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Quo vadis, Doutorado profissional (DP)? Análises e exemplos com amparo da didática profissional
RIAEE
–
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1755-1784, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16051
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QUO VADIS,
DOUTORADO PROFISSIONAL (DP)? ANÁLISES E EXEMPLOS COM
AMPARO DA DIDÁTICA PROFISSIONAL
QUO VADIS, DOCTORADO PROFESIONAL (DP)? ANÁLISIS Y EJEMPLOS CON EL
APOYO DE DIDÁCTICA PROFESIONAL
QUO VADIS, PROFESSIONAL DOCTORATE (PD)? ANALYSIS AND EXAMPLES
FROM PROFESSIONAL DIDACTICS
Francisco Regis Vieira ALVES
1
RESUMO
: A variante do “
Ph.D.”
(
Philosophiae Doctor
), denominada de Doutorado
Profissional, se estabeleceu como noção e gênese no
locus
acadêmico em resposta assíncrona
da Universidade diante de um amplo espectro de desafios e críticas levantadas por uma
sociedade cada vez mais permeada por necessidades envolvendo conhecimentos técnicos e
científicos especializados, bem como conhecimentos e habilidades profissionais cada vez mais
robustas, no sentido de responder aos desafios correspondentes para determinado campo
profissional. Nesse sentido, o presente trabalho discute um processo evolutivo sobre a noção de
Doutorado Profissional, mediante um exame necessário dos conhecimentos profissionais, por
vezes pragmáticos e que, de alguma forma, requerem determinados paradigmas, visando seu
reconhecimento pela academia. Em seguida, com o amparo dos pressupostos da Didática
Profissional, apresenta algumas implicações que permitem estabelecer um protocolo de
validação de conhecimentos originados em Produtos Educacionais.
PALAVRAS-CHAVE
: Doutorado profissional. Doutorado acadêmico. Aprendizagem e
competência profissional. Didática profissional.
RESUMEN
: La variante de "Ph.D." (Philosophiae Doctor), denominada Doctorado
Profesional, nace como una noción, con génesis en el locus académico, como una respuesta
asincrónica de la universidad, ante un amplio espectro de desafíos y críticas planteadas por
una sociedad, cada vez más permeada por necesidades que involucran conocimientos técnicos.
y conocimientos científicos especializados, así como conocimientos y habilidades profesionales
cada vez más robustos, para dar respuesta a los retos correspondientes a un determinado
campo profesional. En este sentido, este artículo discute un proceso evolutivo sobre la noción
de Doctorado Profesional, a través de un necesario examen del conocimiento profesional, que
en ocasiones es pragmático y que, de alguna manera, requiere de ciertos paradigmas,
apuntando a su reconocimiento por parte de la academia. Luego, con el apoyo de los supuestos
de la Didáctica Profesional, presenta algunas implicaciones que permiten el establecimiento
de un protocolo de validación de conocimientos originados en productos.
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (IFCE) Fortaleza
–
CE
–
Brasil.
Professor Titular do departamento de Matemática e Física. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
–
CNPq
–
PQ2 (2020
–
2023). Coordenador doutorado
RENOEN
–
POLO
–
IFCE. Doutorado em Educação (UFC). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3710-1561. E-
mail: fregis@ifce.edu.br
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Francisco Regis Vieira ALVES
RIAEE
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PALABRAS CLAVE
: Doctorado profesional. Doctorado académico. Aprendizaje y
competencia profesional. Didáctica profesional.
ABSTRACT
:
The variant of "Ph.D." (Philosophiae Doctor), called Professional Doctorate,
was established as a notion, with genesis in the academic locus, as an asynchronous response
of the university, facing a wide spectrum of challenges and criticisms raised by a society,
increasingly permeated by needs involving technical knowledge and specialized scientific
knowledge, as well as increasingly robust professional knowledge and skills, in order to
respond to the corresponding challenges for a given professional field. In this sense, this paper
discusses an evolutionary process on the notion of Professional Doctorate, through a necessary
examination of professional knowledge, which is sometimes pragmatic and that, in some way,
requires certain paradigms, aiming at its recognition by the academy. Then, with the support
of the assumptions of Professional Didactics, it presents some implications that allow the
establishment of a validation protocol for knowledge originated in products.
KEYWORDS
: Professional doctorate. Academic doctorate. Learning and professional
competence. Professional didactics.
Introdução
No âmbito da História das Universidades (COBBAN, 2001; COMPAYRÉ, 1902;
MOORE, 2019; RASHDALL, 1936; RÜEGG, 2004; WENER, 2013) podemos constatar que a
noção de
Ph.D.
(
Philosophiae Doctor
) acumulou uma emblemática tradição em contexto
histórico
–
evolutivo e social, na medida em que a própria Universidade passou por alterações
e significados, como consequência natural das exigências de uma cultura local do país, da época
considerada e, sobretudo, das necessidades e dos desafios impostos pela sociedade (RÜEGG,
2004). Moore (2019), por exemplo, explica determinadas influências das antigas escolas
medievais na formação que, hodiernamente, consideramos como o terceiro ciclo, ao assinalar a
influência ainda presente da noção de
Ph.D.
(
Philosophiae Doctor
), segundo um viés moderno
e, também, bastante hegemônico de Universidade, ao observar que:
Os tratados medievais nas Ciências eram rotineiramente escritos por
professores de Teologia, que davam continuidade aos interesses científicos
que haviam desenvolvido ao estudar Filosofia Natural. A influência contínua
dessas três categorias filosóficas ainda pode ser vista hoje no grau de Doutor
em Filosofia - um grau rotineiramente concedido a pessoas em quase todas as
disciplinas. [...] um doutorado em Teologia, Direito ou Medicina, os
qualificaria, pelo menos em teoria, para ensinar sua matéria em qualquer
universidade - e o Ph.D. ainda desfruta desse
status
nas universidades em todo
o mundo (MOORE, 2019, p. 23).
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Mais recentemente, por intermédio das explicações de Lee
et al
. (2000), podemos
constatar que, ao decurso de séculos, o significado da noção de
Ph.D.,
como configuração do
título máximo concedido pelas Universidades, enfrentou a transição de maior ênfase no ensino
e, segundo os moldes da Universidade moderna, para um processo que tornava preponderante
o interesse pela importância da pesquisa, respaldada por um viés nem sempre aplicado, como
depreendemos abaixo.
A aquisição de um PhD foi, pelo menos desde o final da Segunda Guerra
Mundial, a licença da universidade para pesquisa independente e baseada em
disciplinas. O PhD se tornou tão naturalizado e enraizado na história da
universidade e seus modos de produção de conhecimento que é fácil esquecer
o quão recente ele chegou. À luz da rápida mudança recente e do debate no
ensino superior, no entanto, não é surpreendente que o PhD e o treinamento
em pesquisa mais geralmente estão sob intenso escrutínio (LEE
et al
., 2000,
p. 118).
Decorridos alguns séculos, de forma particular, podemos constatar em inúmeros países
de cultura anglo-saxônica e outros da Europa que um viés de ampliação ou modificação da
noção de
Ph.D.
ocorreu por intermédio da necessidade de resposta da Universidade frente a
inúmeros desafios. Dessa forma, ocorreu a emergência do que alguns autores (GREEN;
POWELL, 2005; KEHM, 2005, 2007; PARK, 2005) denominam de variantes do doutorado
tradicional acadêmico e, de forma específica, o Doutorado Profissional se apresenta como uma
variante, de forma extremamente recente e de repercussão pouco conhecida no Brasil. Tal fato
distingue uma experiência acumulada que constatamos em outros países, diferentemente dos
primeiros cursos nesta nova modalidade que, aqui no Brasil, pautaram-se pelas orientações do
Manual de Apresentação de Proposta de Curso Novo (APCN), da CAPES, de 20 de setembro
de 2017. Nesse contexto, Curi
et al
. (2021) apresentam um interesse ou indicadores importantes
e que devem ser incorporados ao perfil de formação de um portador do título de doutorado, em
uma modalidade profissional, ao observarem que:
Portanto, almeja-se que o egresso de um DP da área de Ensino deve ter, ao
final do seu curso, a competência para avaliação crítica e intervenção na
prática profissional tendo em vista a resolução de problemas, além de ter
desenvolvido competências para o desenvolvimento de projetos e captação de
recursos financeiros compatíveis com o título de doutor (CURI
et al.
, 2021, p.
220).
Reparemos no trecho anterior, de forma re
corrente, o emprego do termo “competência”
que, em termos de melhor compreensão subsequente, denominaremos como “competência
profissional” e/ou “competência acadêmica”. Ademais, podemos observar nas considerações
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de Curi
et al
. (2021) que o binômio competência profissional
–
resolução de problemas, de igual
modo, adquire um significado distinguido e esperado ao egresso de um Doutorado Profissional.
Por sua vez, quando recorremos ao pensamento de Pastré (2002), podemos constatar que a
noção de “competência profissional” se apresenta visceralmente evidenciada em uma sociedade
moderna e, em certa medida, as Universidades precisam dar uma resposta a tais indicadores e
incessantes exigências. Nesses termos, Pastré (2001) explica e produz um significado do termo
com raízes no pensamento piagetiano, ao indicar que:
[...] é que o problema das competências se tornou e está a tornar-se cada vez
mais uma questão importante do nosso tempo e da nossa sociedade e que isso
se expressa, em particular, nos debates de tipo social, pelo fato de estarmos no
processo de mudança de um sistema de qualificação para o que pode ser
chamado de sistema de competências. A minha segunda convicção é que se
queremos que este problema das competências ocupe o lugar que deveria
ocupar, não devemos antes de tudo reduzir a questão ao debate qualificação /
competências, isto é, a um problema de reconhecimento social das
competências, mas é preciso também pensar no desenvolvimento de
competências, ou seja, ter uma visão pedagógica (PASTRÉ, 2001, p. 1).
Diante dos argumentos anteriores propomos o seguinte problema: De que forma a
formação proporcionada em um Doutorado Profissional necessita considerar os mecanismos de
aprendizagem no e do trabalho? Que fatores ou elementos carecem de uma melhor compreensão
desta nova variante e o que podemos esperar de um Doutorado Profissional no porvir?
Com o escopo de responder pelo menos de forma provisória o questionamento anterior,
indicamos os seguintes objetivos: (i) identificar aspectos históricos e evolutivos em torno da
noção de
Ph.D.
(
Philosophiae Doctor
); (ii)
descrever o cenário brasileiro atual sobre os
mestrados profissionais e os doutorados profissionais e certas dificuldades impostas; (iii)
aplicar determinadas noções originadas da vertente francesa da Didática Profissional ao
contexto da carreira profissional
–
acadêmica, da competência e da formação.
Na seção subsequente, com o escopo de responder os aspectos indicados no item (i),
evidenciaremos um itinerário evolutivo sobre a noção de
Ph.D.
(
Philosophiae Doctor
) até os
dias atuais. Em seguida, descreveremos alguns elementos que deverão auxiliar a compreensão
das práticas atuais formativas desenvolvidas em nível de mestrado profissional e, mais
recentemente, em nível de doutorado profissional, com o escopo de responder o item (ii).
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Alguns aspectos sobre a história das universidades e a noção de
Ph.D.
(
Philosophiae
Doctor
)
Antes de aprofundarmos alguma discussão sobre a noção de Doutorado Profissional, se
mostra imprescindível a compreensão de alguns vestígios ou traços característicos invariantes
que podemos perceber no passado, quando examinamos o componente da História das
Universidades (COMPAYRÉ, 1902; MOORE, 2019; RÜEGG, 2004; WENER, 2013), tendo
em vista entendermos um cenário atualizado do
locus
acadêmico. Nesses termos, o
financiamento de estudos aprofundados e especializados sempre ocorreu segundo uma
acomodação de interesse e exigências da sociedade. Para exemplificar, basta considerar um dos
cenários históricos considerados como o “berço” de um antigo
design
e cultura medieval,
todavia, europeu de Universidade. Os problemas e tensões com o financiamento dos estudos
especializados podem ser constatados, por exemplo,
[...] no século XVII as academias não sofreram tanto quanto as universidades
com a redução geral dos recursos públicos disponíveis, que eram quase
exclusivamente usados para a construção de igrejas e palácios e para fins de
entretenimento (PEPE, 2006, p. 144).
Pouco mais adiante, o pesquisador italiano explica sobre o fenômeno de atração social
e investimento nas Universidades:
A Itália é o lar de muitas das universidades mais antigas da Europa,
começando com a fundação da Universidade de Bolonha no século 11.
Inicialmente, os professores eram pagos pelos alunos, mas com o passar do
tempo as contribuições públicas foram fornecidas pelas comunas e
governantes do Renascimento. As universidades italianas atraíram alunos e
professores famosos de toda a Europa (PEPE, 2006, p. 143).
Com o florescimento e sua disseminação para outros países europeus podemos constatar
a configuração de uma classe de indivíduos com um papel extremamente importante. Nesses
termos, os professores adquiriam uma formação cada vez mais erudita, com repercussão para a
sua distinção social e outros direitos que refletiam em prestígio (social e acadêmico) e a
aquisição de títulos concedidos e, de modo distinguido, aos portadores do título de doutor, cuja
palavra em inglês “
doctor
” se origina do latin “
doctus
”, o que envolve o particípio passado de
“
docere
” e “
docerem
” o que significa, respectivamente, ensinar (
To teach
) e professor. Na
Itália, por exemplo, o título já era concedido em 1219.
Assim, segundo uma terminologia moderna, o “
Ph.D.
”
(
Philosophiae Doctor
) carrega
todo um significado do prestígio secular exercido pelo campo tradicional da Filosofia e das
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Artes, enquanto área do saber que costumava desafiar seus oradores ao campo da inquirição
sistemática e do debate científico vigoroso. Aos antigos doutores das Universidades, segundo
o estilo medieval, cabe compreender o sentido da expressão latina “
licentia docendi ubique”
,
como depreendemos das considerações a seguir do historiador Moore (2019, p. 30).
O desenvolvimento das universidades tendeu a seguir os padrões
estabelecidos no final do século XIII. Naquela época, as universidades tinham
sistemas de exames orais que permitiam ao aluno obter um certificado ou
diploma que certificava que ele era qualificado para ensinar artes liberais ou
uma das disciplinas avançadas. Os titulares da licença para lecionar em
qualquer lugar da cristandade (
licentia docendi ubique
) podiam ser chamados
de mestres ou doutores, embora o doutorado viesse a ser necessário para
lecionar nas faculdades de graduação.
Ainda sobre a cultura acadêmica originada na Itália, urge uma compreensão evolutiva e
não estática em torno de um amplo espectro de relações sociais em torno do interesse pelo
“ensino” e, diferentemente como identificamos hodierna
mente, não tanto pela pesquisa e a
produção de novos conhecimentos. Por exemplo, nas Universidades italianas do século XVII,
um conjunto particular de profissões (dos juristas, dos médicos e teólogos) adquiria seu maior
prestígio e beneficiamento. Nesse contexto, segundo a cultura acadêmica originada na Itália, se
distinguia o ambiente das “Universidades” e das “academias”. Pepe (2006) acentua e diferencia
os comportamentos e
habitus
desenvolvidos nas “Universidades” e nas “academias”.
Assim, ao longo do século 16 na Itália seria equivocado em contrastar as
universidades e as academias. Eram, em alguns aspectos, complementares, e
as cidades universitárias eram animadas pelas mesmas pessoas. O ensino
universitário era ministrado em latim, servindo para a formação profissional
de juristas, médicos e teólogos. As palestras nas academias, quase sempre em
italiano, eram menos formais e, a princípio, voltadas para o aumento do
conhecimento e o prazer da comunicação entre os estudiosos. Essa liberdade
dentro das academias também teve seu lado negativo. [...] As universidades
do século 17, a Itália deixou de atrair professores ilustres por falta de salários
adequados, enquanto as divisões políticas e religiosas reduziram
consideravelmente o fluxo de estudantes estrangeiros (PEPE, 2006, p. 143).
Ainda no século 17, a Itália perdeu sua hegemonia anterior na cultura literária e
científica, ficando para trás pelo menos 20-30 anos em comparação com outros países europeus.
A nobreza italiana, que não exigia credenciamento universitário para as profissões jurídicas e
médicas, continuou a abandonar as Universidades, cujo atendimento ficou restrito aos que
desejassem ingressar nas classes profissionais das cidades, em grande parte filhos de
advogados, médicos, boticários e alguns homens de letras. Pepe (2006) assinala um viés de
crítica recorrente às Universidades, ao mencionar o caso da Universidade de Bolonha:
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Anton Felice Marsili
acreditava que a criação das academias serve para
reformar a universidade, na qual o número de docentes chegou a ultrapassar o
dos alunos matriculados. Ele reconheceu três defeitos principais na
Universidade de Bolonha: 1. O não cumprimento dos requisitos de frequência
como condição para receber um diploma. 2. Confirmação automática de
professores temporários (na prática, uma nomeação anual tornou-se
permanente). 3. Antiguidade de inscrição nas escolas de doutoramento como
único critério de prioridade nas nomeações para cargos docentes (PEPE, 2006,
p. 145).
A paralisia institucional em que a Universidade de Bolonha caiu gradativamente no
século XVII e as tentativas malsucedidas de reforma refletem essa situação, que não se limitou
à Itália. Um episódio importante nas relações entre universidades e academias do século XVII
“pode ser
visto em Bolonha, quando
Anton Felice Marsili
se propôs a fundar uma academia
eclesiástica em 1686 e outra de Filosofia experimental” (PEPE, 2006, p. 145). Para exemplificar
o caso de umas das profissões medievais mais valorizadas socialmente, recordamos q
ue, “para
situar historicamente o desenvolvimento da educação médica durante o Renascimento, é
preciso lembrar que, naquela época, a Medicina era o único tipo de ocupação científica que
havia se profissionalizado” (PINERO, 2006, p. 65). Outras qualificaçõe
s começaram a ser
regulamentadas no século 12 e no século 13 e também a educação a ser recebida por aqueles
que desejam se qualificar como médicos. Pinero (2006) explica um itinerário de formação no
terceiro ciclo de Medicina, ao descrever a natureza de uma tese.
Isso foi seguido por uma média de 3 ou 4 anos no corpo docente da Medicina
culminando no bacharelado em Medicina, que normalmente era exigido para
ser um médico em exercício. Porém, para a obtenção do título de licenciado
ou de doutor, o único requisito consistia apenas na defesa de uma tese sobre
determinada matéria. O método didático era escolástico, baseado na “
lectio
”
que consistia em textos de autoridades clássicas sendo lidos e interpretados, e
quaisquer passagens difíceis ou obscuras que gerassem problemas
(“
quaestiones
”) eram então discutidas (“
disputatio
”) (PINERO, 2006, p. 65).
Depreendemos a partir das considerações de Pinero (2006) que o título de doutor era
concedido a um indivíduo com reconhecida capacidade de ensino e distinguido conhecimento
aprofundado em determinados textos clássicos, a depender das áreas mais evidenciadas e
valorizadas, de um ponto de vista social. No período medieval, não por acaso, a grande
influência da Filosofia e do debate sistemático determinaram sua influência e uma marca
residual até os dias atuais, quando examinamos o título ou etiqueta moderna denominada de
“
Ph.D.”
(
Philosophiae Doctor
). Alemu (2018) comenta, por exemplo, o papel de proeminência
das Universidades na Idade Média e sua ampla influência cultural.
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As universidades obtêm grande prestígio de sua história, onde garantiram
algum tipo de autonomia administrativa. As universidades, no período
medieval, foram uma das instituições mais privilegiadas e prestigiadas para o
desenvolvimento escolar e acadêmico, pensamento e cultura. Por
constituírem, em um mesmo lugar, acadêmicos diversificados, as
universidades foram e ainda são agentes de crescimento de um conhecimento
que possui o poder de mudar o mundo (ALEMU, 2018, p. 211).
Depreendemos das considerações de Alemu (2018) e outros autores, que as
Universidades passaram a representar um ambiente visando o desenvolvimento do pensamento
e da
cultura. Todavia, quando confrontamos a “pesquisa” desenvolvida nas antigas escolas
medievais e a moderna pesquisa desenvolvida nos dias atuais, podemos compreender um
processo evolutivo e de mudança dos paradigmas valorizados nos séculos anteriores. Nesses
termos, MacIntyre (2009) assinala que a pesquisa moderna da Universidade teve um sucesso
notável em pelo menos três maneiras. No trecho seguinte o autor aponta um primeiro motivo.
O primeiro é - sem surpresa - em pesquisa: em Topologia e Teoria dos
números, em Física de partículas e Cosmologia, em Bioquímica e
Neurofisiologia, em Arqueologia e História e em muitas outras áreas - a lista
de descobertas e avanços em quase qualquer ano é extraordinária. O sucesso
na pesquisa é o efeito do sucesso na produção de pesquisadores, inquiridores
estreita e intensamente focados em resolver problemas bem definidos, com
base em um conhecimento em grande profundidade de sua área particular
limitada de investigação. As direções tomadas pela pesquisa, entretanto,
geralmente não são ditadas por pesquisadores, mas por aqueles que fornecem
seus fundos - e o que é financiado depende de uma variedade de interesses
intelectuais, econômicos e políticos (MACINTYRE, 2009, p. 173).
Um segundo sucesso da Universidade de pesquisa não é independente do primeiro. “As
universidades de pesquisa, por meio de suas várias empresas de pós-graduação, fornecem os
recursos humanos especializados e profissionalizados e as habilidades necessárias em uma
sociedade capitalista avançada” (MACINTYRE, 2009, p. 173), não apenas cientistas
pesquisadores especializados e profissionalizados, mas também os médicos, os economistas, os
advogados, MBAs, engenheiros e especialistas em relações públicas e publicidade.
Pouco mais adiante, MacIntyre (2009) indica um segundo motivo, visceralmente
condicionado pela complexidade das relações sociais e que demandam a Universidade. Uma
profusão e especialidade de disciplinas emergentes, quer sejam constituídas por itinerários
autônomos ou não, conferem um estádio cada vez mais evoluído do pensamento humano.
A educação de graduação agora se tornou amplamente um prólogo à
especialização e profissionalização, e o prestígio em fornecer educação de
graduação em sua maior parte está vinculado às instituições que preparam seus
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alunos de maneira mais eficaz para a admissão em programas de pós-
graduação de prestígio. Assim, o currículo tem se tornado cada vez mais
composto por uma variedade de disciplinas e subdisciplinas, cada uma
exercida e ensinada com relativa independência de todas as outras, e as
realizações dentro de cada uma consistem na formação da mente de um
especialista dedicado (MACINTYRE, 2009, p. 173).
MacIntyre (2009) indica, finalmente, um terceiro aspecto que, por intermédio dos
vestígios do passado, podemos compreender um cenário atual que envolve e exige, por um lado,
o financiamento da pesquisa e, por outro lado, um acesso desigual para determinadas classes
sociais que reproduz, em determinados aspectos, tais dessimetrias e desigualdades ao acesso do
saber científico de nível estratégico e patamar intelectivo elevado para um país.
O terceiro aspecto em que as universidades de pesquisa são notavelmente
bem-sucedidas não é independente dos dois primeiros. Essas universidades
têm se tornado cada vez mais ricas e mais ricas e, ao mesmo tempo, cada vez
mais caras. Eles se tornaram mais ricos porque atraem fundos maciços e
dotações de governos, corporações e indivíduos em razão de seu lugar na
ordem econômica geral e na vida dos alunos empenhados em adquirir essas
qualidades e as qualificações mais prováveis de fazer eles foram
excepcionalmente bem-sucedidos. Eles se tornaram mais caros porque cobram
o que seu mercado pode suportar. As universidades de pesquisa no início do
século XXI são corporações empresariais maravilhosamente bem-sucedidas
subsidiadas por isenções fiscais e exibindo todas as ambições aquisitivas de
tais corporações (MACINTYRE, 2009, p. 174).
Finalmente, por intermédio do ponto de vista de MacIntyre (2009) e outros autores,
adquirimos uma compreensão sobre as respostas da Universidade, diante dos interesses de uma
sociedade e dos fatores mais importantes para a Economia em um determinado contexto
históricossocial e o caráter de profissionalização da carreira. Por conseguinte, seria uma
percepção ingênua acreditar que os paradigmas acadêmicos e os interesses na mais alta pesquisa
acadêmica são desprovidos de interesses de ordem econômica e, a depender do ramo de
pesquisa ou da natureza e posição social dos futuros portadores de um título de doutor.
De modo especial, quando examinamos os paradigmas de formação no campo
educacional e, por que não mencionar, a formação de professores, sob um prisma necessário de
formação contínua e investimentos amparados por um planejamento a médio e em longo prazo,
podemos identificar determinados fenômenos, como o aligeiramento (encurtamento) do
período de formação, e a resposta da Universidade, relativamente aos indicadores de
diplomados. Nessas condições, quando examinamos o caso de outros países, depreendemos
lições importantes que podemos extrair com o escopo necessário de compreender o fenômeno
da proliferação da pós graduação na modalidade profissional no Brasil (OSTERMANN;
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REZENDE, 2009), nomeadamente, no caso dos mestrados profissionais e dos hodiernos
doutorados profissionais.
Duas décadas de experiência em Mestrados Profissionais e o Doutorado Profissional no
Brasil
Na seção anterior confirmamos um processo histórico evolutivo sobre as práticas e
cultura acadêmica, todavia, com viés expressamente determinado por uma cultura ocidental
(ALEMU, 2018). Na seção atual abordaremos um exemplo específico denominado por alguns
autores de variante do doutorado acadêmico e tradicional (
Ph.D
.). De forma particular e
seguindo uma lógica sistemática, vejamos que os mestrados profissionais acumulam no Brasil
cerca de 20 anos de experiência e de disseminação. Com o escopo de fornecer uma melhor
compreensão ao leitor, examinaremos algumas relações e preocupação sobre os mestrados
profissionais, concernentemente à área de EDUCAÇÃO (38) e de ENSINO (46)
–
CAPES.
Com efeito, Ribeiro (2005) acentua uma dicotomia que envolve um viés de tensão entre
as modalidades acadêmicas e profissionais que persistem até os dias atuais. Com tal
preocupação, apesar de modo não exclusivo, o autor explica que “no MA
pretende-se pela
imersão na pesquisa, formar, em longo prazo, um pesquisador”. Já no MP, segundo o autor,
também deve ocorrer à imersão na pesquisa, mas o objetivo é formar, embora com um viés
acentuadamente utópico, alguém que “saiba localizar, reconhece
r, identificar e, sobretudo,
utilizar a pesquisa de modo a agregar valor à sua atividade” (RIBEIRO, 2005, p. 15).
Apesar de razoável e compreensível o tirocínio expresso por Ribeiro (2005), não
poderíamos enveredar por um equívoco, ao compreendermos que as capacidades ou habilidades
de localizar, reconhecer, identificar e, sobretudo, utilizar a pesquisa de modo a agregar valor à
sua atividade não se mostrem inerentes, em maior ou em menor substância, ao caso da
modalidade acadêmica. Pouco mais adiante, André (2017) relata um caráter de resistência,
correspondente ao processo de instalação e oferta de mestrado profissional. Decerto que a
ideologia subliminar apontada por André (2017), que interpretamos como um juízo envolvendo
qualificar o mestrado profissional, em nível inferior e de negação (e menos rigor) à pesquisa,
não revela uma compreensão típica ou restrita apenas aos especialistas que atuam na área de
Educação (38) CAPES. Para tanto, André (2017) descortina um pensamento circunstanciado
pelo
locus
acadêmico e, de igual modo, irredutivelmente vinculado ao campo de atividade
profissional de determinada categoria de pesquisadores, neste caso, dos especialistas que atuam
no campo da Educação (área 38
–
CAPES), ao observar que:
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Quo vadis, Doutorado profissional (DP)? Análises e exemplos com amparo da didática profissional
RIAEE
–
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1755-1784, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16051
1765
A área de Educação relutou muito para aceitar a implantação dos mestrados
profissionais no Brasil, baseada em justificativas razoáveis, uma das quais o
temor de perda de valorização da pesquisa, espaço conquistado com muito
esforço. Assim, por tratar-se de uma iniciativa bastante recente
—
o primeiro
mestrado profissional em Educação foi aprovado pela CAPES em 2009
—
torna-se oportuno discutir as diferenças e similitudes entre o mestrado
profissional e o acadêmico (ANDRÉ, 2017, p. 826).
Pouco mais adiante, André (2017) revela um dilema e/ou entrave que atinge e afeta tanto
o campo da compreensão de estudantes, bem como a compreensão dos professores
–
formadores, sobre um entendimento pragmático necessário para separar, não de forma
estanque, um itinerário de formação acadêmica do itinerário correspondente da formação
profissional, evitando determinadas dicotomias (prática/pesquisa) ao observar que:
Tínhamos consciência de que nosso trabalho no Mestrado Profissional não
poderia repetir o que fazíamos no mestrado acadêmico, teríamos que aprender
a fazer de um outro jeito. Uma questão básica era a seguinte: como estruturar
o Programa de modo a contemplar a articulação entre pesquisa e prática?
Subjacente a essa, estava a dúvida maior: o que distingue o mestrado
profissional do acadêmico? E, associada a essa, havia outra questão bem
específica: em que consiste o trabalho final de conclusão do mestrado
profissional? (ANDRÉ, 2017, p. 827).
Mais uma vez, ao resgatarmos o pensamento de Ribeiro (2006), deparamos uma
compreensão ou tipificação de difícil ou impossível demarcação (quer seja inerente à
modalidade acadêmica ou modalidade profissional), na medida em que a importância da
pesquisa, em qualquer caso, busca cotejar um denso espectro de argumentos ou indicadores que
confirmam ou impulsionam o engajamento do pesquisador, em quaisquer das modalidades.
Outrossim, ocorre um viés idealista, na medida em que a expectativa de emergência da
capacidade de antevisão, no que concerne ao cenário dinâmico da realização de uma pesquisa,
objetivando determinado objeto, depende da capacidade e experiência do pesquisador. De igual
modo e forma, a capacidade de encontrá-la, com propriedade e eficiência, nem mesmo em um
nível de formação no terceiro ciclo (doutorado) costumamos registrar tal evolução substancial
de um candidato. Em todo caso, Ribeiro (2006, p. 215) insiste na seguinte tese utópica:
O que se almeja é algo aparentemente simples, mas bastante ambicioso e
difícil, que o aluno entenda a importância da pesquisa em sua área
profissional, que saiba onde encontrar a pesquisa ainda não feita, mas que se
fará no futuro
–
e finalmente, que seja capaz de incorporá-la em seu exercício
da profissão.
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Francisco Regis Vieira ALVES
RIAEE
–
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1755-1784, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16051
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As indicações de André (2017), Ribeiro (2005, 2006) e outros autores, mesmo diante de
um acúmulo de duas décadas de experiência, confirmam que a atuação do professor,
correspondentemente aos dois cenários ou ambas as modalidades de formação envolvem
condicionantes de complexa resolução, na medida em que, até mesmo para o
experts
, de extensa
e prestigiada carreira acadêmica, ocorrem incompreensões acerca da modalidade profissional,
tendo em vista sua formação prioritariamente ter ocorrido na modalidade acadêmica. Rizatti
et
al
. (2020, p. 3) confirmam tal entendimento, na medida em que:
Embora o conceito venha sendo construído ao longo dos anos de existência da
área de Ensino, conforme podemos verificar nos documentos norteadores e
que constam da Memória da Área, nem sempre foi completamente assimilado
pelos pesquisadores diretamente ligados a essa modalidade. Assumimos como
hipóteses para essas incompreensões o fato da formação da maioria do corpo
docente dos PPGs ter ocorrido em cursos da modalidade acadêmica, aliada ao
desconhecimento dos documentos norteadores por parte dos professores
quanto alunos dos programas.
Não custa mencionar que, no Brasil, em termos de uma ideologia própria responsável
pela conformação de modelos e paradigmas universitários, identificamos toda uma influência
essencialmente exógena, na medida em que países como França e EUA disseminaram, por
intermédio da veiculação de ideias oriundas de pesquisadores de amplo prestígio, responsáveis
pela formação de várias gerações de pesquisadores brasileiros que, em maior ou em menor
substância, replicam e reproduzem um modelo de formação sob influência estrangeira e
exógena. Calderón
et al
. (2019, p. 142) confirma esse cenário, quando explicam que:
No Brasil, originalmente, a constituição das universidades seguiu forte
influência europeia, sobretudo, buscando fundamentação no modelo francês
no que diz respeito à organização dos professores em cátedras. Até antes da
Reforma Universitária de 1968, de acordo com Verhine (2008, p. 168), alguns
poucos cursos de doutorado foram criados no país pelas principais
universidades, e o doutorado era obtido pela defesa de uma tese (tipicamente
preparada sem orientador), diante de um comitê de professores catedráticos.
Nessa mesma perspectiva, segundo Sguissardi (2006), o doutorado existia,
mas era um sistema livre, sem estrutura curricular uniforme e seguia o modelo
europeu, em que a relação entre orientando e orientador se constituía no fator
quase único para que a titulação se efetivasse. Com a reforma de 1968, a Pós-
Graduação no Brasil foi reestruturada, tendo como referência o modelo norte-
americano [...].
De forma semelhante, uma tendência que nos deparamos em vários países, a
Universidade foi alvo de críticas constantes, na medida em que nem sempre respondia de modo
síncrono aos desafios, interesses e demandas dinâmicas da sociedade. De forma particular, no
Brasil, uma forma de resposta à sociedade, por intermédio de um expediente de crítica à
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Quo vadis, Doutorado profissional (DP)? Análises e exemplos com amparo da didática profissional
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1755-1784, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
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modalidade acadêmica pode ser registada desde a década de 60, quando Calderón
et al
. (2019)
contextualizam um movimento de um Programa de Flexibilização do Modelo de Pós-
Graduação
stricto sensu
, sob influência de uma cultura acadêmica estrangeira.
As mudanças que ora se configuram para o presente e o futuro da Pós-
Graduação em nível profissional, em especial no nível de doutorado, partem
das premissas internacionais formuladas no Parecer Ministerial nº 977/65, de
03 de dezembro de 1965 (ALMEIDA JUNIOR,
et al
, 2005), o chamado
Parecer Sucupira, que, a partir da realidade norte-americana, distinguia duas
modalidades de doutorado: de pesquisa (acadêmico) e profissional. [...]
Entretanto, de acordo com Maciel e Nogueira (2012), somente em 1995 é que
a modalidade MP passou a ser praticada por meio do Programa de
Flexibilização do Modelo de Pós-Graduação
stricto sensu
, reconhecido pela
Portaria nº 47 de 17 de outubro de 1995, que previa os procedimentos
apropriados à recomendação, acompanhamento e avaliação de cursos de
mestrado dirigidos à formação profissional, (CAPES, 2005) (CALDERÓN
et
al.
, 2019, p. 142).
No excerto anterior, podemos divisar que Calderón
et al
. (2019) não desperdiçam a
oportunidade de falar sobre uma variante do doutorado acadêmico, denominada de doutorado
profissional. Reparemos, todavia, que a modalidade profissional possui uma característica
intrinsecamente vinculada ao
habitus
profissional do indivíduo e que, de modo inescapável,
envolve uma forma ou paradigma de como considerar, como avaliar um conhecimento expresso
essencialmente de uma natureza profissional, derivado e condicionado de uma forma particular
(a depender do ofício), e de que maneira a Universidade referenda/valida tal
corpus
de
conhecimentos ou, ainda, se consideramos um clássico dilema proposto por Bourdieu (1984),
as diferenças entre o conhecimento prático (
practical knowledge
) e um conhecimento erudito
(
scholarly knowledge
). Bourdieu (1984) assinala a dificuldade correspondente à natureza
de
per si
, envolvendo um viés da experiência, considerando um exame sistemático de suas partes
constituintes e sua recomposição. Basta recordar, segundo o próprio Bourdieu (1984), que o
conhecimento científico, quando buscamos transmiti-lo, no que concerne a determinado objeto
de interesse, se reproduz especialmente quando empregamos a mídia da escrita/digital.
Bourdieu (1984) recorda uma estratégia retórica, quando buscamos tornar algo claro e
preciso, por intermédio da persuasão de alguém em descrever sua própria experiência
(profissional)
2
. Neste caso, a redução do componente subjetivo se evidencia quase impossível.
2
Pastré (2008) identifica enormes diferenças entre o saber científico e um conhecimento derivado da atividade
profissional. Por exemplo, o saber científico necessário para a realização de um procedimento cirúrgico por parte
de um médico (saber científico). A escolha de uma técnica cirúrgica particular, em detrimento de outras técnicas
semelhantes e de mesmo fim, todavia, que proporciona maior segurança ao médico, de acordo com sua experiência
profissional.
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Francisco Regis Vieira ALVES
RIAEE
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1755-1784, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
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Pouco mais adiante, Bourdieu (1984) determina alguns paralelos e fragilidades, por exemplo,
acerca do conhecimento sociológico, como categoria de interesse de um pesquisador, todavia,
nem sempre totalmente contemplado pelo formalismo abstrato da academia.
Assim, o conhecimento sociológico está sempre exposto a ser trazido à
primeira visão pela leitura "interessada" que adere à anedota e aos detalhes
singulares e que, por não poder ser detida por um formalismo abstrato, reduz
ao seu sentido comum das palavras comuns à linguagem acadêmica e à
linguagem geral. Esta leitura quase inevitavelmente parcial busca uma falsa
compreensão, fundada no desconhecimento de tudo o que define o
conhecimento propriamente científico como tal, ou seja, a estrutura sistema
explicativo em si: desfaz o que a construção do cientista fez, misturando o que
foi separado, principalmente o indivíduo construído (pessoa singular ou
instituição), que não existe senão na rede de relações elaboradas pelo trabalho
científico (BOURDIEU, 1984, p. 3).
No trecho anterior, identificamos que o autor identifica as fragilidades, por exemplo, de
um conhecimento sociológico. Em um cenário ampliado, não se escapa do trabalho de
construção e elaboração de um objeto científico e da responsabilidade que isso implica.
Não há objeto que não carregue um ponto de vista, mesmo que seja o objeto
produzido com a intenção de abolir tal ponto de vista, isto é, parcialidade: para
ir além da perspectiva parcial que está associada (BOURDIEU, 1984, p. 17).
Apoiando-se no pensamento de Bourdieu (1984) vejamos as considerações emitidas por
Curi
et al
. (2021) sobre uma noção hodierna de objeto denominado no interior da academia por
“Produto Educacional”. (PE)
Como a tese deve apresentar, descrever e analisar a aplicação e validação do
PE, reforçasse aqui que é essencial que no DP exista a vinculação do problema
de pesquisa à prática profissional. Assim, o PE deve ser fruto do envolvimento
do profissional com seu campo de atuação, possuir caráter intervencionista,
ser gerado a partir de problemas identificados na e pela prática profissional do
pós-graduando, devendo ser resultado de uma pesquisa que tenha foco
evidente no contexto de atuação profissional deste estudante e pesquisador
(CURI
et al
., 2021, p. 219).
Mais uma vez, apoiamo-nos na perspectiva de Bourdieu (1984), com o ensejo de
examinar as informações expressas por Curi
et al
. (2021) no excerto anterior. Nesses termos,
Bourdieu (1984) discute o emprego de determinadas operações linguistas, recorrentemente
discriminadas no discurso acadêmico,
e outros problemas, como no caso da “objetivação do
não objetivado, por exemplo, o prestígio científico” (BOURDIEU, 1984, p. 21). De igual modo,
quando consideramos o objeto denominado por Produto Educacional, com o escopo de
compreender seu processo de elaboração e de construção, seu caráter intervencionista e
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visceralmente vinculado ao campo de atuação profissional, deverá condicionar e delimitar um
conjunto finito de propriedades essenciais ao mesmo. Por exemplo, Bourdieu (1984) explica
alguns elementos vinculados ao processo de construção de um objeto teórico.
O trabalho de construção de um objeto delimita um conjunto finito de
propriedades pertinentes, instituídas por hipóteses e variáveis eficazes, cujas
as variações estão associadas às variações do fenômeno observado, e define
ao mesmo tempo uma população de indivíduos construídos, eles próprios
caracterizados pela posse dessas propriedades em diferentes graus
(BOURDIEU, 1984, p. 21).
Mais uma vez, com o amparo da perspectiva de Bourdieu (1984), não podemos
negligenciar, no âmbito do desenvolvimento da pesquisa peculiar ao
locus
acadêmico, seu viés
pragmático, como, por exemplo, a pluralidade de hierarquias acadêmicas e a coexistência de
poderes praticamente incomensurável do prestígio científico e que emana uma espécie de poder
universitário, reconhecimento interno, assim como o renome externo é essencialmente
determinado pelas relações entre seus ocupantes, a depender de sua carreira acadêmica, que
envolve os professores
–
formadores inexperientes e, também, outros experientes. Basta
observar, por exemplo, incompreensões recorrentes relatadas por Rôças e Bomfim (2018) que
não envolvem quadro de exceção e, sim, via regra. Nesses termos, os autores relatam:
Com base na vivência do nosso curso de MP, assim como nas trocas com
colegas de outros cursos, percebemos que, em geral, os docentes menos
experientes, em orientação (mais próximos ainda de suas formações
acadêmicas) têm mais dificuldades de compreender o percurso de um aluno
da modalidade profissional. Ele leva um tempo para compreender que a
dissertação não deve ser descolada da elaboração do PE e que deve contar a
história de sua elaboração, desde a sua emergência (contextualizada a partir
de um diagnóstico) até a sua validação, apresentando um referencial teórico-
metodológico coeso em todas as etapas do processo (RÔÇAS; BOMFIM,
2018, p. 5-6).
Quando examinamos o binômio “professor –
produto” podemos registrar dois
movimentos dialéticos possíveis. O primeiro consiste em acentuar, de forma prioritária, uma
corrida desenfreada em busca do Produto Educacional que, de forma equivocada, adquire um
papel de “centro de gravidade” ou justifica toda a ação, mais ou menos assumindo uma
simbologia de “
Sanctus Graal
”. Em um sentido contrário, divisamos um percurso acadêmico
que visa proporcionar uma evolução e incorporação de saberes acadêmicos ao indivíduo que
realiza uma pó
s graduação na modalidade profissional e, por fim, o produto educacional
refletirá e resultará do acumulo ou a síntese de saberes originados de sua prática, e outros
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Francisco Regis Vieira ALVES
RIAEE
–
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1755-1784, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
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essencialmente derivados da atividade sistemática de pesquisa na universidade. Nesses termos,
assumimos posição concorde com Rizatti
et al
. (2020, p. 14), quando afirmam que:
Considerando que os PPGs são lócus de formação de recursos humanos,
ressaltamos que o principal “produto” da modalidade profissional é o
professor/profissional que termina os cursos da área, pois eles estão aptos a
refletirem sobre suas práticas a partir de um referencial teórico metodológico,
identificando situações-problema e propondo soluções
–
o PE. Portanto, as
dissertações e teses são as narrativas sobre os percursos percorridos e o PE
elaborado. E nesse contexto podemos afirmar que a produção que emana dos
programas profissionais não se trata de uma reprodução tecnicista, e sim a
materialização de uma análise crítica sobre diferentes contextos profissionais
relacionados ao Ensino, pautada na reflexão e utilização de referenciais
teóricos e metodológicos.
Antes de finalizarmos, regatamos uma tese de Bourdieu (1984) quando assinala que os
professores das diferentes faculdades estão distribuídos entre o polo do poder econômico e
político e o polo do prestígio científico - cultural, de acordo com os mesmos princípios que
refletem as diferentes frações da classe dominante. Com efeito, Bourdieu (1984, p. 56) alerta
que:
Na verdade, é visto aumentar a frequência das propriedades mais
características das frações dominantes da classe dominante à medida que se
passa das faculdades de Ciências para as faculdades de Letras, destas últimas
para as faculdades de Direito e Medicina (enquanto a posse das marcas
distintivas de excelência acadêmica, como nomeações por general competição
tende a variar inversamente com a hierarquia social das faculdades).
O pensamento de Bourdieu (1984) assinala uma preocupação ou fenômeno, na medida
em que examinamos o impacto social e a relevância concedida ao Produto Educacional (PE), a
depender do “nicho acadêmico” de sua produção (e
origem) e das “classes acadêmicas” de
pesquisadores correspondentes vinculadas na academia. Nesses termos, poderíamos inferir que
um Produto Educacional concebido no âmbito da pesquisa em Saúde ou no Direito possuiria
maior lastro e representatividade social, no sentido de referendar uma tese de doutorado
profissional? O valor da competência profissional agregada a um determinado Produto
Educacional (PE) ocorre nos mesmos termos ou não, quer consideremos pesquisa em Saúde ou
no Direito ou no campo educacional, quando examinamos o caso de professores?
Quando consideramos os produtos educacionais derivados de um acúmulo de 20 anos
de experiência da ÁREA de ENSINO
–
46 possuímos indicadores no Brasil de um avanço
representativo ou, de igual modo à crítica direcionada à modalidade acadêmica, trata-se, ainda,
de um acúmulo, com baixa e/ou nenhuma repercussão, de produtos educacionais que se
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Quo vadis, Doutorado profissional (DP)? Análises e exemplos com amparo da didática profissional
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1755-1784, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
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evidenciam por uma “segunda categoria de rigor”, amparadas por trajetórias individuais de
pesquisadores e/ou incipientes no
métier
, com inexpressivo prestígio no interior da academia?
Decerto que esta e outras perguntas, diante do caráter recente de implantação do
doutorado e o egresso correspondente dos primeiros portadores do título e, acrescentamos, de
uma “etiqueta social” concedida pela universidade como pesquisadores, não buscamos
responder de forma definitiva no presente trabalho. Não obstante, assumimos posição concorde
com Rizatti
et al
. (2020, p. 4
) quando observam que “o PE deve ser elaborado com o intuito de
responder a uma pergunta/problema oriunda do campo de prática profissional
”
. Diante disto,
de forma inescapável, assinalamos que a prática profissional, um amplo espectro de
conhecimentos pragmáticos e rituais intrínsecos de determinado
métier
, habilidades e outros
elementos profundamente condicionados pelo campo profissional requerem, então, de uma
espécie de “protocolo” de tratamento pela universidade, posto que sua gênese, do ponto de vista
de conhecimentos, se evidencia completamente exógena ao
locus
acadêmico. Por conseguinte,
na seção vindoura, apresentaremos alguns pressupostos da vertente francesa da Didática
Profissional, com o ensejo de sugerir e indicar determinados elementos visceralmente
vinculados aos produtos educacionais, sob uma melhor ênfase de um processo evolutivo de
aprendizagem profissional (ALVES, 2021).
A Didática Profissional e a noção de competência do professor - pesquisador
A vertente francesa da Didática Profissional proporciona um viés diferenciado, quando
examinamos sua preocupação com a aprendizagem no trabalho e decorrente das atividades
especializadas desenvolvidas no trabalho. Nesses termos, como decorrência e extensão do
pensamento piagetiano, que coloca em posição diferenciada da ação, da adaptação e
aprendizagem da criança, mediante a produção e conceptualização de ações, na medida em que
interage com objetos e com o meio. De forma semelhante, a Didática Profissional dedica
interesse especial à competência profissional, mediante a necessidade imprescindível da
incorporação de habilidades especializadas no trabalho. Quando examinamos, por exemplo, a
carreira acadêmica, constatamos um amplo espectro de componentes que exigem uma
competência profissional presumida, concernente aos portadores de um título de doutor, como
constatamos nas informações indicadas por Wickramasinghe e Borger (2020).
Embora muitos comecem como pesquisadores de pós-doutorado, PhD o
número de graduados ainda supera enormemente a demanda por
pesquisadores de pós-doutorado. E aqueles que alcançam esta posição com
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Francisco Regis Vieira ALVES
RIAEE
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1755-1784, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
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sucesso são rapidamente lançados em um clima severo de "publicar ou
perecer". À medida que nosso mundo continua a crescer científica e
tecnologicamente, nossas comunidades precisam se tornar mais alfabetizadas
nessas áreas para competir com sucesso em uma economia baseada no
conhecimento (WICKRAMASINGHE; BORGER, 2020, p. 1).
A vertente francesa da Didática Profissional, mais recentemente, adquiriu um viés ou
interpretação como uma vertente da Didática dos conhecimentos profissionais e, no caso da
carreira acadêmica e atividade desenvolvida na academia, podemos constatar que o papel da
“aprendizagem” figura em um modo central de interesse, c
omo vemos a seguir.
A Didática Profissional nasceu de um desejo de reversão, de natureza
epistemológica, no modo de considerar, em relação à aprendizagem, as
relações entre atividade e conhecimento. Na prática científica, a ação não está
ausente, mas subordinada à produção do conhecimento. Na prática escolar, a
ação também não está ausente - basta ver todo o desenvolvimento dos métodos
ativos - mas também está subordinada à transmissão do conhecimento. Assim
se formou a didática disciplinar: o verdadeiro objeto de aprendizagem é o
conhecimento e a ação servirá de veículo para a aquisição desse
conhecimento. Isso significa que podemos muito bem conceber a "
Didática
dos conhecimentos profissionais
", no modelo da didática das disciplinas,
importando os conceitos (PASTRÉ, 2008, p. 3).
A partir do ponto de vista de Pastré (2001) adquirimos uma perspectiva a respeito da
noção de competência profissional, quer seja no interior da Universidade ou não, como
elemento constitutivo e com forte nuances de relação a determinado grupo ou gênero
profissional. O tema da “competência profissional” se revela, por exemplo, nas Universidades,
na medida em que o seu principal produto reside, de forma prosaica, na formação de um novo
pesquisador. Pastré (2001) coloca ênfase no debate qualificação profissional/competências no
interior da pesquisa em Didática Profissional, quando esclarece que:
A Didática Profissional nasceu da convergência dessas três abordagens:
analisando o trabalho usando uma abordagem de desenvolvimento cognitivo
em adultos; analisar o trabalho com particular ênfase na dimensão cognitiva,
conceitualização. Analisar as atividades de mediação, auxílio das habilidades
de construção. Temos uma convergência bastante forte entre J. Leplat, pela
Psicologia do Trabalho e G. Vergnaud pelo papel da conceituação. E ele cada
vez mais importante se interessar pelas interações, na forma de linguagem,
mas também a transmissão de gestos, levando em conta, portanto, o papel da
mediação de outros na construção de competências (PASTRÉ, 2001, p. 6).
Podemos registrar na literatura elementos consideráveis que revelam conflitos
psicológicos, tensão e a solidão intelectual costumeiramente identificada no período de
formação de um futuro pesquisador. A indução e a aprendizagem de novos pesquisadores,
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incluindo-se o crescimento pessoal e profissional, configuram-se como elementos que não
podem ser negligenciados, como depreendemos das considerações a seguir.
Em algum ponto durante sua graduação, os alunos de doutorado enfrentam
desafios, como redirecionamento de projetos, manutenção do equilíbrio entre
vida e trabalho e relacionamentos com o supervisor, que eles precisam
aprender a administrar. Essas lutas, junto com mais situações de confronto
psicológico mudanças, incluindo solidão intelectual, isolamento profissional
e social e ansiedade, são reconhecidas por muitas instituições de ensino
superior instituições. Em particular, é reconhecida por instituições que
executam programas de indução destinados a apoiar o aluno de doutorado a
ajustando-se ao seu novo status de pesquisadores novatos. Apesar desses
obstáculos, o valor da conclusão do doutorado permanece inestimável, e de
acordo com ex-alunos de doutorado, inclui alcançar amplo crescimento
pessoal e profissional, desenvolver habilidades especializadas e transferíveis
e abrir portas para diversas oportunidades de emprego são apenas alguns dos
benefícios de longo prazo de concluir um doutorado (WICKRAMASINGHE;
BORGER, 2020, p. 1).
Quando objetivamos o crescimento pessoal e profissional de novos pesquisadores
(recém doutores), cabe observar dois componentes inerentes ao processo. O primeiro
componente confere a competência profissional dos conhecimentos e domínio técnico-
científico de saberes inerentes à determinada área de pesquisa e atuação. Por outro lado, um
segundo componente possui natureza essencialmente pragmática e seu sentido e significado
evolui, na medida da interação do indivíduo com uma estrutura fundamental de situações
profissionais intrínsecas à atividade do pesquisador. Pastré (2007a) explica um pouco a função
do componente pragmático das situações quando indica determinados invariantes.
Na Didática Profissional, vim falar sobre conceitos pragmáticos, a estrutura
conceitual de uma situação, modelos operacionais. Estamos de fato em uma
perspectiva de conceituação em ação, que prevê uma organização de
atividades complexas na forma de "grandes" esquemas. Em particular,
procuro destacar os dois acoplamentos: o acoplamento esquema-situação, com
a articulação da estrutura conceitual da situação (do lado da situação) e o
modelo operacional (do lado do esquema e dos invariantes quais são o seu
núcleo) e o acoplamento invariância-adaptação: a invariância é representada
por conceitos organizadores que servem para orientar e guiar a ação, em
particular para estabelecer um bom diagnóstico da situação. Esses conceitos
organizadores podem ser pragmáticos ou pragmatizados, dependendo de sua
origem (empírica ou científica) (PASTRÉ, 2007a, p. 86-87).
Vejamos alguns exemplos de conceitos pragmático relacionados aos determinantes do
sucesso na carreira. As variáveis que determinam os salários recebidos pelo trabalhador podem
ser divididas em dois grupos. O primeiro conjunto de variáveis permite uma avaliação objetiva
da situação familiar e laboral do trabalhador: características pessoais (sexo, idade e situação
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Francisco Regis Vieira ALVES
RIAEE
–
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1755-1784, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16051
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familiar); treinamento (o campo de conhecimento do
PhD
); características do cargo
(antiguidade, setor de atividade, duração do contrato e jornada de trabalho); e produção
científica (número de livros e artigos de periódicos publicados e número de patentes
registradas). O segundo grupo de variáveis determina a avaliação subjetiva da situação de
trabalho de um indivíduo e inclui três aspectos: a relação entre a posição de trabalho e o nível
de estudos; a adequação do treinamento de doutorado à posição de trabalho; e satisfação no
trabalho. Na figura 1, os autores Wickramasinghe e Borger (2020) apresentam um diagrama
explicativo sobre vertentes de atuação profissional aos portadores de um título de doutor e, por
razõ
es de ordem pragmática, divisamos que um espectro correspondente de competências do
professor não se demonstra simbolizado. Decerto que por razões históricas, em diversos países,
como no caso da cultura anglo-saxônica, a formação de professores tendo em vista seu
aperfeiçoamento profissional permaneceu à margem de muitas reformas educacionais.
Figura 1
–
Esquema das diversas oportunidades de carreira disponíveis para graduados de
doutorado
Fonte: Wickramasinghe e Borger (2020, p. 1)
Antes de finalizar a seção atual, a figura sugerida por Wickramasinghe e Borger (2020),
a despeito de sua ausência, revela uma preocupação com a formação de um pesquisador e,
segundo nossa maior atenção, de um pesquisador portador de um doutorado profissional. Na
seção subsequente, buscaremos ilustrar uma habilidade profissional originada de um viés
essencialmente pragmático, entretanto, requerida cada vez mais no mundo das profissões que
envolvem o fenômeno social da colaboração profissional.