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A universidade multicampi na região integrada de desenvolvimento Petrolina-Juazeiro
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–
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1370-1386, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.15746
1370
A UNIVERSIDADE MULTICAMPI NA REGIÃO INTEGRADA DE
DESENVOLVIMENTO PETROLINA-JUAZEIRO
1
UNIVERSIDAD MULTICAMPI EN LA REGIÓN DE DESARROLLO INTEGRADO
PETROLINA-JUAZEIRO
THE MULTICAMPI UNIVERSIT IN THE INTEGRATED DEVELOPMENT REGION
PETROLINA-JUAZEIRO
Eduardo José Fernandes NUNES
2
Tarcísio Fulgêncio Alves da SILVA
3
Paulo César Marques de Andrade SANTOS
4
RESUMO
: O objetivo do presente artigo é identificar os impactos provocados pela
Universidade
Multicampi
no desenvolvimento social, cultural e econômico na Região
Integrada de Desenvolvimento (RIDE) de Petrolina (PE) - Juazeiro (BA). Inicia apresentando
as teorias voltadas ao desenvolvimento local/regional do final da década de 1980, com a
valorização das atividades econômicas, sociais e culturais desenvolvidas pelos sujeitos em seu
próprio espaço caracterizando assim o paradigma do desenvolvimento endógeno aliada ao
modelo de acumulação flexível, fugindo aos postulados keynesiano de desenvolvimento
regional inseridas na macroeconomia. Trata-se de um estudo qualitativo baseado na revisão de
literatura, as quais assinalam que as Universidades do Estado da Bahia (UNEB), de
Pernambuco (UPE) e a do Vale do São Francisco (UNIVASF), universidades multicampi,
criadas com o objetivo de levar o ensino superior ao interior dos Estados, têm contribuído, nas
últimas duas décadas, tanto para a consolidação da Região como centro de excelência em
Fruticultura Irrigada, como também, polo universitário de excelência nas mais variadas áreas
do conhecimento promovendo o acesso a todos/as aqueles/aquelas das classes populares e que
vivem distante dos grandes centros urbanos. O estudo conclui que a Universidade
Multicampi
vem contribuindo de forma efetiva para o desenvolvimento local/regional da RIDE, não
apenas na dimensão econômica, mas, também, nas dimensões política, social, cultural e
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
–
Brasil (CAPES)
–
Código de Financiamento 001, e faz parte das atividades do estágio de pós-doutoramento
junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEDUC) da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB).
2
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador
–
BA
–
Brasil. Professor Adjunto. Departamento de
Educação. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade
(PPGFDUC). Doutorado em Análise Geográfica Regional pela Universidade de Barcelona. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-9358-8039. E-mail: eduardojosf2@gmail.com
3
Universidade de Pernambuco (UPE), Petrolina
–
PE
–
Brasil. Professor Associado. Professor Permanente do
Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI). Doutorado
em Ciências da Saúde pela PUC (PR). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5982-9954. E-mail:
tarcisio.silva@upe.br
4
Universidade de Pernambuco (UPE), Petrolina
–
PE
–
Brasil. Professor Adjunto do Colegiado de Pedagogia.
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares
(PPGFPPI). Doutorado em Educação (UFBA). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5803-2388. E-mail:
paulo.marques@upe.br
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Eduardo José Fernandes NUNES; Tarcísio Fulgêncio Alves da SILVA e Paulo César Marques de Andrade SANTOS
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inclusiva quando promove o ingresso de atores sociais que antes não tinham a oportunidade
de acesso ao ensino superior.
PALAVRAS-CHAVE:
Desenvolvimento local. RIDE. Universidade
Multicampi
.
RESUMEN
: Este artículo destaca la importancia de la Universidad Multicampi en el
desarrollo social, cultural y económico en la Región Integrada de Deserrollo (RIDE) de
Petrolina (PE) - Juazeiro (BA). Se inicia presentando teorías orientadas al desarrollo local /
regional de finales de la década de 1980, con la valoración de las actividades económicas,
sociales y culturales desarrolladas por los sujetos en su propio espacio, caracterizando así el
paradigma de desarrollo endógeno aliado al modelo de acumulación flexible, huyendo de los
postulados keynesianos del desarrollo regional incrustados en la macroeconomía. Las
Universidades del Estado de Bahia (UNEB), de Pernambuco (UPE) y del Vale do São
Francisco (UNIVASF), universidades multicampi, creadas con el objetivo de llevar la
educación superior al interior de los Estados, han contribuido en los últimos dos décadas,
tanto por la consolidación de la Región como centro de excelencia en Fruticultura de Riego,
como centro universitario de excelencia en las más variadas áreas del conocimiento,
contribuyendo al desarrollo local / regional en sus dimensiones económica, social y cultural .
PALABRAS CLAVE
: Desarrollo local. RIDE. Universidad Multicampi.
ABSTRACT
: This article highlights the importance of the Multicampi University in social,
cultural and economic development in the Integrated Development Region (Região Integrada
de Desenvolvimento - RIDE) of Petrolina (PE) - Juazeiro (BA). It begins by presenting
theories aimed at local/regional development of the late 1980s, with the appreciation of
economic, social and cultural activities developed by the subjects in their own space, thus
characterizing the paradigm of endogenous development allied to the flexible accumulation
model, fleeing from Keynesian postulates of regional development embedded in
macroeconomics. The University of the State of Bahia (UNEB), The University of
Pernambuco (UPE) and University of the Vale do São Francisco (UNIVASF), multicampi
universities, created with the objective of taking higher education to the interior of the States,
have contributed in the last two decades , both for the consolidation of the Region as a center
of excellence in Irrigated Fruit Growing, as well as a university center of excellence in the
most varied areas of knowledge, contributing to local/regional development in its economic,
social and cultural dimensions.
KEYWORDS
: Local development. RIDE. Multicampi University.
Introdução
A globalização, para além de um fenômeno socioeconômico resultante das condições
sociais específicas criadas no entorno das condições de produção, consumo e acumulação de
riqueza, é um processo histórico de integração e interdependência regional com forte
influência política, social, cultural, religiosa e econômica. É um processo complexo e
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A universidade multicampi na região integrada de desenvolvimento Petrolina-Juazeiro
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transversal que, como diz Sousa Santos (2020), atravessa diversas áreas da vida social
inclusive as práticas culturais e identitárias e as maneiras de busca do saber ou conhecimento
(SANTOS, 2020).
Sua eficiência se sustenta, por um lado, no avanço da ciência informacional por meio
das novas tecnologias digitais de informação e de comunicação que criam redes por onde
passam os fluxos financeiros e as formas de controle do capital entre países que constituem
blocos econômicos; e, por outro, pelos preceitos neoliberais que romperam, em boa parte,
com as práticas do Estado Social, estabelecendo o Estado mínimo com um maior
empoderamento e eficiência alocativa de recursos por meio da casta empresarial
internacional.
Isso posto, como resposta a esse modelo de globalização, a partir dos anos de 1980,
um outro fenômeno em escala regional começa aglutinar nas cidades atividades econômicas
com base na vocação, saberes e cultura locais. Esse fenômeno conhecido como
desenvolvimento endógeno, é resultante das dinâmicas das interações ambientais,
antropológicas, culturais, científicas, econômicas, políticas, tecnológicas, sociais e educativas,
que contribuem com a reconfiguração do modelo de desenvolvimento do território.
Um desses territórios é a Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE), um conjunto
de municípios pertencentes a dois Estados vizinhos com características socioeconômicas
similares para implantação e implementação de políticas públicas que produzam efeitos
positivos para todo o território. Nesse sentido, a RIDE passou a ser considerada como
instrumento de planejamento de ações comuns, captação e maximização de recursos (IBGE,
2019).
Com objetivo de organizar o território, captar recursos e maximizar o uso dos
equipamentos públicos, as RIDE são potencializadoras de desenvolvimento local/regional. O
termo local ganhou um
status
estratégico nas economias das nações, alcançando uma
importância vital no tecido econômico, graças às oportunidades decorrentes da reestruturação
das plantas industriais flexíveis e dos arranjos produtivos (MARTINELLI; JOYAL, 2004, p.
53). A noção de desenvolvimento local, lembra-nos Vanier (2008), tende a acionar duas
lógicas contrapostas: uma lógica exógena e uma lógica endógena.
A primeira, estariam associados atributos de um tipo de organização fordista do
trabalho industrial e sua dinâmica espacial. Por meio dela, dar-se-ia uma integração renovada
de regiões, cidades ou localidades em circuitos nos quais elas encontram uma função
especializada, em troca de uma certa transformação social tal como acesso à habitação
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Eduardo José Fernandes NUNES; Tarcísio Fulgêncio Alves da SILVA e Paulo César Marques de Andrade SANTOS
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moderna, elevação do nível geral de alfabetização, novos espaços de consumo (VANIER,
2008).
Contraposta a este “regime de acumulação”, a lógica endógena que guia
boa parte dos
modelos de desenvolvimento local
–
(ACSELRAD, 2002, p. 33) estabeleceria uma
organização socioeconômica alternativa, que substituiria o sistema fordista em crise,
caracterizando-se pela capacidade de ativar e combinar recursos próprios até então
negligenciados, práticas potencialmente inovadoras, poupança local, ofertas de emprego
correspondentes às novas aspirações coletivas quanto à qualidade de vida, meio ambiente,
lazer , identidade e cultura, entre outras..
Essa nova configuração do território produzidos pela desterritorialização e
reterritorialização, como bem assinalam Guattari (2009), Haesbaert (2002) e Refestin (2009),
produzem uma nova relação de produção real e simbólica que impactam diretamente nos
aspectos sociais, econômicos e culturais do lugar, onde o desenvolvimento do território passa
a ser alvejado não mais pela sua capacidade de atrair investimentos produtivos, mas por gerar
esses investimentos (AMARAL FILHO, 2009).
Estre as instituições afetadas por essa nova configuração territorial está a universidade,
que como Instituição de Ensino Superior (IES), é um exemplo de instituição composta por
diversas organizações que transformam, produzem, religam e mantêm sujeitos em constante
interação e inter-relação com os sistemas presentes no espaço que ocupa.
A IES é um local de produção e reprodução dos valores, das expectativas e dos fatos
concretos que são tratados em sala de aula, nos laboratórios e atividades práticas
desenvolvidas por estudantes em sua formação inicial ou continuada. O resultado das ações da
IES implica na melhoria das relações tanto no contexto social, quanto no econômico e
cultural. Nesse sentido, ela é responsável por criar e desenvolver políticas públicas para
atender expectativas e as demandas sociais que circundam a educação, e no entorno da
Universidade, o território. Espaço onde são exercidas as relações de poder nos diversos
contextos tais como: antropológico, ambiental, cultural, econômico, jurídico, político e
simbólico. É nele que a Universidade finca os pilares do Ensino, da Pesquisa e da extensão, na
expectativa de que, na interação desses pilares, consiga cumprir sua missão educacional e
atender às demandas do lugar.
Deste modo, o objetivo do presente estudo, foi identificar os impactos provocados pela
Universidade
Multicampi
no desenvolvimento social, cultural e econômico na Região
Integrada de Desenvolvimento (RIDE) de Petrolina (PE) - Juazeiro (BA). O artigo enfatiza a
importância do processo de interiorização do ensino superior, em sua estrutura
multicampi
, e
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A universidade multicampi na região integrada de desenvolvimento Petrolina-Juazeiro
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como essa instituição tem colaborado com o desenvolvimento dos territórios em suas diversas
dimensões: econômica, social, política e cultural. O território pesquisado foi a Região
Integrada de Desenvolvimento RIDE Petrolina-Juazeiro composta por um conjunto de oito
municípios pertencentes aos Estados de Pernambuco e Bahia. Esse espaço tem características
socioeconômicas semelhantes o que tem possibilitado investimentos em políticas públicas que
produzam efeitos para todo o território. Nele estão presentes as universidades
multicampi
do
Estado da Bahia (UNEB), de Pernambuco (UPE) e do Vale do São Francisco (UNIVASF).
Essas instituições juntas ofertam cerca de 2000 vagas/ano, em 34 cursos de graduação
dos quais 11 cursos são de licenciaturas e 23 cursos são de bacharelados. Nos
campi
localizados na cidade de Juazeiro (BA), concentram a maioria dos cursos de Engenharia com
uma oferta de 400 vagas nas Engenharias Agronômica, de Bioprocessos e Biotecnologia,
Agrícola e Ambiental, Civil, de Computação, de Produção, Elétrica e Mecânica. Nos
campi
localizados em Petrolina (PE) concentram os cursos para formação de professores com uma
oferta de 630 vagas nas licenciaturas em Ciências Biológicas, Educação Física, Geografia,
História, Letras, Matemática e Pedagogia, e os cursos de saúde que concentram 360 vagas
distribuídas entre os cursos de Enfermagem, Fisioterapia, Medicina e Nutrição.
Quadro 1
–
Distribuição da oferta de vagas/ano pelas Universidades
multicampi
2018/2019
CURSOS
VAGAS
%
Engenharias
400
20%
Licenciaturas
630
31,5%
Saúde
360
18%
Outros
610
30,5%
Total
2000
100%
Fonte: Criado pelos autores
Além dos cursos de Engenharia, Formação de Professores e Saúde, que juntos
concetram 69,5% das vagas ofertadas na RIDE Petrolina e Juazeiro, 30,5% das vagas estão
distribuídas entre os cursos de Administração, Direito, Jornalismo e Multimeios, Zootecnia,
Artes Visuais, Medicina Veterinária entre outros.
Pertencente a cátedra de estudos sobre o desenvolvimento local/regional, o aporte
teórico apresenta autores de referência das áreas da Educação, Geografia e Sociologia
produzindo um estudo multi e interdisciplinar importantes para estudantes, pesquisadores e
acadêmicos que estudam as teorias do desenvolvimento e a contribuição das instituições de
ensino superior nos resultados alcançados.
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Eduardo José Fernandes NUNES; Tarcísio Fulgêncio Alves da SILVA e Paulo César Marques de Andrade SANTOS
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Além da introdução, o estudo apresenta mais quatro seções:
A universidade e o
território
que trata do processo de territorialização, do desenvolvimento endógeno e o papel
da Universidade no desenvolvimento local/regional;
A
Ride Petrolina e Juazeiro
que
caracteriza o território e mostra as forças organizativa responsável peal composição, interação
e cooperação dos papéis sociais presentes no espaço e a força competitiva que auxilia no
aperfeiçoamento dos instrumentos e técnicas produtivas. A seção
Contribuição da
universidade
multicampi
Multicampia ou multicampi
com a RIDE Petrolina-Juazeiro
que
apresenta a funcionalidade da estrutura
multicampi
, o processo histórico e seu campo de
atuação no território por meio das atividades de ensino, pesquisa e extensão na formação do
capital cultural voltado a realidade do semiárido, desenvolvimento da vocação econômica e a
divulgação dos valores históricos herdados de cada município que compõe o lugar. Por fim
seguem as
considerações finais
que apresentam os resultados desta pesquisa qualitativa
cunhada por uma revisão de literatura documental e bibliográfica (não consta no resumo, caso
a utilize, levar também este procedimento para o resumo) realizada ao enfatizar os impactos
da universidade
multicampi
multicampia ou multicampi
na RIDE Petrolina-Juazeiro por
intermédio das atividades de ensino, pesquisa e extensão que auxiliam na formação do sujeito
crítico-reflexivo, no desenvolvimento de tecnologias para criação de instrumentos e técnicas
produtivas, e o desenvolvimento de competências e habilidades voltadas para as
especificidades do território.
A Universidade e o Território
Para qualquer leigo em qualquer parte do mundo que esteja distante das discussões
acadêmicas, a educação superior assume um papel de destaque no desenvolvimento do
território que integra. Mas, a bem da verdade, no Brasil, essa participação é algo bem recente
e inicia-se com a autonomia didático-científica das Universidades, conquistada com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, associada ao princípio da indissociabilidade
“entre ensino, pesquisa e extensão”
, conforme descrito no Art. 207 (BRASIL, 1988).
A autonomia didático-pedagógica possibilitou, trazer para o ambiente acadêmico e
levar para a comunidade no entorno, discussões relativas aos problemas de ordem política,
social e econômica produzindo reflexões de suma importância para a vida das pessoas além
de prestar serviços educativos especializados na produção de competências e habilidades para
criação e difusão de tecnologias que tragam benefícios para as pessoas e ao processo de
territorialização.
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A universidade multicampi na região integrada de desenvolvimento Petrolina-Juazeiro
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Para Solins (2009), a territorialização apresenta três aspectos distintos: (I) os
elementos caracterizadores da territorialidade presentes na organização social como pode ser
observado no interior dos grupos, nas redes e entre redes; (II) a presença de técnicas e formas
que moldam determinado lugar. Entende-se aqui
lugar
como espaço que agrega
características comuns como vegetação, clima e etc., mas também, segundo Milton Santos
(2003, p.
62) “não há mais como distinguir [...] lugar e região. Região e lugar são a mesm
a
coisa. Todos se derivam de um conceito-matriz: espaço, e expressam espacialidades relativas
ao contexto em que é utilizado
” (ISSA
; CÁSSIO, 2009, p. 76) e, (III) a territorialidade é
resultante de um processo de enraizamento da identidade, cultura, história, crenças, valores,
aspectos presentes nas relações sociais, econômicas e políticas.
Observado o território por essa dimensão - em constante processo de adaptação e
transformação - percebemos que a universidade além de contribuir com elementos para
produção material do espaço com empreendimentos e tecnologias resultantes da pesquisa
aplicada para resolver problemas emergentes, propicia a formação de valores que serão
perpetuados por meio da reflexão transformadora produzida pela educação.
No entanto, por muito tempo, soluções para os problemas críticos do território foram
pensados por meios de critérios exarados da teoria clássica do desenvolvimento regional,
também conhecida como teoria centro-baixo
5
, e elenca três teses potencialmente capazes de
gerar desenvolvimento ancorado numa força propulsora exógena que pode influenciar
positivamente, a partir do centro das regiões, as atividades econômicas que são elas: a teoria
da base de exportação, a teoria do polo de crescimento e a teoria de difusão.
A teoria da base de exportação vê no incremento das atividades da economia a
possibilidade de gerar excedentes para comercialização com outras regiões, a força principal
do processo de desenvolvimento regional; a teoria dos polos de crescimento desenvolvida por
Perroux (1967) assinala que a força motriz do desenvolvimento está localizado em uma
região, onde, geralmente grupos de unidades produtivas de bens de capital ou de consumo,
geram efeitos positivos e negativos para outras regiões, na medida em que esses efeitos vão se
acumulando a atividade motriz se tornará um polo propulsor da economia da regional.
No entanto, investimentos governamentais para o desenvolvimento ancoradas nas
teorias tradicionais com base nas forças exógenas (fatores de ordem externa), em sua maioria
não levam em consideração setores importantes da comunidade local e em consequência
reforçam os problemas de ordem social e política existentes. A constatação desse fato, deu
5
Porque os projetos e propostas para as soluções dos problemas do lugar eram pensadas e decididas por
políticas, políticos e governantes que ficavam/ficam distantes da região.
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origem a uma nova teoria com base nas competências e habilidades geradas nesse espaço
local. Denominada de teoria do desenvolvimento endógeno, ela prevê o desenvolvimento a
partir da articulação dos atores locais no uso das potencialidades do lugar como bem assinala
Martinelli e Joyal (2004, p. 11):
O modelo [de desenvolvimento endógeno] pode ser definido como um
desenvolvimento realizado de baixo para cima, ou seja, partindo das
potencialidades socioeconômicas originais do próprio local, em vez de um
modelo de desenvolvimento imposto de cima para baixo pelo poder central
do estado.
Essa teoria enseja três dimensões distintas e nos remete ao universo das políticas
públicas: a relação do Estado com a economia; a participação das Universidades e centros de
pesquisas por meio das ações de ensino, pesquisa e extensão e; os programas e projetos que
estimulam o desenvolvimento das vocações locais e a difusão tecnológica.
Da relação do Estado com o mercado, destacam-se as relações de construção do
espaço local/regional, a cultura e o processo histórico das concepções de seu
desenvolvimento. Da participação das Universidades e centros de pesquisas, evidencia-se que
se tratam de instituições que produzem, atualizam e transformam informações em
conhecimento capazes de produzir bens de consumo e bens de capital. Dos programas e
projetos, sublinha-se a importância da promocação do desenvolvimento das vocações locais e
a difusão tecnológica que partem tanto da ação do Estado em sua reação com economia por
intermédio das instituições profissionalizantes e de fomento, quanto da ação das instituições
de ensino superior por meio do ensino, pesquisa e/ou extensão.
Observa-se então que a missão da Universidade está intrinsicamente ligada ao do
território que é
“um
construto histórico-social, possuidor de uma qualidade necessária e
resultante do processo que o produz; ele se refere de maneira aberta a realizações concretas,
materializadas, localizadas e enraizadas (SOLINÍS, 2009, p. 97). A territorialização, ao dar
uma determinada ordem aos elementos dispersos em um âmbito qualquer, produz o conceito
de lugar. Longe de ser apenas um espaço geográfico, o território agrega comportamentos de
organização e reorganização social que permeiam as relações do homem com o espaço, como
pode ser observado na Região Integrada de Desenvolvimento localizada no nordeste brasileiro
entre os Estados de Pernambuco e Bahia. Onde são desenvolvidos projetos e programas
comuns de desenvolvimento local/regional. Esse território foi criado em 2001 e passou a ser
chamado de RIDE Petrolina-Juazeiro.
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Ride Petrolina-Juazeiro
Criada pela lei complementar 113 de 19/09/2001 (BRASIL, 2001) e regulamentada
pelo Decreto 4.366, de 09/2002 (BRASIL, 2002), a RIDE Petrolina-Juazeiro ocupa um espaço
formado pelos municípios de
Petrolina, Lagoa Grande, Orocó, Santa Maria da Boa Vista no
Estado de Pernambuco; e Juazeiro, Casa Nova, Curaçá e Sobradinho
no
Estado da Bahia.
Concentra uma população de
686 mil habitantes (Censo 2010) (BRASIL, 2010), em uma área
de 35 mil quilômetros quadrados, conforme segue a localização na figura 1.
Figura 1
–
RIDE Petrolina Juazeiro
Fonte: Plano de Ação (BRASIL, 2010)
Trata-se de uma área de terra com solo de rochas cristalinas onde em sua grande
maioria composta por gnaisses, granitos, migmatitos e xistos. De relevo plano e ondulado, sua
localização geográfica associada ao clima semiárido prospecta um cenário de limpidez
atmosférica na maioria dos meses do ano, sendo os meses de março e abril os mais úmidos
com a umidade relativa do ar variando em torno de 61% a 65% na cidade de Juazeiro da
Bahia e 66% a 71,5% na cidade de Petrolina - Pernambuco (EMBRAPA, 2021)
6
6
Agência de Informação Embrapa Condições climáticas do Vale do São Francisco (2021).
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Com o passar do tempo, a RIDE tornou-se grande polo tecnológico da fruticultura
irrigada. Em 2018, o Produto Interno Bruto da região alcançou a marca de R$ 13,6 milhões de
reais. Nesse mesmo período, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região, que
reflete as condições de renda (padrão de vida), saúde (expectativa de vida) e educação
(alfabetização de adultos e níveis de escolarização) registrou índice médio de 0,618. Índice
expressivo quando comparado a de outras cidades do semiárido ou sertão nordestino.
Cada município integrante da RIDE desempenha um papel fundamental nos resultados
econômicos alcançados, esse construto é resultante da cooperação e competição que os atores
(sujeitos, empresas, organizações) desempenham. Mas cada um dos municípios mantém suas
características socioculturais, suas tradições e seus valores herdados. São essas diferenças
presentes no espaço que possibilitam o desenvolvimento de políticas de desenvolvimento
coerentes com as reais necessidades de cada município.
Nesse sentido, Becker (2003) enfatiza que a base do desenvolvimento regional se
concentra nas interações construídas no espaço local. Para a autora, conhecer e identificar
atores e potencialidades existentes nesse espaço pode viabilizar o seu crescimento econômico.
O fortalecimento sistêmico local e a dinâmica da comunicação entre municípios da RIDE,
favorece as relações sujeito
versus
sujeito nos diversos sistemas e suas possíveis interações
nas definições e alcance de metas e objetivos comuns.
Por isso, o ponto de partida teórico-metodológico [dos planejamentos de
desenvolvimento] é a base local. Sobre e a partir dessa base localizada
ocorrem as múltiplas determinações-desafios em seus múltiplos sentidos: do
setorial para o regional, ou vice-versa; do econômico-corporativo
transnacionalizado para o sócio-ambiental regionalizado, ou viceversa; do
global para o local, ou vice-versa; do econômico para o social, ou vice-versa;
do mercado para a sociedade, ou vice-versa; compondo um processo de
articulações configuradas por um conjunto de relações setoriais e espaciais
ou conexões internas, estruturantes das dinâmicas diferenciadas dos
processos de desenvolvimento regional (BECKER, 2003, p. 107-108, grifo
nosso).
Os resultados dessa interação entre sistemas promovem a prospecção das organizações
via interação entre porções do espaço geográfico o que é motivado pelos movimentos de
cooperação e competição entre organizações. Nesse ínterim, acompanhar, compreender e
desenvolver instrumentos de cooperação e competição com outras regiões possibilitam
ganhos econômicos, financeiros e sociais para o espaço local.
O ambiente produtivo, nessa perspectiva, é aquele que compreende duas forças
distintas, mas que se completam: a força organizativa responsável pela composição, interação
e cooperação dos papéis sociais no espaço local e a força competitiva que auxilia no
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 2, p. 1370-1386, abr./jun. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i2.15746
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desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo dos instrumentos e técnicas produtivas. Isso
porque, no momento em que as relações dos agentes locais passam a definir as formas de
produzir a criação dos meios e modos de produção a serem utilizados no processo de
acumulação econômica, o local passa a ser considerado como
[...] um ambiente produtivo inovador construído e alicerçado em instituições
com base na cooperação e integração das cadeias produtivas e das redes
econômicas sociais, de tal modo que ele amplie as oportunidades locais, gere
trabalho e renda, atraia novos negócios e crie condições para um
desenvolvimento humano sustentável (MARTINELLI; JOYAL, 2004, p.
61).
Esses ambientes são mantidos pelas redes de cooperação e integração das cadeias
produtivas e possibilitam a sua expansão econômica e social pela capacidade de produzir em
escalas cada vez maiores, desenvolver mais habilidades tecnológicas por intermédio da
inovação e mais competitividade com menores custos.
As Instituições de Ensino Superior (IES), como instituições aprendentes, desenvolvem
um papel importante nesse contexto. São elas que criam, estimulam e desenvolvem
competências e habilidades para o trabalho e aperfeiçoamento das cadeias produtivas, como,
também, a formação do sujeito crítico e reflexivo capaz de agir de forma autônoma nas
interações sociais construídas tanto no âmbito do município, quanto na interação com outros
municípios integrantes da RIDE. Para Almeida (1980, p. 32)
, “
A universidade exerce as
funções básicas de reproduzir e de criar. Desenvolvimento é criação, produção de novas
formas, de novas relações de produção. Desenvolvimento é o envolvimento do homem com a
natureza e a sociedade
.”
.
A Região Integrada de Desenvolvimento de Petrolina-Juazeiro conta com cinco IES
públicas das quais três são
multicampi
: a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a
Universidade de Pernambuco (UPE) e a Universidade do Vale do São Francisco (UNIVASF).
As duas primeiras já estavam na região antes da criação da RIDE e a UNIVASF, que foi
criada em 2002, no mesmo ano de sua criação. Com exceção da UNIVASF, a UNEB e a UPE
foram criadas transformando, em
campi
,
as faculdades isoladas existentes no interior dos
Estados da Bahia e de Pernambuco.
Na cidade de Juazeiro, duas faculdades passaram por essa transformação: a Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras (FFCLJ) e a Faculdade de Agronomia do Médio do São
Francisco (FAMESF). Em 1983, a FFCLJ passou a ser chamada de Departamento de Ciências
Humanas (DCH), que atualmente, reúne os cursos de Pedagogia e Comunicação Social
–
Jornalismo e Multimeios; em 1997, a FAMESF, passou a ser chamada de Departamento de
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Eduardo José Fernandes NUNES; Tarcísio Fulgêncio Alves da SILVA e Paulo César Marques de Andrade SANTOS
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Tecnologia e Ciências Sociais (DTCS) que reúne, atualmente, os cursos de Engenharia
Agronômica, Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, e Direito. Além dos cursos de
formação inicial, a UNEB Campus III tem à disposição da RIDE Petrolina-Juazeiro quatro
Programas
stricto-sensu
: Programa de Pós-Graduação em Agronomia: Horticultura Irrigada;
Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental; Programa de
Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial; Pós-Graduação em
Educação, Cultura e Territórios Semiáridos; e, Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Educação.
Na cidade de Petrolina, integra-se a essa transformação a Faculdade de Formação de
Professores (FFPP) que, em 1990, tornou-se
campi
da Universidade de Pernambuco (UPE).
Atualmente o
campus
reúne os cursos de Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição, Licenciaturas
Ciências Biológicas, em Geografia, História, Letras, Matemática e Pedagogia. Além dos
Programas de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares,
registram-se o Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e Desempenho Funcional, o
Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental para o Semiárido e o
Programa de Pós-Graduação em Etnobiologia e Conservação da Natureza. Este último, em
parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco, a Universidade Federal de
Pernambuco, a Universidade Regional do Cariri e a Universidade Estadual da Paraíba.
A UNIVASF foi criada como instituição
multicampi
para atender as Regiões do Vale e
Médio São Francisco. Na RIDE são dois
campi
o
campus
de Juazeiro com os cursos de
formação inicial em Artes Visuais, Ciências Sociais, Engenharia Agrícola e Ambiental,
Engenharia Civil, Engenharia da Computação, Engenharia de Produção, Engenharia Elétrica e
Engenharia Mecânica. E o
campus
de Petrolina com os cursos de Administração, Educação
Física, Enfermagem, Farmácia, Medicina, Psicologia, Ciências Biológicas, Engenharia
Agronômica, Medicina Veterinária e Zootecnia.Além desses cursos de formação inicial, são
oferecidos cursos de Pós-Graduação em Agronomia
–
Produção Vegetal, Pós-Graduação em
Ciência Animal, Pós-Graduação em Ciências Veterinárias no Semiárido, Programa de Pós-
Graduação em Biociências, Pós-Graduação em Dinâmicas de Desenvolvimento do Semiárido,
Pós-Graduação em Ciências dos Materiais, Pós-Graduação em Engenharia Agrícola,
Mestrado Profissional em Extensão Rural, Doutorado Profissional em Agroecologia e
Desenvolvimento Territorial, além dos Mestrados em Rede como Mestrado em Ensino de
Física, e, Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação, em
Sociologia, em Administração Pública.
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A universidade multicampi na região integrada de desenvolvimento Petrolina-Juazeiro
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Contribuições da Universidade
multicampi multicampia
na RIDE Petrolina-Juazeiro