image/svg+xmlA tendência política da matriz nacional de competências para diretores escolares e o nascimento de uma proposta sociopolíticaRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. 4, p. 2686-2705, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.164422686A TENDÊNCIA POLÍTICA DA MATRIZ NACIONAL DE COMPETÊNCIAS PARA DIRETORES ESCOLARES E O NASCIMENTO DE UMA PROPOSTA SOCIOPOLÍTICALA TENDENCIA POLÍTICA DE LA MATRIZ NACIONAL DE COMPETENCIAS PARA DIRECTORESESCOLARES Y EL NACIMIENTO DE UNA PROPUESTA SOCIOPOLÍTICATHE POLITICAL TENDENCY OF THE NATIONAL COMPETENCE MATRIX FOR SCHOOL PRINCIPALS AND THE BIRTH OF A SOCIOPOLITICAL PROPOSALViviane Barbosa Perez AGUIAR1Maria José Ferreira RUIZ2Waléria Pimenta Martins SILVA3RESUMO: Este artigo problematiza a aprovação do projeto de resolução da Matriz Nacional de Competências para Diretores Escolares pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Tem como objetivo geral demonstrar o projeto de formação de diretores escolares direcionado pela resolução em questão. Como objetivos específicos pretende: (i) demonstrar os elementos neoliberais presentes na Matriz Nacional e o seu compromisso com o modelo de gestão gerencial; (ii) discutir a orientação epistemológica que fundamenta o documento; (iii) apresentar uma proposta de matriz de conteúdo para a formação de diretores e coordenadores. O estudo pautou-se no desenvolvimento de pesquisabibliográfica e análise documental, como instrumentos metodológicos. Conclui-se que o documento elaborado pelo MEC tem orientação política voltada ao neoliberalismo e, no campo do conhecimento, à Epistemologia da Prática, portanto, não atende as necessidades formativas para o exercício da função na gestão escolar. Finaliza-se com uma possível alternativa de matriz formativa centrada na formação sócio-histórica.PALAVRAS-CHAVE: Gestão democrática. Matriz nacional de competências. Gerencialismo. Neoliberalismo.RESUMEN: Este artículo discute la aprobación del proyecto de resolución de la Matriz Nacional de Competencias para Directivos Escolares por parte del Consejo Nacional de Educación (CNE) y hace una crítica a las concepciones gerencialistas que sustentan la construcción de la propuesta que espera ser aprobada por el MEC. El objetivo general es demostrar el proyecto antagónico de formación profesional que puede materializarse con la aprobación de la resolución.Se pretende, a partir de la crítica, presentar una propuesta de matriz de contenidos para la formación de directores y coordinadores escolares. Como 1Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina PR Brasil. Doutorandaem Educação.ORCID:https://orcid.org/0000-0002-4767-8324.E-mail: vi.perez@yahoo.com.br2Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina PR Brasil. Professor.Doutorado em Educação (UNESP). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1904-8878. E-mail: mjfruiz@gmail.com3Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina PR Brasil. Mestrado em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6366-4598. E-mail: waleriapimentams@gmail.com
image/svg+xmlViviane Barbosa Perez AGUIAR; Maria José Ferreira RUIZeWaléria Pimenta Martins SILVARIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2686-2705, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.164422687objetivos específicos: (i) demostrar los elementos neoliberales presentes en la Matriz Nacional y su compromiso con el modelo de gestión gerencial, de carácter empresarial; (ii) discutir la orientación epistemológica que fundamenta el documento; (iii) presentar una propuesta de matriz de contenidos para la formación de directores y coordinadores, de la red municipal de educación de Londrina, centrada en la formación sociohistórica. El estudio se basó en el desarrollo de la investigación bibliográfica y el análisis de documentos. Se concluye que el documento elaborado por el MEC tiene una orientación política dirigida al neoliberalismo y, en el ámbito del conocimiento, a la Epistemología de la Práctica, por lo que no responde a las necesidades de formación para el ejercicio de la función en la gestión escolar, por lo que es urgente implementar una nueva agenda deformación cuyo centro se establezca en la formación sociopolítica.PALABRAS CLAVE:Gestión democrática. Matriz nacional de competencias. Gerencialismo. Neoliberalismo.ABSTRACT: This article problematizes the approval of the resolution project draft ofthe National Competency Matrix for School Principals by the National Council of Education (CNE in Portuguese) and criticizes the managerial conceptions that underlie the construction of the proposal awaiting approval by MEC [Ministry of Education]. The general objective is to demonstrate the antagonistic project of professional formation that can materialize with the resolution’s approval.Based on this criticism, it is intended to present a proposal for a content matrix for the formation of school directors and coordinators. As specific objectives: (i) to demonstrate the neoliberal elements present in the National Matrix and its commitment to the managerial management model, of a business nature (ii) to discuss the epistemological orientation that underlies the document (iii) to present a proposal for a content matrix for the formation of directors and coordinators of the municipal education network of Londrina, one which is centered on the sociohistorical formation. The study was based on the development of bibliographic research and documentary analysis. It is concluded that the document prepared by the MEC has a political orientation focused on neoliberalism and, in the field of knowledge, on the Epistemology of Practice. Therefore, it does not meet the formative needs for the exercise of the function in school management and, thus, the implementation of a new formation agenda, one whose center is fixed on sociopolitical formation, is urgent.KEYWORDS: Democratic management. National competency matrix. Managerialism. Neoliberalism.IntroduçãoNas últimas décadas, muitos estudos sobre gestão escolar têm demonstrado como as escolas brasileiras vêm sendo influenciadas pelo Gerencialismo desenvolvido a partir dos anos 1980, mais especificamente com a Reforma do Aparelho de Estado dos anos 1990. Estes estudos têm discutido as implicações do Gerencialismo na Educação, em especial, na organização da escola, na formação de professores e no trabalho do diretor escolar.(PARENTE, 2017; ARAÚJO; CASTRO, 2011;SHIROMA, 2018; LAVAL, 2004).
image/svg+xmlA tendência política da matriz nacional de competências para diretores escolares e o nascimento de uma proposta sociopolíticaRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. 4, p. 2686-2705, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.164422688A inserção dos princípios empresariais na Educação, por meio do modelo de gestão gerencial, tem estimulado o desenvolvimento de um “padrão de gestão” associado à desburocratização, flexibilização, iniciativa, inovação, equidade e descentralização, que refletem um projeto de Educação para o capital.Assim, com vistas à modernização da escola, esta passa por um processo de mutação que tem afetado não só sua organização, como também seus valores e fins(LAVAL, 2004, p. 189).Asreformas neoliberais da educação, em escala mundial, estão carregadas de uma ideologia utilitarista “[...] a qual recusa toda forma de cultura que não seja regida pela utilidade, pelo rendimento, pela eficácia, por uma aplicação mensurável” (LAVAL, 2004, p. 309).Tendo em vista o avanço das políticas neoliberais na área da Educação, este estudo se pauta na seguinte problemática: qual o projeto de formação de diretores escolares que pode se materializar com a homologação da Resolução da Matriz Nacional de Competências para Diretores Escolares pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)?A partir da análise da minuta de projeto de resolução da Matriz Nacional de Competências para Diretores Escolares aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), objetivamos: demonstrar os elementos neoliberais presentes na Matriz Nacional e o seu compromisso com o modelo de gestão gerencial, de natureza empresarial; discutir a sua orientação epistemológica e apresentar uma proposta de matriz de conteúdos para a formação de diretores e coordenadores, da rede municipal de ensino de Londrina-PR, centrada na formação sócio-histórica. Diante das contradições e antagonismos presentes na Minuta de Parecer e Projeto de Resolução da Matriz Nacional de Competências de Diretores Escolares (BRASIL, 2021a) e no Parecer CNE/CP nº04/2021 que institui a Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar (BRASIL, 2021b), elaboradospelo Ministério da Educação (MEC) e aprovadopelo Conselho Nacional de Educação (CNE), propomos uma matriz de referência para a formação de diretores e coordenadores escolares, de cunho sócio-histórico.O interesse em elencar os conhecimentos essenciais a serem abordados na formação dos sujeitos que conduzem o processo de gestão da escola se deu em parte como necessidade de organizar pautas formativas em âmbito de formação continuada para a rede municipal de ensino de Londrina, mas também como negação à matriz gerencialista elaborada pelo MEC.A experiência desenvolvida em Londrina-PRguiou a construção de uma nova proposta de formação no âmbito da gestão escolar. Desde2014 a Secretaria Municipal de Educação desenvolve a política de formação continuada de diretores escolares e coordenadores pedagógicos por meio da Escola de Gestores, implementada pelo Decreto Municipal nº.
image/svg+xmlViviane Barbosa Perez AGUIAR; Maria José Ferreira RUIZeWaléria Pimenta Martins SILVARIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2686-2705, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.1644226891.114/2014(LONDRINA, 2014). Desde então, desenvolve-se um projeto de aprimoramento profissional com pauta formativa centrada na aquisição de conhecimentos científicos, pois entende-se que a organização escolar não pode ser compreendida à margem da produção teórica da área construída historicamente. Por isso, como preocupação central, a formação continuada não se dissocia do contexto social, político e histórico noqual está inserido. Para nós, a formação é concebida como espaço de reflexão da relação entre teoria e prática do trabalho escolar, aspectos que não existem autonomamente, mas se imbricam mutuamente. Assim, qualquer orientação ou proposta formativa no campo educacional que não se fundamenta na perspectiva dapráxis (prática a ser transformada pela apropriação dos elementos da realidade) alia-se ao projeto societário do capital, pois não instrumentaliza para o conhecimento e transformação da realidade, mas para a perpetuação do atual modelo econômico e político hegemônico.MetodologiaEste estudo pautou-se no desenvolvimento de pesquisa bibliográfica e análise documental, como instrumentos metodológicos.Partiu-se da análise da Matriz Nacional de Competências para Diretores Escolares aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), bem como dacarta aberta da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) e outrosdocumentos.As reflexões foram tecidas com base nas discussões desenvolvidas por teóricos que se dedicam à temática. Tal matriz nacionaltem servido de referência para o delineamento de programas de formação de diretores em todo o país, o que revelaas concepções e expectativasem torno da função de diretor escolar. Por outro lado, as experiências no âmbito de formação de diretores escolares criou condiçõese possibilidadespara se mapear conhecimentos/conteúdosa serem priorizados no decorrer na formação continuada desses profissionais. Com isso, ao longo dos anos, um projeto de formação foi sendo construído, priorizando a gestão escolar enquanto campo de pesquisa e conhecimento. Como resistência à matriz do MEC, optamos por produzir uma matriz de formação coerente com os ideais e concepções quedefendemos, sem perder de vista o caráter histórico da gestão, ou seja, as suas possibilidades de renovação e mudança. Na sequência,o texto discorre a respeito da orientação política e epistemológica da matriz, seguidade uma proposta de formação de cunho sociopolítico.
image/svg+xmlA tendência política da matriz nacional de competências para diretores escolares e o nascimento de uma proposta sociopolíticaRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. 4, p. 2686-2705, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.164422690A orientação política da matriz aprovadaCom características alinhadas aos pressupostos neoliberais, portanto, destoando da finalidade da escola que se volta à formação humanística-cultural, a matriz já aprovada pelo CNE, se homologadapelo MEC, tornar-se-á referência para os programas de formação e seleção de diretores escolares.Explicitamente coerente ao projeto societário capitalista, tal documento exprime as concepções neoliberais presentes nas políticas educacionais, que se manifestam desde os anos 90 no Brasil, motivadas pelo ideário da Nova Gestão Pública (NGP). Essa nova concepção é originária de um movimento internacional pela reforma do aparelho de Estado, que ocorreu inicialmente na Europa e nos Estados Unidos e se alastrou mundialmente, justificados pela crença da supremacia do modelo gerencial para a instauração de mecanismos de excelência na gestão pública. A partir desta década, evidencia-se um vigoroso esforço por parte dos governos na implementação de políticas públicas voltadas à consolidação desta nova forma de pensar a administração pública. Nesse contexto, a NGP surge como alternativa exitosa para a superação de um modelo de gestão burocrática, julgado como obstáculo à modernização do Estado. Com o intuito de combater os maléficos resultados do modelo burocrático no setor público, o novo modelo de gestão se apresenta como a solução prodigiosa de eliminação da crise do Estado. Bresser Pereira (1999, p. 6) afirma que a Reforma Gerencial do Estado[...] é um novo fenômeno histórico, que ganhou forças nas últimas décadas, quando as pessoas começaram a perceber que uma das razões da atual crise fiscal do Estado era a ineficiência estrutural da administração pública burocrática”. Como solução à superação da burocracia instaurada no setor público, o novo modelo de gestão representa a promessa do fim do “apartheid” que separa o setor público da eficiência do setor privado, mais que isso, não significa apenas aproximação entre esses setores, mas a subsunção plena da administração pública aos ditames do mundo coorporativo empresarial. Incorporada ao ideário da gestão pública, a nova estrutura gerencial é apresentada como modelo a ser seguido, também na esfera educacional. Assim, princípios e práticas adotadas no setor privado (gerencialismo) são incorporadas como referência para a organização escolar.Nota-se que apesar de o documento supracitado ser datado de 1999, ou seja, contar com sua elaboração no apogeu do governo FHC, a perspectiva neoliberal impregnada em tal documento permanece enraizada nos governos posteriores, bem como nos dias atuais. De tal modo, é sob esse fundamento conceitual que a matriz elaborada pelo MEC se sustenta. Suas
image/svg+xmlViviane Barbosa Perez AGUIAR; Maria José Ferreira RUIZeWaléria Pimenta Martins SILVARIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2686-2705, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.164422691bases teóricas se respaldam em uma concepção gerencial e pragmática, fundamentada nas orientações advindas de organismos internacionais, em especial, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e UNESCO, órgãos disseminadores de recomendações aos sistemas educacionais.Tais organismos, respaldados por suas concepções de base neoliberal, conferem àescola um caráter mercantil, ora reforçando a educação para um capital humano, tendo em vista a formação padronizada,através do controle de conteúdos e fragmentação da singularidade das comunidades e sujeitos, por muitas vezesvisando a educação como fatia de mercado a ser conquistada e explorada. Conforme apontado, o caráter mercantil é conferido à escola, ou seja, todos que a constituem: alunos, professores, diretores, coordenadores pedagógicos e funcionários afins. Assim, a presente matriz busca nivelar um padrão e acirrar o ‘diferencial’, pois, como afirma Frigotto (2011, p. 251), “Para o mercado não há sociedade, há indivíduos em competição. E para o mundo da acumulação flexível, não há lugar para todos, só para os considerados mais competentes, os que passam pelo metro que mede o tempo fugaz da mercadoria e de sua realização”. Com posicionamento contrário à aprovação da matriz elaborada pelo MEC, a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) e outras entidades acadêmicas manifestaram,em carta aberta, os antagonismos e contradições presentes no documento, que divergem das premissas defendidas por tais instituições ao reafirmarema necessidade de uma política nacional de formação dos profissionais da educação e de valorização do magistério. A carta tece críticas ao desmonte das políticas públicas de educação ocorrido a partir da assunção de Michel Temer à presidência da república, período no qual implementa medidas e coloca instâncias e instituições governamentais subordinadas às perspectivas neoliberais. Dentre os inúmeros apontamentos citados pela ANPAE, destaca-sea revogação do decreto de nomeação dos novos conselheiros para o CNE, órgão responsável pela definição, acompanhamento e avaliação das políticas de educação,e a alteração na coordenação e estruturação do Fórum Nacional de Educação (FNE),responsável pelo acompanhamento e avaliação do PNE 2014-2024,com a exclusão de entidades e associaçõescientíficas e inclusão de representações do setor privado (ANPAE, 2021).Neste cenário, o CNE e o FNE, instâncias de controle e participação social, originalmente criadas para a efetivação do princípio da gestão democrática, deformam seus interesses em decorrência da interpenetração dos interesses do capital. Assim, em relação à matriz, não gerou estranhamento o posicionamento favorável do CNE.
image/svg+xmlA tendência política da matriz nacional de competências para diretores escolares e o nascimento de uma proposta sociopolíticaRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. 4, p. 2686-2705, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.164422692A orientação epistemológica da matrizaprovadaO documento concentrou forçasna defesa de competências e habilidades para o trabalho do diretor escolar, constituindo-se em promessa de parâmetro para as políticas de formação inicial e continuada, no que tange aos processos de escolha, acompanhamento e avaliação do mesmo. A Resolução ainda não homologada pelo MEC (mas já aprovada pelo CNE) alinha-se à meta 19 do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE),que preconiza critérios técnicos de mérito e desempenho e o desenvolvimento de cursos e programas para formação de diretores escolares.A minuta do parecer desta matriz aponta para a necessidade de afigura do diretor ser um líder talentoso. Recorrendo àdefinição deste termo em diferentes dicionários,apresenta-secomo explicação do adjetivo a palavra habilidoso. Evidencia-se aqui a preocupação emanada dos órgãos reguladores da educação em moldar a figura do diretor para um indivíduo habilidoso, ou seja, nota-se uma preocupação inerente com o saber fazer presente no referido documento. Vale também registrar que em alguns contextos o termo habilidoso pode ser sinônimode adestrado. Com ênfase nas competências e habilidades, a matriz não considera as especificidades do campo histórico, social, pedagógico e institucional,próprios da gestão das instituições educativas, portanto,apresenta-se com perigoso reducionismo e limitações que se justificam pela abordagem teórica assumida.Todo corpo teórico revela uma concepção sobre o conhecimento, ou seja, como um entendimento sobre a relação entre o sujeito que aprende e o objeto a conhecer. O documento elaborado pelo MEC sinaliza para raízes na Epistemologia da Prática, a qual preconiza a introdução de “saberes” para o desenvolvimento de tarefas, o que ganha relevo por possibilitar a apresentação de respostas imediatas (e “epidérmicas”) aos problemas do cotidiano. A utilidade instrumental dessa abordagem reduz o exercício do processo de assimilação do conhecimento ao campo da experiência prática. Ao posicionar-se em defesa da “prática na gestão, anuncia a desqualificação do ato de pensar nesta área, o que revela a não compreensão da gestão escolar como fenômeno social e campo de conhecimento científico. O documento apresenta uma concepção de gestão predominantemente pragmática, pois as competências estão sempre “associadas à capacidade de o sujeito desempenhar-se satisfatoriamente em situações reais, mobilizando os recursos cognitivos e socioafetivos. Nesse sentido, em qualquer abordagem o corolário é: a competência é indissociável da ação” (RAMOS, 2011, p. 66).
image/svg+xmlViviane Barbosa Perez AGUIAR; Maria José Ferreira RUIZeWaléria Pimenta Martins SILVARIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2686-2705, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.164422693A transposição das competências para o delineamento de um projeto de formação de diretores escolares, orientada para os desempenhos esperados em determinadas situações, aponta a centralidade na dimensão da ação e não da cognição. As competências repousam no domínio do saber tácito e não do conhecimento historicamente construído.É fundamental compreender os limites deste documento. O projeto de formação profissional explícito na matriz aponta para o desenvolvimento de um perfil comportamental no âmbito da gestão escolar, ignorando aspectos de formação acadêmico-científica. O itinerário formativo proposto aproxima-se de formulações adotadas no setor empresarial,como conceitos de liderança, desenvolvimento de visão sistêmica e estratégica, clima propício ao desenvolvimento, gestão de equipes, apoio às pessoas, boa comunicação e saber lidar com conflitos. As competências elencadas na matriz desconsideram a escola como instituição social e histórica e não vislumbram o estudo das condições intra e extraescolares. A matriz direciona a formação de diretores para um perfil gerencial, o que não dialoga com a perspectiva crítica e democrática resultante de lutas sociais e firmadaem legislações, como a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, e tampouco com a perspectiva de formação defendida neste artigo.Proposta de formação sociopolíticaContraditoriamente a esse modelo de viés empresarial, apresentamos um escopo de matriz que pode se tornar referência para a definição das ementas dos programas de formação continuada de diretores e coordenadores pedagógicos. O aprofundamento teórico permite revelar o objeto para além da sua imediaticidade.Ao tratar da educação, Mézsáros (2007) reforça a necessidade da transformação social para que se saia da lógica da educação para o capital, especialmente por considerar improvável que diante desta lógica de mercado, na qual a educação está mergulhada, surjam políticas intencionais para a emancipação da escola. O autor reforça que no âmbito educacional, as soluções “não podem ser formais; elas devem ser essenciais”. Em outras palavras, elas “devem abarcar a totalidade das práticas educacionais da sociedade estabelecida” (MÉZSÁROS, 2007, p. 207).Romper com o modelo de educação a serviço do capital exige práticas que devolvam à escola sua natureza essencialmente educacional. Nesse sentido, a apropriação do conhecimento pode redimensionar o papel da escola, e por isso faz-se necessária uma matriz formativa que
image/svg+xmlA tendência política da matriz nacional de competências para diretores escolares e o nascimento de uma proposta sociopolíticaRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. 4, p. 2686-2705, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.164422694priorize conteúdos para a ação e tomada de decisão no âmbito da gestão. Para compreender o caminho a percorrer, é fundamental salientar as concepções que orientam a matriz em destaque. O entendimento sobre o papel social da escola é norteador da construção deste documento. Partimos das seguintes indagações: Qual a finalidade social atribuída à escola nos dias atuais? Que respostas esperamos dela frente aos grandes desafios do século XXI? A instituição escolar pode ser entendida como expressão das múltiplas determinações sociais e,também, lócusembrionário de possíveis transformações na sociedade? As respostas apresentadas a essas questões constroem os sentidos políticos e epistemológicos da matriz que apresentamos aqui. Os problemas atuais enfrentados pela sociedade gravitam em torno de questões éticas, ambientais e sociais. Eticamente, vivemos contextos de crise moral e humana, em que a intolerância, o desrespeito, a discriminação se naturalizam e imperam. Dentre os problemas ambientais, ressaltamos as condições climáticas que atingem todo o planeta e provocam desequilíbrio, desmatamento, consumismo exacerbado, lixo descartado incorretamente, mau uso dos recursos naturais e tantos outros. Socialmente, temos cada vez mais forte um sistema econômico que, para se manter hegemônico, produz e alarga a desigualdade entre homens.A escola, entendida por nós, tem compromisso com a mudança dessa realidade. Constitui espaço essencialmente ligado à formação humana, em que a ação intencional do ensino oferece os meios para a apreensão dos conhecimentos historicamente elaborados, principal instrumento para a mudança social. A escola, aqui concebida, é lugar de formação do sujeito que pode vir a atuar na transformação do modelo societário atual, e que ao aprenderos conhecimentos científicos e culturais, também modifica a si mesmo.Com o intuito de atender as necessidades formativas que corroboram para a mudança social, a matriz de conteúdos para o exercício da função de diretor escolar e coordenador pedagógico não pode se distanciar do projeto educativo emanado pela Diretriz Curricular da Rede Municipal (LONDRINA, 2016). Consubstanciado nas bases teóricas da Teoria Histórico-Cultural, o projeto orienta os processos pedagógicos e políticos da gestão da escola, cujos fundamentos sustentam a visão de escola voltada à formação humana, ou seja, à tarefa de formar cidadãos que participam e modificam o meio em que vivem, sujeitos críticos e construtores da sua história.Também se faz necessário considerar que a experiência da função docente é condição