image/svg+xmlA implementação do Proinfância soba ótica das relações intergovernamentaisRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v.17, n.esp. 3, p. 2118-2138, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166212118A IMPLEMENTAÇÃO DO PROINFÂNCIA SOB A ÓTICA DAS RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS1LA IMPLEMENTACIÓN DE PROINFÂNCIA DESDE LA PERSPECTIVA DE LAS RELACIONES INTERGUBERNAMENTALESTHE IMPLEMENTATION OF PROINFANCIA FEDERAL PROGRAM FROM THE PERSPECTIVE OF INTERGOVERNMENTAL RELATIONSYasmim Marques deMELO2Sandra Cristina GOMES3RESUMO: Um dos aspectos destacado pela literatura de implementação de políticas públicas refere-se às tensões que envolvem uma formulação centralizada na esfera federal e suaexecução local. Com base em estudos da área, este artigo analisa como se deu a implementação do Proinfância um programa federal de apoio à construção e reforma de escolas de Educação Infantil e quais visões os gestores federais e municipais do programa têm sobreos problemas de implementação. Para isso, um estudo de caso em profundidade foi feito para o município de Natal/RN utilizando-se de revisão bibliográfica, análise documental, dados do programa e entrevistas com gestores municipais e federais.Os principais achados mostram que a rigidez das normas de adesão e execução do programa combinada a não existênciade espaços institucionaisde diálogo, pactuações oude participão dos governos municipais resultam em ausênciade soluções coletivas de problemas típicos de implementaçãoem um estado federativo.PALAVRAS-CHAVE: Políticas educacionais. Programa Proinfância. Relações intergovernamentais. Formulação de políticas públicas.Implementação de políticas.RESUMEN:Uno de los aspectos que destaca la literatura sobre la implementación de políticas públicas se refiere a las tensiones que implican una formulación centralizada a nivel federal y su ejecución local. Con base en estudios en el área, este artículo analiza la implementación de Proinfância un programa federal de apoyo a la construcción y renovación de escuelas de Educación Infantily qué visiones tienen los gestores federales y municipales del programa sobre los problemas de implementación. Para ello, se realizó un estudio de caso en profundidad parala ciudad de Natal/RN utilizando revisión de literatura, 1Agradecemosà Rede de Estudos sobre Implementação de Políticas Públicas Educacionais (REIPPE), coma colaboração do Itaú Social, o apoio financeiro para as traduções deste artigo para o inglês e o espanhol.Este artigo apresenta parte dos resultadosda dissertaçãodeMelo(2020).Umaversão preliminar destetexto foi apresentadano IV Encontro Nacional de Ensino e Pesquisa do Campo de Públicas(ENEPCP).2FundaçãoGetúlioVargas(FGV/EAESP), São Paulo SPBrasil. Doutoranda em Administração Pública e Governo. ORCID:https://orcid.org/0000-0002-7262-0888. E-mail:yasmimmarquesm@gmail.com3Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal RNBrasil. Professora do Departamento de Políticas Públicas (DPP/UFRN) e do Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR/UFRN). Doutora e Mestre em Ciência Política (USP).Membro da Rede de Estudos sobre Implementação de Políticas Públicas Educacionais (REIPPE). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7703-6488.E-mail:sandra.gomes@ufrn.br
image/svg+xmlYasmim Marques de MELOe Sandra GOMESRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v.17, n.esp. 3, p. 2118-2138, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166212119análisis de documentos, datos del programa y entrevistas con gestores municipales y federales. Los principales hallazgos muestran que la rigidez de las reglas de adhesión y ejecución del programa,sumado a la inexistencia de espacios institucionales de diálogo, concertación o participación de los gobiernos municipales, redundan en la ausencia de soluciones a problemas típicos de implementación en un estado federal.PALABRAS CLAVE: Políticaseducativas. Programa Proinfancia. Relaciones intergubernamentales. Formulación de políticas públicas. Implementación de políticas.ABSTRACT:One of the aspects discussed by the public policy implementation literature refers to the tensions involving a centralizedformulationof policiesand the execution by subnational governments. Based on areastudies, this article showshow Proinfancia a federal program financing the expansion of kindergarten schoolswas implemented and the perceptions municipal andfederal agents have concerning theproblems of implementation. Anin-depth case study is carried out analyzing the city of Natal, in the State of Rio Grande do Norte, Brazil, using bibliographicalrevision, documentand data analysis, and interviews withofficialagents. The mains findings suggest that extreme rigorous norms to adhere and to execute federal programscombined with the absence of formal channels of dialogue, participation and agreements with municipal governments produce no collective solutions for problems that should be expected in a federal state during implementation. KEYWORDS:Education policy. Proinfancia Federal Program. Intergovernmental relations. Formulation of public policies. Implementation of policies.IntroduçãoA literatura de implementação de políticas públicas é permeada por diferentes lentes analíticas para explicar o processo complexo em que as políticas ganham forma na prática. No contextodas relações intergovernamentais no federalismobrasileiro, tal complexidadeé elevada, pois, tipicamente, envolve desenhos institucionais com formulação centralizada na esfera federal e implementação local pelos governos subnacionais,que, por sua vez, detêm realidades e capacidades muito diversase desiguais (ARRETCHE, 2012; BICHIR, 2020; GOMES, 2009; OLIVEIRA; LOTTA, 2019).Para Oliveira e Lotta (2019),um dos problemas relacionados à formulação de políticas nacionais está na adoção de modelos únicos e rígidos pelos órgãos federaisque não permitem aos governos subnacionais adaptarem instrumentos de planejamento e de gestão às suas particularidades locais.O resultado seria, então,uma diminuição da autonomia administrativa ou dacapacidade de execução dos entes subnacionais, elevando os riscos de não se atingir os objetivos de umapolíticapública.
image/svg+xmlA implementação do Proinfância soba ótica das relações intergovernamentaisRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v.17, n.esp. 3, p. 2118-2138, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166212120Esteartigo apresenta um caso ilustrativo desse processo descrito por Oliveira e Lotta (2019)ao analisar como se deu o processo de implementação de um programa federal em nívelmunicipal. Os achados mostram que arigidez das normas de adesão e de execução combinadasa não existência de espaços institucionais de diálogo, pactuações ou de participação dos governos municipais resultam em ausência de soluções de problemas típicos deimplementação. Observa-se que gestores federais, por umlado,atribuem à falta de capacidade de gestão dos municípios a explicação para os problemas de execução de programas federais e, de outro lado, gestores municipais consideram que os entraves sãogerados pelas normas inadequadasdos órgãos federais.Paraisso, o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (PROINFÂNCIA) é utilizado como caso empírico. O Proinfância foiinstituído em 2007, integrando uma série de outrasações do governo federal destinadas ao enfrentamento das desigualdades de acesso existentes na educação infantil (FNDE, n.d.).O Programa consisteem uma política de apoio à expansão do acesso a esse nível de ensino,queé ofertadopelos municípios,por meio de projetos para aconstrução e/ou reforma de escolas de Educação Infantil (crechese pré-escola). OFundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)é o órgão federal responsável tanto pela aprovação dos projetosenviados pelos municípios quanto pelo estabelecimentodas normas para sua execução. O Proinfância é umcaso de interesse,uma vez que,de acordo com Oliveira e Lotta (2019),é exemplo de uma centralizaçãoque vai além do processo de formulação e se estendepara uma centralização também nasua execução.Essemodelo de execução,ao estilo top-downde indução federal,não é exclusivo das políticas federais em educação. Oliveira e Lotta (2019), assim como Pires e Gomide (2016), observaram movimentos semelhantesde centralizaçãono Programa MinhaCasa, Minha Vida(PMCMV), noqual o desenho institucional também reflete a decisão de adoção de padrões únicos e nacionais, muito rígidos e com baixa possibilidade de adaptação às realidades e aos contextos locais, tantona formulação como na implementação. Uma das consequências dessa baixa capacidade de adaptação de projetos às realidades locais é a inviabilidade ouoatraso na execução da política ou, dito de outro modo, na eficáciae na efetividade de uma política blica.Este artigo objetiva analisarcomo a implementação do Proinfânciaocorreu na práticae quais visões os gestores federais e municipais do programa têm sobre os problemas de
image/svg+xmlYasmim Marques de MELOe Sandra GOMESRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v.17, n.esp. 3, p. 2118-2138, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166212121implementação.De acordo com a natureza do estudo e com a finalidade de atender ao objetivo proposto, foi escolhido o caso do município de Natal/RN para uma análise em profundidade. Osseguintes procedimentos metodológicosforam adotados: revisão bibliográfica de trabalhos acadêmicos nesta temática; análise documentaldas principais legislações e documentos institucionais acerca do Programa Proinfância; análise dos dados sobre os recursos repassados para os municípios do Rio Grande do Norte que aderiram ao programa e os tipos de obras executadas por esses entes federados-,dados fornecidos pelo FNDE, em 2020, por meio da Lei de Acesso àInformação;e entrevistasestruturadas para captar as visões dos agentes implementadores em comparação àquelas dos agentes formuladores, realizadas em 2020. Os entrevistados cederam consentimento livre e esclarecido para asentrevistas e suas respostassão anonimizadas.Àluz desse contexto e objetivos delineados, o artigo, além desta introdução, conta com uma seção que resgata alguns dos elementos centrais do debate sobre as relações intergovernamentais na implementação deprogramas federais; outra que apresenta o desenho institucional do Proinfânciae as mudanças nas regras de execução; e uma seção empírica que apresenta os achados para o caso do município deNatal/RN. As considerações finais recuperam os principais aspectos discutidos neste trabalhoe algumas desuas implicações,que podempermitiruma reformulação no modo de interação entre órgãos federais e subnacionais.Relações intergovernamentais na implementação local de programas federaisOsestudos sobre relações intergovernamentais no Brasilconsolidaram relativoconsenso de que as reformas adotadas por diferentes governos na esfera federal, desde a década de 1990, tinham como objetivo produzir patamares mínimos nacionais na provisão de políticas sociais a cargo de Estados e municípios (ABRUCIO, 2005;ALMEIDA, 2005; ARRETCHE, 2002, 2012; BICHIR, 2011; BICHIR; SIMONI JUNIOR; PEREIRA, 2020; FRANZESE; ABRUCIO, 2013). Ao adotar estratégias de normatização federal dessas políticas, o modelo federativo brasileiro teria se caracterizado pela formulação em nível nacional (policy decision-making) com implementação (ou execução) subnacional (policy-making),como propõe Arretche (2012). A expansão na provisão de serviços públicos,como em saúde, educação ou assistência social,seriam exemplos de instrumentos de indução nacional de políticaspúblicas.No entanto, cresce uma literatura no Brasil que passa a se debruçar sobre o processo de
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