image/svg+xmlModernidade truncada e descentralização da gestão educacional no Peru: Aspectos da implementação da municipalização (2006-2011)RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p.2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222456MODERNIDADE TRUNCADA E DESCENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO EDUCACIONAL NO PERÚ: ASPECTOS DA IMPLEMENTAÇÃO DA MUNICIPALIZAÇÃO (2006-2011)MODERNIDAD TRUNCA Y DESCENTRALIZACIÓN DE LA GESTIÓN EDUCATIVA EN PERÚ: ASPECTOS DE LA IMPLEMENTACIÓN DE LA MUNICIPALIZACIÓN (2006-2011)TRUNCATED MODERNITY AND DECENTRALIZATION OF EDUCATIONAL MANAGEMENT IN PERU: ASPECTS OF THE IMPLEMENTATION OFMUNICIPALIZATION (2006-2011)Haydeé Liliana Vera ROJAS1Antonia Almeida SILVA2RESUMO: Este artigo analisa a relação entre modernização e descentralização da educação no Peru, no governo do presidente Alan García Pérez, de 2006 a 2011, quando foi instituído o Plano de Municipalização da Gestão Educativa e Delineamentos do Plano Piloto em 2007. Trata-se de uma investigação de natureza documental, com enfoque crítico, tendo como fontes documentos oficiais, impressos ou digitais, além da bibliografia qualificada da área. Orientam as análises as categorias: gestão, descentralização e modernidade.A investigação revelou que a implementação da política de descentralização da gestão, amparada na municipalização, traduziu-se na fragmentação das ações do Estado e na promoção da autonomia por decreto. A modernidade se expressou, no contexto, como ingrediente de persuasãoideológica em favor dos interesses privados e não alcançou mudanças quanto à desregulação e devolução do poder do Estado à sociedade. PALAVRAS-CHAVE: Descentralização. Modernização. Gestão da educação. Municipalização. Implementação.RESUMEN: Este artículo analiza la relación entre modernización y descentralización de la educación en el Perú, durante el gobierno del presidente Alan García Pérez, de 2006 a 2011, cuando se instituyó el Plan de Municipalización de la Gestión Educativa y el Esquemadel Plan Piloto 2007. Es una investigación documental, con un enfoque crítico, teniendo como fuentes documentos oficiales, impresos o digitales, además de la bibliografía calificada. Las siguientes categorías orientan el análisis: gestión, descentralización y modernidad. La investigación reveló que la implementación de la política de descentralización de la gestión, apoyada en la municipalización, resultó en la fragmentación de las acciones del Estado y la promoción de la 1Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)BA Brasil. Mestre em Educação. Pesquisa apoiada pela CAPES, por meio de bolsa de mestrado. Professor de educação básica no Peru.ORCID: htttps://orcid.org/0000-0001-7770-5875.E-mail: hveraro2@ucv.edu.pe 2Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana BA Brasil. Professora de Política Educacional no Departamento de Educação. Doutoradoem Educação (USP).Membro da Rede de Estudos sobre Implementação de Políticas Públicas Educacionais (REIPPE).ORCID:https://orcid.org/0000-0002-6790-7761. E-mail: antoniasilva@uefs.br
image/svg+xmlHaydeé Liliana Vera ROJASe Antonia Almeida SILVARIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p. 2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222457autonomía por decreto. La modernidad se expresó, en el contexto, como un ingrediente de la persuasión ideológica a favor de los intereses privados y no ha logrado cambios en términos de desregulación y retorno del poder del Estado a la sociedad.PALABRAS CLAVES: Descentralización. Modernización. Gestión educativa. Municipalización. Implementación.ABASTRACT: This article analyses the relationship between the modernization and the decentralization of education in Peru during the Alan García Pérez government (2006-2011), when the Plano de Municipalização da Gestão Educativa e Delineamentos of Plano Piloto 2007 was founded. With a dialectical approach, the study suggests a historical incursion, and utilizes document analysis as a central procedure to the research, having official documents (printed or digitalized), along with newspapers and the area's qualified bibliography as fonts. The categories guiding the analysis are: management, decentralization and modernity. This research has found that the management decentralization process has translated into the fragmentation of the State's actions and the promotion ofautonomy by decree. The modernity has been expressed, in context, as an ideological persuasion ingredient in favor of private interests, and has not achieved changes regarding the deregulation and devolution of the State's power to society.KEYWORDS: Decentralization.Modernization.Educational management.Municipalization. Implementation. IntroduçãoEste artigo, baseado na ideia de que o Peru é um país designado por "uma espécie de modernidade truncada ou incompleta" (TANAKA, 2016, p. 14),propõe a problematização do projeto de modernização e descentralização da educação, com base no Plano de Municipalização da Gestão Educacional e nas Diretrizes do Plano Piloto de 2007, a partir de agora, o PPM, instituído sob o governo de Alan García Pérez, de 2006 a 2011. Portanto, interessa-nos analisar as relações políticas envolvidas na trilogia modernização, descentralização e gestão educacional, onde analisaremos o processo de implementação do PPM e suas repercussões. Assim, será possível demonstrara visão da gestão educacional e seu entrelaçamento com a revisão do papel do Estado em sua versão pós-burocrática.O processo de modernização da gestão educacional peruana através da descentralização é uma questão atual, uma vez que se viu que um dos grandes problemas que afetam o desenvolvimento e o progresso equitativo das regiões é o centralismo, uma vez que, na cidade de Lima, todos os poderes estão concentrados e é o eixo político e econômico do país. que afetao resto das províncias e departamentos.
image/svg+xmlModernidade truncada e descentralização da gestão educacional no Peru: Aspectos da implementação da municipalização (2006-2011)RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p.2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222458Uma das áreas em que o centralismo tem causado sérios problemas é o campo educacional, que é evidente nas desigualdades entre setores do país, neste caso entre Lima e o resto das regiões. O fosso educativo é preocupante, porque mantém um ciclo complexo deprodução e o aumento da desigualdade social para as pessoas que sofrem diretamente a exploração, a discriminação e a exclusão. Como aponta Tanaka (2016, p. 15) em seu breve panorama das relações sociais e da produção de desigualdade no Peru:Tudo isso teria como consequência a necessidade de explicar como no Peru a injustiça nas relações sociais cruza componentes de classe, étnicos, regionais, de gênero, entre outros. Embora essa configuração atravesse toda a estrutura social, um setor é especial e historicamente oprimido, enquanto as injustiças contra ele tendem a se sobrepor: a população pobre, andina ou amazônica, de origem indígena, rural, feminina. Qualquer projeto emancipatório ou igualitário deve considerar essa configuração complexa, que também seexpressa em uma ordem social extremamente heterogênea e fragmentada. Diante disso, pensar nas propostas educacionais apresentadas em nome da modernização nos desafia a olhar além e desvendar a retórica que ela contém. O estudo aqui proposto, nesse sentido, articula elementos políticos relevantes aos conceitos e, por meio deles, examina as diretrizes do PPM e suas implicações, com base na abordagem crítica. Isto é entendido "como alguém que questiona o status quo e as relações sociais de exploração, discriminação ou exclusão associadas a ele" (TANAKA, 2016, p. 13).A pesquisautilizou a análise documental como procedimento central, tomando como fontes documentos oficiais, impressos ou digitais, além de jornais. Foram adotadas as seguintes categorias analíticas: gestão, descentralização e modernidade. A gestão foi identificada no estudo como o eixo principal da ideia de mudança que se pretendia alcançar com a implementação do PPM. Para ir além da noção formal de gestão, o estudo foi inspirado na noção levantada por Cassasus (2002), pois para ele os modelos de gestão são baseadosem alguma teoria da ação humana dentro das organizações, o que permite compreender o conceito em diferentes vieses políticos. A gestão educacional tornou-se o eixo das reformas que vêm sendo implementadas na educação na América Latina desde a década de 1980 diante das mudanças políticas, sociais e econômicas ocorridas nos países da região (CASSASUS, 2002). Apresenta um caráter teórico-prático e é influenciado pelo discurso da política educacional, ou seja, faz parte da execução de propostas pelo governo nacional ou por organismos internacionais, que estão enquadradas em um determinado pensamento político e econômico. Como disciplina teórica,
image/svg+xmlHaydeé Liliana Vera ROJASe Antonia Almeida SILVARIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p. 2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222459Seu conteúdo disciplinar é determinado tanto pelo conteúdo da gestão quanto pelo cotidiano de sua prática. A gestão educacional é constituída pela implementação dos princípios gerais de gestão e os da educação. Nesse sentido, é uma disciplina aplicada, é um campo de ação (CASSASUS, 2002, p. 49).As categorias de descentralização e modernização posicionaram-se como ideias estruturantes para a formação de consensos em torno dos pressupostos da Reforma do Estado empreendidos desde a década de 1970, nos diferentes estados nacionais. Esse ideal coloca o mercado como agente central para o equilíbrio das relações de poder e um papel estratégico para a ideologia do Estado mínimo, em favor das doutrinas e políticas liberais. Como aponta Boron (2003), o uso da palavra reforma menciona o suposto desejo de um significado positivo, de acordo com a tradição filosófica ocidental. Na América Latina, no entanto, as reformas estatais foram na direção oposta. "[...] Portanto, mais do que reformas, o termo mais correto seria dizer que foram processos de contrarreforma,processos de destruição, processos que tiveram consequências processos de descidadanificação. [...]" (BORON, 2003, p. 33).As análises compartilhadas dão visibilidade aos processos de municipalização vivenciados no Peru e às contradições das propostas baseadas no achatamento do Estado. De uma perspectiva contra hegemônica, questiona-se o abandono do problema da justiça social e sua relação com a solidariedade coletiva.O artigo foi estruturado em quatro partes, incluindo esta introdução. As demais partes abordam, respectivamente, aspectos conceituais e diretrizes da gestão educacional no contexto peruano, posteriormente, a instituição e os desdobramentos do Plano Piloto de Municipalização, como instrumento de política educacional. Por fim, são apresentadas as conclusões.As dimensões políticas da relação entre modernização, descentralização e gestão educacionalA questão da modernização na América Latina é marcada pelos aspectos controversos da expansão do capitalismo no continente, por um lado, a subordinação dos projetos assumidos aos interesses das frações dominantes locais, por outro, a preservação das dinâmicas de superexploração das classes subalternas, nas diversas esferas da vida social. Nesse sentido, a modernização refere-se a movimentos complexos de realinhamentos político-institucionais, orientados por espécies de clubes de interesse que atuam no âmbito da sociedade política e civil para proteger interesses privados, especialmente os de três grandes grupos que, apesar de suas
image/svg+xmlModernidade truncada e descentralização da gestão educacional no Peru: Aspectos da implementação da municipalização (2006-2011)RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p.2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222460características heterogêneas, conseguem manter alinhamentos para sua autoproteção: militares, empresários e associações partidárias burocráticas. Dardot e Laval (2016), no entanto, mostram que o tamanho do nosso infortúnio transcende fronteiras, uma vez que elites e "novas esquerdas" convertidas à racionalização das políticas públicas tendem a consentir com o neoliberalismo sob os argumentos da "modernidade". O caráter contraditório da modernidade, no entanto, não é novo, mas foi amplificado no contexto neoliberal, que trouxe consigo ataques contra o igualitarismo e a solidariedade coletiva. Ao mesmo tempo, a noção de justiça socialé esvaziada e as noções de liberdade individual e de mercado são fortalecidas através da combinação de léxicos de menangement e performance. (DARDOT; LAVAL, 2016).Essas situações ilustram as tendências que atravessam as noções de modernização em disputa e apontam seus limites quando são professadas por setores historicamente comprometidos com as relações de poder de origem colonial. Nessa linha, observam-se também as concepções de descentralização e gestão, em regra limitadas aos procedimentos administrativos de transferência de responsabilidades entre entidades governamentais, com forte controle do poder central. Nesse sentido, é possível compreender a centralidade que essas questões vêm adquirindo para as reformas educacionais, como parte da agenda da Reforma do Estado.No entanto, vimos que os processos de desconcentração e descentralização na América Latina apresentam uma multiplicidade de variáveis que servem a um uso ambíguo de termos, na maioria das vezes cumprindo um papel político de difundir a ideia de ineficiência administrativa e invisibilizar o projeto emancipatório ou igualitário. As propostas políticas a este respeito visam, portanto, reduzir a descentralização através de um maior envolvimento dos pais na escola ou transferir novas responsabilidades para os governos. Local; enquanto para outros equivale a privatizar e reduzir os gastos do Estado. Além disso, como observa Cassasus (2002), a descentralização da gestão educacional na América Latina ganhou grande centralidade, como parte das reformas neoliberais, desde a década de 1980, diante das mudanças políticas, sociais e econômicas ocorridas nos países da região. Sua referência a esse período não nos impede de perceber que, ao longo do tempo, as diversas mediações possíveis entre sociedade e Estado foram construídas em torno das pretensões modernizadoras dos setores econômica e culturalmente dominantes, que assumiram que, para atingir esse fim, era necessário superar as contradições entre nação e anti-nação,técnica e não técnica, deixando em um plano secundário a luta entre capital e trabalho. A descentralização aparece nesse processo
image/svg+xmlHaydeé Liliana Vera ROJASe Antonia Almeida SILVARIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p. 2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222461como parte das estratégias para superar os modelos "não técnicos" e ampliar os modelos de gestão. De acordo com essa ideologia, pode-se afirmar que o mercado é um agente central para o equilíbrio das relações de força e deve ocupar um papel estratégico em espaços até então identificados como pertencentes ao Estado, encurralando-os para favorecer a ideologia do Estado mínimo, sob o olhar neoliberal. Salvo as diversas experiências que cada país estava passando, os setores da sociedade civil viveram o transe inicial de escorregar o senso de "autonomia de classe". Tal deslize foi acompanhado pela supervalorização dos discursos imediatos de cada organização. Essa nova forma de organização popular, embora com viés crítico, de alguma forma favoreceu a fragmentação das lutas coletivas e deu origem a ideias de ineficiência do Estado e do papel da sociedade civil, confundindo resistência com assimilação de ideias-chave do neoliberalismo. Em um estudo realizado sobre políticas educacionais, Rivas e Sánchez (2016) mencionam as tendências comuns sobre medidas educacionais na América Latina focadas em sete países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai) e apontam que os direitos educacionais se expandiram, mas há muitos desafios em relação ao acesso em todos os níveis, ao crescimento do financiamento estatal e ao reconhecimento de direitos às populações marginalizadas. Em quase todos os países, exceto no Peru, as horas de ensino foram estendidas e o orçamento para a educação foi significativamente aumentado. A descentralização política tem sido observada como uma retórica atual dos ministérios da educação. O currículo escolar é ambivalente, pois se desenvolve entre a prescrição e a expansão. Junto com isso, os materiais curriculares são muito prescritivos ou normativos, enquanto os desenhos curriculares tendem a ser muito amplos, devido ao excesso de conteúdo. No entanto, observam-se discussões sobre o currículo escolar com enfoque de gênero, o que tem causado conflitos entre grupos conservadores e progressistas. Outra tendência é a incorporação de mecanismos de avaliação da qualidade do ensino. Relacionado a isso, tem sido operado o reforço da formação e seleção de diretores escolares. No que diz respeito ao ensino, foram criados novos sistemas de avaliação, carreiras ligadas ao mérito, nomeações por concursos e até pagamentos diferenciados de acordo com os resultados de aprendizagem dos alunos. Essas ações não deixam dúvidas sobre o caráter contraditório das reformas educacionais no contexto do chamado Estado pós-burocrático, estabelecido em processos de des-cidadania.Stramiello (2010) aponta que na América Latina a modernização educacional tem sido apresentada por meio de três tendências regionais: modernização como gestão do caos,
image/svg+xmlModernidade truncada e descentralização da gestão educacional no Peru: Aspectos da implementação da municipalização (2006-2011)RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p.2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222462modernização como desenvolvimento econômico-social e modernização como reconhecimento da diversidade. Em seu entendimento, a modernização como gestão do caos tem priorizado a criação de escritórios de planejamento educacional no âmbito das unidades ministeriais. Isso significa o estabelecimento de uma organização para melhorar o sistema educacional. A modernização como desenvolvimento econômico-social se expressou por meio das propostas da educação técnica e profissional como base para a decolagem das nações subdesenvolvidas; Além disso, foram implementados planos de educação e formação de adultos para corrigir as deficiências educativas da população e melhorar a força de trabalho. A modernização comoreconhecimento da diversidade se manifestou por meio de diversas medidas como a inclusão das línguas indígenas nos currículos, a atenção à interculturalidade linguística e propostas de descentralização (administrativa, pedagógica ou financeira) para atender às necessidades regionais, dar importância às instituições de ensino e prestar assistência a grupos vulneráveis. No Peru, essas mudanças são atravessadas por tensões que expressam a multiplicidade de interesses em jogo, incluindo os constantes processos negativos de mudança por parte dos setores que protegem as linhagens coloniais. Assim, a inclusão das línguas indígenas, por exemplo, foi gerenciada a partir da superação de discursos racistas que apontavam que essas línguas eram inúteis para o aprendizado e que apenas o espanhol deveria ser falado, e em segundo lugar o inglês. Além disso, as ideias opostas de modernidade se chocaram nesse sentido, pois alguns estudiosos consideravam que o moderno era precisamente a expansão do espanholem todo o Peru e o desaparecimento das línguas indígenas, enquanto outros buscavam revalorizar as línguas indígenas como parte do fortalecimento da identidade nacional e para uma melhor compreensão do que era ensinado em sala de aula ao aluno com a primeira língua indígena. Enquanto isso, o atraso e o subdesenvolvimento não são explicados apenas no nível administrativo, mas dizem respeito a escolhas políticas, ou seja, a quem servem os projetos de desenvolvimento adotados.Descentralização educacional e o Plano Piloto de MunicipalizaçãoA descentralização no Peru não é recente, tendo como marco importante a Lei Orgânica da Educação Pública, em 1941, como testemunhado por Laveriano (2010). No contexto da implementação do Plano Piloto, a descentralizaçãobaseou-se num processo de transferência de funções dos governos centrais para os regionais.
image/svg+xmlHaydeé Liliana Vera ROJASe Antonia Almeida SILVARIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p. 2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222463Nas palavras de Olarte e Echeverría(2008), a descentralização educacional empreendida no Peru tornou-se um objetivo dos governos após a ditadura de Fujimori, um governo marcado por um forte centralismo. O primeiro período de descentralização educacional, correspondente ao mesmo processo em todo o país, seria entre 2001 e 2006. Tem sua origem [...] no restabelecimento da participação social e política dos cidadãos e na descentralização na agenda da transição democrática, que rompeu com o centralismo do regime de Alberto Fujimori. O centralismo e a autocracia no poder explicam a velocidade com que o processo de descentralização foi retomado (OLARTE; ECHEVERRÍA,2008, p. 25).Portanto, para influenciar a descentralização educacional, considerou-se que esta seria administrada pelos governos municipais, uma vez que estavam mais próximos da população e dos alunos, e de seus problemas, e as escolas teriam maior poder de decisão e autonomia.Para isso, a base jurídica necessária foi dada através da Lei de Reforma Constitucional do Capítulo XIV do Título IV, sobre Descentralização, em 2002 (PERU, 2002a), que estabeleceu a divisão do poder em três níveis de governo (nacional, regional e local) com autonomia econômica, política e administrativa, e a Lei de Bases da Descentralização. 27783 (PERU, 2002b), quecriou oConselho Nacional de Descentralização (CND), responsável por dirigir e conduzir o processo (artigo 22). A Lei definia o modelo e abrangia a descentralização, incluindo a forma como seria realizada a transferência de responsabilidades do Governo central para os governos subnacionais, conforme indicado no Capítulo II, Disposições Transitórias, dividido em quatro fases centrais: Primeira Fase: Instalação dos governos regionais numa base departamental, transferência dos ativos e passivos dos Conselhos de Transição da Administração Regional e eleição das primeiras autoridades regionais; Segunda Etapa: Consolidação do processo de regionalização, referente à formulação e aprovação do plano nacional de investimento descentralizado, divulgação do plano nacional de regionalização e promoção e assistência técnica para a formação das regiões. Terceira Etapa: Transferência de funções setoriais, exceto saúde e educação. Quarta etapa: Transferência e recepção de competências setoriais em saúde e educação para governos regionais e locais com responsabilidades de CND (PERU, 2002b).As leis que ordenavam a descentralização foram complementadas pela Lei Orgânica dos Governos Regionais (LOGR) (PERÚ, 2002c) e a Lei Orgânica dos Municípios(LOM)(PERÚ, 2003a), que estabelecia as funções que correspondiam a cada instância e mais à Lei Geral da Educação (PERÚ, 2003b). O LOGR estabeleceu uma série de medidas para modernizar os sistemas descentralizados de gestão educacional, em coordenação com os governos locais,
image/svg+xmlModernidade truncada e descentralização da gestão educacional no Peru: Aspectos da implementação da municipalização (2006-2011)RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p.2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222464enquanto o LOM estabeleceu as Unidades de Coordenação e Gestão Educacional(PERÚ,2003a).Apesar da ordem dada pela Lei de Bases da Descentralização (PERÚ, 2002b), A Lei nº 27902 (PERU, 2003a) alterou a quarta disposição transitória, complementar e final do LOGR, estabelecendo uma política de funções de forma rápida e paralela, incluindo saúde e educação. Foram igualmente incluídas no Plano Anual de Transferência de Competências Setoriais de 2006 e aplicadas em 2007. Com este quadro legal, o sector da Educação teve a sua própria estratégia definida no "Plano de Transferência de Competências do Quinquénio 2005-2009 dos Sectores da Saúde e da Educação" (PERÚ,2005). A Ouvidoria acompanhou o processo de descentralização em cada uma de suas etapas e, assim, elaborou um relatório intitulado "Conhecendo o Plano de Transferência de Competências para o Quinquênio 2005-2009 dos Setores Saúde e Educação a partir de uma abordagem baseada em direitos", no qual relatou as dificuldades enfrentadas pelo processo de descentralização educacional. Entre suas conclusões estão: a falta de clareza e precisão para definir quais competências correspondem a cada nível de governo; igual falta de demarcação entre as funções dos municípios provinciais e distritais; ausência de mecanismos de articulação entre os níveis de governo para a coordenação das funções das Unidades Locais de Gestão Educativa (UGEL). Como lembra Muñoz (2013, p. 6), na análise da gestão educacional e sua descentralização, é essencial avaliar o funcionamento dos diferentes governos regionais, "quais são suas capacidades institucionais e como definem e utilizam seus recursos organizacionais", incluindo a composição dos quadros de burocratas que rotineiramente operam políticas educacionais e mantêm relativa autonomia em relação às autoridades. Como se vê, o Plano de Municipalização da Gestão Educacional foi instituído dentro de uma sequência de disseminação dos princípios da nova gestão pública, iniciada anteriormente. Assim, por meio do Decreto Supremo nº 078-2006-PCM (PERU, 2006b), o presidente Alan García autorizou o Ministério da Educação, liderado por José Antonio Chang Escobedo, a realizar sua proposta, a partir de 1º de janeiro de 2007. O PPM combinou a necessidade de descentralizar a educação por meio da atribuição dessa responsabilidade aos municípios, e da formulação de diretrizes para sua aplicação, incluindo um Fundo de Compensação pela Municipalização (Foncomuge) e seu orçamento. Seu objetivo declarado era "superar uma longa história de resultados desfavoráveis na aprendizagem de crianças e jovens no país" (PERU, 2006a, p. 17).
image/svg+xmlHaydeé Liliana Vera ROJASe Antonia Almeida SILVARIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação,Araraquara,v. 17, n. esp. 3, p. 2456-2475, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.166222465Na implementação deste projeto, a dinâmica de desenvolvimento da educação centrou-se no município distrital. Inicialmente seria executado e como teste entre 2007 e 2008, e à medida que avançasse, seria avaliado e expandido por todo o país. A estratégia de implementação e implementação teve três etapas: iniciação, expansão e generalização. Comomostra a Tabela 1, cada etapa teve um processo e seu termo foi definido a partir do cumprimento de seu progresso. Tabela 1 Estágios do PPMPalcoProcessoAdiantamentosEstágio de IniciaçãoPlano Piloto 2007-2008. Implantação do modelo de gestão e transferência administrativa para os municípios56 municípios em 26 regiões.Instituições de ensino inicial e primário.Em 2008, 88 novos municípios foram incorporados.Estágio de expansãoAumento do número de distritos e províncias que compõem a municipalização da gestão educacional, 2009-2010.2009 134 municípios incorporados, 10 municípios retirados do PPM.Estágio de generalizaçãoCrescimento significativo do número de distritos e províncias; período 2011-2015.Em 2011, o governo de Ollanta Humala revogou a política educacional do PPM.Fonte: Plano Piloto de Municipalização da Educação, 2007 (PERU, 2006a)Na primeira fase do Plano Piloto, 56 municípios distritais de 26 regiões foram designados para realizá-lo, sem consulta aos governos regionais. Segundo Díaz e Valdivia (2007) havia 206 UGEL distribuídos em 26 Direções Regionais de Educação. Momentos de