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A tendência política da matriz nacional de competências para diretores escolares e o nascimento de uma proposta sociopolítica
RIAEE
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Revista Ibero
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Americana de Estudos em Educação,
Araraquara,
v. 17, n.
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-
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out./dez
. 2022
.
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ISSN: 1982
-
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DOI:
https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.16442
2686
A TENDÊNCIA POLÍTICA DA MATRIZ NACIONAL DE COMPETÊNCIAS PARA
DIRETORES ESCOLARES E O NASCIMENTO DE UMA PROPOSTA
SOCIOPOLÍTICA
LA TENDENCIA POLÍTICA DE LA MATRIZ NACIONAL DE COMPETENCIAS PARA
DI
RECTORES
ESCOLARES Y EL NACIMIENTO DE UNA PROPUESTA
SOCIOPOLÍTICA
THE POLITICAL TENDENCY OF THE NATIONAL COMPETENCE MATRIX FOR
SCHOOL PRINCIPALS AND THE BIRTH OF A SOCIOPOLITICAL PROPOSAL
Viviane Barbosa Perez
AGUIAR
1
Maria José Ferreira
RUIZ
2
Waléria Pimenta Martins
SILVA
3
RESUMO
:
Este artigo problematiza a aprovação do projeto de resolução da Matriz Nacional
de Competências para Diretores Escolares pelo Conselho Nacional de
Educação (CNE). Tem
como objetivo geral demonstrar o projeto de formação de diretores escolares direcionado pela
resolução em questão. Como objetivos específicos pretende: (i) demonstrar os elementos
neoliberais presentes na Matriz Nacional e o seu comprom
isso com o modelo de gestão
gerencial; (ii) discutir a orientação epistemológica que fundamenta o documento; (iii)
apresentar uma proposta de matriz de conteúdo para a formação de diretores e coordenadores.
O estudo pautou
-
se no desenvolvimento de pesquisa
bibliográfica e análise documental, como
instrumentos metodológicos. Conclui
-
se que o documento elaborado pelo MEC tem orientação
política voltada ao neoliberalismo e, no campo do conhecimento, à Epistemologia da Prática,
portanto, não atende as necessida
des formativas para o exercício da função na gestão escolar.
Finaliza
-
se com uma possível alternativa de matriz formativa centrada na formação sócio
-
histórica.
PALAVRAS
-
CHAVE
:
Gestão
democrática
. Matriz
nacional
de
competências
.
Gerencialismo
.
Neoliberali
smo
.
RESUMEN
:
Este artículo discute la aprobación del proyecto de resolución de la Matriz
Nacional de Competencias para Directivos Escolares por parte del Consejo Nacional de
Educación (CNE) y hace una crítica a las concepciones gerencialistas que susten
tan la
construcción de la propuesta que espera ser aprobada por el MEC. El objetivo general es
demostrar el proyecto antagónico de formación profesional que puede materializarse con la
aprobación de la resolución
.
Se pretende, a partir de la crítica, presentar una propuesta de
matriz de contenidos para la formación de directores y coordinadores escolares. Como
1
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina
–
PR
–
Brasil.
Doutoranda
em Educação.
ORCID
:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
4767
-
8324
.
E
-
mail:
vi.perez@yahoo.com.br
2
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina
–
PR
–
Brasil.
Professor
.
Doutor
ado em Educação
(UNESP).
ORCID:
https://orci
d.org/0000
-
0002
-
1904
-
8878
.
E
-
mail:
mjfruiz@gmail.com
3
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina
–
PR
–
Brasil.
Mestr
ado em Educação.
ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
6366
-
4598
.
E
-
mail:
waleriapimentams@gmail.com
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objetivos específicos: (i) demostrar los elementos neoliberales presentes en la Matriz Nacional
y su compr
omiso con el modelo de gestión gerencial, de carácter empresarial; (ii) discutir la
orientación epistemológica que fundamenta el documento; (iii) presentar una propuesta de
matriz de contenidos para la formación de directores y coordinadores, de la red mun
icipal de
educación de Londrina, centrada en la formación sociohistórica. El estudio se basó en el
desarrollo de la investigación bibliográfica y el análisis de documentos. Se concluye que el
documento elaborado por el MEC tiene una orientación política di
rigida al neoliberalismo y,
en el ámbito del conocimiento, a la Epistemología de la Práctica, por lo que no responde a las
necesidades de formación para el ejercicio de la función en la gestión escolar, por lo que es
urgente implementar una nueva agenda de
formación cuyo centro se establezca en la formación
sociopolítica.
PALABRAS CLAVE
:
Gestión
d
emocrática
. Matriz
n
acional
de
c
ompetencias
. Gerencialismo.
Neoliberalismo
.
ABSTRACT
: This article problematizes the approval of the resolution project draft of
the
National Competency Matrix for School Principals by the National Council of Education (CNE
in Portuguese) and criticizes the managerial conceptions that underlie the construction of the
proposal awaiting approval by MEC [Ministry of Education]. The ge
neral objective is to
demonstrate the antagonistic project of professional formation that can materialize with the
resolution’s approval
.
Based on this criticism, it is intended to present a proposal for a content
matrix for the formation of school directo
rs and coordinators. As specific objectives: (i) to
demonstrate the neoliberal elements present in the National Matrix and its commitment to the
managerial management model, of a business nature (ii) to discuss the epistemological
orientation that underlie
s the document (iii) to present a proposal for a content matrix for the
formation of directors and coordinators of the municipal education network of Londrina, one
which is centered on the sociohistorical formation. The study was based on the development o
f
bibliographic research and documentary analysis. It is concluded that the document prepared
by the MEC has a political orientation focused on neoliberalism and, in the field of knowledge,
on the Epistemology of Practice. Therefore, it does not meet the f
ormative needs for the exercise
of the function in school management and, thus, the implementation of a new formation agenda,
one whose center is fixed on sociopolitical formation, is urgent.
KEYWORDS
: Democratic
management
. National
competency
matrix
.
Managerialism.
Neoliberalism
.
Introdução
N
as últimas décadas, muitos estudos sobre gestão escolar têm demonstrado como as
escolas brasileiras vêm sendo influenciadas pelo Gerencialismo desenvolvido a partir dos anos
1980, mais
especificamente com a Reforma do Aparelho de Estado dos anos 1990. Estes
estudos têm discutido as implicações do Gerencialismo na Educação, em especial, na
organização da escola
, na formação de professores e
no trabalho do diretor escolar.
(PARENTE,
2017
;
ARAÚJO
;
CASTRO, 2011;
SHIROMA, 2018
; LAVAL, 2004
)
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A inserção dos princípios empresariais na Educação, por meio do modelo de gestão
gerencial, tem estimulado
o desenvolvimento de um
“padrão de gestão” associado à
desburocratização, flexibilização, iniciat
iva, inovação, equidade e descentralização, que
refletem um projeto de Educação para o capital.
Assim, c
om vistas à modernização da escola,
esta passa por um processo de mutação que tem afetado não só sua
“
organização, como também
seus valores e fins
”
(LAVAL, 2004, p. 189).
As
reformas neoliberais da educação, em escala
mundial,
estão
c
arregadas de uma ideologia utilitarista “
[...]
a qual recusa toda forma de cultura
que não seja regida pela utilidade, pelo rendimento, pela eficácia, por uma aplicação
mensurável”
(LAVAL, 2004
, p. 309
).
Tendo em vista o avanço das políticas neoliberais na área da Educação, este estudo se
pauta na seguinte problemática:
q
ual o projeto de formação de diretores escolares que pode se
materializar com a homologação da Resoluç
ão da Matriz Nacional de Competências para
Diretores Escolares pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)?
A partir da análise da minuta de projeto de resolução da Matriz Nacional de
Competências para Diretores Escolares aprovada pelo Conselho Nacional de Ed
ucação (CNE),
objetivamos: demonstrar os elementos neoliberais presentes na Matriz Nacional e o seu
compromisso com o modelo de gestão gerencial, de natureza empresarial; discutir a sua
orientação epistemológica e apresentar uma proposta de matriz de conte
údos para a formação
de diretores e coordenadores, da rede municipal de ensino de Londrina
-
PR, centrada na
formação sócio
-
histórica.
Diante das contradições e antagonismos presentes na
Minuta de Parecer e Projeto de
Resolução da Matriz Nacional de Competê
ncias de Diretores Escolares (BRASIL, 2021a) e no
Parecer CNE/CP nº04/2021 que institui a Base Nacional Comum de Competências do Diretor
Escolar
(BRASIL, 2021
b
), elaborad
os
pelo Ministério da Educação (MEC) e aprovad
o
pelo
Conselho Nacional de Educação (CN
E), propomos uma matriz de referência para a formação
de diretores e coordenadores escolares, de cunho sócio
-
histórico
.
O interesse em elencar os conhecimentos essenciais a serem abordados na formação dos
sujeitos que conduzem o processo de gestão da escol
a se deu em parte como necessidade de
organizar pautas formativas em âmbito de formação continuada para a rede municipal de ensino
de Londrina, mas também como negação à matriz gerencialista elaborada pelo MEC.
A experiência desenvolvida e
m Londrin
a
-
P
R
guiou a construção de uma nova proposta
de formação no âmbito da gestão escolar. Desde
2014 a Secretaria Municipal de Educação
desenvolve a política de formação continuada de diretores escolares e coordenadores
pedagógicos por meio da Escola de Gestores,
implementada pelo Decreto Municipal nº
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1.114/2014
(LONDRINA, 2014)
. Desde então, desenvolve
-
se um projeto de aprimoramento
profissional com pauta formativa centrada na aquisição de conhecimentos científicos, pois
entende
-
se que a organização escolar não p
ode ser compreendida à margem da produção teórica
da área construída historicamente. Por isso, como preocupação central, a formação continuada
não se dissocia do contexto social, político e histórico
no
qual está inserido. Para nós, a
formação é concebida
como espaço de reflexão da relação
entre
teoria e prática do trabalho
escolar, aspectos que não existem autonomamente, mas se imbricam mutuamente. Assim,
qualquer orientação ou proposta formativa no campo educacional que não se fundamenta na
perspectiva da
práxis (prática a ser transformada pela apropriação dos elementos da realidade)
alia
-
se ao projeto societário do capital, pois não instrumentaliza para o conhecimento e
transformação da realidade, mas para a perpetuação do atual modelo econômico e polític
o
hegemônico.
Metodologia
Este estudo pautou
-
se no desenvolvimento de pesquisa bibliográfica e análise
documental, como instrumentos metodológicos.
Partiu
-
se da análise da Matriz Nacional de
Competências para Diretores Escolares
aprovada p
elo Conselho N
acional de Educação (CNE)
,
bem como da
carta aberta da Associação Nacional de Política e Administração da Educação
(ANPAE) e
outros
documentos
.
As reflexões foram tecidas com base nas discussões
de
s
envolvidas por
teóricos que se dedicam à temática.
Tal
ma
triz nacional
tem servido de referência para o delineamento de programas de
formação de diretores em todo o país, o que rev
ela
as concepções
e expectativas
em torno da
função de diretor escolar.
Por outro lado, as experiências no âmbito de formação de dire
tores
escolares
criou condições
e possibilidades
para
se mapear conhecimentos/
conteúdos
a serem
priorizad
o
s no decorrer na formação continuada desses profissionais
. Com isso
, ao longo dos
anos, um projeto de formação foi sendo construído, priorizando a gestão escolar enquanto
campo de pesquisa e conhecimento.
Como resistência à matriz do MEC, optamos por produzir uma matriz de formação
coerente com os ideais e concepções que
defendemos, sem perder de vista o caráter histórico
da gestão, ou seja, as suas possibilidades de renovação e mudança.
Na sequência
,
o texto discorre
a respeito d
a orientação política e epistemológica da
matriz, seguid
a
de uma proposta
de formação
de cun
ho
sociopolític
o
.
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A orientação política da matriz aprovada
Com características alinhadas aos pressupostos neoliberais, portanto, destoando da
finalidade da escola que se volta à formação humanística
-
cultural, a matriz já aprovada pelo
CNE, se homologada
pelo MEC, tornar
-
se
-
á referência para os programas de formação e
seleção de diretores escolares.
Explicitamente coerente ao projeto societário capitalista, tal documento exprime as
concepções neoliberais presentes nas políticas educacionais, que se manif
estam desde os anos
90 no Brasil, motivadas pelo ideário da Nova Gestão Pública (NGP). Essa nova concepção é
originária de um movimento internacional pela reforma do aparelho de Estado, que ocorreu
inicialmente na Europa e nos Estados Unidos e se alastrou
mundialmente, justificados pela
crença da supremacia do modelo gerencial para a instauração de mecanismos de excelência na
gestão pública.
A partir desta década, evidencia
-
se um vigoroso esforço por parte dos governos na
implementação de políticas pública
s voltadas à consolidação desta nova forma de pensar a
administração pública. Nesse contexto, a NGP surge como alternativa exitosa para a superação
de um modelo de gestão burocrática, julgado como obstáculo à modernização do Estado. Com
o intuito de combat
er os maléficos resultados do modelo burocrático no setor público, o novo
modelo
de gestão
se apresenta como a solução prodigiosa de eliminação da crise do Estado.
Bresser Pereira
(1999, p. 6)
afirma que a Reforma Gerencial do Estado
“
[...]
é um novo
fenôm
eno histórico, que ganhou forças nas últimas décadas, quando as pessoas começaram a
perceber que uma das razões da atual crise fiscal do Estado era a ineficiência estrutural da
administração pública burocrática”.
Como solução à superação da burocracia ins
taurada no setor público, o novo modelo de
gestão representa a promessa do fim do “apartheid” que separa o setor público da eficiência do
setor privado, mais que isso, não significa apenas aproximação entre esses setores, mas a
subsunção plena da administr
ação pública aos ditames do mundo coorporativo empresarial.
Incorporada ao ideário da gestão pública, a nova estrutura gerencial é apresentada como modelo
a ser seguido, também na esfera educacional. Assim, princípios e práticas adotadas no setor
privado (
gerencialismo) são incorporadas como referência para a organização escolar.
Nota
-
se que apesar de o documento supracitado ser datado de 1999, ou seja, contar com
sua elaboração no apogeu do governo FHC, a perspectiva neoliberal impregnada em tal
documento
permanece enraizada nos governos posteriores,
bem
como nos dias atuais.
De tal
modo,
é sob esse fundamento conceitual que a matriz elaborada pelo MEC se sustenta. Suas
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bases teóricas se respaldam em uma concepção gerencial e pragmática, fundamentada nas
or
ientações advindas de organismos internacionais, em especial, da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e UNESCO, órgãos disseminadores de
recomendações aos sistemas educacionais.
Tais organismos, respaldados por suas concepções de base neoliberal, conferem
à
escola
um caráter mercantil, ora reforçando a educação para um capital humano, tendo em vista a
formação
padronizada,
através do controle de conteúdos e fragmentação da singula
ridade das
comunidades e sujeitos,
por muitas vezes
visando a educação como fatia de mercado a ser
conquistada e explorada. Conforme apontado, o caráter mercantil é conferido à escola, ou seja,
todos que a constituem: alunos, professores, diretores, coorde
nadores pedagógicos e
funcionários afins. Assim, a presente matriz busca nivelar um padrão e acirrar o ‘diferencial’,
pois, como afirma Frigotto (2011, p. 251), “Para o mercado não há sociedade, há indivíduos em
competição. E para o mundo da acumulação fle
xível, não há lugar para todos, só para os
considerados mais competentes, os que passam pelo metro que mede o tempo fugaz da
mercadoria e de sua realização”.
Com posicionamento contrário à aprovação da matriz elaborada pelo MEC, a
Associação Nacional de P
olítica e Administração da Educação (ANPAE) e outras entidades
acadêmicas manifestaram
,
em carta aberta, os antagonismos e contradições presentes no
documento, que divergem das premissas defendidas por tais instituições ao reafirmar
em
a
necessidade de uma
política nacional de formação dos profissionais da educação e de
valorização do magistério.
A carta tece críticas ao desmonte das políticas públicas de educação ocorrido a partir da
assunção de Michel Temer à presidência da república,
período
no qual impl
ementa medidas e
coloca instâncias e instituições governamentais subordinadas às perspectivas neoliberais.
Dentre os inúmeros apontamentos citados pela ANPAE, destac
a
-
se
a revogação do decreto de
nomeação dos novos conselheiros para o CNE, órgão responsáve
l pela definição,
acompanhamento e avaliação das políticas de educação
,
e a alteração na coordenação e
estruturação do Fórum Nacional de Educação (FNE)
,
responsável pelo acompanhamento e
avaliação do PNE 2014
-
2024
,
com a exclusão de entidades e associações
científicas e inclusão
de representações do setor privado (ANPAE, 2021).
Neste cenário, o CNE e o FNE, instâncias de controle e participação social,
originalmente criadas para a efetivação do princípio da gestão democrática, deformam seus
interesses em de
corrência da interpenetração dos interesses do capital. Assim, em relação à
matriz, não gerou estranhamento o posicionamento favorável do CNE.
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A orientação epistemológica da matriz
aprovada
O documento concentrou força
s
na defesa de competências e habil
idades para o trabalho
do diretor escolar, constituindo
-
se em promessa de parâmetro para as políticas de formação
inicial e continuada, no que tange aos processos de escolha, acompanhamento e avaliação do
mesmo. A Resolução ainda não homologada pelo MEC (m
as já aprovada pelo CNE) alinha
-
se
à meta 19 do Plano Nacional de Educação 2014
-
2024 (PNE)
,
que preconiza critérios técnicos
de mérito e desempenho e o desenvolvimento de cursos e programas para formação de diretores
escolares.
A minuta do parecer desta ma
triz aponta para a necessidade
de a
figura do diretor ser
um líder talentoso. Recorrendo
à
definição deste termo em diferentes dicionários
,
apresenta
-
se
como explicação do adjetivo a palavra habilidoso. Evidencia
-
se aqui a preocupação emanada
dos órgãos re
guladores da educação em moldar a figura do diretor para um indivíduo
habilidoso, ou seja, nota
-
se uma preocupação inerente com o saber fazer presente no referido
documento. Vale também registrar que em alguns contextos o termo habilidoso pode ser
sinônimo
de adestrado. Com ênfase nas competências e habilidades, a matriz não considera as
especificidades do campo histórico, social, pedagógico e institucional
,
próprios da gestão das
instituições educativas, portanto
,
apresenta
-
se com perigoso reducionismo e l
imitações que se
justificam pela abordagem teórica assumida.
Todo corpo teórico revela uma concepção sobre o conhecimento, ou seja, como um
entendimento sobre a relação entre o sujeito que aprende e o objeto a conhecer. O documento
elaborado pelo MEC sinal
iza para raízes na Epistemologia da Prática, a qual preconiza a
introdução de “saberes” para o desenvolvimento de tarefas, o que ganha relevo por possibilitar
a apresentação de respostas imediatas (e “epidérmicas”) aos problemas do cotidiano. A
utilidade i
nstrumental dessa abordagem reduz o exercício do processo de assimilação do
conhecimento ao campo da experiência prática.
Ao posicionar
-
se em defesa da “prática na gestão
”
, anuncia a desqualificação do ato de
pensar nesta área, o que revela a não compree
nsão da gestão escolar como fenômeno social e
campo de conhecimento científico. O documento apresenta uma concepção de gestão
predominantemente pragmática, pois as competências estão sempre “associadas à capacidade
de o sujeito desempenhar
-
se satisfatoriam
ente em situações reais, mobilizando os recursos
cognitivos e socioafetivos. Nesse sentido, em qualquer abordagem o corolário é: a competência
é indissociável da ação” (RAMOS, 2011, p. 66).
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A transposição das competências para o delineamento de um projeto
de formação de
diretores escolares, orientada para os desempenhos esperados em determinadas situações,
aponta a centralidade na dimensão da ação e não da cognição. As competências repousam no
domínio do saber tácito e não do conhecimento historicamente con
struído.
É fundamental compreender os limites deste documento. O projeto de formação
profissional explícito na matriz aponta para o desenvolvimento de um perfil comportamental
no âmbito da gestão escolar, ignorando aspectos de formação acadêmico
-
científica
. O itinerário
formativo proposto aproxima
-
se de formulações adotadas no setor empresarial
,
como conceitos
de liderança, desenvolvimento de visão sistêmica e estratégica, clima propício ao
desenvolvimento, gestão de equipes, apoio às pessoas, boa comunicaç
ão e saber lidar com
conflitos. As competências elencadas na matriz desconsideram a escola como instituição social
e histórica e não vislumbram o estudo das condições intra e extraescolares. A matriz direciona
a formação de diretores para um perfil gerenci
al, o que não dialoga com a perspectiva crítica e
democrática resultante de lutas sociais e firmad
a
em legislações, como
a
C
onstituição Federal
de 1988
e a
Lei de Diretrizes e Bases de 1996
,
e t
am
pouco
com a perspectiva de formação
defendida neste
artigo.
Proposta de formação sociopolítica
Contraditoriamente a esse modelo de viés empresarial, apresentamos um escopo de
matriz que pode se tornar referência para a definição das ementas dos programas de formação
continuada de diretores e coordenadore
s pedagógicos. O aprofundamento teórico permite
revelar o objeto para além da sua imediaticidade.
Ao tratar da educação, Mézsáros (2007) reforça a necessidade da transformação social
para que se saia da lógica da educação para o capital, especialmente por
considerar improvável
que diante desta lógica de mercado, na qual a educação está mergulhada, surjam políticas
intencionais para a emancipação da escola. O autor reforça que no âmbito educacional, as
soluções “não podem ser formais; elas devem ser essencia
is”. Em outras palavras, elas “devem
abarcar a totalidade das práticas educacionais da sociedade estabelecida” (MÉZSÁROS, 2007,
p. 207).
Romper com o modelo de educação a serviço do capital exige práticas que devolvam à
escola sua natureza essencialmente e
ducacional. Nesse sentido, a apropriação do conhecimento
pode redimensionar o papel da escola, e por isso faz
-
se necessária uma matriz formativa que
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priorize conteúdos para a ação e tomada de decisão no âmbito da gestão. Para compreender o
caminho a percor
rer, é fundamental salientar as concepções que orientam a matriz em destaque.
O entendimento sobre o papel social da escola é norteador da construção deste
documento. Partimos das seguintes indagações: Qual a finalidade social atribuída à escola nos
dias
atuais? Que respostas esperamos dela frente aos grandes desafios do século XXI? A
instituição escolar pode ser entendida como expressão das múltiplas determinações sociais e
,
também,
lócus
embrionário de possíveis transformações na sociedade? As respostas
apresentadas a essas questões constroem os sentidos políticos e epistemológicos da matriz que
apresentamos aqui.
Os problemas atuais enfrentados pela sociedade gravitam em torno de questões éticas,
ambientais e sociais. Eticamente, vivemos contextos de cr
ise moral e humana, em que a
intolerância, o desrespeito, a discriminação se naturalizam e imperam. Dentre os problemas
ambientais, ressaltamos as condições climáticas que atingem todo o planeta e provocam
desequilíbrio, desmatamento, consumismo exacerbado
, lixo descartado incorretamente, mau
uso dos recursos naturais e tantos outros. Socialmente, temos cada vez mais forte um sistema
econômico que, para se manter hegemônico, produz e alarga a desigualdade entre homens.
A escola, entendida por nós, tem compr
omisso com a mudança dessa realidade.
Constitui espaço essencialmente ligado à formação humana, em que a ação intencional do
ensino oferece os meios para a apreensão dos conhecimentos historicamente elaborados,
principal instrumento para a mudança social.
A escola, aqui concebida, é lugar de formação do
sujeito que
pode vir a atuar na transformação do modelo societário atual
, e que ao aprender
os
conhecimentos científicos e culturais
,
também
modifica a si mesmo.
Com o intuito de atender as necessidades for
mativas que corroboram para a mudança
social, a matriz de conteúdos para o exercício da função de diretor escolar e coordenador
pedagógico não pode se distanciar do projeto educativo emanado pela Diretriz Curricular da
Rede Municipal (LONDRINA, 2016). Cons
ubstanciado nas bases teóricas da Teoria Histórico
-
Cultural, o projeto orienta os processos pedagógicos e políticos da gestão da escola, cujos
fundamentos sustentam a visão de escola voltada à formação humana, ou seja, à tarefa de formar
cidadãos que parti
cipam e modificam o meio em que vivem, sujeitos críticos e construtores da
sua história.
Também se faz necessário considerar que a experiência da função docente é condição