou seja, sem a
aplicação do programa de treinamento.
image/svg+xml
Juliana Roberta FANTI e Ligia Maria Presumido BRACCIALLI
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1666
Durante todos os vinte dias de coleta de dados foi desenvolvido um diário de campo em
formato descritivo, com anotações sobre os comportamentos da aluna frente ao uso do
dispositivo de tecnologia assistiva.
Diariamente, no período decorrente da coleta de dados, a pesquisadora organizou os
materiais, mobiliários e equipamentos, e só então a aluna era direcionada pela profissional de
apoio educacional à sala para a coleta. Em seguida, a profissional de apoio posicionava a
participante e realizava a calibração e configuração do dispositivo utilizando o software
Gaze
Interaction
, que acompanha o próprio equipamento,
Tobbi PCEye Go
.
O método de ativação foi configurado individualmente para a participante nas duas
formas possíveis, permanecer e piscar, sendo no permanecer com tipo relógio de feedback, na
cor vermelha e tempo de permanência de 640 milissegundos. O tamanho do ponto foi de 68 px,
com opacidade à 80%; e no piscar com duração mínima de ativação de 162 milissegundos e
duração máxima de ativação de 644 milissegundos, tipo ponto pulsando de feedback, na cor
vermelha, com tamanho de 68 px e opacidade de 80%.
Os softwares utilizados nesta pesquisa para mensurar o desempenho oculomotor da
participante durante a coleta de dados da linha de base A¹ e A² e fase de intervenção B foram
desenvolvidos pelo pesquisador Prof. Dr. Victor Hugo Alves Okazaki, no ano de 2008, e
encontram-se disponíveis para
download
gratuito no website
(https://okazaki.webs.com/softwaresdownloads.htm#297051518), sendo o
Discrete Aiming
Task
utilizado para mensurar a acurácia, o
Tracking Task
para mensurar o tempo de reação e
Single Switch Performance Test
utilizado para mensurar o tempo de movimento e erros, todos
sendo mensurados por meio do uso do dispositivo de acesso de rastreamento ocular.
Quanto ao programa de treinamento, usado a fase de intervenção B da pesquisa, o
mesmo foi elaborado pela pesquisadora embasado no referencial teórico proposto por Hagedorn
(2007), o nível de ocupação desenvolvente, o qual se utiliza de uma perspectiva reducionista
para pequenos episódios de desempenho, ou seja, uso de tarefas graduadas do nível simples
para o mais complexo para treinar aspectos específicos das funções.
A duração das sessões da intervenção, linha B, foram de uma hora, na qual nos primeiros
quinze minutos foram realizados exercícios de estimulação oculomotora e os demais quarentas
e cinco minutos utilizados para execução das tarefas do programa de treinamento elaborado
pela pesquisadora.
image/svg+xml
Efeitos do programa de treinamento de rastreador ocular para aluno com doença neuromuscular
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1667
Análise de dados
As medidas de desempenho motor analisadas foram acurácia, tempo de reação, tempo
de movimento e erros.
Para mensuração, a variável acurácia foi fragmentada em duas medidas, o tempo total
de movimento, que é o tempo gasto para seleção do alvo na tarefa e o tempo por movimento,
que é o tempo médio gasto para acionar o alvo da tarefa.
Para mesurar o tempo de reação, essa variável foi divida em três medidas, tempo médio
de acionamento, que é o tempo médio gasto para acionar o alvo da tarefa, tempo mais rápido
de acionamento, que é o tempo gasto menor para acionar o alvo da tarefa e tempo mais lento
de acionamento, que é o tempo gasto maior para acionar o alvo da tarefa.
O tempo de movimento e erros foi considerado uma única variável, pois são
inversamente proporcionais, sendo fragmentados em porcentagem de tempo no círculo, que é
a porcentagem de tempo que o cursor ficou dentro do círculo durante o tempo da tarefa, e em
frequência de erros, que são os erros cometidos no rastreamento do alvo durante a tarefa.
Os dados coletados, com os
softwares
de medida de desempenho motor
Discrete Aiming
Task, Tracking Task e Single Switch Performance Test,
após serem mensurados, foram
automaticamente
exportados para o
Microsoft Excel
pelos próprios
softwares
, e representados
por gráficos de linhas; posteriormente, foram encaminhados para três juízes para a análise visual
e, então, suas respostas submetidas para análise de concordância.
Para a confecção dos gráficos todos os dados referentes a tempo de execução da tarefa
foram transcritos em decissegundos e o eixo vertical adequado em todos os gráficos, assim
como adicionado uma linha de tendência em cada gráfico para melhor visualização das
mudanças de medidas nas variáveis pesquisadas neste estudo.
A análise visual foi realizada por três juízes independentes, com formação e
especialização em educação especial e desenvolvimento motor, sendo que os gráficos foram
enviados por meio de endereço eletrônico juntamente com um protocolo de análise visual
baseado em Vieira (2007).
O protocolo de análise visual tinha como corpo cinco perguntas direcionadas às
características de tendência apresentadas por gráfico em cada fase da pesquisa, linhas de base
e intervenção, assim como à mudança perceptível no comportamento oculomotor decorrente da
aprendizagem motora.
A concordância entre os juízes foi avaliada por meio do índice de concordância de
F
agundes (1999), sendo considerados valores entre 66% e 90%, onde o índice maior que 90%
image/svg+xml
Juliana Roberta FANTI e Ligia Maria Presumido BRACCIALLI
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1668
representa fidedignidade muito alta, índice entre 80% e 89% representa fidedignidade alta,
índice entre 66% e 79% fidedignidade aceitável, e índice menor que 66% representa baixa
fidedignidade (BAUER; GASKELL, 2004).
Resultados
Os resultados foram representados em gráficos, apresentando a relação das variáveis:
(1) acurácia, (2) tempo de reação e (3) tempo de movimento/erro.
Conforme descrito anteriormente, a acurácia é a precisão com que a tarefa foi executada,
sendo mensurados o tempo total de resposta e o tempo por movimento.
Já o tempo de reação (TR) mensura a quantidade de tempo em decissegundos que o
usuário levou para iniciar a tarefa, ou seja, o tempo entre o início do estímulo da tarefa e o início
da ação do usuário, sendo o estímulo representado por um sinal de luz, som ou palavra escrita,
no caso um estímulo visual e sonoro. Para essa variável foram mensurados o tempo médio de
acionamento, tempo mais rápido de acionamento e tempo mais lento de acionamento.
Quanto à medida de erros, esta pontua o desempenho da ação quanto à precisão,
considerando a quantidade de erros cometidos no desempenho da ação exigida pela tarefa.
Em contrapartida, o tempo de movimento considera a velocidade exigida pela ação da
tarefa, definida pela variação da posição do objeto em função do tempo.
Acurácia
Quanto à acurácia foram mensuradas duas variáveis, tempo total de resposta e tempo
por movimento.
A figura 3 representa em gráfico a variável de tempo por movimento.
Os dados apresentados pela figura 3 indicaram uma linha de tendência estável no tempo
total de resposta da fase inicial, a qual foi decrescendo na fase B e estabilizou na fase final,
reduzindo seu tempo em 16,6 decissegundos da linha de base A¹ para linha de base A².
A análise visual do gráfico apresentou um índice de concordância de 100% para
mudança de tendência decrescente e desempenho motor. Já na concordância referente à
aprendizagem o índice foi de 66%, representando uma fidedignidade aceitável.
image/svg+xml
Efeitos do programa de treinamento de rastreador ocular para aluno com doença neuromuscular
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1669
Figura 3
–
Gráfico de Tempo por movimento (decissegundos)
Fonte: Elaborado pelos autores
Outra variável relacionada à acurácia foi representada na figura 4, na qual o gráfico
apresenta as medidas de tempo por movimento.
Os dados apresentados pela figura 4 indicaram uma tendência decrescente na divisão do
tempo total por cada movimento executado, reduzindo seu tempo em 8,3 decissegundos.
A análise visual do gráfico apresentou um índice de concordância de 100% tanto para a
mudança de tendência decrescente quanto para desempenho motor. Já na concordância
referente à aprendizagem o índice foi de 66%, representando uma fidedignidade aceitável.
Figura 4
–
Gráfico de Tempo por movimento (decissegundos)
Fonte: Elaborado pelos autores
0
10
20
30
40
A¹1
A¹2
A¹3
A¹4
A¹5
B1
B2
B3
B4
B5
B6
B7
B8
B9
B10
A²1
A²2
A²3
A²4
A²5
Tempo Total de Resposta (segundos)
Tempo Total de
Resposta
Linear (Tempo Total de
Resposta)
0
1
2
3
4
5
6
7
8
A¹1
A¹2
A¹3
A¹4
A¹5
B1
B2
B3
B4
B5
B6
B7
B8
B9
B10
A²1
A²2
A²3
A²4
A²5
Tempo/movimento
Tempo/movimento
Linear
(Tempo/movimento)
image/svg+xml
Juliana Roberta FANTI e Ligia Maria Presumido BRACCIALLI
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1670
Tempo de reação
A variável tempo de reação foi fragmentada em tempo médio de acionamento, tempo
mais rápido de acionamento e tempo mais lento de acionamento.
A figura 5 representa em gráfico a variável de tempo médio de acionamento.
Os dados apresentados pela figura 5 indicaram uma linha de tendência decrescente da
linha de base A¹ para a linha de base A², reduzindo seu tempo significativamente em 9,68
decissegundos.
A análise visual do gráfico apresentou um índice de concordância de 100% para
mudança de tendência decrescente e desempenho motor. Já na concordância referente à
aprendizagem o índice foi de 66%, representando uma fidedignidade aceitável.
Figura 5
–
Tempo médio de acionamento (decissegundos)
Fonte: Elaborado pelos autores
A segunda medida da variável tempo de reação foi representada na figura 6, na qual o
gráfico apresenta as medidas de tempo mais rápido de acionamento.
Os dados apresentados pela figura 6 indicaram uma tendência decrescente na fase de
intervenção, reduzindo seu tempo em 4,88 decissegundos, sendo o maior tempo de acionamento
de 4,89 decissegundos e o menor tempo mais rápido de acionamento de 0,01 decissegundos.
A análise visual do gráfico apresentou um índice de concordância de 100% tanto para a
mudança de tendência decrescente quanto para desempenho motor. Já na concordância
referente à aprendizagem o índice foi de 66%, representando uma fidedignidade aceitável.
image/svg+xml
Efeitos do programa de treinamento de rastreador ocular para aluno com doença neuromuscular
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1671
Figura 6
– Tempo mais rápido de acionamento (decissegundos)
Fonte: Elaborado pelos autores
A última medida da variável tempo de reação foi representada na figura 7, na qual o
gráfico apresenta as medidas de tempo mais lento de acionamento.
Os dados apresentados pela figura 7 indicaram uma tendência decrescente na fase de
intervenção, demonstrando uma redução relevante de 27,82 decissegundos, sendo que o maior
tempo mais lento de acionamento foi de 36,12 decissegundos e o menor tempo mais lento de
acionamento de 0,01 decissegundos.
A análise visual do gráfico apresentou um índice de concordância de 100% tanto para a
mudança de tendência decrescente quanto para desempenho motor. Já na concordância
referente à aprendizagem o índice foi de 50%, entretanto apenas dois examinadores
responderam essa questão.
Figura 7
–
Tempo mais lento de acionamento (decissegundos)
Fonte: Elaborado pelos autores
image/svg+xml
Juliana Roberta FANTI e Ligia Maria Presumido BRACCIALLI
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1672
Tempo de movimento e erro
As vaiáveis tempo de movimento e erro foram representadas pelas medidas
porcentagem de tempo no círculo, frequência de erros e porcentagem de tempo por frequência
de erros.
A figura 8 representa em gráfico a variável de porcentagem de tempo no círculo.
Os dados apresentados pela figura 8 indicaram uma linha de tendência crescente da linha
de base A¹ para linha de base A², aumentando seu tempo dentro do círculo em 18,7
decissegundos, sendo que o menor tempo dentro do círculo foi de 19,7% e o maior tempo de
permanência no círculo de 38,4%.
A análise visual do gráfico apresentou um índice de concordância de 100% para
mudança de tendência crescente, desempenho motor e aprendizagem motora.
Figura 8
–
Porcentagem de tempo no círculo
Fonte: Elaborado pelos autores
Outra medida da variável tempo de movimento/erros foi representada na figura 9, na
qual o gráfico apresenta as medidas de frequência de erros, a qual deve ser inversamente
proporcional ao tempo do círculo.
Os dados apresentados pela figura 9 indicaram uma tendência crescente.
A análise visual do gráfico apresentou um índice de concordância de 100% tanto para a
mudança de tendência decrescente quanto para desempenho motor. Já na concordância
referente à aprendizagem o índice foi de 66%, representando uma fidedignidade aceitável.
image/svg+xml
Efeitos do programa de treinamento de rastreador ocular para aluno com doença neuromuscular
RIAEE
– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1659-1676, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.15745
1673
Figura 9
–
Frequência de erros
Fonte: Elaborado pelos autores
Conforme descrito anteriormente observa-se uma relação na porcentagem de gente no
círculo e a quantidade de erros, sendo que os resultados podem sugerir que as variáveis
apresentaram relação diretamente proporcional.
Figura 10
– Porcentagem de Tempo x Frequência de erros
Fonte: Elaborado pelos autores
Considerações finais
O presente estudo é um recorte de dissertação de mestrado que discorre sobre a
elaboração e aplicabilidade de um programa de treinamento para uso de dispositivo de
rastreamento ocular por aluno com doença neuromuscular, sendo analisadas variáveis
mensuráveis de desempenho oculomotor para verificar se o programa elaborado pode gerar
aprendizagem motora por meio da melhora no desempenho motor do aluno.