image/svg+xmlEducações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1926 EDUCAÇÕES NO CONTEXTO DAS BANDAS DE PÍFANOS E DO CANDOMBLÉ EDUCACIÓN EN EL CONTEXTO DE LAS BANDAS DE PÍFANOS Y DEL CANDOMBLÉ EDUCATIONS IN THE CONTEXT OF FIFE BANDS AND CANDOMBLÉ Elinaldo Menezes BRAGA1Belijane Marques FEITOSA2Marizete LUCINI3Alfrancio Ferreira DIAS4RESUMO:Este trabalho objetiva discutir as práticas educativas no contexto das bandas de pífanos e do candomblé. O tema vincula-se às pesquisas que ora desenvolvemos no curso de doutorado em educação da Universidade Federal de Sergipe. Esta escrita toma como referências as narrativas do pifeiro5Vanildo Franco e dobabalorixá6Walter Ti’Ogun, partindo do entendimento de que não é somente na escola que se apreende, pois concordamos que a educação acontece também fora dela. Trata-se de um trabalho de abordagem qualitativa, com o suporte da história oral por meio de entrevistas semiestruturadas. A discussão realizada está referenciada em estudos decoloniais, numa perspectiva crítica que encanta e liberta. Como resultados, percebemos que nos processos educativos analisados a curiosidade, a observação, a repetição, a brincadeira e o afeto são as principais categorias que promovem encantamento nos pifeiros e nos candomblecistas. PALAVRAS-CHAVES: Banda de pífanos. Candomblé. Decolonialidade. Educação. RESUMEN:Este trabajo tiene como objetivo discutir las prácticas educativas en el contexto de las bandas de pífanos y el candomblé. La temática está vinculada a la investigación que hemos desarrollado en el curso de doctorado en educación de la Universidad Federal de Sergipe. Este escrito toma como referencias las narraciones del pifeiro Vanildo Franco y del babalorixá Walter Ti’Ogun, partiendo del entendimiento de que no es sólo en la escuela donde se aprende, porque estamos de acuerdo en que la educación también ocurre fuera de ella. Se trata de un enfoque cualitativo, con el apoyo de la historia oral a través de entrevistas 1Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cajazeiras – PB – Brasil. Professor do Curso de Letras Língua Inglesa. Doutorando em Educação (UFS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8056-3430. E-mail: naldinhobraga2018@gmail.com 2Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Cajazeiras – PB – Brasil. Professora Adjunta IV. Mestrado em Educação (UFPB). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9512-9397. E-mail: belimare.pb@gmail.com 3Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão – SE – Brasil. Professora do Departamento de Educação. Doutorado em Educação (UNICAMP). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1532-8968. E-mail: marizetelucini@gmail.com 4Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão – SE – Brasil. Professor Adjunto II do Departamento de Educação. Doutorado em Sociologia (UFS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5562-0085. E-mail: diasalfrancio@academico.ufs.br 5Aquele que toca pífano. 6Babalorixá ou pai-de-santo é o sacerdote das religiões afro-brasileiras.
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI e Alfrancio Ferreira DIAS RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1927 semiestructuradas. La discusión es referenciada en estudios decoloniales, en una perspectiva crítica que encanta y libera. Como resultados, notamos que en los procesos educativos analizados la curiosidad, la observación, la repetición, el juego y el afecto son las principales categorías que promueven el encantamiento en los pifeiros y candomblecistas. PALABRAS CLAVE: Banda de pífanos. Candomblé. Educación. Decolonialidad. ABSTRACT:This work aims to discuss educational practices in the context of the fife bands and candomblé. The theme is linked to the research we are currently developing in the doctoral course in education at the Federal University of Sergipe. This writing takes as references the narratives of the pifeiro Vanildo Franco and the babalorixá Walter Ti‘Ogun, starting from the understanding that it is not only in the school that one learns, because we agree that education also happens outside of it. This is a qualitative approach, supported by oral history through semi-structured interviews. The discussion carried out is referenced in decolonial studies in a critical perspective that enchants and frees. As a result, we noticed that in the analyzed educational processes, curiosity, observation, repetition, play and affection are the main categories that promote enchantment in the pifeiros and candomblecistas. KEYWORDS: Bands of pífanos. Candomblé. Decoloniality. Education. Introdução A discussão que propomos parte do entendimento de que não existe somente um tipo de educação e de que é fora da sala onde mais se aprende, como nos dizem Brandão (2013) e Illich (1985), respectivamente. Neste sentido, para discutirmos algumas práticas educativas populares que constituem os sujeitos que vivenciam os saberes e fazeres relativos às bandas de pífanos7e ao candomblé8, este trabalho dialoga com duas experiências, uma no contexto musical, vivenciada pelo músico Vanildo Franco, e outra no campo religioso, vivenciada pelo babalorixáWalter Nunes de Souza. Para fundamentarmos teoricamente o trabalho, considerando que as bandas de pífanos e o candomblé não fazem parte do projeto colonial de poder que normatiza modos de ser, de saber, de viver e de se relacionar com o sagrado, buscamos estabelecer diálogos entre o que os colaboradores nos dizem em suas narrativas e o que nos propõem alguns pensadores progressistas que objetivam a libertação dos sujeitos a partir de uma educação crítica e decolonial. Daí os nossos olhares estarem voltados para os processos de educação acima 7Pífanos – Flauta rústica fabricada tradicionalmente de bambu. Contém seis furos para digitação e um para o sopro. 8Candomblé é uma religião afro-brasileira derivada de cultos tradicionais africanos, que cultua Orixás, Inquices e Voduns.
image/svg+xmlEducações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1928 mencionados, de modo que, através deles, possamos compreender como funciona, na prática, o que nos falam Freire (2019, 2020, 2021), Brandão (2013), Rufino (2021), Hooks (2020), Santos (2010), Caputo (2012), Arroyo (1987) e outros pensadores que nos ensinam a transgredir através de estudos voltados à educação popular e à crítica ao modelo de educação que, em vez de libertar, aprisiona, domestica corpos e mentes. O Candomblé é uma religião que surgiu no Brasil com a presença dos africanos escravizados que carregaram, em seus corpos e memórias, seus saberes, seus valores, suas dores, suas crenças e sua fé. Segundo Silva (2005), o Candomblé se desenvolveu, entre outros fatores, pela necessidade que os grupos negros tiveram “[...] de reelaborarem sua identidade social e religiosa sob condições adversas da escravidão e posteriormente do desamparo social, tendo como referência as matrizes religiosas de origem africana” (SILVA, 2005, p. 52). As práticas religiosas do Candomblé se desenvolvem a partir do culto a Orixás9, Inquices10e Voduns11pertencentes às nações Ketu, Angola e Jeje, respectivamente, abrangendo, ainda, entidades como caboclos12e marujos oriundos do sistema religioso brasileiro. Trata-se, portanto, de uma síntese de tradições religiosas da África Ocidental, com influências de outras tradições religiosas (SANTOS, 2010, p. 30). As bandas de pífanos, por sua vez, são grupos da cultura popular13rural, encontrados em quase todos os estados do Nordeste, cujas atividades estão tradicionalmente vinculadas a eventos do catolicismo popular. Essa expressão sofre variações quanto a sua formação. No Sertão Paraibano, por exemplo, é composta por dois pífanos, uma zabumba e uma caixa de guerra. Apresentados os dois temas em foco, convidamos você a seguir conosco pelas narrativas dos colaboradores que, com o suporte da história oral, nos concederam as narrativas destacadas abaixo. 9Deuses cultuados no Candomblé de nação Ketu. 10Deuses cultuados no Brasil pelos Candomblés da nação Angola no Brasil. 11Deuses cultuados nos Candomblés de nação Jeje no Brasil. 12Entidades presentes numa vasta gama de religiões de matriz africana no Brasil. No Candomblé convivem com divindades africanas – Orixás, Inquices, Voduns – e têm suas festas públicas. 13Cultura Popular, neste texto, está sendo entendida como “[...] uma série de conhecimentos heterogêneos que constituem os saberes do povo” (GOMES; PEREIRA, 1992, p. 73).
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI e Alfrancio Ferreira DIAS RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1929 No Ceará, a educação popular afrouxou nós e libertou Vanildo Franco para criticamente voar pelo mundo encantado do pífano. [...] escuto muito dos mestres que cada pessoa tem o seu jeito de tocar, cada pessoa tem o seu repertório próprio. Uns conhecem mais o repertório religioso e outros o repertório de forró, mais festivo (FRANCO, 2022) Na cena pifeira do Ceará destaca-se Vanildo Franco. Natural da zona rural de Guaramiranga, aos doze anos experimentou o pífano pela primeira vez, quando, em meados dos anos 90, uma organização não governamental, chegou na comunidade rural Linha da Serra e, a partir da prática da Yoga, do canto coral infantil e de oficinas de teatro de bonecos e de pífanos, implementou na escola um projeto popular de educação ambiental que envolvia professoras/es e estudantes. O oficineiro responsável pelas aulas de pífano trazia na bagagem uma formação musical influenciada pelos pifeiros tradicionais do Cariri daquele estado, objetivando ensinar e aprender pelo contato, observação, brincadeira, repetição e pela prática de tocar em grupo. Conforme Vanildo Franco, antes de qualquer coisa experimentavam e aprendiam com a natureza. Assim, a mata virava escola e as plantas e os bichos viravam professores com os quais as/os educandas/os aprendiam. Para Illich (1985), esse direito de aprender com o mundo é cortado quando frequentamos a escola sob a alegação de que é nela o único lugar que podemos aprender. Visão como esta nega que as coisas mais importantes das nossas vidas são aprendidas no dia a dia comunitário, com a família, amigos, no lazer, ou seja, no que o autor chama de teia educacional (ILLICH, 1985, p. 25). Era exatamente assim, como revela Vanildo Franco, que acontecia no caminho para a “escola natureza”, onde a garotada também aprendia uns com os outros, através das brincadeiras. Mais ainda, aprendiam com plantas, rios, árvores de todo tipo, bichos, insetos, pedras e gente. Este é um modelo de escola que habita o sonho de Rufino (2021), nele, além de aprender com a natureza e pela brincadeira, aprende-se pelo diálogo e pela liberdade de poder praticar a pergunta muito mais do que dar respostas. Sobre a brincadeira, especificamente, Rufino diz que o não brincar interessa ao projeto de mundo implementado pela lógica colonial, que, sem poesia, subordina a criança a um modo adultocêntrico, roubando dela a oportunidade para usar o corpo, tecer partilhas, sentir o afeto e viver a comunidade. Assim, a rebeldia e a inconformidade diante da crueldade desse mundo que não sorri são mais do que necessárias, e uma boa estratégia para a prática da brincadeira como expressão da liberdade é esperançar com [...] dribles de corpo, gargalhadas, esconderijos, invenções mirabolantes, bodoques, bexigas d’água, exércitos de pés sujos e dedões arrebentados nos
image/svg+xmlEducações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1930 paralelepípedos são sempre bem-vindos para ajudar a desatar os nós dos corpos que se acostumaram a permanecer tensos e em prontidão para a batalha (RUFINO, 2021, p. 71). Os dribles de corpo, as gargalhadas, os dedos arrebentados nas trilhas da mata e o exército de crianças de pés sujos do projeto implementado na comunidade Linha da Serra possibilitou o encantamento das crianças pela Yoga, pelo teatro de bonecos, pelo canto coral e, em Vanildo, especialmente, pela cultura do pífano, abrindo trilhas de liberdade, afeto, dedicação, empatia, respeito, criticidade, amorosidade, entrega e mais curiosidade. Se as crianças tivessem ficado atreladas somente ao ensino formal da “escola de cimento”, talvez Vanildo até fosse um educador na atualidade, mas talvez fosse mais um preso aos currículos e metodologias que servem de combustível para o fortalecimento do projeto de educação que promove o apartamento social e favorece a quem diz não à poesia e ao sorriso. Talvez, na atualidade, ele estivesse em uma sala de aula onde o mais importante seriam as respostas e não as perguntas, onde a gargalhada seria reprimida, onde não houvesse tempos e espaços para brincadeiras, onde o terreiro da escola não fosse visto como lugar de ensinar e aprender. E, mesmo o mundo nos constituindo a todo instante, ele talvez alimentasse a ideia de que lugar de criança aprender é no modelo de escola que controla corpos e mentes passivamente bombardeados com conhecimentos prescritos, simplificados e descontextualizados da realidade e dos anseios da sua comunidade. Escola esta que não reconhece saberes e metodologias capazes de promover a aprendizagem de quem tem curiosidade e o prazer pela busca constante, como acontece no contexto da cultura popular, onde se aprende e ensina mais pela oralidade, repetindo, mantendo o contato, praticando efetivamente, observando e imitando. Sobre esse “método”, com base nas suas vivências, Franco (2022) esclarece que: [...] através da observação você vai aprendendo a partir da imitação, imitando os mestres, imitando a posição dos dedos, o jeito de soprar, prestando atenção nas melodias, decorando e tocando junto. Errando nas primeiras vezes, mas depois acertando nas outras, e a gente fazia muito isso né, ouvir, decorava, observava, imitava e assim ia aprendendo as músicas. A experiência de Vanildo nas oficinas de pífanos o fez acreditar em um modelo de escola onde os estudos teóricos são se desvinculam da prática. Conforme explicou, não faz sentido decorar números, palavras e fórmulas sem que os educandos tenham a oportunidade de enxergar e sentir de perto a aplicabilidade dos conteúdos em um ambiente natural, com a comunidade, vendo os efeitos na vida das pessoas, assim como aconteceu para ele que, numa
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI e Alfrancio Ferreira DIAS RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1931 “simples oficina” de tocar e construir pífanos aprendeu sobre ecologia, biologia, matemática, física, convivência social, cultura e atividades artísticas. No caso dele, a música foi rio que desaguou num mar de conhecimentos outros. Vanildo Franco ressaltou que [...] além de sair das quatro paredes, a escola também precisa levar a comunidade pra dentro dela. Levar o conhecimento popular dos agricultores, dos artesãos, dos mestres de cultura popular, porque essas são conhecedoras e vivenciam diariamente esses conteúdos. Nesse caso, a teoria e o conhecimento popular caminham juntos e constituem seres humanos com muito mais aporte e referências para lidar com o mundo real (FRANCO, 2022). A participação de Vanildo nas oficinas de pífanos fez aflorar o artista e o educador que ele é. Com dois anos de projeto, experimentou a função de monitor e de coordenar as atividades de compartilhamento de saberes. No início ficou confuso com a situação de ensinar algo do qual ele ainda era aprendiz. Refletiu e chegou à conclusão de que ensinaria pelo mesmo método que ensina e aprende até hoje, ou seja, pela “metodologia dos mestres”. Então, na prática, seus aprendizes brincavam e exercitavam o ouvido, o olhar e a capacidade de repetir os seus movimentos. Paulo Freire (2019, p. 83) nos lembra da importância das/os educadoras/es e educandas/os se assumirem epistemologicamente curiosos, pois, como assevera, sem a curiosidade que nos move não se aprende nem ensina. Sabendo disso, a curiosidade de Vanildo Franco lhe atirou na estrada rumo ao Cariri cearense para ter contato direto com os mestres pifeiros de lá e compreender melhor os processos de transmissão de saberes musicais. Os contatos com as bandas tradicionais também lhe fizerem perceber que o repertório dos mestres era muito mais amplo do que ele imaginava. Como mencionou: “O repertório tradicional é uma coleção gigantesca de melodias que eles incrivelmente guardam na memória, e só eles tocam.”(FRANCO, 2022). Para começar a aprender tanta música, ouviu do mestre Raimundo: “Meu fie, é só caçar nas oiças!”. Ou seja, prestar atenção, escutar e repetir (SANTANA; LUCINI, 2019). Vanildo Franco, a partir das suas vivências, percebeu que além dos momentos em que praticam a profanação, fazendo festa, celebrando casamentos, aniversários, nascimentos, batizados, a chuva, a colheita, a fartura etc., uma das principais bases de sustentação da banda de pífanos é a religiosidade popular. Segundo este músico, para os pifeiros, praticar o catolicismo popular é o estabelecimento de contato direto com o divino que também se revela pela natureza. No contexto religioso, a banda de pífano encurta o caminho entre o concreto e o divino, e nesse caminhar sagrado, repleto de músicas tocadas nas missas, renovações, novenas,
image/svg+xmlEducações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1932 trezenas, acompanhamentos, consagrações, os pifeiros, atentos e sensíveis ao que vem de fora, capturam as melodias que chegam até eles pelos ouvidos e as introduzem em seus repertórios. Caminhando na direção contrária aos que negam o abraço às bandas de pífanos, além de educador, Vanildo Franco tornou-se um pesquisador e luthier. O despertar para a profissão de fabricar instrumentos também aconteceu durante o projeto de educação popular mencionado, pois, mesmo sem nenhuma experiência, a criançada também aprendia com a prática de lidar com ferramentas e de construir instrumentos. Hoje, em seus cursos, Vanildo faz questão de socializar os seus saberes e de abrir as parabólicas do sensível para experimentar e aprender mais por onde caminha (BRAGA; LUCINI 2021; MORAES JÚNIOR; OLIVEIRA, 2021; SANTOS; RIOS, 2021). A oficina de pífanos também despertou o Vanildo Franco compositor e, com o final do projeto popular de educação ambiental, esse educador/luthier/pifeiro continuou caminhando e tocando na sua comunidade, até que, em 2001, foi convidado a integrar a banda Dona Zefinha, possibilitando que Vanildo levasse a linguagem do pífano para outros cantos do Brasil e do Mundo. Vejamos o que ele diz sobre essa experiência de palcos: [...] lá eu posso colocar as minhas músicas para as pessoas conhecerem, e faço experimentos com o pífano e com a percussão. É uma experiência muito boa. Pra mim, é muito legal porque a gente tem oportunidade de levar para outros lugares, através da minha participação na Banda, né? Então a gente já foi aí para vários lugares na Europa, américa Latina, e eu tocando pífano e percussão, ne? (FRANCO, 2022). Para Vanildo, a música das bandas de pífanos merece mais destaque. Daí, em 2018, com o amigo Guilherme Cunha, cogitou a criação de um grupo de estudos através do qual os dois pudessem ensinar a tocar pífano. Anunciaram a “boa nova” e deu certo. Logo apareceram 30 pessoas. Nasceu, então, o projeto Pifarada Urbana. Como ele nos explicou: O Pifarada Urbana é o grupo que a gente trabalha com a metodologia dos Mestres, né? Que é essa coisa do tocar observar, né? Imitar. A ir atrás e entender, exercitar o ouvido, praticar a generosidade artística, no caso a generosidade musical, e é esse método que a gente utiliza; [...] qualquer pessoa que queira, mesmo sem nenhum conhecimento musical, pode participar. Então a gente tem uma metodologia muito simples que se a pessoa conseguir fazer uma ou duas notas no pífano, ela já entra numa apresentação, porque a gente consegue colocar aquelas duas notas que ela faz num arranjo e ela vai participar. A partir dali ela vai se estimulando e vai estudando e vai aprofundando, né? (FRANCO, 2022). As pessoas que participam aprendem a fazer o seu próprio pífano e vão aos encontros semanais, realizados aos domingos pela manhã, no Parque Rio Branco. As aulas são gratuitas,
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI e Alfrancio Ferreira DIAS RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1933 não têm restrição de idade, e, os que aparecem sem pífano, mesmo ganhando um do projeto, aprendem o processo de fabricação. Para Vanildo, disseminar o pífano tem uma carga simbólica muito forte, pois foi através dele que ele teve acesso a um mundo que desconhecia. Como explicou, o pífano é muito mais do que um instrumento com sete furos, é uma assinatura. Simboliza a autenticidade, grandeza artística e a identidade de um povo. Isso provoca em Vanildo uma necessidade de mostrar para o mundo a grandiosidade desse instrumento e da música ancestral que seus tocadores fazem. Um tipo de música que, de tão implicada pelo ambiente natural onde vivem os seus fazedores, tradicionalmente rurais, encontra nos pássaros, na chuva, no vento, no cachorro, na onça, na acauã, na coruja caburé, no rio, na mata e na fé cada mote para melodias que reviram a gente por dentro e nos harmonizam com a natureza, com as coisas, com as pessoas e com o sagrado. Tudo isso faz Vanildo entender a importância dos jovens conhecerem esse universo. Como ressaltou, “essa geração tik tok de hoje em dia não tem muito conhecimento da identidade cultural deles e do que nós somos” (FRANCO, 2022). Essa realidade contribuiu muito para que Vanildo passasse a atuar muito mais como educador do que como músico, e a investir no Pifarada Urbanacom a esperança de despertar nas pessoas, através do pífano, o poder da nossa identidade cultural. Esse educador, de práticas decoloniais, tem consciência da importância do trabalho que promove na busca de libertar as pessoas, como enfatiza, dessa visão eurocentrista de que “[...] tudo que é bom é o que vem de fora, e de que, na verdade, a gente tem que se desligar disso, porque isso foi uma coisa implantada e imposta pra gente por vários motivos e de várias formas”(FRANCO, 2022). Diante disso, na sua avaliação,o universo das bandas de pífanos, carregado de sabedoria ancestral, e o pífano, especificamente, com toda a sua grandiosidade, são ferramentas capazes de aflorar nas pessoas a necessidade ontológica de liberdade. Para a nossa conversa, Vanildo Franco chamouPaulo Freire para lembrar que toda educação tem que ser libertadora, tem que ser questionadora. O educador ressaltou que de certa forma leva um pouco dessa liberdade freiriana para os seus educandos, à medida em que a sua metodologia se pauta pela mesma em que começou a aprender a tocar e a fabricar pífanos, reproduzindo, assim, o método tradicional. Para concluir suas reflexões, Vanildo destacou que sentar, absorver, conviver, participar de uma renovação, presenciar uma banda de pífanos tocando, passar um dia na casa de um mestre, comer com ele, conversar, escutar suas histórias e tocar com ele faz você aprender muito mais, ouvindo, observando e repetindo em vez de tentar teorizar (BRAGA; LUCINI, 2021).
image/svg+xmlEducações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1934 Práticas educativas no candomblé: O terreiro14e o fazer educação O que a gente aprende, a gente ensina. Da mesma forma que fizeram com a gente. Walter Nunes Souza (2022). Na cidade de Cajazeiras - Paraíba, a prática do Candomblé é representativa. Entre os Ilês em atividade está o liderado pelo babalorixá Walter Ti’Ogun, que, segundo nos revelou, teve seus primeiros contatos com o sagrado quando ainda era criança. A convite de uma tia integrante de uma casa de umbanda15, Walter, seus irmãos e outras crianças da família frequentavam as festas de erê16. Tudo o que viam, resultava nas brincadeiras de interpretar caboclos e orixás. Sendo de família de músicos, o papel de ogã17era reservado para ele, de modo que batia tambores improvisados, enquanto os outros rodavam e brincavam de incorporar as entidades (FEITOSA, 2021).O encantamento pelo que viam e aprendiam naturalmente garantiu a presença dos garotos nos rituais abertos à comunidade. Valdemir foi o primeiro a decidir entrar na religião. Assim, foi iniciado, fez a sua caminhada e virou pai-de-santo. Consequentemente, Walter diariamente vivenciou o seu barracão18e passou a aprender coisas que não tinha acesso. Pelo seu relato, as casas de umbanda mais tradicionais não costumam promover o ensino através de oficinas, por exemplo. Nelas, tudo se aprende pela observação e repetição. Mas a curiosidade do garoto não perdia oportunidades para questionar. Nesse movimento, acabou casando com bisneta de mãe-de-santo, e em sua residência viveu durante nove anos. Neste período, disparou o seu repertório de questionamentos sobre simbologias, danças, toques e canções, de modo que o seu conhecimento sobre o sagrado se ampliou significantemente. Nessa época, Walter, ainda um simples admirador, já andava nas casas de candomblé e se apresentava como ogã. Certa vez, quando já estava se organizando para a feitura19na casa do seu irmão, incorporou20durante um ritual. Ele nos explicou que na umbanda é muito comum a pessoa incorporar na hora do seuorixá. Mas, nesse caso, especificamente, a incorporação se deu na ora de oxalá,21já no final do ritual. Nesse momento, o pai-de-santodo seu irmão reparou 14Local onde se realiza cultos do candomblé. 15Religião brasileira formada através de elementos de outras religiões, como o catolicismo, espiritismo e elementos da cultura indígena e africana. 16Ibeji na nação Ketu, Vunji nas nações Angola e Congo, o orixá criança, a divindade da brincadeira, da alegria. 17Nomenclatura genérica para diversas funções masculinas dentro de uma casa de Candomblé, é escolhido pelo Orixá. 18Espaço do terreiro onde são realizadas as festas públicas. 19A iniciação no culto aos orixás representa um renascimento, um novo começo. 20Nas religiões afro-brasileiras é o momento do transe, quando o orixá chega no seu(ua) filho(a). 21Divindade africana ligada à criação, tanto do mundo quanto dos seres.
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI e Alfrancio Ferreira DIAS RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1935 que a sua incorporação apresentava características de um tipo deogum22do candomblé de keto. Desta forma, Walter foi orientado a se filiar a uma casa de candomblé de keto, para que a sua vida religiosa pudesse caminhar. Ao falar sobre os motivos que lhe levaram a entrar no candomblé, além dos já citados, Walter disse que isso se deu da seguinte forma: [...] me apaixonei e continuo me apaixonando todos os dias através dos rituais que aprendo, das coisas que vejo acontecer, dos objetivos que a gente alcança, e com o tempo percebi que amar o candomblé é também lutar pela nossa sobrevivência, pois por não conhecer a religião muita gente tem preconceito e nós temos visto muita violência contra o povo do santo, então é preciso que a gente faça do amor pelos orixás um caminho de se defender através das nossas atitudes e atividades dentro e fora do terreiro, a gente é de uma religião milenar que já passou e passa por muita violência, então é preciso cuidar para que o candomblé possa continuar existindo, pra que a gente e quem quiser ser do candomblé ter o direito de ter nossa religião, acho que esse é uma luta que deve ser encampada pelo povo de candomblé (SOUZA, 2022). A referência ao amor como caminho para a defesa de quem se é nos remete à proposição de bell hooks (2020) quando traça o amor como sendo uma querença política, quando assume a sua potencialidade pelo viés da ação de enfrentamento ao que nos subalterniza, uma vez que de acordo com a autora devemos: “Começar por sempre pensar o amor como uma ação, em vez de um sentimento, é uma forma de fazer com que qualquer um que use a palavra dessa maneira automaticamente assuma responsabilidade e comprometimento” (HOOKS, 2020, p. 55). Walter, assim, seguiu as orientações e decidiu serraspado23no candomblé. Isso aconteceu em setembro de 2010, pelas mãos do babalorixá Jackson Ricarte, líder espiritual do Ilê Axé Runtó Runbôci(O poço que nunca seca). O novo candomblecista24pagou todas as suas obrigações25e, em 2019, no Ilê Axé Odé Tá Ofá Si Iná (Caso do caçador que atira sua flecha contra o fogo), localizadoemJoão Pessoa, capital do estado, pelas mãos dobabalorixáMano de Oxóssi26recebeu o decá27e o título de pai-de-santo. Pedimos para ele nos falar mais sobre os processos de ensino e aprendizagem relativos ao candomblée ele nos explicou quenesse contexto, tradicionalmente, tudo é totalmente na base da observação. Não tem livro sagrado. Ele, em particular, como falamos no início do texto, 22Orixá associado à guerra e ao fogo, representado sob a figura de um guerreiro. 23Ritual de iniciação no Candomblé que simboliza o nascimento. 24Nome que se dá aos adeptos do Candomblé. 25São ritos realizados após a iniciação para o fortalecimento dos laços estabelecidos entre os iniciados e seus orixás, perspectivando um caminho de crescimento no terreiro. 26Orixá da mata que tem sob o seu domínio o arco e a flecha, o provedor. 27Cargo ritualístico, é outorgado por um sacerdote do candomblé.
image/svg+xmlEducações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1936 começou na infância. Depois, já iniciado, teve a sorte de participar de uma oficina de candomblé no barracão de pai Jackson, ministrada por um alabê28vindo da capital. Para ele, isso foi um começo de quebra de padrões na pedagogia da casa, pois essas oficinas permitiram o acesso ao conhecimento teórico, já que no candomblé se aprende pela observação, obedecendo o tempo certo de aprender. O crescimento espiritual se dá gradativamente, respeitando os níveis da caminhada do iniciado, que começa como iaôe vai até zelador ou babalorixá. Nessa religião, aquele que está na fase de iniciação é considerado um recém-nascido, e para um recém-nascido não se ensina tudo. Quando Walter eraiaô29, foi o pai Jorge que lhe ensinou nomes emiorubá30, rezas e cânticos, coisas que se aprende no rancor.31Walter mencionou que a aprendizagem continua com a saída do rancor, mas, para isso, é importante auxiliar nas tarefas que os mais velhos executam, pois, quando se ajuda os mais velhos, se aprende, por exemplo, a cozinhar para cada santo, a executar os rituais de limpeza com as folhas específicas dos orixás. Por isso ser importante ajudar as pessoas que estejam abertos ao ensino. No entanto, segundo o relato de Walter, em muitas casas de tradição as pessoas dizem assim: “eu aprendi na baixa”32,Você tem que ficar caladinho, observando pra depois colocar em prática o que você observou. Se você fizer uma coisa que você não deveria ter feito com certeza você leva uma baixa, porque você ainda não está na hora de fazer. Mas, se você não fizer nada, também leva baixa por não ter aprendido nada ainda (SOUZA, 2022). Desta forma, cada um vai aprendendo devagar o que pode ou o que não pode ver, saber e fazer. Quando vc é rodante33, por exemplo, na iniciação você já recebe um cargo. Os homens podem ser ogãse as mulheres ekedi34. Costuma-se dizer que essas pessoas já nascem grandes, já podendo ter acesso a tudo. No entanto, apesar de serem grandes, o respeito à hierarquia é fundamental. Em qualquer nível de graduação quem se forma primeiro deve ser respeitado por quem é formado depois. Como dito, mesmo que ambos sejam, por exemplo,iaôs. Pelo relato de Walter, mesmo quando alguém chega a ser babalorixáo processo de aprendizagem continua. O babalorixá passa a ter acesso a todas as liturgias, vai se constituindo 28Ogã responsável pelos toques rituais, alimentação, conservação e preservação dos instrumentos musicais sagrados do candomblé. 29Filhos-de-santo que já iniciados. 30Idioma da família linguística nígero-congolesa falado secularmente pelos iorubás; foi trazido pelos africanos escravizados e traficados para o Brasil, legou muitas palavras ao português brasileiro, e é usado em ritos religiosos afro-brasileiros. 31Ambiente de acesso restrito onde acontecem as cerimônias ritualísticas. 32Aprender sendo repreendido quando quer fazer algo que ainda não pode ou, quando pode fazer não sabe por que não observou atentamente quando estava sendo feito por uma pessoa mais velha do terreiro. 33Pessoa que ‘roda no santo’, incorpora o Orixá. 34Cargo feminino na hierarquia do Candomblé no Brasil; não entram em transe, pois necessitam estar ‘acordadas’ para atender às necessidades dos Orixás. São escolhidas do Orixá, e pelo Orixá.
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI e Alfrancio Ferreira DIAS RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1937 a cada dia, aprendendo com os mais velhos, pela inquietação e curiosidade permitida pela pedagogia do terreiro, atendendo ao impulso natural da incompletude. Para Paulo Freire (2019, p. 82-83), uma educação que nega a prática formadora inibe e dificulta a curiosidade que, mesmo sujeita a limites, deve estar em pleno exercício, pois, como explica, sem a curiosidade que nos move, que nos inquieta e nos insere na busca, não aprendemos nem ensinamos. Ainda mais, para ele, a curiosidade é um direito que temos, e devemos lutar por ele. Falando novamente sobre as crianças, Walter lembrou que ao se tornar pai-de-santo a família de candomblé aumenta. Pois opai-de-santo tem seus filhos biológicos e osfilhos-de-santo35também têm seus filhos. Desta forma, convivem com ele o tempo inteiro e acabam reproduzindo o que muitos fizeram quando crianças, ou seja, brincam e perguntam os porquês das coisas. Assim, vão aprendendo sobre os orixáse os significados dos rituais, contrariando a escassez de poesia imposta pela lógica colonial, cujo projeto de mundo “[...] investe na dominação e alteração das formas de se usar o corpo, invocar a memória, sentir o afeto, viver a comunidade e tecer a partilha, a brincadeira como expressão da liberdade do ser é um ato de descolonização.” (RUFINO, 2021, p. 70). Apesar desse envolvimento natural das crianças com a religião, elas são iniciadas apenas quando crescem, e se decidirem se inserir. Neste caso, elas levam vantagem em relação a quem não vem de família deaxé36, visto que já estão com uma carga de conhecimento muito grande. Para Walter Nunes Souza,A criança é curiosa por natureza. Ela vai perguntando e a gente vai explicando. Consequentemente, as nossas crianças vão passando pelo mesmo processo que a gente passou, aprendendo pelo amor, pela curiosidade e pela repetição através das brincadeiras. (SOUZA, 2022). A este respeito, Caputo (2015) mostra que no terreiro há uma rede educativa onde se aprende de maneira cooperativa, compartilhada, e apresenta distinções entre a aprendizagem que acontece no terreiro e na escola: Na escola, só o professor é o líder que passa para todo mundo. E os alunos não passam para os outros que perderam. Aqui todo mundo passa para todo mundo [...]” (CAPUTO, 2015, p. 782). “Na escola é muita teoria [...] a gente pega muita coisa, mas não praticamos [...]. Aqui não. Aqui, aprendemos e praticamos ao mesmo tempo [...](CAPUTO, 2015, p. 783), o que denota um fazer educação a partir de uma dinâmica comunitária e pedagógica onde a oralidade exerce um papel fundamental. 35Pessoa iniciada no Candomblé. 36Termo usado no Candomblé e nas religiões afro-brasileiras, que significa pessoas do mesmo axé. Família de santo.
image/svg+xmlEducações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1938 Segundo Walter, o pai-de-santo mostra aos seus filhos o que se pode ensinar e aprender. “Se alimentar um bebê com um prato de pirão37ele morre, então tem que começar com mingau38. Quando ficar mais fortinho, come cuscuz e depois come o pirão” (SOUZA, 2022). Fechando a nossa entrevista/conversa ele lembrou que nas casas que frequentou os ensinamentos não lhe foram negados. Com os pais-de-santo aprendeu coisa simples e coisas mais profundas. Além da observação e dessa vontade de ensinar dos pais-de-santo mencionados, Walter ressaltou que outra fonte de conhecimento na contemporaneidade são as obras dos pesquisadores que escrevem sobre o candomblé, de tal sorte que a leitura também é uma forma de aprendizagem. Mais algumas considerações Um dos questionamentos que sempre fazem é: os terreiros de Candomblé e as comunidades de pifeiros são lugares de educação? A resposta é sim! O terreiro e as bandas de pífanos são mundos de aprendizagens e ensinagens que ocorrem continuamente, que nos fortalecem, não apenas no sentido religioso, mas também nos constituem enquanto pessoas que circulam por vários espaços, interagindo e compondo sentidos às relações que estabelecemos do ponto de vista social, relacional, profissional, afetivo, na criação de vínculos, relações interpessoais e atitudes perante o mundo para além das porteiras do terreiro e das casas dos pifeiros. Como Brandão (2013) e Freire (2020), perspectivamos que o fazer educação acontece nos lugares onde se processam convivências e estabelecem-se relações entre pessoas; o terreiro e as comunidades de pífano têm uma rede educativa compartilhada e com formas distintas de construir o processo de ensinagens e aprendizagens. A maneira de fazermos as nossas ensinagens é vinculada à experiência, não separamos o saber do fazer, é outro jeito de aprender que nos aproxima do que aprendemos, vinculados à nossa própria relação com a natureza, com a comunidade. Esse processo ocorre pelas vivências, experiências, palavrares, movimentos, agires, comportamentos, observações, repetições, brincadeiras e ensinamentos diretamente vindos dos mais velhos. Aprender, dessa forma, “[...] significa tornar-se, sobre o organismo, uma pessoa, ou seja, realizar em cada experiência humana individual a passagem da natureza à cultura” (BRANDÃO, 1984, p. 18). 37Papa de farinha de mandioca temperada com caldo de carne bovina, de peixe ou galinha. 38Alimento cozido, de consistência cremosa, pastosa, feito ger. de leite e açúcar, engrossado com cereais ou farinhas variadas (aveia, maisena, fubá de milho, arroz etc.); papa, papinha.
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI e Alfrancio Ferreira DIAS RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1939 É um fazer educação assentado na disseminação e valoração de nossos saberes culturais atravessados pela nossa ancestralidade, por meio da oralidade, e tendo como referências o aprender a partir da observação e repetição constante e do imitar as nossas mais velhas e os nossos mais velhos, aprendemos e praticamos concomitantemente, errando, refazendo e acertando, sendo um processo progressivo, considerando o tempo de iniciado do aprendiz de acordo com a hierarquia, e sempre com as nossas mais velhas e os nossos mais velhos, não havendo a figura da/o professora/o re, nem um momento específico para que aconteça. Para aprender é necessário tempo e envolvimento com as atividades cotidianas das comunidades, pois o compartilhar pode acontecer em qualquer momento e lugar, e, como nos diz Freire (2020), uns com os outros mediatizados pelo mundo, bem como em conversas informais onde ativamos o nosso ouvir e ver atentamente para aprender, considerando, assim, o sentido de um fazer educativo que tem o cotidiano e as nossas culturas como chãos educativos e constituidores da nossa realidade, “num movimento social do qual (todes) participam, no qual se fazem e se educam” (ARROYO, 1987, p. 18), que ecoa em nossas maneiras de compreender e de interpretar o mundo. Em nossos espaços se desenvolvem processos de ensinagens e aprendizagens dos saberes que constituem nossa cultura, atravessados pela tradição, pela nossa ancestralidade e por nossos valores civilizatórios39, que exprimem as bases da nossa composição social, cultural, histórica, afetiva, religiosa, ética e ancestral. Nossa educação é ancestral, voltada para uma concepção de mundo e de natureza onde somos vinculados à diversidade de formas de vida, aos ciclos da existência, ao viver em comunidade e em compartilhamentos que nos foram legados por aqueles que vieram antes de nós, que estão entre nós e com os que ainda virão, que guiam os nossos agires, refletires, sentires e giros por onde nos movemos e nos afirmamos enquanto povo de santo, enquanto pifeiros, dando sentido ao nosso modo de viver, ao nosso devir. A educação nesses espaços é também uma educação de resistência, uma vez que aprendemos e preservamos os nossos valores de base comunitária e resistimos à trama colonial que ao longo de séculos tenta negar, invisibilizar e exterminar os nossos saberes, a nossa existência, desenvolvendo um conjunto de práticas educativas em que as nossas ensinagens e aprendizagens reverberam não somente nos espaços do pífano e do candomblé, mas em todos os outros lugares por onde andamos, atravessando aqui, no caso, a nossa docência como 39Corporeidade, Oralidade, Musicalidade, Ludicidade, Circularidade, Religiosidade, Memória, Ancestralidade, Cooperativismo, Energia Vital, e Territorialidade. In: Projeto A COR DA CULTURA. Valores Civilizatórios. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://www.acordacultura.org.br/oprojeto. Acesso em: 14 jun. 2021.
image/svg+xmlEducações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1940 professores formadores de professores, não desrespeitando as distinções entre esses ambientes, e destacando que esse chegamento deriva do fato de que somos parte dessas comunidades. Nas nossas comunidades fazemos uma educação que pode ser considerada “[...] como força de batalha e cura” (RUFINO, 2021, p. 6), sensível às diversidades de saberes existentes, de pessoas e de formas de pensar que nos mobilizam para seguir dizendo ao mundo que existimos, que existem outras maneiras de se conceber a vida, uma educação “[...] comprometida com a diversidade das existências e das experiências sociais [...]” (RUFINO, 2021, p. 12), possibilitando o acolher e constituindo o pertencer, desejando e esperançando, como Freire e hooks, o fortalecer de uma ação educativa que considere o comunitarismo como uma das forças de reação e contraposição às relações opressoras contemporâneas. REFERÊNCIAS ARROYO. A escola e o movimento social: relativizando a escola. Revista da Associação Nacional da Educação, São Paulo, ano 06, n. 12, p. 15-20, 1987. BRANDÃO, C. R. Educação popular. São Paulo: Brasiliense, 1984. BRANDÃO, C. R. O que é educação. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2013. BRAGA, E. M.; LUCINI, M. Práticas educativas e ressignificações dos saberes e fazeres das Bandas Cabaçais rurais: Ações decoloniais no contexto musical urbano/contemporâneo. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. 4, p. 2852-2871, out./dez. 2021. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/15685. Acesso em: 13 dez. 2021. CAPUTO, S. G. Educação nos Terreiros: E como a escola se relaciona com crianças de candomblé. Rio de Janeiro: Pallas, 2012. CAPUTO, S. G. Aprendendo yorubá nas redes educativas dos terreiros: História, culturas africanas e enfrentamento da intolerância nas escolas. Revista Brasileira de Educação, v. 20, n. 62, p. 773-793, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/C6ZT46YkW56G7vwP3HzGF4n/abstract/?lang=pt. Acesso em: 05 ago. 2021. FEITOSA, B. M. Agô Yunifásíti: The contributions of Candomblé to teacher training in a decolonial perspective. Journal of Research and Knowledge Spreading, v. 2, n. 1, e12431, 2021. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/jrks/article/view/12431. Acesso em: 15 ago 2021. FRANCO, F. V. C. Vanildo Franco: depoimento, jan. 2022. Entrevistador: Elinaldo Menezes Braga: UFS, 2021.
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI e Alfrancio Ferreira DIAS RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1941 FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 60. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2019. FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade. 48. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2020. FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido. 28. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2021. GOMES, N. R. M.; PEREIRA, E. A. Mundo Encaixado: Significação da cultura popular. Juiz de Fora: Edições Mazza; UFJF, 1992. HOOKS, B. Tudo sobre o amor:Novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2020. ILLICH, I. Sociedade sem Escolas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. MORAES JÚNIOR, H.; OLIVEIRA, I. A. Talk between Dussel and Forner-Betancourt: Dialogue between philosophical knowledge, interculturality and indigenous school education. Revista Tempos e Espaços em Educação, v. 14, n. 33, e15642, 2021. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/revtee/article/view/15642. Acesso em: 09 jul. 2021. SANTOS, M. S. A. Meu tempo é agora. Bahia: Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2010. SANTOS, M. H. S. R.; RIOS, J. A. V. P. Education and cultural differences: Boundary educational practices in basic education. Revista Tempos e Espaços em Educação, v. 14, n. 33, e13670, 2021. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/revtee/article/view/13670. Acesso em: 19 jun. 2021. SANTANA, L. M.; LUCINI, M. Tessitura do conceito de liberdade nas teorias educacionais de John Dewey e Paulo Freire. Revista Tempos e Espaços em Educação,v. 11, n.1, p. 305-318, 2019. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/revtee/article/view/9646. Acesso em: 13 jul. 2021. SILVA, V. G. Candomblé e Umbanda: Caminhos da devoção brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2005. SOUZA. W. N. Babalorixá Walter Ti’Ogun: depoimento, jan. 2022. Entrevistadora: Belijane Marque Feitosa: UFS, 2022. RUFINO, L. Vence-Demanda: Educação e descolonização. 1. ed. Rio de Janeiro: Mórula, 2021.
image/svg+xmlEducações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé RIAEE– Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 1942 Como referenciar este artigo BRAGA, E. M.; FEITOSA, B. M.; LUCINI, M.; DIAS, A. F. Educações no contexto das bandas de pífanos e do Candomblé. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1926-1942, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587. DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16764 Submetido em: 11/02/2022 Revisões requeridas em: 09/04/2022 Aprovado em: 23/05/2022 Publicado em: 01/07/2022 Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.Revisão, formatação, normalização e tradução.
image/svg+xmlEducación en el contexto de las bandas de pífanos y del Candomblé RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1934-1950, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.167641934 EDUCACIÓN EN EL CONTEXTO DE LAS BANDAS DE PÍFANOS Y DEL CANDOMBLÉ EDUCAÇÕES NO CONTEXTO DAS BANDAS DE PÍFANOS E DO CANDOMBLÉ EDUCATIONS IN THE CONTEXT OF FIFE BANDS AND CANDOMBLÉ Elinaldo Menezes BRAGA1Belijane Marques FEITOSA2Marizete LUCINI3Alfrancio Ferreira DIAS4RESUMEN:Este trabajo tiene como objetivo discutir las prácticas educativas en el contexto de las bandas de pífanos y el candomblé. La temática está vinculada a la investigación que hemos desarrollado en el curso de doctorado en educación de la Universidad Federal de Sergipe. Este escrito toma como referencias las narraciones del pifeiro5Vanildo Franco y del babalorixá6Walter Ti’Ogun, partiendo del entendimiento de que no es sólo en la escuela donde se aprende, porque estamos de acuerdo en que la educación también ocurre fuera de ella. Se trata de un enfoque cualitativo, con el apoyo de la historia oral a través de entrevistas semiestructuradas. La discusión es referenciada en estudios decoloniales, en una perspectiva crítica que encanta y libera. Como resultados, notamos que en los procesos educativos analizados la curiosidad, la observación, la repetición, el juego y el afecto son las principales categorías que promueven el encantamiento en los pifeiros y candomblecistas. PALABRAS CLAVE: Banda de pífanos. Candomblé. Educación. Decolonialidad. RESUMO:Este trabalho objetiva discutir as práticas educativas no contexto das bandas de pífanos e do candomblé. O tema vincula-se às pesquisas que ora desenvolvemos no curso de doutorado em educação da Universidade Federal de Sergipe. Esta escrita toma como referências as narrativas do pifeiro Vanildo Franco e do babalorixá Walter Ti’Ogun, partindo do entendimento de que não é somente na escola que se apreende, pois concordamos que a educação acontece também fora dela. Trata-se de um trabalho de abordagem qualitativa, com o suporte da história oral por meio de entrevistas semiestruturadas. A discussão realizada está 1Universidad Federal de Campina Grande (UFCG), Cajazeiras PB Brasil. Profesor del Curso de Letras Lengua Inglesa. Doctorado en Educación (UFS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8056-3430. E-mail: naldinhobraga2018@gmail.com 2Universidad Federal de Campina Grande (UFCG), Cajazeiras PB Brasil. Profesora Adjunta IV. Maestría en Educación (UFPB). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9512-9397. E-mail: belimare.pb@gmail.com 3Universidad Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão SE Brasil. Profesora del Departamento de Educación. Doctorado en Educación (UNICAMP). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1532-8968. E-mail: marizetelucini@gmail.com 4Universidad Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão SE Brasil. Profesor Adjunto II del Departamento de Educación. Doctorado en Sociología (UFS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5562-0085. E-mail: diasalfrancio@academico.ufs.br 5El que toca el pífano. 6Babalorixá o pai-de-santo es el sacerdote de las religiones afrobrasileñas.
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI y Alfrancio Ferreira DIAS RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1934-1950, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.167641935 referenciada em estudos decoloniais, numa perspectiva crítica que encanta e liberta. Como resultados, percebemos que nos processos educativos analisados a curiosidade, a observação, a repetição, a brincadeira e o afeto são as principais categorias que promovem encantamento nos pifeiros e nos candomblecistas. PALAVRAS-CHAVES: Banda de pífanos. Candomblé. Decolonialidade. Educação. ABSTRACT:This work aims to discuss educational practices in the context of the fife bands and candomblé. The theme is linked to the research we are currently developing in the doctoral course in education at the Federal University of Sergipe. This writing takes as references the narratives of the pifeiro Vanildo Franco and the babalorixá Walter Ti‘Ogun, starting from the understanding that it is not only in the school that one learns, because we agree that education also happens outside of it. This is a qualitative approach, supported by oral history through semi-structured interviews. The discussion carried out is referenced in decolonial studies in a critical perspective that enchants and frees. As a result, we noticed that in the analyzed educational processes, curiosity, observation, repetition, play and affection are the main categories that promote enchantment in the pifeiros and candomblecistas. KEYWORDS: Bands of pífanos. Candomblé. Decoloniality. Education. Introducción La discusión que proponemos es parte del entendimiento de que no hay un solo tipo de educación y que es fuera de la sala donde más se aprende, como nos dicen Brandão (2013) e Illich (1985), respectivamente. En este sentido, discutir algunas prácticas educativas populares que constituyen los sujetos que experimentan los conocimientos y acciones relacionadas con las bandas de pífanos7y candomblé8, esta obra dialoga con dos experiencias, una en el contexto musical, vivida por el músico Vanildo Franco, y otra en el ámbito religioso, vivida por elbabalorixáWalter Nunes de Souza. Para fundamentar teóricamente el trabajo, considerando que las bandas de pífano y candomblé no forman parte del proyecto colonial de poder que estandariza formas de ser, de conocer, de vivir y de relacionarse con lo sagrado, buscamos establecer diálogos entre lo que los colaboradores nos cuentan en sus narrativas y lo que algunos pensadores progresistas proponen que apuntan a la liberación de los sujetos de una educación crítica y decolonial. De ahí que nuestros ojos se centren en los procesos educativos mencionados anteriormente, para que, a través de ellos, podamos entender cómo Freire (2019, 2020, 2021), Brandão (2013), 7Pífano - Flauta rústica tradicionalmente hecha de bambú. Contiene seis orificios para escribir y uno para soplar. 8El candomblé es una religión afrobrasileña derivada de los cultos tradicionales africanos, que adora a Orixás, Inquices y Voduns.
image/svg+xmlEducación en el contexto de las bandas de pífanos y del Candomblé RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1934-1950, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.167641936 Rufino (2021), Hooks (2020), Santos (2010), Caputo (2012), Arroyo (1987) y otros pensadores nos enseñan a transgredir a través de estudios dirigidos a la educación popular y la crítica del modelo educativo que, en lugar de liberar, encarcela, domestica cuerpos y mentes. El Candomblé es una religión que surgió en Brasil con la presencia de africanos esclavizados que llevaban sus conocimientos, sus valores, sus dolores, sus creencias y su fe en sus cuerpos y recuerdos. Según Silva (2005), el candomblé se desarrolló, entre otros factores, debido a la necesidad que tenían los grupos negros "[...] reelaborar su identidad social y religiosa en condiciones adversas de esclavitud y posterior indefensión social, teniendo como referencia las matrices religiosas de origen africano". (SILVA, 2005, p. 52). Las prácticas religiosas del Candomblé se desarrollan a partir del culto a Orixás9, Inquices10y Voduns11perteneciente a las naciones Ketu, Angola y Jeje, respectivamente, abarcando también entidades como caboclos12y marineros del sistema religioso brasileño. Es, por lo tanto, una síntesis de las tradiciones religiosas de África Occidental, con influencias de otras tradiciones religiosas (SANTOS, 2010, p. 30). Las bandas de pífanos, a su vez, son grupos de cultura popular13se encuentra en casi todos los estados del noreste, cuyas actividades están tradicionalmente vinculadas a eventos del catolicismo popular. Esta expresión varía en términos de su formación. En el Sertão Paraibano, por ejemplo, consta de dos pífanos, una zabumba y una caja de guerra. Presentados los dos temas en foco, los invitamos a seguir con nosotros a través de las narrativas de los colaboradores que, con el apoyo de la historia oral, nos otorgaron las narrativas que se destacan a continuación. En Ceará, la educación popular nos aflojó y liberó a Vanildo Franco para volar críticamente por el mundo encantado del pífano. [...] Escucho a muchos de los maestros que cada persona tiene su propia forma de tocar, cada persona tiene su propio repertorio. Algunos conocen más el repertorio religioso y otros el repertorio de forró, más festivo (FRANCO, 2022) 9Dioses adorados en la nación Candomblé de Ketu. 10Dioses adorados en Brasil por los Candomblés de la nación angoleña en Brasil. 11Dioses adorados en los Candomblés de la nación Jeje en Brasil. 12Entidades presentes en una amplia gama de religiones de origen africano en Brasil. En Candomblé conviven con deidades africanas Orixás, Inquices, Voduns y tienen sus fiestas públicas. 13La Cultura Popular, en este texto, se entiende como "[...] una serie de conocimientos heterogéneos que constituyen el conocimiento de las personas” (GOMES; PEREIRA, 1992, p. 73).
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI y Alfrancio Ferreira DIAS RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1934-1950, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.167641937 En la escena pifeira de Ceará destaca Vanildo Franco. Nacido en la zona rural de Guaramiranga, a la edad de doce años, experimentó el fife por primera vez, cuando, a mediados de la década de 1990, una organización no gubernamental llegó a la comunidad rural Linha da Serra y, a partir de la práctica del Yoga, el canto coral infantil y los talleres de teatro de títeres y títeres, implementó en la escuela un proyecto de educación ambiental popular que involucró a maestros y estudiantes. El tallerista responsable de las clases de fife llevaba en su equipaje una formación musical influenciada por los pifeiros tradicionales de Cariri de ese estado, con el objetivo de enseñar y aprender por contacto, observación, juego, repetición y la práctica de tocar en grupos. Según Vanildo Franco, antes que nada, experimentaron y aprendieron de la naturaleza. Así, el bosque se convirtió en escuela y las plantas y los animales se convirtieron en maestros con los que los estudiantes los aprendieron. Para Illich (1985), este derecho a aprender del mundo se corta cuando asistimos a la escuela con el argumento de que es el único lugar donde podemos aprender. Visión como esta niega que las cosas más importantes de nuestras vidas se aprendan en comunidad cotidiana, con la familia, los amigos, en el ocio, es decir, en lo que el autor llama una tesis educativa (ILLICH, 1985, p. 25). Fue exactamente así, como revela Vanildo Franco, que sucedió en el camino a la "escuela de la naturaleza", donde los niños también aprendieron unos de otros, a través de juegos. Además, aprendieron de plantas, ríos, árboles de todo tipo, animales, insectos, piedras y personas. Este es un modelo de escuela que habita el sueño de Rufino (2021), en él, además de aprender de la naturaleza y el juego, se aprende a través del diálogo y la libertad de practicar la pregunta mucho más que de dar respuestas. Sobre el chiste, específicamente, Rufino dice que no jugar interesa al proyecto mundial implementado por la lógica colonial, que, sin poesía, subordina al niño a una forma centrada en el adulto, robándole la oportunidad de usar el cuerpo, tejer acciones, sentir afecto y vivir la comunidad. Así, la rebeldía y la inconformidad ante la crueldad de este mundo que no sonríe son más que necesarias, y una buena estrategia para la práctica del juego como expresión de libertad es esperar con [...] el regate corporal, la risa, los escondites, los inventos de avistamiento, las piedras de soplado, las vejigas de agua, los ejércitos de pies sucios y los dedos rotos en los adoquines siempre son bienvenidos para ayudar a desatar los nudos de los cuerpos que se han acostumbrado a permanecer tensos y listos para la batalla (RUFINO, 2021, p. 71). Los regates corporales, las risas, los dedos rotos en los senderos del bosque y el ejército de niños con los pies sucios del proyecto implementado en la comunidad Linha da Serra
image/svg+xmlEducación en el contexto de las bandas de pífanos y del Candomblé RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1934-1950, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.167641938 permitieron el encantamiento de los niños por el Yoga, el teatro de marionetas, el canto de coral y, en Vanildo, especialmente por la cultura del fife, abriendo senderos de libertad, afecto, dedicación, empatía, respeto, criticidad, amor, entrega y más curiosidad. Si los niños habían estado atados solo a la enseñanza formal de la "escuela de cemento", tal vez Vanildo fue incluso un educador hoy, pero tal vez fue más un prisionero de los planes de estudio y metodologías que sirven de combustible para el fortalecimiento del proyecto educativo que promueve el apartamento social y favorece a aquellos que dicen no a la poesía y sonríen. Quizás, en la actualidad, estaba en un aula donde lo más importante serían las respuestas y no las preguntas, donde se reprimirían las risas, donde no había momentos y espacios para jugar, donde el patio de la escuela no era visto como un lugar para enseñar y aprender. Y aunque el mundo nos constituye en todo momento, podría alimentar la idea de que el lugar de un niño para aprender está en el modelo escolar que controla cuerpos y mentes bombardeados pasivamente con conocimiento prescrito, simplificado y descontextualizado de la realidad y los anhelos de su comunidad. Esta escuela no reconoce conocimientos y metodologías capaces de promover el aprendizaje de aquellos que son curiosos y complacidos por la búsqueda constante, como sucede en el contexto de la cultura popular, donde se aprende y se enseña más por la oralidad, repitiendo, manteniendo el contacto, practicando eficazmente, observando e imitando. Sobre este "método", basado en sus experiencias, Franco (2022) explica que: [...] a través de la observación se aprende de la imitación, imitando a los maestros, imitando la posición de los dedos, la forma de soplar, prestando atención a las melodías, decorando y jugando. Cometiendo errores en las primeras veces, pero luego golpeando a los demás, e hicimos mucho de eso, correcto, escuchando, decorando, mirando, imitando y así aprendiendo las canciones. La experiencia de Vanildo en los talleres de fife le hizo creer en un modelo escolar donde los estudios teóricos se alejan de la práctica. Según explicó, no tiene sentido decorar números, palabras y fórmulas sin que los alumnos tengan la oportunidad de ver y sentir de cerca la aplicabilidad de los contenidos en un entorno natural, con la comunidad, viendo los efectos en la vida de las personas, tal y como le sucedió a él que, en un "sencillo taller" de tocar y construir pífanos aprendió sobre ecología, biología, matemáticas, física, convivencia social, cultura y actividades artísticas. En su caso, la música era un río que estallaba en un mar de otros conocimientos. Vanildo Franco señaló que
image/svg+xmlElinaldo Menezes BRAGA; Belijane Marques FEITOSA; Marizete LUCINI y Alfrancio Ferreira DIAS RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1934-1950, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.167641939 [...] además de dejar las cuatro paredes, la escuela también necesita llevar a la