image/svg+xmlAvaliação da trajetória institucional do Programa Ciência Sem Fronteiras na Universidade Federal do CearáRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792194AVALIAÇÃO DA TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL DO PROGRAMA CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁEVALUACIÓN DE LA TRAYECTORIA INSTITUCIONAL DEL PROGRAMA CIENCIA SIN FRONTERAS EN LA UNIVERSIDAD FEDERAL DE CEARÁEVALUATION OF THE INSTITUTIONAL TRAJECTORY OF SCIENCE WITHOUT BORDERS PROGRAM AT THE FEDERAL UNIVERSITY OF CEARÁMárcia Monalisa de Morais Sousa GARCIA1Alcides Fernando GUSSI2RESUMO: Este artigo tem como objetivo avaliar a trajetória institucional do Programa Ciência sem Fronteiras (CsF) na Universidade Federal do Ceará (UFC), buscando compreender a percepção dos gestores sobre o Programa a partir de uma perspectiva hermenêutica de análise de políticas públicas, proposta por Lejano (2012). Nessa pesquisa, de abordagem qualitativa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com reitores, pró-reitores de graduação, coordenador de assuntos internacionais e coordenadores de nove cursos de graduação da Universidade, contemplando o período de implementação do Programa.Como resultados, encontramos distintas interpretações acerca do CsF e sua relação com a internacionalização da UFC, o que possibilitou uma compreensão mais ampla acerca do Programa na UFC, considerando os distintos sujeitos envolvidos em sua implementação, permitindo produzir indicadores de avaliação sobre o Programa e internacionalização, que contribuem para a afirmação da educação superior como um direito e um bem público em meio a tensões político-institucionais que a qualificam como mercadoria.PALAVRAS-CHAVE: Trajetória institucional. Internacionalização. Programa Ciência sem Fronteiras.RESUMEN:Este artículo tiene como objetivo evaluar la trayectoria institucional del Programa Ciencia sin Fronteras (CsF) de la Universidad Federal de Ceará (UFC), buscando comprender la percepción de los gestores sobre el Programa, basada en la perspectiva hermenéutica del análisis de políticas públicas, según Lejano (2012). En esta investigación cualitativa, fueron realizadas entrevistas semiestructuradas a los decanos, prorrectores de graduación, coordinador de asuntos internacionales y coordinadores de nueve carreras de grado de la Universidad, abarcando el período de implementación del Programa. Como resultado, encontramos diferentes interpretaciones sobre el CsF y su relación con la internacionalización de la UFC, lo que permitió una comprensión más amplia del Programa, 1Universidade Federal do Ceará(UFC), FortalezaCEBrasil. Doutoranda em Educação.ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5799-733X. E-mail: marciamonalisa@yahoo.com.br2Universidade Federal do Ceará(UFC), FortalezaCEBrasil. Docente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFC) e ao Programa da Pós-Graduação em Avaliação de Políticas Públicas (PPGAP/UFC). Doutorado em Educação (UNICAMP). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5510-5286.E-mail: alcidesfernandogussi@gmail.com
image/svg+xmlMárcia Monalisa de Morais Sousa GARCIA e Alcides Fernando GUSSIRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792195considerando los diferentes sujetos involucrados en su implementación, permitiendo la producción de indicadores de evaluación sobre el Programa y la internacionalización, que contribuyen a la afirmación la educación superior como derecho y bien público en medio de tensiones político-institucionales que la califican como mercancía.PALABRAS CLAVE:Trayectoria institucional.Internacionalización.Programa Ciencia sin Fronteras.ABSTRACT:This article aims to evaluate the institutional trajectory of the Science without Borders Program (CsF) at the Federal University of Ceará(UFC), seeking to understand the perception of managers about the Program based on the hermeneutic perspective of public policy analysis, proposed by Lejano (2012). Using a qualitative approach, semi-structured interviews were carried out with deans, pro-deans of graduation, coordinator of international affairs and coordinators of nine undergraduate courses at the University, contemplating the period of implementation of the Program. As a result, we found different interpretations about the CsF and its relationship with the internationalization, which enabled a broader understanding of the Program at the UFC, considering the different subjects involved in its implementation, allowing the production of evaluation indicators, which contribute to the assertionof higher education as a right and a public good in the midst of political-institutional tensions that qualify it as a commodity.KEYWORDS: Institutional trajectory. Internationalization. Science without Borders Program.IntroduçãoEste artigo apresenta a trajetória institucional do Programa Ciência Sem Fronteiras (CsF) na Universidade Federal do Ceará (UFC) no contexto da internacionalização da educação superior, a partir da percepção de múltiplos atores institucionais que participaram de sua implementação3. Para tanto, fundamenta-se na perspectiva hermenêutica de análise de políticas públicas, desenvolvida por Lejano(2012), centrando-se na experiência dos sujeitos e na busca de sentidos e significados da política para aqueles que a formulam, implementam ou vivenciam, dentro de um determinado contexto sociopolítico e institucional.A internacionalização tem sido um tema recorrente nas discussões sobre educação superior no Brasil, sobretudo com a introdução do neoliberalismo no Brasil nos anos 1990, cujas políticas públicas, especialmente em educação, passaram a ser fomentadas por organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). 3Esta pesquisa consiste em uma parte de minha dissertação intitulada TTrajetórias da Internacionalização na Universidade Pública: avaliação do Programa Ciência sem Fronteiras à luz da experiência da Universidade Federal do Ceará”, defendida em março de 2020, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre, e orientada pelo Professor Alcides Fernando Gussi.
image/svg+xmlAvaliação da trajetória institucional do Programa Ciência Sem Fronteiras na Universidade Federal do CearáRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792196Entretanto, foi a partir de 2011 que a internacionalização das universidades brasileiras ganhou maior evidência por meio do Programa Ciência sem Fronteiras (CsF). (ALMEIDA, 2014).O Programa CsF foi criado no primeiro mandato do Governo Dilma Rousseff (2011-2014), com o decreto nº 7642, de 13 de dezembro de 2011, nos seus termos, com a finalidade de impulsionar a internacionalização do ensino superior por meio da capacitação de pessoas com elevada qualificação em universidades de excelência, além de atrair para o Brasil jovens talentos e pesquisadores estrangeiros de elevada qualificação, em áreas de conhecimento definidas como prioritárias (BRASIL, 2011).Entretanto, a crise política e econômica, iniciada no segundo mandato do Governo Dilma Rousseff (2014-2016), culminou com o impeachmentem 2016, afetou a continuidade do Programa. Após o impeachment, em um contexto de afirmação de uma agenda de governo neoliberal do presidente interino Michel Temer (2016-2018), caracterizada pelo ajuste fiscal, as bolsas para a graduação foram suspensas e o Programa foi sendo paulatinamente suprimido até ser extinto em 2017.Para se compreender a abrangência do CsF, no período de 2012 a 2016, dados do painel de controle do Programa demonstram que foram implementadas 92.880 mil bolsas a alunos da graduação e pós-graduação de todo o Brasil, das quais 78,97% foram destinadas a alunos da graduação. A Universidade Federal do Ceará (UFC), lócusdesta avaliação, despontou como uma das10 universidades brasileiras que mais enviaram alunos ao Programa, com um total de 2.123 bolsas implementadas, sendo 87% destinadas a alunos da graduação. (CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS, n.d.).Com números tão expressivos, pretende-se aqui analisar o significadodesses dados para a internacionalização da educação superior, especialmente quando se considera duas vertentes de concepção sobre a internacionalização, uma de viés acadêmico-institucional, nos moldes sugeridos pela Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO, 1998), cujas ações são voltadas para a cooperação solidária; e outra com viés de mercado, voltada para a formação de recursos humanos para atender às demandas do mercado de trabalho global, como propõem o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).Com esse intuito, buscamos avaliar como o Programa CsF foi experienciado e percebido em um lócusinstitucional específico, a UFC, a partir de seus distintos atores institucionais, sobretudo no tocante aos processos de internacionalização pelos quais passava a universidade.Para tanto, metodologicamente, propõe-se a construir a trajetória institucional do Programa CsF na UFC a partir de cinco eixos analíticos:
image/svg+xmlMárcia Monalisa de Morais Sousa GARCIA e Alcides Fernando GUSSIRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792197i) Trajetória pessoal e experiência internacional dos atores envolvidos no CsF, pois a partir de suas trajetórias de vida, das vivências dos gestores, pode-se compreender os significados que eles atribuíram ao Programa CsF na UFC;ii) Contextos nacional e institucional, entendendo que a UFC está inserida nas políticas públicasda educação superior e, a partir disso, compreender configurações institucionais que possibilitam apreender os jogos de interesses e as ações dos sujeitos envolvidos na implementação do CsF;iii) Concepção de internacionalização, em que se buscou compreender as concepções de internacionalização que orientam os sujeitos implementadores do programa;iv) Percepção sobre o Programa Ciência sem Fronteiras, em que se buscou, a partir dos relatos, compreender a percepção dos gestores acerca do processo de formulação, planejamento, implementação e os resultados do programa para a Universidade;v) Relação entre a internacionalização da UFC e o Programa CsF, em que foi possível analisar em que medida os gestores relacionam o Programa CsF e a internacionalização da Universidade.A construção da trajetória institucional constitui-se em um instrumento para se avaliar a implementação do Programa CsF na UFC, possibilitando uma compreensão mais ampla e detalhada sobre como se deu o percurso da política nas vias institucionais da UFC, a partir dos distintos sujeitos envolvidos com o CsF.Para uma melhor organização, este artigo está estruturado em seis seções, sendo a primeira esta introdução. Na segunda seção, discutem-se definições de autores e organismos internacionais sobre a internacionalização. Na terceira seção, apresentam-se os percursos teórico-metodológicos de construção da pesquisa. Na quarta seção, apresentam-se os resultados da trajetória institucional do CsF na UFC. Na quinta seção, é feita uma análise da trajetória e são apresentados os indicadores de avaliação produzidos. E, por fim, na última seção, tem-se as considerações sobre a pesquisa.As visões sobre a internacionalização da educação superiorHá uma variedade de definições e visões sobre o significado de internacionalização da educação. Knight (2003, p. 2), referência na temática, entende a internacionalização como um Tprocesso de integrar uma dimensão internacional, intercultural ou global como objetivo, as funções ou o oferecimento do ensino pós-secundário”. Wit et al. (2015) amplia o conceito de
image/svg+xmlAvaliação da trajetória institucional do Programa Ciência Sem Fronteiras na Universidade Federal do CearáRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792198Knight (2003), incluindo em sua finalidade a melhoria da qualidade do ensino superior e da pesquisa, trazendo uma contribuição significativa à sociedade.Sob outra perspectiva, para Van der Wende (1997, p. 18), a internacionalização é Tqualquer esforço sistemático encaminhado a fazer que a educação superior responda aos requerimentos e desafios relacionados com a globalização das sociedades, da economia e dos mercados”. Morosini (2006) também entende que a internacionalização consiste em um esforço sistemático que tem como objetivo tornar a educação superior mais respondente às exigências e desafios relacionados à globalização da sociedade, da economiae do mercado de trabalho.Em meio à diversidade de concepções, quem tem norteado os rumos da internacionalização da educação superior tem sido as organizações internacionais, sobretudo no tocante à mobilidade estudantil. Sob a perspectiva da Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO, 1998), a internacionalização é uma das estratégias de se utilizar a educação superior para contribuir para o aprimoramento da vida em sociedade, assegurar um desenvolvimento genuíno e sustentável e reduzir as disparidades econômicas, sociais e políticas dos países em desenvolvimento por meio da troca de conhecimento.No entanto, os esforços da UNESCO, com o intuito de garantir os valores do ensino superior, não foram suficientes para deter a lógica do sistema capitalista, impulsionado pela globalização. Sob um outro viés, em 1995, a Organização Mundial do Comércio (OMC) no âmbito do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS), definiu novas regras e novos princípios para o ensino superior, contrários à concepçãoda UNESCO, incluindo a educação no patamar de mercadoria, com a finalidade de eliminar barreiras ao comércio nessa área, tornando possível combinar o maior acesso à universidade com lucratividade (WTO, 1998).Encontram-se, portanto, duas visões distintas sobre a internacionalização do ensino superior, uma de viés acadêmico-institucional, nos moldes sugeridos pela UNESCO, cujas ações são voltadas para a cooperação solidária, remetendo-nos a uma visão mais acadêmica e sociocultural do processo; e outra com viés mercadológico, voltada para a formação de recursos humanos para atender ao mercado de trabalho global, como propõem o Banco Mundial (BM) e a OMC. Essas concepções discrepantes no campo analítico acerca da internacionalização revelam a disputa de interesses existente no âmbito da educação superior que impõe um valor muito tênue sobre a educação como bem social ou como mercadoria. (SOBRINHO, 2004).Sobre essa questão, Bourdieu (1976) já dizia que o espaço científico é lugar por disputa de capitais, uma vez que a ciência passa a ser uma mercadoria, produzida nas universidades e apropriada pelo capital. É nesse contexto de embate de ideias que o Brasil desenvolveu políticas
image/svg+xmlMárcia Monalisa de Morais Sousa GARCIA e Alcides Fernando GUSSIRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792199de internacionalização do ensino superior, cujo marco nacional foi o Programa Ciênciasem Fronteiras (2012-2016). Trata-se de um programa de mobilidade acadêmica, criado para promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira, sobre o qual este artigo se debruça a partir de pesquisa realizada no contexto institucional da UFC.Pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa sobre o Programa Ciência sem FronteirasPara avaliar o Programa CsF na UFC, buscou-se uma aproximação com o paradigma hermenêutico de análise de políticas públicas de Lejano (2012), que aponta que uma mesma política pode sofrer interpretações variadas, delineando uma trajetória institucional, à medida que adentra nos distintos espaços institucionais. Para Lejano (2012, p. 114),Quando o significadoestá em questão, a realidade é como um texto que está sujeito à análise e interpretação. Se ninguém puder legalmente declarar-se o autor, ou se a exata noção de autoria é questionada, então a política estará sujeita a uma série possivelmente interminável de interpretações.Dessa forma, na concepção hermenêutica de Lejano (2012), não há um resultado exato acerca de uma política, pois uma mesma política pode ser implementada de forma distinta em diferentes instituições, o que ele denomina de Tcoerência institucional”, quando uma política precisa, de alguma maneira e em diferentes aspectos, Tencaixar-se” em uma instituição, como explicita abaixo:Coerência, até certo ponto, significa que o texto original deveria ser adaptado a cada lugar. Assim, essencialmente, ao mesmo tempo em que política é, afinal, texto e é afinal levada de um lugar a outro pelos detentores de poder, ainda requer ser posta fisicamente em cada lugar, e isso significa, em virtude da necessidade de ao menos certo grau de coerência, que a política não será idêntica em cada situação. Ou seja, o engajamento do texto com o real induz mudanças na maneira pela qual a política é posta em ação. O que resulta não é isomorfismo, mas poliformismo (LEJANO, 2012, p. 229).Articulada à noção de coerência de uma política, aproximamo-nos do conceito de trajetória desenvolvida por Gussi (2008). O autor parte da noção de trajetória de vida de Bourdieu (1996) em seu ensaio TA Ilusão Biográfica”, para quem trajetória é Tuma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente ou um mesmo grupo em um espaço ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes” (BORDIEU, 1996, p. 81). Isto é, a vida não segue uma ordem lógica, mas se desloca no espaço social e está vinculada a distintos agentes sociais. Da mesma forma, para Gussi (2008), ocorre com as políticas públicas
image/svg+xmlAvaliação da trajetória institucional do Programa Ciência Sem Fronteiras na Universidade Federal do CearáRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792200quando adentram nos espaços institucionais: elas estão circunscritas a ressignificações e vão se modificando à medida que vão sendo implementadas, deacordo com a ação dos agentes sociais.Ademais, quando se adentra em uma instituição para buscar compreender o desenvolvimento de uma política, ou seja, a sua trajetória institucional (GUSSI, 2008), é preciso atentar que uma instituição vai além das fronteiras do modelo formal, porque Tas instituições reais não são apenas regras e estruturas organizacionais, mas se encontram entrelaçadas com cultura, histórias, personalidades e outras contingências de contexto” (LEJANO, 2012, p. 261). Essa teia de relaçõesque se afasta do modelo formal de uma instituição, Lejano (2012) denominou de Ttopologia das instituições”.Portanto, sustentamos aqui que para se compreender a trajetória do CsF na UFC, faz-se necessário apreender como esta Universidade se organiza, quemsão e como pensam os responsáveis pela sua execução e que relevância o programa teve no processo de internacionalização da UFC, ou seja, nos dizeres de Lejano (2012), compreender a Ttopologia da instituição”.Para tanto, metodologicamente, foram realizadas entrevistas semiestruturadas abrangendo tanto os gestores da administração superior da UFC4, quanto os coordenadores de cursos, responsáveis pela operacionalização do programa e relacionamento com os alunos participantes5. Dessa forma, buscando abranger as gestões que contemplaram o início do programa (2012-2014) e seu final (2014-2016), foram entrevistados 2 reitores, 2 pró-reitores de graduação, 1 coordenador de assuntos internacionais e coordenadores de 9 cursos, sendo: 2 cursos do Centro de Ciências, 3 cursos do Centro de Tecnologia e 4 cursos do Instituto de Cultura e Arte, totalizando 17 gestores da UFC6.A partir da análise de dados, como se verá a seguir, foi possível compreender a forma como os gestores interpretam o Programa CsF na UFC, articulando-o a processos de internacionalização da universidade.4A implementação do Programa CsF na UFC envolveu três setores: a Coordenadoria de Assuntos Internacionais (CAI), a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) e as coordenações de cada curso.5Ressalta-se que a experiência dos alunos participantes do Programa CsF pela UFC não foi contemplada na pesquisa, pois este estudo teve como enfoque os arranjos institucionais da UFC para a implementação da política.6As entrevistas foram realizadas entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020 e todos os gestores assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
image/svg+xmlMárcia Monalisa de Morais Sousa GARCIA e Alcides Fernando GUSSIRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792201A trajetória institucional do Programa Ciência sem Fronteiras sob o olhar dos gestores da Universidade Federal do CearáCom base nos conceitos de Coerência e Topologia das Instituições de Lejano (2012) e na noção de trajetória de Gussi (2008), foi possível construir a trajetória institucional do Programa CsF na UFC, cujos resultados serão apresentados a partir de cinco eixos analíticos, orientadores da pesquisa: a) trajetória pessoal e experiência internacional; b) contextos nacional e institucional; c) concepções de internacionalização; d) percepção sobre o Programa Ciência sem Fronteiras; e e) relação entre o Programa Ciência sem Fronteiras e a internacionalização da UFC.a) Trajetória pessoal e experiência internacional dos gestoresEm relação ao primeiro eixo analítico, observa-se que os relatos das trajetórias acadêmica e profissional dialogam com o tempo e o espaço social, revelando sua dimensão histórica, coletiva e social, possibilitando, assim, formular uma melhor compreensão do contexto no qual os gestores entrevistados estão inseridos (GUSSI,2005). Suas trajetórias, portanto, se entrelaçam com esses contextos e, por conseguinte, influenciam a forma como vivenciam a universidade e veem as políticas públicas, conforme sintetiza o quadro 1:Quadro 1 Síntese: trajetórias pessoais e experiênciainternacionalGestoresTrajetórias pessoaisExperiência InternacionalAdministração Superior (reitores, pró-reitores de graduação e coordenador de assuntos internacionais) e coordenadores de curso-As trajetórias de vida dos gestores se entrelaçam com a história da UFC e com os contextos históricos, influenciando a percepção deles sobre as políticas de educação superior e Programa CsF na UFC e sua implementação.-Todos os gestores da administraçãosuperior tiveram experiência internacional; enquanto entre os 12 coordenadores, somente 4 não tiveram;-Os gestores foram unânimes em afirmar que é uma experiência muito enriquecedora para a formação, em que o estudante entra em contato com outras culturas, outras visões de mundo, novas línguas, novas tecnologias e formas diferentes de se fazer pesquisa;-A experiência internacional dos gestores contribuiu para o reconhecimento da relevância da mobilidade, o que certamente permitiu à UFC uma maior apropriação do CsF no tocante à implementação do Programa.Fonte: Elaborado pelos autores
image/svg+xmlAvaliação da trajetória institucional do Programa Ciência Sem Fronteiras na Universidade Federal do CearáRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792202Percebe-se que o fato de os gestores universitários terem vivenciado uma experiência internacional contribuiu para reconhecerem a relevância da mobilidade para os estudantes bolsistas do CsF, o que certamente permitiu à UFC uma maior apropriação institucional do CsF no tocante à implementação do Programa, pois segundo Lejano (2012, p. 122), Tsomos inevitavelmente influenciados por nossas predileções pessoais, treino, histórias e crenças”.b) Contexto nacional e institucionalEm relação ao segundo eixo analítico, sob esta perspectiva avaliativa, entende-se que não há como analisar a trajetória de uma política sem considerar as configurações de Estado e as agendas de Governo em que ela está inserida. A compreensão dos gestores sobre os contextos nacional e institucional estão sintetizadas no quadro 2:Quadro 2 Síntese: contexto nacional e institucionalGestoresContexto NacionalContexto InstitucionalAdministração Superior (reitores, pró-reitores de graduação e coordenador de assuntos internacionais) e coordenadores de curso-Ressaltaram os investimentos no ensino superior de 2003 a 2016;-Apresentaram insegurança quanto ao futuro das universidades públicas no atual contexto, principalmente os coordenadores do Instituto de Cultura e Arte (ICA), área que tem sido atacada pelo Governo Bolsonaro;-Um coordenador do curso de Engenharia de Produção Mecânica demonstrou otimismo sobre os novos rumos do ensino superior.-Entre os coordenadores de curso, observou-se um maior receio em abordar o contexto da UFC em decorrência do momento político-institucional que a Universidade tem vivenciado, sobretudo em 2019;-A adoção de medidas neoconservadoras e neoliberais afetam a UFC e transformam os sentidos da formação e a trajetória da internacionalização.Fonte: Elaborado pelos autoresNo tocante aos contextos, observa-se que os gestores foram unânimes em reconhecer o investimento em políticas públicas do ensino superior entre 2003 e 2016. Entretanto, manifestaram incertezas quanto ao futuro das universidades públicas, especialmente no atual contexto de medidas neoconservadoras e neoliberais7, que afetam as universidades e transformam os sentidos da formação e a trajetória da internacionalização, salvo um coordenador do curso de Engenharia de Produção Mecânica, que demonstrou otimismo em 7A partir de 2019, no Governo Bolsonaro (2019-2022), com a adoção da corrente política do neoconservadorismo, caracterizado como liberal na economia e o conservador nos costumes (CASTRO, 2018), as universidades públicas foram as que mais sofreram com os ataques, nãosomente ideológicos, mas econômicos do Governo, resultando no maior corte de recursos decorrente da política deajuste fiscal, inicialmente anunciado como 30% da verba total e,depois, 30% do orçamentodiscricionário (ou seja, de gastos não obrigatórios), o equivalente a mais de R$ 1,5 (BBC, 2019).
image/svg+xmlMárcia Monalisa de Morais Sousa GARCIA e Alcides Fernando GUSSIRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2194-2214, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.165792203relação aos novos rumos do ensino superior.Entre os coordenadores de curso, percebeu-se um maior receio em abordar o contexto da UFC em decorrência das polarizações políticas em que o país se encontra e, em especial, pelo momento político-institucional que a Universidade tem vivenciado, sobretudo a partir de 20198.c) Concepções de internacionalizaçãoConsiderando as duas vertentes de internacionalização tratadas nesta pesquisa, apreender o que pensam os gestores acerca da internacionalização das universidades e como conduzem esse processo é fundamental parase compreender como o CsF foi implementado na instituição. Para tal, buscou-se compreender a percepção dos gestores sobre o lugar que a internacionalização ocupa nas universidades atualmente e como percebem a internacionalização da UFC. Os resultados foram sintetizados no quadro 3:Quadro 3 Síntese: concepções de internacionalizaçãoGestoresConcepção de InternacionalizaçãoPercepção sobre a Internacionalização da UFCAdministração Superior (reitores, pró-reitores de graduação e coordenador de assuntos internacionais)-Apresentam a mesma concepção de internacionalização definida pela UNESCO, voltada para a cooperação mútua e a solidariedade entre as instituições.-Atribuem o destaque da internacionalização no período de 2012 a 2016 à mobilidade pelo CsF;-Avaliam a internacionalização da UFC com base no destaque da Universidade nos rankings internacionais e na criação da Pró-Reitoria de Relações Internacionais (PROINTER).Coordenadores de cursos-A maioria ap