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A arte como potência pedagógica através da música: Por que o Flamengo também se canta
RIAEE
–
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 2045-2063, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16684
2045
A ARTE COMO POTÊNCIA PEDAGÓGICA ATRAVÉS DA MÚSICA: PORQUE O
FLAMENGO TAMBÉM SE CANTA
EL ARTE COMO POTENCIA PEDAGÓGICA A TRAVÉS DE LA MÚSICA: POR QUÉ
LO FLAMENGO TAMBIÉN PUEDES CANTAR
ART AS A PEDAGOGICAL POWER THROUGH MUSIC: FLAMENCO CAN ALSO BE
SUNG
Fabio ZOBOLI
1
Matheus Souza dos SANTOS
2
Elder Silva CORREIA
3
RESUMO
: Este texto propõe uma aproximação entre esporte (Futebol/Flamengo) e arte
(Música). Tal aproximação é feita com a intenção de deslocar o futebol do estatuto dos gestos
técnicos e regras para o campo da arte através da música. O objetivo do escrito é apresentar a
música enquanto artefato cultural de arte como potência educativa. Para tal, catalogamos e
organizamos as músicas que tratam do Flamengo a partir de eixos temáticos a fim de didatizar
as mesmas para tratar de temáticas relativas ao “extracampo do futebol” no contexto das aulas
de Educação Física escolar. Tratou-se de uma pesquisa de cunho qualitativo abordada sob o
viés de um estudo exploratório. Conclui-se que a potência pedagógica da música em sua relação
com o futebol está no modo como a partir de seus
afectos
e perceptos, permite uma exploração
das condições da prática do futebol, abrindo novas possibilidades de experimentá-lo e novas
maneiras de pensá-lo para além de seus usos e destinações sociais.
PALAVRAS-CHAVE
: Arte. Música. Flamengo. Ensino-aprendizagem. Educação física
escolar.
RESUMEN
:Este texto propone una aproximación entre el deporte (Fútbol/Flamengo) y el arte
(Música).
Este acercamiento se hace con la intención de trasladar el fútbol del estatus de
gestos técnicos y reglas al campo del arte a través de la música.
El propósito del escrito es
presentar la música como un artefacto cultural del arte como potencia educativa.
Para ello
catalogamos y organizamos las canciones que tratan del Flamengo a partir de ejes temáticos
con el fin de didactizarlas para tratar temas relacionados con el “fuera del campo de fútbol”
en el contexto de las clases de Educación Física escolar.
Fue una investigación cualitativa
abordada bajo el sesgo de un estudio exploratorio.
Se concluye que la potencia pedagógica de
la música en su relación con el fútbol está en la forma en que, desde sus afectos y percepciones,
1
Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão
–
SE
–
Brasil. Professor do Programa de Pós-graduação
em Educação (PPGED). Doutorado em Educação (UFBA). ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5520-5773. E-
mail: zobolito@gmail.com
2
Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão
–
SE
–
Brasil. Graduando em Educação Física (UFS).
Bolsista COPES (UFS). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4927-8612. E-mail: matheussds43@gmail.com
3
Faculdade do Nordeste da Bahia (FANEB), Coronel João Sá
–
BA
–
Brasil. Professor do Departamento de
Educação Física (DEF/FANEB). Doutorado em Educação (UFS). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8403-
2226. E-mail: eldercorreia21@gmail.com
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Fabio ZOBOLI; Matheus Souza dos SANTOS e Elder Silva CORREIA
RIAEE
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 2045-2063, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
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permite explorar las condiciones de la práctica del fútbol, abriendo nuevas posibilidades para
vivirlo y nuevas formas de pensarlo. más allá de sus usos y destinos sociales.
PALABRAS CLAVE
:
Arte. Música. Flamengo. Enseñanza-aprendizaje. Educación física
escolar.
ABSTRACT
: This text proposes an approximation between sport (Soccer/Flamengo) and art
(Music). This approach is made with the intention of moving soccer from the status of technical
gestures and rules to the field of art through music. The purpose of the writing is to present
music as a cultural artifact of art as an educational power. To this end, we catalogued and
organized the songs that deal with Flamengo based on thematic axes in order to educate them
to address topics related to the “outfield of soccer” in th
e context of school Physical Education
classes. This was a qualitative research addressed under the bias of an exploratory study. It is
concluded that the pedagogical power of music in its relationship with soccer lies in the way in
which, based on its affections and perceptions, it allows an exploration of the conditions of
soccer practice, opening new possibilities to experience it and new ways of thinking about it
beyond its uses and social destinations.
KEYWORDS
:
Art. Music. Flamengo. Teaching-learning. School physical education.
Introdução
Você pode racionalizar a paixão, e fazer teses sobre a bola,
e observações sociológicas sobre a massa ou poesia sobre o passe,
mas é sempre fingimento. É só camuflagem.
Dentro do mais teórico e distante analista e do mais engravatado
cartola aproveitador existe um guri pulando na arquibancada
(VERÍSSIMO, 2010, p. 25).
Na tentativa de estabelecer um diálogo entre futebol e arte, este escrito se orienta a partir
de pressupostos tecidos por Deleuze e Guattari (2010) na obra “O que é filosofia?”. Neste livro
os autores tentam responder à questão que lhe dá o título. Para ambos,
“[...] a filosofia é a arte
de formar, de inventar,
de fabricar conceitos [...]” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 8). Para
a construção desses conceitos os autores distinguem três grandes formas do pensamento: a arte,
a filosofia e a ciência. Na filosofia, se pensa através de conceitos ao traçar um plano de
imanência; na arte, através de sensações sobre um plano de composição; na ciência, através de
funções, traçando um plano de referência. Importante mencionar que para Deleuze e Guattari
estas três formas de pensamento não possuem nenhuma relação hierárquica, elas são
simplesmente diferentes atividades, porém, cada uma delas é igualmente criadora.
Distintamente da filosofia, a ciência não opera por conceitos, mas por funções ou
proposições, em que os
functivos
são os elementos das funções (DELEUZE; GUATTARI,
2010). Já a arte lida com
perceptos
e
afectos
, pois a única definição da arte é a composição. O
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que se conserva na arte é justamente o bloco de sensações, ou o composto de
perceptos
e
afectos
(DELEUZE; GUATTARI, 2010). No entanto, aqui há de se fazer uma distinção entre
percepções e afecções, por um lado, e
perceptos
e
afectos
, por outro.
Os
perceptos
não mais são percepções, são independentes do estado daqueles
que os experimentam; os
afectos
não são mais sentimentos ou afecções,
transbordam a força daqueles que são atravessados por eles (DELEUZE;
GUATTARI, 2010, p. 193-194).
“Grandes artistas e escritores são também grandes pensadores, mas pensam em termos
de
perceptos
e
afectos
. Pintores pensam com linhas e cores, músicos pensam com sons,
cineastas com imagens e escritores com palavras” (DAMASCENO, 2017, p. 139). “A arte é,
com efeito, do domínio por excelência da criação, mas a arte cria blocos de sensações e não
conceitos filosóficos” (DAMASCENO, 2017,
p. 139).
O verdadeiro objeto da arte é criar seres de sensação, agregados sensíveis; o
objeto da filosofia é a criação conceitual. Criar um conceito é tão difícil quanto
realizar uma composição visual, sonora ou verbal. Do mesmo modo, nada é tão
grandioso quanto dar à luz uma imagem cinematográfica, uma pintura ou
mesmo assinar um conceito (DAMASCENO, 2017, p. 139).
Este texto propõe uma aproximação entre o futebol e a arte da música. A música constrói
conceitos-sonoros, os quais constituem categorias estéticas que operam nos
perceptos e afectos
dos ouvintes, impulsionando uma experiência reflexiva ambivalente e aberta. Deste modo,
apresentamos a música como manifestação sociocultural produzidas pelo canto, pela dança,
pela ginástica, pelo jogo, dentre outros rituais (SILVA; ZOBOLI, 2014). Compreendemos a
música enquanto conjuntura social que agrega outras práticas culturais, como aquelas relativas
ao corpo e que apresentam a música condicionada a outros recursos materiais que transcendem
as possibilidades de interação com a música apenas por meio da escuta. Sendo assim, neste
artigo a música será dissertada muito a partir de sua influência mobilizadora de pertencimento,
pois a relação “esporte e música” será trazida ao estudo a partir do futebol,
mais especificamente
ao Clube de Regatas do Flamengo. Segundo Csepregi e Marzano (2012), as canções, os hinos,
as marchas criam um sentimento de pertencimento e de unidade. Enquanto o tátil e o visível
nos unem ao nosso ser individual, o audível nos envolve e nos liga a uma comunidade de
consonância.
O escopo deste escrito está ligado a músicas que dizem respeito ao Flamengo, no
entanto, não abordaremos músicas de torcidas, mas sim músicas ligadas ao contexto de
intérpretes e cantores nacionais brasileiros que em algum momento fizeram músicas a este clube
tão querido no Brasil
–
“O mais querido”. Como menciona Ruy Castro (2001), “um dia quando
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se mergulhar de verdade nos fatores que, historicamente ajudaram a consolidar a integração
nacional, o Flamengo terá de ser incluído”. O Flamengo é uma agremiação esportiva com sede
no Rio de Janeiro, fundada em 17 de novembro de 1895. Inicialmente foi fundada como um
clube de regatas, somente em 1912 o clube inicia suas atividades com a modalidade de futebol
(RODRIGUES FILHO, 2014).
O Rio de Janeiro é seu berço, mas sua casa é o Brasil. Sua camisa vermelha e
preta viaja de canoa pelos igarapés, galopa pelas coxilhas; caminha pelos
sertões; colore todas as praias; está nos barracos das favelas e nas coberturas
triplex. Suas cores vestem famosos e anônimos, bandidos e vítimas, corruptos
e honestos, pobres e grã-finos, idosos e crianças; os muito feios e os muito
bonitos. (CASTRO, 2001, p. 18-19).
Deleuze e Guattari (2010) se utilizam de uma bela imagem do escritor inglês David
Lawrence e descrevem o modo de agir da arte e sua potência: os humanos, por debaixo de um
guarda-sol, escrevem suas convenções e opiniões, de modo que caímos em um ciclo vicioso.
Tal ciclo, explica Lapoujade (2015), são agenciamentos que nos fazem falar, ver e agir, de
maneira que só vemos daquilo que se fala, e só falamos do que se vê, agindo a partir de uma
espécie de redundância, ou dos clichês preexistentes, como denunciaram Deleuze e Guattari
(2010). Desta forma, os autores franceses defendem, a partir de D. H. Lawrence, que os artistas
abrem fendas no guarda-sol que recobre as opiniões, rasgando-o de forma que seja possível
passar um pouco de caos, restituindo “[...] a incomunicável novidade que não mais se podia ver
[...]” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 240), desafiando, assim, qualquer opinião e clichê.
Tal movimento é o que pretendemos demonstrar ao vincular futebol e arte/música.
O diálogo entre esporte (Futebol/Flamengo) e arte (Música) que tentamos promover
neste escrito é pensado a fim de criar experiências didáticas nos espaços educacionais, ou seja,
é criado no plano da experiência em lugares que se faz educação. O lugar de fala desse estudo
é o campo da Educação
4
, mais especificamente a Educação Física que tem na cultura corporal
das práticas esportivas um de seus campos de atuação. Deste modo, situando-nos no espaço
educacional da Educação Física, o futebol (via Flamengo) e a arte (via música) são linhas que
atravessam a experiência, que atravessam o espaço do vivido. Estes atravessamentos são por
nós percebidos e tratados com a intenção de deslocar o futebol hegemônico para o campo da
arte através da música, uma maneira de “rasgar o guarda
-
sol” sob o qual as opiniões e clichês
sobre o futebol são escritos. Experimentar outras formas de perceber o futebol, outros
afectos
,
não apenas aqueles vinculados ao estatuto dos movimentos técnicos e regras, buscando pensar
4
O estudo de Natero e Giraldello (2020) apresenta um compilado de estudos de teses e dissertações que tem a
música como tema no âmbito da Educação.
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nos
perceptos e afectos
que estas músicas provocam ao se difundir no meio social, e mais
especificamente no campo da educação, nas práticas pedagógicas que têm lugar na experiência
que acontece nas aulas de Educação Física.
Este deslocamento nos remete analisar também o futebol como uma obra de arte, nos
perceptos e afectos
que podem ser construídos e experimentados, no campo das práticas
pedagógicas que acontecem na experiência educacional. A experiência e o vivido se articulam
nas músicas, que com suas letras e sonoridade conservam em si
perceptos e afectos.
Deste modo, se pretendeu um duplo movimento que pode ser sintetizado por meio de
duas proposições que giram em torno da pesquisa da qual este texto é fruto: Primeiro fez-se
necessário catalogar e organizar (a partir de eixos temáticos) as músicas nacionais que trazem
e tratam do Flamengo. O segundo movimento, feito após a seleção das músicas, foi indicar
algumas possibilidades de pensarmos em práticas pedagógicas que permitam construir
diferentes afetos, diante de um futebol retratado nas músicas a fim de transpor a rigidez interna
de como esta prática corporal é trabalhada nas escolas.
No âmbito da Educação Física a nossa pesquisa se justifica na medida em que a música
se encaixa no âmbito das “linguagens”. A utilização das músicas nas aulas de Educação Física
para se pensar diversos temas a partir do futebol encontra ressonância nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), pois a Educação Física está contida na área
intitulada “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”. De igual modo, na BNCC –
Base
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018), o mais atual documento curricular da educação
brasileira, a EF encontra-
se na área de “Linguagens” (juntamente com Língua Portuguesa, Arte
e Língua Inglesa).
Além disso há um elemento legal que nos dá suporte, a Lei nº. 11.769/2008 de 18 de
agosto de 2008 (assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva), que altera a Lei nº.
9.394/96 e estabelece a partir de então que “A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não
exclusivo, do componente curr
icular de que trata o § 2o deste artigo”, ou seja, o ensino da arte
(BRASIL, 2008, § 6). O documento também menciona que o responsável pelo uso da música,
enquanto conteúdo pedagógico nas escolas, não precisa necessariamente ser um profissional
licenciado em Música.
No âmbito da arte enquanto potência educativa nos amparamos nas prerrogativas de
Deleuze e Guattari (2010), que veem nas artes a possibilidade de pôr em jogo percepções,
afetos, sensibilidades. Se reconhecermos que um dos objetivos da arte é colocar algo no lugar
em que não se havia pensado, é criar sensações, sentidos e sensibilidades que potencializam a
desnaturalização do mundo dado, então a arte funciona como uma maneira de ressignificar o
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que é naturalizado. Pensar questões relativas ao futebol/Flamengo via arte/música é pensar no
poder de deslocar práticas e temáticas removendo-os de sua própria inércia, retirando-os da
materialidade da presença do mundo, tornando-o visível, em vez de reproduzir o visível.
Portanto, a utilização das músicas como ferramenta educativa pode
ser concebida
como
uma experiência histórica, portanto política: uma experiência materializada nas formas de
transmissão de significados culturais.
Sobre a justificativa de se estudar músicas que tratam do Flamengo, ela se dá
pela
capacidade do time em ser grande em termos de torcida e popularidade
5
. Logo, existem muitos
artefatos culturais de arte ligados a ele: filmes, músicas, esculturas, crônicas, poesia, pinturas,
dentre outros. O Maracanã foi e é o maior estádio de futebol do mundo: dos 10 maiores públicos
de sua história, 7 são de jogos do Flamengo e 3 da seleção brasileira (CASTRO, 2001).
Outro dado importante ligado tanto ao Flamengo quanto à música é que em 1942 o
Flamengo inaugurou a primeira torcida organizada do futebol brasileiro. Seu fundador foi Jaime
Carvalho Chagas. A torcida criada por ele era composta por uma banda musical formada por
25 músicos; além da bandinha, a torcida vinha ao estádio com bandeiras e faixas. A banda era
tão desafinada que Ari Barroso
–
um flamenguista cronista esportivo carioca da época
–
a
batizou de Charanga. Jaime, ao invés de se ofender, adotou o nome. Surge assim em 1942 a
“Torcida organizada Charanga”.
Assim, o objetivo deste escrito é apresentar a música enquanto artefato cultural de arte
como potência educativa. Para lograr o anunciado objetivo, organizamos o texto a partir de mais
outras três sessões para além dessa introdução que recorta o objeto e apresenta alguns conceitos
chaves de nosso estudo. Na segunda parte expomos a metodologia do trabalho, apresentando
os instrumentos de coleta de dados e os critérios para a seleção das músicas. Na sequência
dissertamos os dados e apresentamos três planos de aula (roteiro) pautados em três das músicas
de nosso campo empírico a fim de didatizar conteúdos que tangenciem o contexto das aulas de
Educação Física escolar. Na quarta e última parte tecemos nossas considerações finais.
Partitura metodológica... Ou sobre o ritmo da composição dos dados
Nosso artigo foi pautado a partir de uma pesquisa de cunho qualitativo. A abordagem
qualitativa não pretende apropriar-se simplesmente dos dados quantitativos, mas
principalmente buscar analisar elementos apresentados no contexto social, os quais envolvem
conceitos, valores e comportamentos. É isso o que se pretende fazer com o levantamento
5
Além, é claro, dos três autores serem torcedores do Flamengo.
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quantitativo das músicas, buscar atribuir a elas um sentido. De acordo com
Neves (1996, p. 1),
a pesquisa qualitativa “tem por objetivo traduzir e expressar o sentid
o dos fenômenos do mundo
social” e decodificar os componentes de um sistema complexo de significados.
No que tange ao tipo, trata-se de uma pesquisa exploratória. Segundo Gil (2017), as
pesquisas exploratórias mais comuns são aquelas que pretendem fazer algum tipo de
levantamento, porém, lembra o autor, em algum momento, a maioria das pesquisas científicas
passam por uma etapa exploratória, visto que o pesquisador busca familiarizar-se com o
fenômeno que pretende estudar.
Pretendeu-se com a pesquisa explorar letras de músicas nacionais
que tinham relação
com o Flamengo. Esta busca foi feita em quatro plataformas digitais de armazenamento de
conteúdos musicais da internet: o site “Discografia Brasileira”; o
Spotify
; o site “IMMuB”
(Instituto Memó
ria Musical Brasileira) e o site “letras.mus.br”. A busca nestas plataformas foi
através dos termos chaves “Flamengo” e “Mengo”. Estes foram nossos principais aportes de
informações sobre as músicas.
Para seleção de nosso campo empírico estabelecemos os seguintes critérios de corte:
músicas instrumentais (sem letra); músicas de torcida; o hino do clube; músicas compostas por
letras que fazem apologia à violência ou que faz uso de termos preconceituosos; paródias
(música feita a partir da recriação de alguma composição musical alterando geralmente a letra);
e, logicamente, músicas que se repetem na busca dentro do escopo das quatro plataformas
digitais.
Trocando passes.... Ou sobre os modos de compor com os dados
A busca nas quatro plataformas digitais de armazenamento de conteúdos musicais da
internet acarretou um número muito grande de músicas, principalmente por conta da recorrência
de algumas delas. No entanto, após o “processo de peneira”, pautado por nossos c
ritérios de
corte, chegamos a um quantitativo de 60 músicas sobre o Flamengo.
Um primeiro dado que merece destaque é o de que 25 das 60 músicas são do gênero
musical do “samba” –
isso significa um percentual de 41,6% do total da amostra. Para Xavier
(2009), nenhum estilo musical se aproxima tanto do futebol como o samba. Para o citado autor
não há como negar que o jeito brasileiro de jogar tem ligação direta com o jeito que se faz
samba:
O movimento dos pés, a ginga, a malícia e principalmente o prazer, a alegria
de quem entra em campo para suar a camisa ou sobe ao palco para dar o tom e
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se reinventar a cada dia [...]. Tanto no samba quanto no futebol o que não falta
é riqueza histórica, na qual passeiam ídolos intocáveis, gênios loucos, talentos
precoces, crises existenciais, clássicos, apropriações indébitas e mortes
anunciadas. Não há nenhuma possibilidade de divórcio entre o gênero musical
e o esporte vital. São orgulhos nacionais e fenômenos vivos da cultura popular
que preservam seus mistérios e originalidades (XAVIER, 2009, p. 33).
Além disso, o Flamengo protagonizou conjunções com o sambódromo carioca, a
Marquês da Sapucaí várias vezes foi a extensão do Maracanã. Em 1988 a “União da Ilha”
, em
homenagem ao ilustre rubro-negro Ary Barroso, cantou o mengão na letra de seu samba. Em
função de seu centenário em 1995, o Flamengo foi homenageado pela Escola de Samba
“Estácio de Sá” com o samba enredo “Uma vez Flamengo”. No ano de 2014 a “Imperatriz
Leopoldinense” homenageou Zico e
, por extensão, cantou Flamengo. Em 2022 o Flamengo
voltou com tod
a a força para o sambódromo. A “Acadêmicos de Santa Cruz” saudou o
Flamengo em homenagem a um dos seus maiores torcedores: Milton Gonçalves. Já a “Estácio
de Sá” novamente homenageou o Fla com o samba enredo
:
“Cobra coral, papagaio
-vintém.
Vestir rubro-n
egro não tem pra ninguém”.
Após a coleta e triagem das músicas elas foram colocadas em uma tabela onde foram
informados: o título, a letra da música, o ano de lançamento, o compositor e o intérprete. A
partir desse levantamento e organização catalográfica, as músicas foram alocadas em três
grandes eixos temáticos: 1) “Clube de Regatas do Flamengo”; 2) “Ser torcida... torcedor(a)” e
3) “Ídolos do clube”.
O primeiro eixo temático ligado ao “
Clube de Regatas do Flamengo
” trata de músicas
que falam da grandeza do Flamengo, de sua tradição junto ao futebol brasileiro e internacional,
e do fanatismo e magia de sua torcida fazendo uma mescla onde ídolos, títulos e torcida são
aclamados. Além disso, algumas dessas letras fazem menções históricas ao clube, na maioria
delas cantando o Flamengo também na sua relação originária com o remo. Diferente das demais
músicas, as elencadas nesse eixo não suspendem um único tema para ser cantado. Esse eixo
temático foi o que mais contabilizou músicas, um total de 28
–
quase a metade do total.
O segundo eixo temático de nossa pesquisa diz respeito ao que o Flamengo tem de
maior: a sua
torcida. Assim esta categoria ficou denominada
“Ser torcida... torcedor(a)”
e
abarca músicas onde os compositores tratam da magia e dos sortilégios da maior torcida de
futebol do Brasil, torcida essa que rendeu ao clube a denominação de “o mais querido”. Mas a
torcida só existe com o personagem torcedor, e torcer é verbo, exige ação. Desse modo, esse
eixo temático mescla essa magia de ser torcida e torcedor(a). São músicas que narram o amor,
a parceria e a dor de ser torcedor(a) do Flamengo. Nessa categoria foram registradas 20 músicas.
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O terceiro e último eixo temático intitulado
“Ídolos do clube”
apresenta músicas que
retratam os ídolos do clube fazendo alusão a sua importância na história do Flamengo. Essa
importância tem relação principalmente com a conquista de títulos, mas também com o brio e
a garra com que estes personagens sempre se identificaram com a camisa rubro negra. São
músicas que literalmente tratam da relação do duplo (
eidolon
) entre clube e jogador. Em muitas
das músicas o ídolo é elevado à condição de entidade divina. Nesse eixo temático foi
contabilizado um total de 12 músicas.
Após a organização das músicas por eixos temáticos, foi selecionada uma amostragem
equitativa de música de cada um dos temas a fim de elaborar planos de trabalho com o objetivo
de levar estas músicas para o contexto das aulas de Educação Física, para tratar de temas sociais
multidisciplinares que abordem o futebol/Flamengo nas aulas. Deste modo, apresentamos a
didatização de três músicas:
“Ser Flamengo” (Alexandre Pires), “Flamengo maravilhoso”
(André Filho e Luiz Ayrão) e “Saudades do galinho” (Moraes Moreira). As músicas fazem parte
do
eixo temático “Ser torcida... torcedor(a)”, “Clube de Regatas do Flamengo” e “Ídolos do
clube”
,
respectivamente. As temáticas que abordamos a partir das músicas foram: “O
Flamengo, o urubu e o racismo”, “Futebol e religião” e “Ídolos”.
Tabela 1
–
Fichas de didatização de três músicas
FICHA DE DITATIZAÇÃO MÚSICA 01
Música: Ser Flamengo
Ano: 2002
Estilo musical: Pagode
Compositor: Alexandre Pires
Intérprete: Alexandre Pires
Mídia: Vídeo, https://www.youtube.com/watch?v=rv9DQJoT8TM
LETRA
É isso aí, rapaziada
Clube de Regatas Flamengo
Tô chegando bem!
Ah! Como eu te amo
Eu me orgulho de ser Flamengo
E no mundo inteiro fazer parte dessa massa
Ser Flamengo
É o amor no coração
Torcer com emoção
Por um time de raça
Cheia de glórias
A sua história
Seja na terra ou no mar
É tão bonito
Tantas vitórias
Na trajetória de uma paixão
Que nos leva ao infinito
É urubu, é, é, de arrasar
Quem vai querer levar olé pode chegar
É urubu, é de arrasar
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DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16684
2054
Quem vai querer levar olé pode chegar
O meu maior prazer, juro, foi de nascer e ser Flamengo até morrer
O meu maior prazer, juro, foi de nascer e ser Flamengo até morrer
Vamos embora
Oh, oh, oh, oh, oh
Manto sagrado que veste o meu coração
Oh, oh, oh, oh, oh
A minha vida é eu vibrar com o meu mengão, uh, uh, uh
Alô, nação rubro-negra
Aquele abraço
Ó, meu mengão
Eu gosto de você
Eu quero cantar ao mundo inteiro
A alegria de ser rubro-negro
Domingo, eu vou aí Maracanã
Vou torcer pro time que sou fã
Vou levar foguetes e bandeiras
Não vai ser de brincadeira
Ele vai ser campeão
Tum
Essa nação é minha alegria
E não tem jeito
Alô, diretoria
Exigimos respeito
Demorou
Alô, Estação Primeira
Alô, Gaba, aquele abraço, nego velho
TEMA CENTRAL DA AULA: O FLAMENGO, O URUBU E O RACISMO
Pressuposto da aula:
A intenção que temos com esta aula é relacionar o urubu (mascote do Flamengo) com a “identidade” do negro
pobre, ao mesmo tempo em que trazemos um acontecimento envolvendo a ave, num jogo contra o rival, time
do Botafogo. O argumento que defendemos é o de que o urubu, enquanto mascote, é expressão da variação
contínua da experiência de ser rubro-negro.
Na década de 1960, os membros da torcida do Flamengo começaram a ser pejorativamente denominados de
“urubus”. Tal nomeação impositiva se deu pois grande parte da torcida do Mengão era composta por uma
população de negros pobres. A pobreza sempre esteve veiculada, em nosso imaginário, àqueles/as à margem do
acesso aos bens materiais, remetendo-nos à figura de pedintes, que vivem do lixo, das sobras, e não têm
perspectivas. Pela cor da ave e por ela se alimentar do resto ou da carniça dos animais mortos, o
“urubu” se
tornou ícone e símbolo desta grande torcida via associação com o negro pobre. Assim, a identidade com a ave
demarca um signo capaz de gerar uma identificação da comunidade consigo mesma, não somente com o urubu.
No entanto, é importante mencionar que não foi só esta assimilação pura, simples e direta do urubu como
referencial identitário da torcida que prevaleceu. Houve um acontecimento que deu traços novos a tal
significação. Ao final da década de 1960 (mais precisamente em maio de 1969), um torcedor do Flamengo
levou um urubu para o Maracanã, o qual sobrevoou o estádio e caiu ali no gramado, preso a uma flâmula do
clube, bem antes do início do jogo. Esse dramático e significativo acontecimento acabaria passando para a
história do clube (e de sua torcida) como um ato sintomático de uma sorte sem precedentes: nesse dia, o
Flamengo vencera o rival Botafogo por 2 x 1 e quebrara o jejum de nove jogos sem ganhar da equipe de General
Severiano. Dito ocorrido em torno do urubu é central para compreendermos a formação da identidade de uma
torcida a partir de uma espécie de “mito fundador”.
A mascote, então, passa à noção de pertencimento, estando no cruzamento e na mescla dessas duas relações: o
signo do urubu e o acontecimento (como fato) propriamente dito. Dessa forma, vemos expostos, por um lado,
a cópia, o coletivo, o senso comum, o naturalizado, dados pela figura do “urubu”; por outro, vemos expostas a
diferença na repetição, a alteridade, a novidade, a singularidade, marcadas pela capacidade do urubu ser capaz
de produzir acontecimentos múltiplos. A capacidade humana de enredar sortilégios por meio de acontecimentos
ligados aos urubus consiste no ato de diferença, que permite à torcida não se alienar totalmente diante da figura
do urubu, ao mesmo tempo em que abre um horizonte de possibilidades para uma identidade ser construída
coletiva e individualmente. Tudo isso que escrevemos até aqui serve para elucidar duas coisas: 1) o urubu é
signo, sim, do negro pobre que historicamente tem sua relação com a torcida do clube; 2) no entanto, o urubu
também é símbolo de toda uma torcida multicor
–
afinal, “o Flamengo é de todos”!
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A arte como potência pedagógica através da música: Por que o Flamengo também se canta
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O encontro entre o signo do urubu e o acontecimento proporcionado por ele não acabou por produzir uma
essência de urubu “
ad eternum
”, nem uma representação fiel da nação rubro
-negra. Se inicialmente foi possível
ligar a imagem do urubu com a torcida do Flamengo a partir de signos que já estavam sedimentados, o “ato
fundador” narrado abriu uma fenda por onde toda a nação rubro
-negra foi arrastada, uma fenda de perpétua
produção de sentidos múltiplos e singulares acerca do urubu e da própria torcida. Essa fenda é um verdadeiro
vetor de atualização do urubu e da torcida, operando uma variação contínua de sentidos que emergem a cada
ressonância do urubu com sua gigantesca e múltipla torcida.
Se o urubu não diz a coisa em si, ou seja, uma verdadeira essência da torcida, é porque ele diz sobre seus
acontecimentos
–
no sentido deleuzo-guattariano
6
do termo, uma redistribuição dos sentidos da realidade, uma
espécie de inflexão na experiência. Ele nem mesmo é uma coisa, pois é também um “acontecimento”, haja vista
que é experienciado de diversas maneiras ao mesmo tempo, no instante em que cada torcedor se encontra com
ele. Em tal sentido, o “acontecimento urubu” é
impessoal
e
singular
ao mesmo tempo. Explicamos melhor:
impessoal
na medida em que é uma espécie de vetor de diferenciação de sentidos.
Singular
quando é apreendido
do ponto de vista daquele/a
–
torcedor/a
–
que o encontra.
O Urubu é impessoal
–
enquanto expressa uma produção infinita de sentidos. O Urubu é singular
–
quando diz
respeito àquele urubu marcado no corpo do/a torcedor/a através de uma tatuagem, pintado em sua bandeira, ou
estampado na camisa que faz alusão ao clube. O urubu que o torcedor encontra na rua e logo o identifica como
signo do Flamengo, ou o que faz lembrar de si mesmo ao se encontrar com estigmas que atravessam seu corpo.
É o urubu que nos faz experimentar o afeto do intolerável, permitindo jamais naturalizar a pobreza, a
desigualdade, o preconceito, a homofobia, o racismo, que cotidianamente estão na vida de diversas pessoas,
para muito além daqueles que compõem a nação rubro-negra. Mas é também esse mesmo urubu que não nos
reduz aos estigmas e que é expressão da vida de todo o torcedor que faz parte da grande massa rubro-negra. É
o urubu de todos/as aqueles/as que têm o Galinho de Quintino como ídolo maior; que têm no vermelho e no
preto as cores do sagrado; daqueles que dominicalmente, como uma espécie de liturgia com hora e lugar para
acontecer, comemoram o balançar das redes nos estádios onde o Flamengo joga. Em suma: é o urubu que
expressa todo espectro de variação contínua das experiências que nos tornam, cotidianamente, flamenguistas.
Questões norteadoras:
- A música faz alusão ao urubu (mascote do Flamengo). Vocês sabiam que o urubu surgiu como símbolo do
flamenguista por um estigma racista?
- Vocês conseguem perceber que o animal historicamente foi utilizado para estigmatizar as pessoas frente aos
mais diversos preconceitos. Que outros animais são utilizados para fazer menção ao racismo? E aos demais
estigmas?
(Por exemplo, o fascismo tinha a estratégia de negar o rosto dos seus pretensos inimigos: judeus, negros,
homossexuais, deficientes. Er
am denominados como “bacilos”, “bactérias”, “parasitas”, “baratas”, “vírus”,
“micróbios”. Nesse sentido, a biopolítica nazista não foi propriamente uma biopolítica, mas, em sentido
absolutamente literal foi uma zoopolítica
–
expressamente voltada para os animais humanos. Por isso o termo
justo para este massacre
–
em vez de “holocausto” sacramental –
é extermínio: exatamente o que se usa para
insetos, ratos ou pulgas. Afastar os piolhos não é uma questão ideológica, é uma questão de limpeza.
(ESPOSITO, 2017)
- Agora que vocês sabem da história do urubu enquanto mascote do clube, percebemos que o racismo
(infelizmente) não é recente no futebol. Vocês conhecem casos de racismo ligados ao campo esportivo? Se sim,
quais?
- Existem clubes de futebol e instituições que fazem campanhas contra o racismo. Você conhece alguma
campanha ou algum clube/instituição para expor como exemplo aqui em sala?
(Um dos objetivos desta aula é apresentar aos alunos que o futebol não é apenas um momento de lazer ou
entretenimento e sim uma grande arma de combate a diversos preconceitos, porém que muitos usam para
6
A noção de acontecimento que aqui trabalhamos faz parte do pensamento do filósofo francês Gilles Deleuze. Em
seu livro
Lógica do sentido
, Deleuze se dedica fortemente a aproximar o conceito de
acontecimento
com a gênese
do sentido. Já em sua parceria com o psicanalista, também francês, Félix Guattari, principalmente nos livros
O que
é a filosofia?
e
Mil Platôs
, os autores radicalizam a dupla estrutura do acontecimento, demonstrando a potência
paradoxal de tal conceito: a mútua inclusão entre o que há de impessoal no acontecimento e o que há de singular,
ou
hecceidade
, como insistem os autores.
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Fabio ZOBOLI; Matheus Souza dos SANTOS e Elder Silva CORREIA
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disseminar ódio, e é nesse ponto que pretendemos mudar a perspectiva e criar nos alunos uma consciência que
afaste cada vez mais os preconceitos do esporte. Assim podemos propor uma atividade a partir dessa aula, que
seria pesquisar sobre campanhas políticas feitas por times e suas respectivas torcidas no combate ao racismo.
Afinal, existem grandes instituições que fizeram do combate ao racismo seu principal objetivo no esporte;
essa pesquisa permitirá ao aluno abrir o leque de conhecimento sobre seu time e entender que o futebol vai além
das quatro linhas).
-
Nesta aula também podemos apresentar o livro “O
negro no Futebol Brasileiro”, do jornalista
Mario Rodrigues
Filho (2003). Mário Filho é o nome do estádio que popularmente conhecemos como Maracanã.
- Você conhece alguma música que trate sobre a questão do racismo? No campo da música, você conhece algum
grupo que levante a bandeira das questões raciais?
- O futebol, como fenômeno de uma sociedade maior, reflete os mais variados estigmas ligados a um sem-fim
de questões para além do racismo. Você conhece algum outro episódio esportivo que retrate questões de
homofobia, misoginia, ou qualquer outra manifestação de violência direcionadas a grupos identitários?
OBS: No Brasil, a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, estabelece que as diretrizes e bases da educação
nacional incluam em seu currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade das temáticas que interpelam a
“História e cultura afro
-
brasileira”. Esta lei sugere tratar sobre conteúdos históricos difundidos na educação
brasileira no que tangem à representação de verdade sobre os negros. Dessa forma, a lei se propõe
descolonizadora, na medida em que contribui para borrar as fronteiras da identidade negra fixada no passado
escravocrata, fruto de uma história colonial que se atualiza no cotidiano.
Neste sentido vale mencionar que trabalhar com essa temática a partir da música está em consonância com essa
lei na medida em que a mesma suspende questões importantes para desnaturalizarmos o racismo e sua estrutura.
Questões e temas paralelos:
-
Você conhece o compositor e intérprete dessa música, Alexandre Pires? Vamos buscar outras músicas desse
compositor e conhecer melhor sua história.
-
A música faz menção a “Seja na terra ou no mar” para fazer alusão ao Flamengo
, cuja fundação data 1895
como clube de regatas, ou seja, um clube veiculado à modalidade de remo. Somente em 1912 o Flamengo entra
em campo como time de futebol. Você sabia disso?
-
Por ter sua história veiculada ao remo a primeira mascote que o flamengo teve foi o “Marinheiro Popeye
7
”
por sua persistência de lutar até o final e também pela sua relação com o mar
–
afinal, o Flamengo inicia sua
história como Clube de Regatas.
- Vocês conhecem outros clubes do Rio de Janeiro que têm sua história ligada à modalidade de remo? E seu
time do coração, além do futebol, investe em alguma outra modalidade esportiva? Vamos pesquisar sobre isso?
- Você sabe qual a mascote de seu clube do coração? É um animal também, a exemplo do urubu? Ou é algum
outro ícone? O que ela significa?
Fonte: Elaborado pelos autores
Tabela 2
–
Fichas de didatização de três músicas
FICHA DE DITATIZAÇÃO MÚSICA 02
Música: Flamengo maravilhoso Ano:1996
Estilo musical: Samba
Compositor: André Filho e Luiz Ayrão
Intérprete: Júnior
Mídia: Vídeo, https://www.youtube.com/watch?v=MschM5mCBX4n
LETRA
Vamos fazer desse samba oração
E do clamor dessa massa procissão
Vamos buscar no sonho, na filosofia
Na ciência e na magia
Explicação pra essa religião
Flamengo
Não há palavras com que eu possa definir
7
Popeye é um personagem das estórias em quadrinhos criado pelo cartunista norte-americano Elzie Crisler Seg
em 1929. Ele passa a ser mascote do Flamengo na década de 1940, idealizada pelo chargista argentino Lorenzo
Mollas, quando o Popeye já figurava como animação.
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A arte como potência pedagógica através da música: Por que o Flamengo também se canta
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2057
O que é Flamengo
Não há palavras com que eu possa exprimir
O que é ser Flamengo
A gente só pode sentir
Flamengo da dona de casa
Do povo sofrido, do trabalhador
Flamengo do jovem esperto
Da moça bonita e do meu amor
Flamengo do sul e do norte
De todos os cantos, de toda a nação
Flamengo do asfalto e do morro
De Deus e do povo e do meu coração
Flamengo maravilhoso
Cheio de encantos mil
Flamengo maravilhoso
Campeão do meu Brasil
TEMA CENTRAL DA AULA: FUTEBOL E RELIGIÃO
Pressupostos da aula:
A religião necessita do ser humano e de um ser divino (ou vários) para que possa existir.
O termo religião vem de “Re
-
ligar”, ou seja, nos rituais religiosos acredita
-se que o humano se conecta com a/s
divindade/s via rito. O futebol pode ser visto sob a mesma lógica na medida em que a partida de futebol é o
momento ritualístico que junta a torcida com os seres maiores de um time: os jogadores.
Dois temas que estão ligados em diversas manifestações corporais e ritualísticas por aqueles que fazem parte
deles, com isso buscaremos introduzir nesta aula o debate sobre tais ligações, afinal futebol e religião dialogam
sim!
No seu livro “Homo Ludens”, Jhoan Huizinga
(2019) realiza uma comparação entre o espaço do jogo e o espaço
onde se realizam manifestações religiosas. Para este autor ambos os espaços são sagrados, com regras e limites
a serem seguidos.
Por sua vez, Jostein Gaarder, Victor Hellern e Henri Notaker (2000),
na obra intitulada “O livro das religiões”
,
buscam uma definição para a religião a partir da sua multiplicidade existencial. Eles partem de uma pergunta
central: “O que é religião?”
, p
ara então tensionarem as suas mais variadas manifestações: “É o batismo numa
igreja cristã. É a adoração num templo budista. São os judeus com o rolo da Torá diante do Muro das
Lamentações em Jerusalém. São os peregrinos reunindo-
se diante da Caaba em Meca.”
Questões norteadoras:
- O que futebol e religião têm de semelhanças?
- Qual seu time? Qual sua religião?
- Você traz suas crenças religiosas para o contexto do seu time, por exemplo, quando ele joga? Se sim, explique.
- Como você vive e manifesta sua religião, sua religiosidade? Como você vive o seu time do coração, sua relação
com o torcer?
- Qual paralelo podemos estabelecer entre estádio de futebol e templo religioso?
- Qual paralelo podemos estabelecer entre deus/es e jogadores/ídolos do futebol?
- Estabeleça uma relação do rito do jogo (concentração, escalação, entrada no estádio, primeiro tempo,
intervalo....) com o rito de uma celebração de sua religião (preparação para ir à igreja, entrada na igreja, canto
inicial...)
- A música que trouxemos para o debate cita orações e procissões, como isso pode ser abordado no futebol?
Podemos realizar o paralelo dos hinos dos times e canções de torcidas como orações realizadas no momento
sagrado (o jogo), a procissão associada à ida aos estádios com aqueles que compartilham do mesmo amor pelo
time que você. Assim como a devoção dos clubes a algumas entendidas religiosas, como o flamengo a São
Judas Tadeu, apresentando mais um traço de ligação entre os dois mundos.
- Você conhece questões de intolerância religiosa? De rivalidade entre igrejas e religiões?
- Você conhece manifestações de intolerância entre torcidas e times? De rivalidades entre clubes e torcidas?
- Você tem ou usa algum símbolo ou adereço que faz alusão a seu time (camisa, toalha, pingente...)? Você tem
ou usa algum símbolo ou adereço que faz alusão a sua crença religiosa (pingente, colar, estátua...)? Se sim,
quais?
- Qual é a importância desses símbolos para sua relação e identificação com o divino e com o seu time?
-
Como você vive, sente e manifesta sua relação com seu “time” e com seu/s “deus/ses”?
- Muitos sociólogos e
filósofos costumam afirmar que futebol e religião são o “ópio do povo”. Você sabe o que
significa isso? Comente.
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Questões e temas paralelos:
- Vocês conhecem alguma música do seu time do coração para além do hino?
- Aqui, no contexto local do seu estado, você conhece músicas sobre os times locais?
- Vocês conhecem os compositores da música, André Filho e Luiz Ayrão? Vamos pesquisa e ver se eles têm
outras músicas.
- Você sabia que Júnior, o intérprete da música, foi jogador do Flamengo? Vocês o conhecem? Em que período
jogou? Que títulos conquistou? Jogou em qual posição? Sobre o jogador Júnior sugerimos a crônica “
Laroyê
Júnior, o Exu da Gávea: guardião dos caminhos...
guia para os gols”
que disserta sobre o jogador Júnior
a partir de uma divindade do panteão Iorubá. A crônica está disponível em:
https://ludopedio.org.br/arquibancada/laroye-junior-o-exu-da-gavea-guardiao-dos-caminhos-guia-para-os-
gols/
Fonte: Elaborado pelos autores
Tabela 3
–
Fichas de didatização de três músicas
FICHA DE DITATIZAÇÃO MÚSICA 03
Música: Saudades do galinho Ano:1983
Estilo musical: Samba
Compositor: Moraes de Moreira
Intérprete: Moraes de Moreira
Mídia: Vídeo, https://www.youtube.com/watch?v=2kS0vdVQdQc
LETRA
E agora como é que eu fico
nas tardes de domingo
Sem Zico no Maracanã
Agora como é que eu me vingo
de toda derrota da vida
Se a cada gol do Flamengo
Eu me sentia um vencedor (bis)
Como é que ficamos os meninos, essa nova geração?
Arquibaldo, geraldinos,
como é que fica o povão?
Será que tem outro em Quintino?
Será que tem outro menino?
Vai renascer a paixão ou não?
Falou mais alto o destino
e o galinho vai cantar
láiá laiá
vai cantar noutro terreiro
no coração brasileiro
uma esperança
quem sabe o fim dessa história
não seja o V da vitória
o V da volta, volta
volta galinho
que aqui tem mais
carinho e dengo
vai e volta em paz que o Flamengo
já sabe como esperar
você voltar (bis)
TEMA CENTRAL DA AULA: ÍDOLOS
Pressuposto da aula:
A palavra ídolo tem seu fundamento etimológico no termo grego
eídolon
, que nos remete à concepção de
“duplo”. Ter um ídolo é se duplicar a partir dele, se “com
-fundir
”, ter algo dele duplicado em mim ou comigo:
ter uma camisa do jogador, um pôster, imitar seu corte de cabelo, ter sua estátua em miniatura, dar o mesmo
nome a um filho, dentre outras manifestações ou coisas. Ter um ídolo significa estabelecer uma relação icônica
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com alguém, pois o ícone é um signo que é determinado por seu objeto por compartilhar características dele.
Compartilhar das características do objeto (em nosso caso, o ídolo) significa ter com ele semelhança, ou seja,
qualquer coisa que possa substituir algo com o que se pareça.
Mas, para que um jogador passe a assumir a condição de ídolo ele precisa gerar o desejo de ser imitado, de ser
uma cópia, um modelo a ser reproduzido. Para possuir tal poder é preciso que sua figura humana de jogador
seja c
onsagrada. Isto é, nos rituais “religiosos” do futebol –
jogos/partidas
–
o jogador necessita se tornar uma
espécie de “deus”. Com ou sem a bola nos pés cabe a ele, nos jogos, possuir privilégios e a exclusividade de
certos poderes. “A vitória consagra o v
encedor no sentido pleno do termo. Ela o cinge de auréola com um
prestígio sagrado” (VERNANT, 1990, p.
326). O personagem humano se revela semelhante aos deuses por sua
vitória nos jogos ou por alguma outra consagração. Depois de consagrado os traços ou mesmo um ícone do
ídolo passa(m) também a ser(em) figuras interpostas entre o rosto de um deus e o olhar humano
–
espelho e
reflexo... imagem e semelhança.
A condição humana (ou de semideus) de um ídolo não consente a ele o
status
de imortalidade, pois somente
aos deuses é concebido tal agraciamento. No entanto, as materialidades e imaterialidades feitas e disseminadas
em sua homenagem o manterão vivo para sempre. Para Marc Augé (2005), o monumento, como a etimologia
da palavra o indica, quer-se expressão tangível da permanência ou, pelo menos, da duração. Desta forma, o
monumento inscreve e materializa a presença do que se foi no tempo e o faz sobreviver. É a instauração da
permanência.
Nesta linha argumentativa, retomamos o conceito de ídolo (
eídolon
) que significa o fenômeno mitológico do
duplo
–
da existência dupla, por assim dizer. Os deuses gregos, na tentativa de imortalizar seus filhos
semideuses, criaram a estratégia de produzir seus duplos na dimensão terrena. Deste modo, quando seus filhos
morriam, criavam o
eídolon
deles na tentativa paradoxal de inscrever a ausência na presença (VERNANT,
1990). O eídolon se manifesta em dois planos ao mesmo tempo contrastados: o plano material (
eikón
) e o plano
imaterial (
psyché
); o primeiro reproduz o segundo mediante operações de mímeses.
A primeira manifestação do
eídolon
material foi o
Kolossós
que era anicônica em pedra bruta ou madeira
–
estátua grosseira sem forma humana. Contudo, o
Kolossós
passa por uma mudança na confluência dos séculos
V e VI, influenciado pela teoria da mímesis (imitação) elaborada e sistematizada por Platão. O invisível
sobrenatural torna-se visível através da imagem imitativa (
eikón
). “O morto não é mais evocado pela pedra
bruta, sem inscrição, mas pela beleza visível de
uma forma corporal que a pedra fixa para sempre” (VERNANT,
1990, p. 328). Surge o
eikón.
A pretensão de fazer com que o corpo inalcançável dos seus filhos mortos não desapareça no além-mundo (do
qual fazem parte) fez com que surgisse a necessidade dos deuses de fixá-lo na matéria, de dar-lhes uma forma
visível, de dar-lhes um corpo: o
eídolon
então se fez matéria enquanto ícone (
eikón
). As estátuas, por exemplo,
são monumentos que fixam o ídolo na matéria, materializam seus “monumentais lances” que outrora
, eternizou
em campo.
A
psyché
–
plano imaterial do
eídolon
–
tem associação com as manifestações do duplo através do óneiros
(sonhos), phásma (fantasmas/aparições),
póthos
(personificação do desejo amoroso). A
psyché
“é semelhante
ao ser real a ponto de se confundir com ele; mas conserva a chancela da irrealidade; envolve a ausência na sua
presença” (VERNANT, 1991, p.
33).
Questões norteadoras:
- Qual seu ídolo no futebol?
- Qual você considera o maior ídolo da história do seu time de coração?
- O que significa a palavra ídolo?
- Você tem algum objeto que faça alusão a seu ídolo? Se sim, qual? Quais?
-
O que é um ídolo para você? O que um jogador precisa ter para sair da condição de um “jogador comum” para
o status de “ídolo”?
- Há ídolos que transcendem a filiação com algum time. Por exemplo, jogares como Maradona, Cristiano
Ronaldo e Lionel Messi (para citar só alguns dos mais icônicos) conseguiram ter ídolos que os seguiam para
além do seu time. Vocês conhecem outros ídolos que tem esse status? Vocês têm um ídolo com essas mesmas
características?
- A partir da discussão em sala de aula propomos a possibilidade de uma tarefa. O/A aluno/a pode pesquisar
seus país e avós a fim de descobrir quais foram seus ídolos na juventude. Averiguar se eles chegaram a vivenciar
alguma tendência causada pelos ídolos da época? (Seja um corte de cabelo, uma roupa, algo que marcou a
geração deles e a eles mesmos).
Questões e temas paralelos:
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- Vocês conhecem Moraes Moreira, o grande ícone da música brasileira que é compositor desta música? Vamos
buscar outras músicas desse compositor e conhecer melhor sua história.
- A música faz menção a Quintino, bairro carioca onde Zico nasceu. Quem já foi ao Rio de Janeiro? Vocês
conhecem algum outro bairro da capital carioca?
-
Zico tinha o apelido de “Galo” ou “Galinho”. É muito comum no esporte ter atletas que tem seus apelidos
vinculados a animais. Você conhece algum atleta com apelido de animal? E algum jogador que tenha seu nome
relacionado a algum animal?
Sobre este tema su
gerimos a leitura da crônica “
Jogadores animais do Mengão: galo, biguá, onça, bode,
pavão...
”
,
que apresenta muitos atletas e jogadores que têm seus nomes relacionados a animais. A crônica está
disponível em: https://ludopedio.org.br/arquibancada/jogadores-animais-do-mengao-galo-bigua-onca-bode-
pavao
- Em um trecho da música de Moares Moreira é feita alusão a ARQUIBALDOS e GERALDINOS. Vocês
sabem o que significa isso?
(OBS: Os estádios em épocas passadas tinham uma maior capacidade de comportar torcedores pois havia uma
parte do mesmo
denominada “geral”. Era a parte baixa do estádio próxima ao campo. Havia a vantagem de ficar
na geral pois era muito próximo ao campo de jogo, no entanto, havia a desvantagem de se estar ali, pois era
uma parte plana, sem degraus. Ou seja, era mais difícil a visualização do jogo. Por este motivo, a geral sempre
teve seu ingresso muito reduzido em termos de preço,
e deste modo ficou estigmatizada ao “lugar do pobre”,
vulgo, “os geraldinos”.
Por sua vez,
“os arquibaldos” eram os torcedores que tinham mel
hor condição financeira de comprar ingressos
para ver o jogo da arquibancada. Mesmo sabendo que há uma variação de preços ligados ao lugar que se ocupa
na arquibancada, esses ingressos tinham um preço superior. Por este motivo faz alusão a uma classe mais
elitizada (classes média e alta) que frequentava os estádios. Importante dizer que há variações nesse sentido,
afinal, pode alguma pessoa mais abastada preferir assistir ao jogo da geral, assim como pode uma pessoa de
classe mais baixa utilizar suas economias para ver o jogo da arquibancada.
Acreditamos que debater a história e a evolução dos grandes palcos do futebol apresentariam não só as
mudanças dos esportes, mas a mudança dos meios sociais da população, uma possível crítica social aos altos
valores cobrados nos ingressos e aos planos que dão vantagens para aqueles que possuem maior poder
aquisitivo. Além disso, traria à tona toda a discussão da transformação dos estádios em “arenas” e os processos
de privatização destes espaços.
Fonte: Elaborado pelos autores
Finalizando de “peito de pé” ... ou algumas considerações sobre o potencial pedagógico
música-futebol-educação/Educação Física
Em seu instigante texto “Como criar para si um Corpo
-Sem-
Órgãos”, ao tratarem acerca
das condições de possibilidade e avaliação de experimentações éticas, Deleuze e Guattari
(2012) nos indicam: não busquem interpretar, experimentem. Quando propomos aqui um
diálogo entre arte/música e futebol/Flamengo para a partir disso tecer possibilidades de
experimentações com o futebol no âmbito da prática pedagógica da Educação Física, não se
tratou de modo algum de buscar significados do futebol a partir da música. Por mais que seja
tentador elucidar sentidos e significados do futebol nas letras das músicas que estiveram no
escopo desse trabalho, acreditamos que a potência pedagógica da música no trato com o futebol
não reside neste aspecto.
De modo geral, podemos ser orientados por experimentações pedagógicas guiadas a
partir das finalidades e funções/destinações sociais dadas ao futebol, e nesta lógica estamos
afundados nos contextos de usos sociais; ou por experimentações que operam uma espécie de
suspensão
–
mesmo que momentânea
–
de tais destinações e usos. Acreditamos que a
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A arte como potência pedagógica através da música: Por que o Flamengo também se canta
RIAEE
–
Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 2045-2063, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16684
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didatização das músicas sobre Flamengo/futebol na prática pedagógica da Educação Física
proporciona o segundo modo de experimentação.
A potência pedagógica da música em sua relação com o futebol está em sua veia
experimental, isto é, no modo como a música, a partir de seus
afectos
e
perceptos
, permite uma
exploração das condições da prática do futebol, abrindo novas possibilidades para
experimentações do futebol e maneiras de pensá-lo. Quando propomos didatizações das
músicas como possibilidades para serem trabalhadas no âmbito da Educação Física escolar, não
significou que pretendíamos mostrar que uma aula deveria ser conduzida pelo que já está dado
em determinada música, mas pelo que está a caminho de surgir, de explodir, mediante o
encontro com os corpos dos alunos(as) e seus
afectos
, levando para as aulas condições de
aberturas (como as fendas no guarda-sol dos clichês) e exploração de tais aberturas. Assim, não
excluindo os contextos dos usos e destinações sociais do futebol, mas imergindo naquilo que
os transborda, a música faz emergir novas maneiras de ver, falar e experimentar futebol. Novas
composições e ritmos futebolísticos nos tempos e espaços da Educação Física escolar.
AGRADECIMENTOS
: Este artigo conta com financiamento da Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG), estabelecido através de um Doutorado Interinstitucional com a UFS
(DINTER). O texto é fruto de uma pesquisa de Iniciação de Pesquisa financiada pela COPES
com uma bolsa de iniciação para o acadêmico Matheus Souza dos Santos
–
Edital nº. 03/2021
COPES/POSGRAP/UFS.
REFERÊNCIAS
AUGÉ, M.
Não lugares
: Introdução a uma antropologia da sobremodernidade. Tradução:
Michel Serras Pereira. Lisboa: 90 graus, 2005.
BRASIL.
Orientações curriculares para o Ensino Médio.
Linguagens, códigos e suas
tecnologias. Brasília, DF: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica, 2006.
BRASIL.
Lei n. 11.769, de 18 de agosto de 2008
. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino
da música na educação básica. Brasília, DF: Presidência da República, 2008. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11769.htm. Acesso em: 12
nov. 2021.
BRASIL.
Base Nacional Comum Curricular: educação é a base.
Brasília: MEC, 2018.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base Acesso em: 03 nov. 2021.
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Fabio ZOBOLI; Matheus Souza dos SANTOS e Elder Silva CORREIA
RIAEE
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Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 2045-2063, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587
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CASTRO, R.
O vermelho e o negro
: Pequena grande história do Flamengo. São Paulo:
Editora Débora Books na Art, 2001
CSEPREGI, G. Verbete música.
In
: MARZANO, M.