image/svg+xmlPolítica educacional para o Ensino Médio: O Projeto “Escola Plena” no contexto Mato-GrossenseRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2273-2293, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.167282273POLÍTICA EDUCACIONAL PARA O ENSINO MÉDIO: O PROJETO “ESCOLA PLENA” NO CONTEXTO MATO-GROSSENSEPOLÍTICA EDUCATIVA PARA LA ENSEÃNZA SECUNDARIA: EL PROYECTO “ESCOLA PLENA” EN EL CONTEXTO DEL ESTADO DE MATO-GROSSOEDUCATIONAL POLICY FOR HIGH SCHOOL: THE PROJECT “ESCOLA PLENA” IN THE CONTEXT OF MATO-GROSSO STATEÉrico Ricard Lima Cavalcante MOTA1Ana Lara CASAGRANDE2Katia Morosov ALONSO3RESUMO: As políticas educacionais direcionadas ao Ensino Médio têm incorporado a educação em tempo integral como forma de alinhá-la às tendências contemporâneas. Logo, a configuração desta etapa de ensino se constitui como disputa ideológica por agendas políticas dicotômicas: demanda produtiva versus formação omnilateraldos jovens. O Estado do Mato Grosso implantou seu projeto de Ensino Médio em tempo integral em “Escolas Plenas”, trazendo singularidades organizacionais, metodológicas e curriculares. Neste trabalho, buscou-se analisar suas configurações na dimensão da política educacional e do projeto pedagógico materializado. Metodologicamente, foi realizado um estudo de caso em uma escola pública de Cuiabá, que revelou uma perspectiva gerencialista, assentada na defesa de um protagonismo nebuloso em face da noção de empresariamento de si mesmo e auto responsabilização do estudante sobre seu percurso, apagando as condições extraescolares implicadas. De maneira que se questiona essa reestruturação do Ensino Médio frente à efetiva materialização da democratização da Educação.PALAVRAS-CHAVE: Política educacional. Ensino médio. Tempo integral. Escola plena.RESUMEN: Las políticas educativas dirigidas a la educación secundaria han incorporado la educación a tiempo completo como una forma de alinearla con las tendencias contemporáneas. Por tanto, la configuración de esta etapa docente se constituye como una disputa ideológica por agendas políticas dicotómicas: atención a la demanda productiva y formación omnilateral de los jóvenes. En ese contexto, el Estado de Mato Grosso implementó su proyecto de Enseñanza Media de tiempo completo con las "Escuelas Plenas", trayendo singularidades organizativas, metodológicas y curriculares. En este trabajo buscamos analizar sus configuraciones en la dimensión política educativa y en el proyecto pedagógico materializado. Metodológicamente, se realizó una investigación cualitativa, a través de un estudio de caso, en una escuela de esta naturaleza en Cuiabá. Los resultados revelaron una perspectiva gerencial, 1Universidade Estadual de Goiás (UEG), Jussara GO Brasil. Doutorado em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4360-3923. E-mail: ericoricard@gmail.com2Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá MT Brasil. Professora Adjunta. Pós-doutorado em Educação (PPGE/UFMT). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6912-6424. E-mail: ana.casagrande@ufmt.br3Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá MT Brasil. Professora Titular. Doutorado em Educação (PPGE/UFMT). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7125-664X. E-mail: katia.ufmt@gmail.com
image/svg+xmlÉrico Ricard Lima Cavalcante MOTA; Ana Lara CASAGRANDE e Katia Morosov ALONSORIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2273-2293, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.167282274que se basa en la defensa de un papel nebuloso frente a la noción de autoemprendimiento y la autorresponsabilidad del estudiante por su camino, en un borrado de las condiciones extraescolares involucradas.PALABRAS CLAVE:Política educativa. Escuela secundaria. Tiempo integral. Escuela completaABSTRACT:The educational policies aimed at secondary education have incorporated full-time education as a way of aligning it with contemporary trends. Therefore, the configuration of this teaching stage is constituted as an ideological dispute for dichotomous political agendas: meeting the productive demand and omnilateral training of young people. In this context, the State of Mato Grosso implemented its full-time High School project with the "Full Schools", bringing organizational, methodological and curricular singularities. In this work, we sought to analyze its configurations in the educational policy dimension and in the materialized pedagogical project. Methodologically, a qualitative research was carried out, through a case study, in a school of this nature in Cuiabá. The results revealed a managerial perspective, which is based on the defense of a nebulous role in the face of the notion of self-entrepreneurship and the student's self-responsibility for his path, in an erasure of the extra-school conditions involved.KEYWORDS:Educational politics. High school. Full-time. Full School.IntroduçãoO objetivo central deste trabalho é compreender as configurações dadas ao Projeto Escola Plena, implantado como política educacional de Ensino Médio em formato de escola em tempo integral no Estado do Mato Grosso/Brasil. Os dados que serão apresentados fazem parte de uma pesquisa de doutorado, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que surge motivada pelas mudanças propostas contemporaneamente para tal etapa no território brasileiro. Levando em conta os aspectos legais, o Projeto Escola Plena (2017) foi aprovado pela Lei Estadual nº 10.622, de 24 de outubro de 2017 (MATO GROSSO, 2017)4, estando em alinhamento com os procedimentos para a transferência de recursos para fomento à implantação de escolas de Ensino Médio em tempo integral, instituída através da Resolução nº 16, de 07 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017b). O Projeto em questão foi elaborado em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e aprovado no mesmo ano (BRASIL, 2017a). 4A Lei nº 10.622, de 24 de outubro de 2017 (MATO GROSSO, 2017), institui o Projeto Escola Plena, vinculado ao programa Pró-Escolas, no âmbito do Estado de Mato Grosso, 2017.
image/svg+xmlPolítica educacional para o Ensino Médio: O Projeto “Escola Plena” no contexto Mato-GrossenseRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2273-2293, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.167282275Posteriormente, ele sofreu as alterações decorrentes da Lei nº13.415/2017 (BRASIL, 2017a)5,que instituiu novas diretrizes nacionais para o Novo Ensino Médio. Sendo assim, afirma-se que o objeto em análise a configuração do Projeto Escola Plena constitui-se como um tema atual e pujante. A política educacional direcionada à ampliação da jornada escolar no Ensino Médio, por meio da instituição do tempo integral no Estado do Mato Grosso, não deve ser compreendida de forma isolada, pois foi desenhada a partir do contexto político-econômico das reformas do Estado brasileiro empreendidas, sobretudo, a partir da década de 1990. Tais reformas têm gerado longos e acalorados debates. Dessa forma, o currículo e a configuração do Ensino Médio seguem sendo motivos de disputa político-ideológica e cultural de grupos antagônicos diversos, inclusive do setor empresarial, que tem se feito representar, entre outros, por meio da organização não-governamental Todos pela Educação6.As “Escolas Plenas” enquanto projeto estadual foram implantadas em Mato Grosso no âmbito do Programa Pró-Escolas, sob a gestão do governador Pedro Taques (2015-2019). Ao anunciar a sanção da Lei que as instituiu, o coordenador do Ensino Médio à época, da Secretaria de Estado de Educação, Esporte e Lazer (Seduc), apontou como foco dasEscolas Plenas: “colocar o estudante como protagonista de sua própria história” (RAMIRES, 2017).Contudo, para compreender vis-à-visa nova configuração que vem sendo dada ao Ensino Médio no Estado de Mato Grosso/Brasil, foi realizada uma pesquisa exploratória amparada pela abordagem qualitativa. Constitui-se metodologicamente em um estudo de caso realizado em uma das escolas públicas estaduais que implantou o projeto “Escola Plena”, situada na periferia da cidade de Cuiabá, capital do Estado7. Para fins de coleta de dados, utilizou-se uma bricolagem metodológica, tendo sido articulado um conjunto de técnicas e instrumentos de pesquisas que forneceram dimensões diversas da mesma experiência, incluindo: a observação participante8, que durou mais de cinco meses do contexto escolar; 5Altera as Leis n º 9.394, de20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007 (BRASIL, 2007), que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho -CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (BRASIL, 1943), e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967 (BRASIL, 1967); revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005 (BRASIL, 2005); e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (BRASIL, 2017).6Todos pela Educação é uma organização não-governamental fundada em 2006, declarada sem fins lucrativos, liderada por empresários, para assegurar o direito à educação básica de qualidade para todos os cidadãos.7A pesquisa foi autorizada pelo Conselho de Ética da <manutenção do anonimato> CEP/<SIGLA>, sob o Parecer Consubstanciado de nº 3.378.915.8A observação participante contou com a presença do pesquisador em todos os tempos e espaços escolares oportunizados pelos profissionais: acolhida, intervalo, sala-de-aula, sala-de-professores, sala do gestor, reunião de
image/svg+xmlÉrico Ricard Lima Cavalcante MOTA; Ana Lara CASAGRANDE e Katia Morosov ALONSORIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2273-2293, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.167282276aplicação de questionários estruturados com estudantes; realização de entrevistas semiestruturadas com professores, gestores, funcionários e a análise documental das orientações curriculares. Desse modo, este texto traz resultados dessa pesquisa, revelando a descrição e análise do projeto pedagógico da “Escola Plena”, em que houve intensa participação no contexto escolar, visando fugir das limitadas especificidades inerentes ao estudo de caso. O artigo está estruturado nesta introdução, em uma seção inicial que apresenta o panorama e as características do Ensino Médio no Brasil, bem como são tecidas considerações sobre a juventude, parte da qual constitui seu público-alvo. Na sequência, são indicados os fundamentos que consubstanciam o Projeto Escola Plena, para se chegar à análise do projeto pedagógico da escola investigada. Por fim, são tecidas as considerações finais. O Ensino Médio no Mato Grosso, finalidades e seu público: considerações iniciaisO Ensino Médio consiste na etapa final da Educação Básica no Brasil, com duração mínima de 3 anos, e congrega um conjunto de quatro finalidades bastante abrangentes que podem ser entendidas sob as diversas perspectivas teóricas, atendendo tanto aos apelos dos setores progressistas, quanto aos apelos dos liberais que esperam a formação para o mercado de trabalho, conforme verifica-se no artigo 35 da Lei de diretrizes e bases da educação nacional, LDB n° 9.394/1996: I a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. (BRASIL, 1996, art. 35). O Ensino Médio está destinado ao público jovem, com idade entre 15 e 17 anos, em idade de fluxo ideal, no entanto, ela pode variar dependendo da distorção idade-série, que é uma realidade identificada na etapa. Conforme os dados do Censo Escolar 2021, a rede estadual mato-grossense matriculou cerca de 127.628 estudantes em jornadas parciais e 5.768 em escolas CDCE, Festa da Primavera, Confraternização no clube do sindicado, formação de professores com a gestão, almoço com professores no refeitório, conversa de corredores, entre outros.
image/svg+xmlPolítica educacional para o Ensino Médio: O Projeto “Escola Plena” no contexto Mato-GrossenseRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2273-2293, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.167282277de tempo integral do Ensino Médio, ou seja, as escolas em tempo integral atenderam menos de 5% dos jovens matriculados na etapa final da Educação Básica se comparado às escolas em tempo parcial. Contudo, a rede estadual responde por mais de 85,4 % das matrículas, enquanto a rede privada atende 8,6%. Em relação à localização, 87,3% dessas matrículas estão localizadas em escolas urbanas e o restante na zona rural (BRASIL, 2021a). No Ensino Médio mato-grossense, a distorção idade-série ainda é bastante elevada, chegando ao percentual de quase 30%, enquanto nacionalmente o índice percentual de matrículas com distorção idade-série é de 25,3% das matrículas do Ensino Médio (BRASIL, 2021a; BRASIL, 2021b), mas para compreendê-la é necessário abarcar a análise sobre o público além de designar como uma faixa etária, uma identidade homogênea e/ou identidade em transição entre a adolescência e a vida adulta. Neste trabalho, compreende-se a juventude, público do Ensino Médio, em conformidade com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2011), como uma: [...] condição sócio histórica cultural de uma categoria de sujeitos que necessita ser considerada em suas múltiplas dimensões, com especificidades próprias que não estão restritas às dimensões biológica e etária, mas que se encontram articuladas com uma multiplicidade de atravessamentos sociais culturais, produzindo múltiplas culturas juvenis ou muitas juventudes (BRASIL, 2011, p. 12-13).Algumas narrativas consideram a juventude como caracterizada pela ansiedade de ascender à vida adulta no sentido de trabalhar e ter uma fonte de renda própria, mas muitos dos jovens pertencentes às classes trabalhadoras já estão inseridos precariamente em postos de trabalho durante o próprio percurso do Ensino Médio. Tais sujeitos, quando pertencentes à classe trabalhadora, já nascem sob a pressão de lutar, competir e resistir em condições desiguais para contribuir com as despesas da casa, por exemplo, e, possivelmente, conquistar as condições de emancipação econômica que não lhes foram dadas a priori. Do outro lado, há um assédio do mercado de trabalho pela potencial mão de obra a ser qualificada para ocupar vagas de emprego, a serem preenchidas por sujeitos alinhados e adaptados às exigências e competências necessárias às funções requeridas, conforme as mudanças do mercado de trabalho e condições para a empregabilidade, no bojo da flexibilidade tão cara a economias inconstantes. Em relação às mudanças propostas para a educação dessas juventudes diversificadas, no Documento de Referência Curricular de Mato Grosso Etapa Ensino Médio (DRC/MT-EM), afirma-se que não se refere unicamente a um projeto de Ensino Médio em tempo integral, mas que se pretende forjaruma formação integral que se dê em tempo integral, englobando a uma parte diversificada, com componentes curriculares, disciplinas eletivas, projeto de vida,
image/svg+xmlÉrico Ricard Lima Cavalcante MOTA; Ana Lara CASAGRANDE e Katia Morosov ALONSORIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2273-2293, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.167282278estudo orientado, prática experimental e avaliação (SEDUC-MT, 2021).Como se tratam de mudanças contemporâneas, cabe o questionamento sobre se o Projeto Escola Plenaavança na direção de uma ampliação de carga horária que subsidie uma educação em tempo integral apenas ou que incorpore uma efetiva educação integral. Uma distinção importante, como definem Jeffrey e Silva (2019, p. 43): “a Educação Integral tem como base a integralidade que reúne todos os elementos da educação, pois para ocorrer tempo integral não é só estender o horário da aula e assim obter mais conhecimento”. A BNCC (BRASIL, 2017a), documento que orienta a construção dos currículos do Ensino Médio, indica aEducação Integral como proposta formativa, torna-se fundamental, nesse sentido, compreender que esse conceito. Acredita-se que a Educação integral precisa romper com perspectivas intelectualistas, pragmáticas e mercadológicas para que se avance no sentido de conceber o ser humano como sujeito histórico em processo de formação política, ética, humanista e multidimensional. Kuenzer (2017, p. 341) entende que a reforma curricular que visa construir um Novo Ensino Médio avança na direção contrária a uma formação integral, definindo-a como integrante da “pedagogia da acumulação flexível e tem como finalidade a formação de trabalhadores com subjetividades flexíveis, por meio de uma base deeducação geral complementada por itinerários formativos por área de conhecimento, incluindo a educação técnica e profissional”.Somando-se ao debate, as autoras Casagrande e Alonso (2022), identificam como pontos comuns entre o documento nacional da BNCC (BRASIL, 2017a) e do Documento de Referência Curricular para Mato Grosso Etapa Ensino Médio (MATO GROSSO, 2021), os princípios de incentivo à educação integral, flexibilização curricular por meio dos itinerários formativos e discurso do desenvolvimento do protagonismo juvenil: “Aprovado pelo CEE, em 2021, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso homologou o Documento de Referência Curricular de Mato Grosso -Etapa Ensino Médio (DRC/MT-EM), Portaria nº 356/2021” (CASAGRANDE; ALONSO, 2022, p. 196).No contexto do debate de interesses político-ideológicos antagônicos, cabe questionar como pode ser compreendida a configuração do Ensino Médio em tempo integral que se realiza no Projeto Escola Plenaem Mato Grosso. Mas para compreendê-la, é necessário retomar o contexto histórico e político do seu surgimento, para, em seguida, aproximar a lente da concepção declarada em seus documentos orientadores.
image/svg+xmlPolítica educacional para o Ensino Médio: O Projeto “Escola Plena” no contexto Mato-GrossenseRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2273-2293, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.167282279O contexto histórico-político em que se insere o Projeto Escola PlenaCom a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), o Ensino Médio se tornou “progressivamente obrigatório” para jovens de 15 a 17 anos e se assegurou a obrigação dos Estados em ofertá-lo. Contudo, tal obrigatoriedade viria a se confrontar com o contexto sócio-político-econômico iniciado desde adécada de 1970 com a crise do petróleo (HARVEY, 2005). Seguindo a tendência dos países capitalistas, no final da década de 1980 e durante a década de 1990 os governos brasileiros se alinharam à racionalidade econômica neoliberal, entendida como “o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 23). Conforme demonstram Freitas e Figueira (2020), na década de 1990, nos governos de Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, a política educacional brasileira se desenhou sob pressupostos neoliberais, cumprindo a agenda política de organismos internacionais, entre eles destacam-se o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).Na direção de desobrigar o Estado, os governos deram início à criação do aparato legal9para realização de parcerias público-privadas, além de ações de privatização e terceirização. Logo o know-howda administração privada seria o modelo a ser seguido. O setor privado ganha espaço na administração pública, por meio dessas parcerias com instituições privadas e não-governamentais10, de maneira que tais instituições participem no planejamento, na execução, no acompanhamento e no controle da educação pública, com financiamento público. Esse contexto é trazido com o propósito de explicar o surgimento do Projeto Escola Plena, idealizado inicialmente pelo empresário Norberto Odebrecht, e gerido pelo Instituto de Corresponsabilidade Educacional (ICE), uma fundação também criada por iniciativa do grupo empresarial Odebrecht. Compreende-se que a educação pública seja incumbência da administração pública, a qual tem efetiva responsabilidade de garantir os direitos aos cidadãos.O ICE implantou seu modelo de educação em tempo integral pioneiramente no Estado de Pernambuco, sendo considerado uma experiência exitosa. Posteriormente, o projeto foi 9“Arranjos de Desenvolvimento da Educação” (ADEs) propõem convênios ou termos de cooperação entre setores público e instituições privadas e não-governamentais, regulamentados pela Resolução nº 1, do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 23 de janeiro de 2012 (BRASIL, 2012).10Conforme Carvalho (2018), os “Arranjos de Desenvolvimento da Educação” (ADEs) fazem parte de uma proposta elaborada por um movimento empresarial denominado Todos Pela Educação (TPE) e se apresentam como proposta de gestão pública para assegurar o direito à educação de qualidade para todos.
image/svg+xmlÉrico Ricard Lima Cavalcante MOTA; Ana Lara CASAGRANDE e Katia Morosov ALONSORIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2273-2293, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.167282280levado para os estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso, entre outros11. Cada Estado imprimiu adaptações, mas seguindo uma configuração semelhante, sob o mesmo manual a Escola da Escolha, nome dado em Pernambuco. Dessa forma, são trazidos dados de estudo de caso realizado em uma escola de Ensino Médio, situada na periferia da capital mato-grossense, município de Cuiabá, por ser considerada a experiência-modelo da rede estadual, justificado por um histórico de transformação social e educacional notável que será caracterizado a seguir. A escola locusda pesquisaEm 2019, o Projeto Escola Plenafuncionou em 39 escolas, por isso, foi necessário escolher uma dessas experiências para acompanhar mais apuradamente. Os critérios estabelecidos para tal foram: o contexto sócio-econômico de vulnerabilidade social; pioneirismo de implantação do projeto, com o modelo consolidado; e por último, por ser considerada uma experiência exitosa apontada pelos técnicos da própria Seduc-MT.A “Escola Estadual Ensino Médio reestruturado” foi construída na década de 1990, sob o padrão dos “Centros de Atenção Integral à Criança” (CAIC). Localizada na praça principal do bairro Pedra 9012, a escola era referenciada anteriormente pelos problemas enfrentados, com constantes relatos de indisciplina, violência e vandalismo por parte dos estudantes.Em 2016, a escola contava com 913 estudantes e, ao anunciar a mudança para Escola Plena(2017), a “Escola Estadual Ensino Médio reestruturado” perdeu mais de 600 estudantes, ficando com aproximadamente 271 matrículas. No ano seguinte (2018), perdeu mais 54 matrículas, ficando com 217. Em 2019, começou o ano com 174 estudantes, enfrentou uma greve de 75 dias e concluiu o ano com 145 matriculados. Apesar da evasão considerada alta, a fala dos professores, gestores e técnicos relatam uma mudança qualitativa muito notável no comprometimento dos estudantes, mérito atribuído ao Projeto Escola Plena(e seu aporte filosófico). Por outro lado, ao se tornarescola em tempo integral de Ensino Médio, não se pode desprezar o dado de que a “Escola Estadual Ensino Médio reestruturado” assistiu à saída de 600 estudantes, que não podiam dedicar-se aos estudos em tempo integral. Esse é um ponto importante e que permite problematizar a extensão de jornada direcionada a todos os jovens do 11Para mais informações sobre a atuação do ICE, acessar o Mapa de Atuação, dividido por etapa de ensino. Disponível em: https://icebrasil.org.br/atuacao/. Acesso em: 30 abr. 2022.12O bairro Pedra 90 foi criado na década de 1990 para acomodar os trabalhadores das obrasde construção do Centro Político Administrativo, constituindo-se assim inicialmente um bairro-dormitório.Diante disso, condições básicas de habitabilidade e qualidade de vida, tais como asfalto, água tratada, creche e regularização fundiária foram conquistas tardias, contribuindo, assim, paraque o bairro carregasse um estigma de pobreza e violência.
image/svg+xmlPolítica educacional para o Ensino Médio: O Projeto “Escola Plena” no contexto Mato-GrossenseRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. esp. 3, p. 2273-2293, nov. 2022e-ISSN: 1982-5587DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17iesp.3.167282281país, por meio do Novo Ensino Médio, que prevê a ampliação da carga horária mínima anual de forma progressiva, nessa etapa, para 1.400 horas (BRASIL, 2017a, art. 1°).Em relação aos docentes que atuam na escola, dos 15 docentes apenas 2 são efetivos13. O diretor, a coordenadora pedagógica e a secretaria escolar são funcionários efetivos, mas o restante dos servidores pertence ao quadro de temporários. A jornada escolar da Escola Plena começa às 7h e termina às 16h30. As atividades curriculares estavam divididas em 1.200 horas para a Formação Geral Básica e 400 horas destinadas à Parte Diversificada, em cada ano do Ensino Médio, antes da aprovação do Novo Ensino Médio, Lei n°13.415/2017 (BRASIL, 2017a). Na Parte Diversificada do currículo, estavam presentes as Disciplinas Eletivas, a disciplina Projeto de Vida e as Atividades Integradoras.Tendo situado minimamente as características da escola, em seguida, apresenta-se o caminho percorrido pela pesquisa, levando em conta a observação, as entrevistas, os questionários, leituras e análises realizadas. O trajeto metodológico: o caminho possível A pesquisa exploratória realizada se caracteriza como um estudo de caso, situado no escopo da abordagem qualitativa. Quanto aos métodos e técnicas utilizados, realizou-se uma bricolagem metodológica (DENZIN; LINCOLN, 2006), configurada pela diversidade de instrumentos e técnicas de pesquisa: 1. observação participante; 2. análise do material didático utilizado; 3. questionário estruturado e entrevista semiestruturada, entre outros fragmentos de realidade sensíveis apenas ao hic nunc. Numa vivência intensa de 5 meses em turnos alternados de observação da rotina, intervalo, almoço, observação de aulas, entrevistas, festas, confraternizações, questionários e leitura dos materiais afixados nos corredores, banheiros e sala dos professores da “Escola Estadual Ensino Médio reestruturado” (nome fictício em face da preservação da identificação da escola investigada), a pesquisa proporcionou uma imersão do cotidiano escolar, resultando nos dados e reflexões que serão apresentadas a seguir.Projeto Pedagógico e princípios norteadores do Projeto Escola Plena: fundamentação na Escola da Escolha13Cumpre destacar que são dados do momento da coleta e realização da pesquisa na unidade escolar.
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