image/svg+xmlPaulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341514 PAULO FREIRE E O ENSINO FUNDAMENTAL: REFLEXÕES SOBRE UMA FORMAÇÃO CRÍTICA PAULO FREIRE Y LA EDUCACIÓN PRIMARIA: REFLEXIONES SOBRE UNA FORMACIÓN CRÍTICA PAULO FREIRE AND ELEMENTARY SCHOOL: REFLECTIONS ON A CRITICAL FORMATION Marco Antônio Batista CARVALHO1Adrian Alvarez ESTRADA2Fabio Lopes ALVES3Valdecir SOLIGO4RESUMO: A formação de estudantes, em qualquer que seja o nível de escolarização, enseja sempre a necessidade e a expectativa de que esses sejam sujeitos críticos. Esse texto, com uma abordagem qualitativa, se ocupa em provocar, a partir de uma perspectiva freireana, o que pode ser essa formação e esse exercitar da criticidade, não se ocupando com um corolário de definições, mesmo que de renomados pesquisadores, sobre o que venha a ser um sujeito crítico, uma necessidade básica para se poder pensar em um processo de escolarização que viabilize essa almejada formação crítica. Para isso, o texto apresenta e discute algumas ações que, no transcorrer da história, marcaram seus idealizadores por conta de posicionamentos, ideias e ações questionadoras em seu tempo histórico e que demarcam, para essa análise, um pensar e agir crítico e que pode ser refletido por todos os envolvidos direta e indiretamente com o processo educativo. PALAVRAS-CHAVE: Paulo Freire. Formação crítica. Educação. Sujeito crítico. RESUMEN:La formación de los estudiantes, cualquiera que sea el nivel educativo, siempre suscita la necesidad y la expectativa de que sean sujetos críticos. Este texto se preocupa de provocar, desde una perspectiva freireana, lo que puede ser esta formación y este ejercicio de la criticidad, no tratando un corolario de definiciones, aunque sean de reconocidos investigadores, sobre lo que será un sujeto crítico, una necesidad básica de poder pensar en un proceso de escolarización que haga posible esta deseada formación crítica. Para ello, el 1Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel PR Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECEM). Doutorado em Letras e Linguística (UFBA). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6811-2661. E-mail: marcoab_carvalho@yahoo.com.br 2Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel PR Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras (PPGSCF). Doutorado em Educação (USP). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0980-8925. E-mail: adrianalvarez.estrada@gmail.com 3Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel PR Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras (PPGSCF). Doutorado em Ciências Sociais (UNISINOS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2114-3831. E-mail: fabiobidu@hotmail.com 4Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel PR Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras (PPGSCF). Doutorado em Educação (UNISINOS). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2618-009X. E-mail: valdecir_soligo@yahoo.com.br
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES e Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341515 texto presenta y discute algunas acciones que, en el transcurso de la historia, marcaron a sus creadores al cuestionar posiciones, ideas y acciones en su tiempo histórico y que demarcan, para este análisis, un pensamiento y un actuar críticos que pueden reflejarse por todos los involucrados directa e indirectamente en el proceso educativo.PALABRAS CLAVE:Paulo Freire. Formación crítica. Educación. Sujeto crítico ABSTRACT: The student’s formation, in any level of schooling, always entails the need and expectation that they become critical subjects. This text aims to provoke, from Paulo Freire’s perspective, what this formation and the criticality practice can be, not occupying with a corollary of definitions, even of renowned researchers, about what will become a critical subject, a basic need to be able to think in a schooling process that makes this desired critical formation viable. For this, the text presents and discusses some actions that, throughout history, marked the creators due to their positions, ideas and questioning actions in their historical time and that demarcate, for this analysis, a critical thinking and acting that can be reflected by all those involved directly and indirectly with the educational process.KEYWORDS: Paulo Freire. Critical formation. Education. Critical subject.Introdução Estudar seriamente um texto é estudar o estudo de quem, estudando, o escreveu. É perceber o condicionamento histórico-sociológico do conhecimento. É buscar as relações entre o conteúdo em estudo e outras dimensões afins do conhecimento. Estudar é uma forma de reivindicar, de recriar, de reescrever tarefa de sujeito e não de objeto. [...] A compreensão de texto não é algo que se recebe de presente. Exige trabalho paciente de quem por ele se sente problematizado. Paulo Freire Na América Latina, um dos discursos que reconheceu a necessidade de uma educação escolar que propiciasse uma formação crítica é o da Conferência de Ministros da Educação. Esse evento, que ocorreu em Caracas, de 6 a 15 de dezembro de 1971, ficou marcado pela afirmação de que “toma corpo a ideia de uma educação libertadora que contribua para a consciência crítica” e que essa formação viesse a “estimular a participação responsável do indivíduo nos processos culturais, sociais, políticos e econômicos” (FREIRE, 1980, p. 7).O Estado Brasileiro, por sua vez, defende a formação de sujeitos críticos pelo processo de escolarização. O discurso que expressa essa intenção pode ser observado no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), em seu Art. 35, no Inciso III: “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. Nota-se, porém, que a indicação de uma formação crítica, nos três níveis, aparece, somente, na seção que trata do
image/svg+xmlPaulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341516 ensino médio. Quanto à formação nos primeiros anos da educação, i.e., na educação infantil e no ensino fundamental, a finalidade da educação é assim enunciada: Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo.(BRASIL, 1999, grifo nosso) É perceptível que, além de não se fazer menção alguma a uma formação crítica na educação infantil e tampouco no ensino fundamental, o aprendizado da leitura e da escrita aparecem no texto da lei como uma aquisição mecanicista em que o aprender a ler e a escrever é o que se basta por si mesmo, ou seja, não se vincula o aprendizado da leitura e da escrita a uma potencial ferramenta ou instrumento crítico para a leitura de mundo. Uma formação muito distante daquela que pode mostrar ao aluno que, por exemplo, a linguagem é, antes de tudo, uma prática social e, como tal, não desprovida de caráter ideológico e permeada por relações de poder. Quanto ao ensino superior, o texto da LDB nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), em seu Art. 43, diz que a sua finalidade é “estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo”. Nesse recorte, se observa um discurso que evoca uma formação crítica do aluno, isto se considerarmos que desenvolver um espírito científico e um pensamento reflexivo é tarefa que não se imagina sem uma postura crítica. Enfim, a escola deve formar sujeitos ativos, participativos, e transformadores da sociedade como enuncia a LDB nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996). Diante desse discurso que evoca uma formação crítica, podemos dizer que o conjunto da obra do educador Paulo Freire e, obviamente, muito do que já se produziu sobre ela e sobre ele, apontam, de forma contundente, para uma educação, no campo escolar, que seja marcada pela criticidade, ou seja, que os homens e mulheres no exercício do uso dos saberes que lhe são trabalhados no processo de escolarização, e não somente transmitidos, exercitarem sua capacidade de pensar e, principalmente, de pensar criticamente. Assim, entendemos que seja oportuno mais essa provocação, no sentido de teorizar o que seria uma formação crítica a partir já do ensino básico, ou seja, aquela etapa escolar que pode dar alicerce, fundamentos para uma melhor reflexão dos conteúdos trabalhados em relação
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES e Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341517 com as práticas sociais mais imediatas dos alunos, ação que nos parece, na atualidade, ter se transformado em um jargão, qual seja, partir da realidade do aluno. Mas perguntemo-nos: Será que o professor que insere esse objetivo em seu plano de trabalho conhece mesmo essa tal realidade? É crítico bastante para percebê-la e, portanto, intermediar os saberes de sua área com essa realidade, ou seja, com os saberes que permeiam o mundo das vivencias de seus alunos? Essas questões culminam para duas questões basilares: podemos mesmo, como educadores da educação básica, formar sujeitos críticos? Que conceito possuímos de sujeito crítico? Para discutir essas questões basilares é importante, primeiramente, referendar que, de fato, para Freire (1992), a educação escolar deve ter seu ponto de partida centrado nas experiências mais imediatas que o aluno possui em suas vivencias. Sobre isso, ao comentar a necessidade do respeito aos saberes que o educando traz para a escola, Freire (1992, p. 86, grifo do autor) diz que “a localidade dos educandos é o ponto de partida para o conhecimento que eles vão criando do mundo. ‘Seu’ mundo, em última análise é a primeira e inevitável face do mundo mesmo”.Logo, conhecer a dinâmica dessas relações sociais imediatas dos alunos é uma necessidade para que os conteúdos que serão dinamizados pelo trabalho escolar ganhem uma dimensão para além de seu caráter meramente informativo, ou seja, a busca constante da superação de práticas pedagógicas repetitivas, marcadas por um ensino teórico memorístico, fragmentado e, na maioria das vezes, dissociado da realidade social dos alunos. Trabalhar por essa perspectiva, implica, minimamente, de todos os atores sociais envolvidos, o desejo e a busca por uma formação crítica. Contudo, retomando as questões basilares, cabe agora questionar: Afinal, o que é ser crítico? Conceituando o ser crítico - por uma vertente religiosa A palavra críticaé oriunda do termo grego crinein,que significa separar e julgar. Por essa definição, bastaria dizer que uma pessoa crítica é aquela que separa o objeto a ser apreciado e lança sobre ele um determinado juízo de valor, i.e., um julgamento. Assim, socialmente criamos a função do crítico por profissão, uma vez que temos, na atualidade, o crítico de arte, de cinema, de futebol, da política, o crítico literário, entre outros. É importante destacar que, embora tenhamos criado o crítico por profissão e o crítico político, tal qual o literário, essas não são funções criadas na atualidade. Aristóteles já exercia sua análise crítica sobre a política. Afinal, para ele, “o ser humano é fundamentalmente político”.
image/svg+xmlPaulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341518 O emprego dessa palavra já pode ser observado no texto bíblico. No Gênesis, há o emprego da palavra críticacom o mesmo sentido de um julgamento contrário a uma determinada prática. Nota-se que o primeiro livro da Bíblia, cuja escrita em hebraico é atribuída ao profeta Moisés, é datado de aproximadamente mais de 1.500 anos antes de Cristo. No Gênesis, em seu vigésimo primeiro capítulo, no versículo 25, há a referência de que “Abraão criticou severamente a Abimeleque” (BÍBLIA, 2006, p. 39). Essa referência, presente no contexto Bíblico, exemplifica o emprego da crítica para questionar o já estabelecido ou o que foi feito fora do pré-estabelecido. Assim, na tentativa de dissertar sobre o que é ser crítico e, para isso, fugir de um desenrolar de definições, ainda que sejam de renomados pesquisadores, procuramos definir o ser crítico a partir das ações, posturas que, se entende, sejam de um sujeito crítico. Esse sujeito, ou melhor, esses sujeitos, cujos nomes ficaram marcados na história em diferentes áreas do saber, são identificados por demonstrarem posicionamentos, ideias e ações questionadoras em seu tempo histórico e que demarcam, portanto, um pensar e agir crítico. Essa postura crítica de sujeitos críticos é extremamente perceptível na história de uma das grandes religiões. Na história do catolicismo, é possível perceber como a postura crítica de alguns dos católicos atuantes foi decisiva na promoção de mudanças de postura e encaminhamentos da Igreja. As críticas que o monge agostiniano Martinho Lutero dirigiu a certos dogmas do catolicismo levaram a Igreja de Roma a não somente enfrentar severas baixas em seu contingente, mas também a reestruturar-se em muitas de suas ações por conta do movimento que historicamente ficou conhecido como a Reforma. Entre essas ações tomadas pela Igreja está o efetivo envolvimento com a educação escolarizada. No movimento reformista promovido por Martinho Lutero, que contou com a adesão de muitos outros correligionários, as críticas contra determinados dogmas da Igreja eram pontuais e culminaram com as conhecidas 95 teses de Lutero. Todavia, é com a crítica veemente à concessão de indulgências em troca de contribuições financeiras para a Catedral de São Pedro, em Roma, que Lutero instaurou toda uma luta contra o poder autoritário do catolicismo sob o papado de Leão X Giovanni de Medici. Instaurava-se, assim, uma luta, não somente contra práticas litúrgicas e posturas ideológicas da Igreja, mas contra o poder, i.e., contra aquilo que os reformistas consideravam como abuso do poder da Igreja que, à época, produzia um engessamento na capacidade de pensar e de se expressar do homem. Sobre isso, é importante o comentário de Chassot (1994, p. 89): “os reformadores desejavam diminuir o controle dogmático exercido pela igreja e assegurar, assim, maior liberdade de pensamento”.
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES e Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341519 A crítica que Lutero dirigiu à Igreja Católica incita à reflexão acerca da importância de uma postura crítica capaz de questionar a hegemonia de quem utiliza o poder visando a manipular as maneiras de pensar, sentir e agir dos outros. Com a contundente crítica de Lutero aos inabaláveis dogmas e ao inquestionável poder da Igreja, os homens puderam despertar para a compreensão dos grilhões que tolhem sua liberdade de pensamento, de expressão e de ação. Nesse sentido, Chassot (1994, p. 89) comenta que a postura crítica dos reformistas foi decisiva “para as conquistas do humanismo e para novas posturas ante a ciência, facilitando, sem dúvida, o surgimento de novas mentalidades”.Esse embate, que não se encerrou com a reforma, uma vez que houve o movimento da contrarreforma, nada mais é do que um dos muitos exemplos da potencialidade do pensamento crítico em impulsionar movimentos que, no limite, podem transformar-se em amplas reformas, ou seja, em relações sociais mais humanizadas e humanizantes. Em seu romance intitulado O nome da rosa, Umberto Eco (1983) elabora um enredo no qual descreve o poder determinista da Igreja e os embates que ocorriam em sua esfera interna. Entre outras razões, esses embates ocorreram justamente por conta da postura crítica despertada por acontecimentos que ocorriam fora dos portões da Igreja: o avanço da ciência e das artes, e a difusão de outras ideologias. Esses acontecimentos produziram não somente posturas dissidentes, mas também posturas que se mostraram ferrenhamente contrárias aos ditames dogmáticos da Igreja, abalando, assim, sua poderosa hegemonia no período final da Idade Média. É importante frisar que o movimento reformista não foi obra de um único visionário. Na realidade, ele foi um movimento que se gestou, gradativamente, nas mais variadas localidades e nos mais variados conventos, muitas vezes, saltando os muros que isolavam a Igreja das demais práticas sociais que ocorriam fora de seus muros. Dito de outra maneira, o movimento reformista foi um embate entre concepções ideológicas diferenciadas que se encontravam em processo de formação e que contavam com a postura crítica de diferentes pessoas, que, mesmo sendo portadoras de ideologias diferentes, tinham em comum o fato de se posicionarem contra uma determinada hegemonia, i.e., a hegemonia da Igreja. Essa postura crítica e de luta dos reformistas culminou com a queima da Bula Papal em 31 de outubro de 1517, com a publicação das 95 teses de Lutero na porta da Capela de Wittenberg e com os inevitáveis desdobramentos que se sucederam, como por exemplo, a guerra dos camponeses que ocorreu de 1524 a 1525. Essa reflexão, no campo histórico e de cunho religioso, que apresenta como diferentes ideologias produzem posturas críticas, nos remete a lembrar que, no campo educativo, Freire enfatiza sobre a importância de pedagogias críticas para identificar e combater ideologias
image/svg+xmlPaulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341520 deterministas. Para Freire (2004, p. 19), é fundamental “trabalhar contra a ideologia fatalista dominante e seu poder de incentivar a imobilidade por parte dos oprimidos e sua adaptação à realidade injusta”. Isso implica também entendermos que, no campo educativo, estas ideologias dominantes que quase sempre são veladas, visam anular e extinguir pedagogias críticas que contribuem para que estudantes leiam e releiam o mundo. Assim, o objetivo dessa narrativa, sobre como a postura crítica no interior da Igreja, de alguns de seus membros, foi determinante para o surgimento de novas ideias, foi o de mostrar que esse episódio coaduna-se com a afirmação de Gruppi (1978)5de que a luta hegemônica também se manifesta pelo embate de uma ideologia sobre outra, de forma a suplantá-la ou, de coexistir em um mesmo espaço de lutas. De fato, o que se pode observar nesse relato foi o surgimento de uma ideologia, a protestante, que, em dado momento, se opôs terminantemente à ideologia católica, e foi, paulatinamente, ganhando espaço. Porém, nesse episódio específico, merece destaque que um dos possíveis fatores da luta ideológica travada pelo protestantismo está diretamente ligado à leitura, ou seja, ao ser leitor: a leitura de textos bíblicos que antes eram feitos somente em voz alta, agora, com uma modalidade alternativa de leitura, proporcionou o surgimento de um novo leitor. Essa afirmativa é decorrente das reflexões propostas nas obras de Roger Chartier (1999) e Manguel (1997), que, ao se dedicarem ao estudo da leitura, afirmam que o advento da invenção da escrita alfabética originou a leitura em voz alta. Como registra Alberto Manguel (1997, p. 61): “As palavras escritas, desde os tempos das primeiras tabuletas sumérias, destinavam-se a ser pronunciadas em voz alta, uma vez que os signos traziam implícito, como se fosse sua alma, um som particular”. Entretanto, a partir de outras necessidades, Chartier (1999) e Manguel (1997) revelam que a leitura também passou a ser silenciosa, ou seja, surge a figura do leitor silencioso. Para caracterizar esse leitor silencioso, podemos fazer uso da mesma analogia empregada por Manguel (1997) quando afirmou que a leitura em voz alta possuía um “som particular”, audível e inconteste. Entretanto, no caso da leitura silenciosa, o leitor passa a ouvir outros sons, o som de suas reflexões, das reflexões sobre o que está lendo. Por sua vez, como essa nova modalidade de leitura e de ser leitor se dá, principalmente, nas clausuras dos mosteiros medievais, é significativo citar que Manguel (1997) faz referência a como a leitura silenciosa contribuiu para o nascimento da ideologia protestante e, até hoje, a leitura silenciosa 5Uma discussão aprofundada sobre o conceito de hegemonia pode ser encontrada, por exemplo, nas obras: MARCCIOCCHI, M-A. A favor de Gramsci. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980 e GRUPPI, L. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES e Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341521 tem produzido outros olhares, outras interpretações, outras ideias, outras lutas, nos mais diferentes contextos. Ao se referir a uma representação gráfica de santo Agostinho observando a leitura silenciosa de santo Ambrosio, Manguel (1997, p. 71) nos revela que: Observando a leitura de santo Ambrósio naquela tarde de 384, Agostinho dificilmente poderia saber o que estava diante dele. Pensou estar vendo um leitor tentando evitar visitantes intrusos, economizando a voz para o ensino. Na verdade, ele estava vendo uma multidão de leitores silenciosos que ao longo dos séculos seguintes iria incluir Lutero, Calvino, Emerson e nós, que o lemos hoje. Argumentando que a leitura silenciosa exerceu influência no movimento reformista, Simone Borges também ressalta a significativa importância que essa modalidade de leitura tem na formação do leitor e dos desdobramentos para a sociedade: [...] A leitura silenciosa transformou a ordem social, pois, criou novas funções para a escrita, reformulou e introduziu comportamentos, desestabilizou antigos conceitos como o de biblioteca. Ela esteve na base da Reforma de Lutero e da Santa Inquisição. Fez desencadear novas práticas de letramento que fomentaram, por sua vez, a formação de novos leitores e escritores, a criação de novos gêneros e novos portadores de textos [...] (BORGES, 2010, p. 04). A questão da leitura, seja ela silenciosa ou não, se mostra, a partir da exposição destes interlocutores pesquisados, como fundamental meio de promover e desenvolver a postura crítica diante do objeto da leitura. Em Freire, a leitura e também a escrita, são tomados como elemento fundante da necessária interpretação e interação com o mundo. Para demonstrar essa importância, Freire publica A importância do ato de ler: em três artigos que se completam(1982) e, no transcurso de suas obras, a temática da leitura e de uma leitura crítica, será sempre tratada com relevância pois ela será o alicerce para a compreensão, do que denomina de “tramas” que estão presentes no mundo. Assim, dedicou-se a propor um processo de alfabetização baseado na necessária postura crítica diante do texto a ser lido, pensado, dialogado. Comentando sobre esse processo, Freire (2001b, p. 21, grifo do autor) afirma que “no fundo, esse conjunto de representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma “leitura” da “leitura” anterior do mundo, antes da leitura da palavra”.Conceituando o ser crítico - por uma vertente filosófica Saindo do campo religioso, verifica-se que o uso do termo críticatambém é utilizado na filosofia. Nicolla Abbagnano (2000, p. 223) faz referência ao filósofo modernista Emanuel Kant como o filósofo que introduziu o termo crítica“para designar o processo através do qual
image/svg+xmlPaulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341522 a razão empreende o conhecimento de si”. Para Kant, influenciado pelo iluminismo de John Locke, a função da crítica é propiciar ao homem a possibilidade de conhecer a sua real capacidade intelectiva e de conhecer as diversas maneiras de perceber, conhecer e apreender o mundo em que vive. Tanto é assim que sua obra mais conhecida Crítica da Razão Pura, foi pensada, inicialmente, com o título: Os limites da sensibilidade e da razão. Kant fora fortemente influenciado pelos pressupostos do iniciador da teoria do liberalismo, Locke, para quem a ação mais importante do homem é dedicar-se a analisar cada uma de nossas formas de conhecer o objeto cognoscível, ou seja, conhecer a origem de nossas ideias e de nossos discursos, rejeitando totalmente a corrente cartesiana que defendia a teoria de que as ideias são inatas. Porém, muitos séculos antes de Kant exercer sua postura crítica, a filosofia, que, em seu nascedouro se alicerçou sob a égide de analisar, refletir e criticar a capacidade e a finalidade do homem de conhecer e de agir sobre o objeto a ser conhecido, já se deparava com questões que colocavam os homens em constantes indagações e embates. Esses embates podem ser identificados a partir das diferentes correntes filosóficas que se seguiram em meio à divisão entre a filosofia antiga, também conhecida como filosofia grega, e a filosofia ocidental. Já na filosofia antiga, é perceptível a postura crítica de seus mais destacados pensadores nos seus quatro períodos, a saber, o cosmológico ou pré-socrático, o antropológico, também conhecido como socrático, o sistemático e o greco-romano, também conhecido como helenístico. Enquanto a filosofia pré-socrática empregava todos os sentidos, i.e., as percepções sensoriais para buscar entender a própria existência e a origem do universo e suas transformações, Sócrates e Platão, representantes máximos do período antropológico, afirmaram que os sentidos, nunca poderiam levar ao conhecimento, à verdade plena, uma vez que as percepções sensoriais conduziam ao erro e eram passíveis de influência da mentira e da falsidade. Assim, para a filosofia socrática, o conhecimento era algo dado aprioristicamente ao homem, fruto de suas ideias puras, desprovidas de opiniões e das falsas percepções do mundo dos sentidos. Cria-se, pois, a concepção de que o conhecimento se dá pela via racionalista, ou seja, pelo emprego da razão. Quem se contrapôs a essa forma de conceber o conhecimento foi justamente um seguidor de Platão: Aristóteles. Esse filósofo postula que o conhecimento somente será possível se tomado pela via experimental. Ao criticar a abordagem de seu mestre, Aristóteles cria uma nova concepção filosófica que ficou conhecida como sistêmica. Formula, assim, três ações que devem fundamentar a ação crítica do homem que busca conhecer: a observação fiel da natureza, o rigor do método e o empirismo. Na primeira ação, a experiência deve ser sempre tomada
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES e Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341523 como o ponto de partida. A segunda ação consistia em elaborar um conjunto de ações para se poder chegar a um conhecimento, o que implicava a organização de procedimentos claros e definidos para se poder realizar um estudo sistêmico do objeto a ser conhecido. Essa formulação teórica de Aristóteles em idealizar uma via possível de se chegar ao conhecimento ficou conhecida como empirismo, transcendendo seu tempo. Aristóteles foi apontado como o criador da lógica, ou seja, do instrumento possível de se chegar ao conhecimento em qualquer área do saber. A sua lógica foi reconhecida posteriormente por importantes ícones do pensamento filosófico moderno, como, por exemplo, George Wilhelm Friedrich Hegel e Karl Marx, que ampliaram a sua lógica propondo uma forma de pensar dialética e não linear. Embora haja muitos outros filósofos que se destacaram entre Aristóteles e Marx, o destaque inicial que se deu a Kant é justamente porque ele figura entre aqueles filósofos que iniciaram uma discussão crítica sobre as possibilidades e os limites do conhecimento, contrapondo-se, portanto, ao racionalismo e ao empirismo em suas proposições originais. Contudo, é Kant quem processa uma síntese que busca integrar os postulados do racionalismo e do empirismo numa relação dialética. Sua postura crítica ao analisar essas duas formas filosóficas de conceber o conhecimento fornecerá a base para a criação de uma nova teoria: o interacionismo. Essa incursão na história, no campo religioso e no campo da filosofia é para destacar como a atitude crítica foi determinante tanto para a negação como para a afirmação das grandes teorias do conhecimento, a saber: o racionalismo, o empirismo e o interacionismo. Essas três grandes teorias subsidiaram outras vertentes filosóficas, como o estruturalismo, a fenomenologia e a teoria crítica. A pesquisadora Marilena Chauí (1995), ao tratar das atitudes filosóficas capazes de submeter à crítica os dizeres e as ações sobre o mundo e de promover a reformulação e a criação de novas concepções teóricas e visões de mundo, faz a seguinte argumentação: A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às ideias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido.A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma interrogação sobre o que sãoas coisas, as ideias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. O que? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica.
image/svg+xmlPaulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341524 A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude críticae pensamento crítico(CHAUÍ, 1995, p. 12, grifos da autora). É extremamente relevante destacar a importância da postura crítica para a vida social. São as posturas críticas que provocam o nascimento e a evolução das diferentes concepções de mundo e de homem ao longo da história da humanidade, concepções que, por sua vez, incidem diretamente nas relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza. Essas diferentes concepções do campo filosófico, como, por exemplo, o humanismo, ceticismo, estruturalismo, formalismo, fenomenologia e a teoria crítica, que se desmembraram de concepções basilares do racionalismo, do empirismo e do interacionismo, estabeleceram-se a partir da leitura crítica que os homens faziam acerca da teoria filosófica que até então lhes servia para responder suas questões existenciais. Nesse processo de questionamento, os sujeitos críticos não somente questionam as ideias de seu tempo, mas também contribuem decisivamente para que novas ideias deem novos contornos ao mundo e estabeleçam novas relações entre os homens. Sobre essa possibilidade de posturas críticas promoverem diferentes concepções de compreendermos o mundo por uma abordagem filosófica que se vem discutindo, cabe citar que esse conceito, o de possibilidade de mudanças, no campo da educação, também é evidenciado na obra freireana. Para Freire, o termo “possiblidade”, está intimamente relacionado com uma postura crítica que é, por sua natureza, transformadora, ou seja, a educação só pode exercer esse processo de fomentar mudanças quando seus diferentes atores atuam de forma crítica, compreendendo-se no tempo e no espaço. Para tanto, Freire (2001a, p. 84) nos ensina sobre essa potencialidade por dizer que “porque, histórico, vivo a História como tempo de possibilidade e não de determinação”.O homem que se posiciona criticamente é o sujeito que contribui tanto para o desenvolvimento do conhecimento como para o desvelamento de relações de dominação presentes nas mais diferentes facetas da atividade humana. Jean-Jacques Rousseau foi um desses grandes homens de pensamento crítico aguçado. Pode-se perceber, no conjunto de suas obras, como ele colocou em questionamento certas verdades estabelecidas e como esses questionamentos influenciaram a sua geração e as gerações que o sucederam. Para demonstrar a influência do pensamento crítico de Rousseau na maneira de pensar do homem contemporâneo, é oportuno citar João Carlos Brum Torres (2011) que, ao escrever a introdução do livro Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, uma das obras clássicas de Rousseau, comenta sobre a extensão de suas ideias. Nessa introdução, Torres (2011, p. 9, grifo do autor)faz o seguinte comentário sobre o pensador suíço:
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES e Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341525 O reconhecimento do papel decisivo do Segundo discursoe, em geral, da obra rousseauniana, na conformação do imaginário crítico da modernidade pode ser expresso mais diretamente se dissermos que Rousseau é o fundadordas duas principais linhagens do pensamento crítico, que caracterizam essa época histórica. Para demonstrar como a postura crítica é determinante no processo de transformação da forma de pensar dos homens e de sua forma de agir socialmente, Hans Joachim Störing (2008, p. 330, grifo do autor)ao fazer um percurso na história da filosofia, faz a seguinte afirmação: As exigências dos filósofos pela aplicação da razão (também em relação a tudo o que foi tradicionalmente transmitido, palavra de ordem “crítica”, por liberdade, tolerância, humanidade se impuseram de modo generalizado no longo prazo. [...] A esses ideais devemos conquistas fundamentais como a eliminação da tortura, o fim da perseguição a bruxas, o tratamento humano dos doentes mentais, a eliminação de castigos corporais hediondos como a roda ou o esquartejamento, o fim da escravidão, o reconhecimento da divisão dos poderes nas constituições dos estados, [...] em suma: a paulatina imposição dos direitos humanos, como eles estão formulados na declaração de independência americana de 1776, e depois na “Déclaration des droits de l’home”, da assembléia nacional de 1789, e que agora aparecem no estatuto das Nações Unidas. A constatação de que a postura crítica foi e continua sendo determinante para mudanças que alteram as mais diferentes relações sociais pode ser também percebida no campo educativo. Isso implica reconhecer que, da mesma forma como no campo religioso e no campo filosófico, sujeitos críticos pensaram a educação de seu tempo e questionaram concepções, valores e metodologias utilizadas no processo educativo e, mesmo sem essa pretensão, contribuíram para a criação de modelos e práticas educativas que perduram por séculos. O que também pode ser constado é que a postura crítica, que pode ser identificada em diferentes campos sociais, acaba, em geral, influenciando também o processo de educação dos homens. Para pegar um gancho na afirmação feita anteriormente acerca da postura crítica no interior da Igreja de Roma, vale comentar um dos desdobramentos que ocorreram no período da Reforma que teve impacto significativo para a educação. Para o reformista Martinho Lutero, a educação era algo de importância fundamental para a formação cultural e espiritual da criança. Essa observação pode ser percebida em um de seus discursos, intitulado Sermão sobre a necessidade de mandar os filhos à escola, de 1530, e também na carta que escreveu, em 1524, para os prefeitos e conselheiros de todas as cidades da Alemanha, na qual reivindicava a criação de escolas cristãs. Um dos trechos dessa carta é citado por Gadotti (1999, p. 72), e nele, Lutero afirma que “não há nenhuma outra ofensa visível que, aos olhos de Deus, seja um fardo tão pesado para o mundo e mereça castigo tão duro quanto à negligência na educação das crianças”.
image/svg+xmlPaulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341526 Essa preocupação com a educação do povo evocada por Lutero dá início a um processo de criação de estruturas educativas com conteúdos culturais próprios, elaborados principalmente por Felipe Melanchton, que posteriormente ficou conhecido como preceptor da Alemanha. Sobre a criação dessas escolas no interior do movimento reformista, Cambi (1999, p. 250) diz que Melanchton era Muito ativo em promover e organizar escolas em diversas localidades da Alemanha, o seu objetivo educativo é inicialmente expresso no De corrigendis adolescentia estudiisde 1518, no qual defende a importância da instrução e a validade da cultura antiga para penetrar a verdade das Escrituras. O franco envolvimento dessa nova e crescente doutrina religiosa, a protestante, no processo educativo, obrigou a Igreja Católica a elaborar e desenvolver um grande projeto na área da educação. Mario Alighiero Manacorda (2000) diz que a Igreja realizou uma defesa intransigente quanto à prerrogativa de atuar na educação dos homens. Tal orientação educativa da Igreja Católica, como resposta ao protestantismo, segundo Manacorda (2000, p. 200) “foi fixada no Concílio de Trento (1545-1564)”. Comentando a importância do Concílio de Trento para os rumos da educação, que se destinava não à população em geral, mas a um determinado grupo, Franco Gambi (1999, p. 256) afirma: Com o concílio de Trento, de fato, a Igreja de Roma adquire uma maior consciência de sua própria função educativa e dá vida a significativo florescimento de congregações religiosas destinadas de maneira especifica a atividades de formação não só dos eclesiásticos, mas também dos jovens descendentes dos grupos dirigentes. Um fato muito importante que determinou diretrizes no campo da educação ocorridas durante o Concílio de Trento é descrito por Manacorda (2000, p. 201, grifo do autor): Basta lembrar, entre as vozes que ecoaram nas salas do concílio a de Beccatelli, bispo de Ragusa, que, sem meio-termos e em tom muito áspero, dissera: “Não há nenhuma necessidade de livros; o mundo, especialmente depois da invenção da imprensa, tem livros demais; é melhor proibir mil livros sem razão, do que permitir um merecedor de punição”. Esse é um dos registros da história da educação no ocidente no qual o uso do poder pode ser observado por meio da imposição da censura, uma imposição oficializada e que atingia, em especial, o campo educativo. Muitos livros foram classificados como heréticos, dentre os quais, obviamente, os escritos de Lutero, Calvino e outros reformistas que figuravam no índex
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES e Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341527 librorum proibitorum6. Embora, nessa época, os livros fossem utilizados somente pelos professores, pois raro era um aluno que dispunha de uma obra, a ideia aqui é a de destacar o antagonismo presente no processo educativo, pois, enquanto a Igreja posicionava-se contrária ao uso de livros que não tivessem a sua aprovação, o outro modelo educativo propunha justamente o contrário. Em um mundo que já fervilhava em termos de descobertas e de desenvolvimento nas mais diferentes áreas do conhecimento, como, por exemplo, a invenção da imprensa e as grandes navegações, as quais propiciaram o desenvolvimento do capitalismo comercial, as teorias que se opunham aos dogmas sustentados pela Igreja, como foi o caso da teoria heliocêntrica, proposta inicialmente por Nicolau Copérnico, não constavam no plano de estudos criado pela Igreja durante os anos de 1586 a 1599, o chamado Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesu, ou somente de Ratio Studiorum 7. Manacorda (2000, p. 202) ao comentar sobre o plano, afirma que ele “regulamentou rigorosamente todo o sistema escolástico jesuítico: a organização em classes, os horários, os programas e a disciplina”.Entretanto, embora o plano de educação católico regulamentado pela Ratio Studiorumtenha influenciado quase todo o mundo em sua época, como afirma Gadotti (1999), pode-se observar que na outra via, i.e., no protestantismo, a educação, pela postura crítica de alguns, que, nesse cenário de franco embate, se tornava uma postura política, também exercia forte influência. Um desses críticos, talvez um dos maiores expoentes da educação de seu tempo, é o morávio Jan Amos Seges, ou João Amós Comenius. Comenius propôs, em sua obra máxima, intitulada Didática magna, exatamente o contrário do que se apregoava no movimento reformista quanto ao uso de livros. Embora também questionasse a utilização de livros, cujos autores Comenius chamava de pagãos, sua visão crítica da educação, sintonizada com o desenvolvimento de seu tempo, o fez propor a criação de livros que pudessem agregar o saber de todas as áreas e a utilização de livros como ferramentas, as quais analogamente chamava de partitura,para a regência em sala de aula pelo maestro, no caso, o professor. Sobre a distinção entre a proposta educativa de Comenius e a da Igreja de Roma, sintetizada no Ratio Studiorum, João Luiz Gasparin (1994, p. 14) escreveu: A didática sempre existiu na história dos homens, porque sempre se ensinou e sempre se aprendeu. Em Comenius, todavia, ela adquire dimensões peculiares que a diferenciam de todas as outras formulações anteriores ou 6Índice de livros proibidos. 7O Ratio Studiorum é o plano educacional que a Companhia de Jesus pôs à frente dos seus colégios à época da Contra-Reforma) Sobre o material: SCHMITZ, E. F. Os jesuítas e a educação: Filosofia educacional da companhia de Jesus. São Leopoldo, RS: Ed. Unisinos, 1994.
image/svg+xmlPaulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341528 contemporâneas, como, por exemplo, as de Ratke ou da Ratio Studiorumdos Jesuítas. Ainda, para destacar o ponto fulcral da diferença entre a proposta educativa da Reforma e da Contra-Reforma, Cambi (1999, p. 256) faz a seguinte afirmação: Nisso consiste a diferença mais significativa no plano educativo entre o movimento da Reforma e o da Contra-Reforma. O primeiro privilegia a instrução dos grupos burgueses e populares com o fim de criar as condições mínimas para uma leitura pessoal dos textos sagrados, enquanto o segundo, sobretudo com a obra dos jesuítas, repropõe um modelo cultural e formativo tradicional em estreita conexão com o modelo político e social expresso pela classe dirigente. Quanto ao uso de livros e à criação de livros didáticos que, aliás, lhe é atribuída, Comenius (2002, p. 365) faz a seguinte analogia: O tipógrafo perfeito tem caracteres de todas as espécies, para nunca deixar de ter algum de que possa necessitar. Do mesmo modo, nossos livros devem conter tudo o que diz respeito à educação completa das mentes, para que, com esses subsídios, ninguém possa deixar de aprender tudo o que é preciso aprender. Cabe salientar que a leitura pontual que se fez acima, de que no campo educativo também é perfeitamente possível teorizar como a postura crítica de determinados sujeitos foi decisiva para que ocorressem profundas alterações nas abordagens da educação de seu tempo, não foi baseada em uma leitura linear somente do embate religioso entre a Igreja de Roma e o Protestantismo. Levado a termo, em uma visão de totalidade, as questões, principalmente de ordem econômicas e filosóficas, são condicionantes sociais que, em seu somatório, contribuíram para que a proposta educativa de Comenius fosse idealizada e desenvolvida, sendo, portanto, objeto de discussão até os nossos dias. Considerações finais Os relatos supracitados buscaram demonstrar o que se pode chamar de postura crítica, logo, ação de sujeitos críticos. Esses exemplos, e, logicamente, poderiam ser outros, foram selecionados uma vez que os desdobramentos da ação de Aristóteles, Lutero, Comenius, Rousseau e Kant tiveram direta influência na educação de seu tempo e, muito mais, na organização e nas práticas educativas escolares que se seguiram, algumas, inclusive que praticamos até hoje em nossa modelo educacional escolar.
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES e Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341529 Resta-nos, uma vez apresentada a postura crítica que pode idealizar um sujeito crítico, provocar o leitor a pensar como isso pode influenciar os profissionais que atuam no ensino fundamental a formar sujeitos críticos. Primeiramente por dizer que é exatamente isso que se espera deles, seja pelo teor do texto da Lei apresentado no início desse artigo, seja pelo consenso comum de toda a sociedade, ainda que não se saiba definir o que seja um sujeito crítico. Incluir no diálogo o pensador Paulo Freire significa, a princípio, o reconhecimento de que, em seu legado que é vasto em especial na área da educação, a formação crítica dos diretamente envolvidos no processo, ou seja, alunos em formação, professores e gestores em ação, necessita, imperiosamente, que suas posturas sejam marcadas pela criticidade, pois somente assim poderíamos idealizar uma formação crítica, que pode e deve ter seu nascedouro logo nos primórdios da educação escolar. No conjunto das obras de Paulo Freire se observa como essa postura crítica é fundamental para a formação de nossos estudantes ao longo de seu percurso no processo de escolarização, para que estes compreendam e, inclusive, reajam a condição de possível oprimidos diante da ação do opressor. Obviamente que esse entendimento conceitual, por si só, já foi e continua sendo objeto de teses, escritas para estudar e discutir não somente o conceito de oprimido, mas como, a partir dele, podemos avançar para outras reflexões no plano educativo, histórico, sociológico, filosófico entre outros. Por isso mesmo, reafirmamos no fechamento dessa reflexão, que a necessária formação crítica é uma das compreensões possíveis para definirmos o conceito de oprimido em Paulo Freire que, de forma mais objetiva, implica reconhecermos que existe polos antagônicos, a saber, o do oprimido e do opressor e, por conta disso, a formação crítica é fundamental para essa compreensão, afinal, Freire (1979, p. 48, grifo do autor) nos ensina que “a consciência crítica dos oprimidos significa, pois, consciência de si, enquanto ‘classe para si’”.Assim, por esse simples arrazoado, este texto referenda a importância dos escritos freireanos como possível fonte de reflexões, não somente da importância de, desde os primeiros anos da escolarização, se trabalhar na perspectiva de uma formação crítica, como também do perfil necessário para o professor objetive e busque trabalhar com essa perspectiva de formação crítica desde os anos iniciais. Sobre essas duas importantes reflexões podemos citar uma advertência de Freire quanto a necessidade de o professor buscar a coerência entre o seu discurso e as suas ações, logo, implica dizer ao professor que almejar trabalhar em prol de uma formação crítica de seus alunos deve, minimamente, refletir como realiza sua autoavaliação na qualidade de sujeito crítico.
image/svg+xmlPaulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341530 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BÍBLIA. Português. Tradução do novo mundo das escrituras sagradas. Tradução da versão inglesa de 1961. Revisão de 1986. Cesário Lange, SP: Associação torre de vigia de bíblias e tratados, 2006. BORGES, S. B. As múltiplas facetas da formação em leituras. In: ENCONTRO DO CELSUL, 9., 2010, Palhoça. Anais[...]. Palhoça, SC: Universidade Federal de Santa Maria, 2010. BRASIL, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Presidência da República, 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 07 ago. 2021. CAMBI, F. História da Pedagogia. Tradução: Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora UNESP, 1999. CHARTIER, R. A Aventura do Livro: Do leitor ao navegador. Tradução: Reginaldo de Moraes. São Paulo: Editora UNESP, 1999. CHASSOT, A. A Ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, 1994. CHAUÍ, M. Convite a Filosofia. 5. ed. São Paulo: Editora Ática, 1995. COMENIUS, J. A. Didática magna. 2. ed. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ECO, U. O nome da rosa. Tradução: Aurora Bernardini e Homero Freitas de Andrade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. FREIRE, P. Conscientização:Teoria e prática da libertação: Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. Tradução: Kátia de Mello e Silva. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980. FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. FREIRE, PPedagogia da esperança:Um reencontro com a pedagogia do oprimido. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 20. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001a. FREIRE, P. A importância do ato de ler: Em três artigos que se completam. 42. ed. São Paulo: Cortez, 2001b. FREIRE, P. Pedagogy of indignatíon. Boulder: Paradigm Publishers, 2004.
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES e Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341531 GADOTTI, M. História das ideias pedagógicas.São Paulo: Ática, 1999. GASPARIN, J. L. Comênio ou da arte de ensinar tudo a todos. Campinas, SP: Papirus, 1994. GRUPPI, L. O Conceito de Hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal, 1978. MANACORDA, M. A. História da educação: Da antiguidade aos nossos dias. 8. ed. Tradução: Gaetano Lo Mônaco. São Paulo: Cortez, 2000. MANGUEL, A. Uma História da Leitura. Tradução: Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SCHMITZ, E. F. Os jesuítas e a educação:Filosofia educacional da Companhia de Jesus. São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, 1994. STÖRING, H. J. História geral da filosofia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. TORRES, J. C. B. Introdução. In: ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução: Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2011. Como referenciar este artigo CARVALHO, M. A. B.; ESTRADA, A. A.; ALVES, F. L.; SOLIGO, V. Paulo Freire e o ensino fundamental: Reflexões sobre uma formação crítica. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1514-1531, jul./set. 2022. e-ISSN: 1982-5587. DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.16834 Submetido em: 20/12/2021 Revisões requeridas em: 03/02/2022 Aprovado em: 19/04/2022 Publicado em: 01/07/2022 Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.Revisão, formatação, normalização e tradução.
image/svg+xmlPaulo Freire y la educación primaria: Reflexiones sobre una formación crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1515-1533, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341515 PAULO FREIRE E O ENSINO FUNDAMENTAL: REFLEXÕES SOBRE UMA FORMAÇÃO CRÍTICA PAULO FREIRE Y LA EDUCACIÓN PRIMARIA: REFLEXIONES SOBRE UNA FORMACIÓN CRÍTICA PAULO FREIRE AND ELEMENTARY SCHOOL: REFLECTIONS ON A CRITICAL FORMATION Marco Antônio Batista CARVALHO1Adrian Alvarez ESTRADA2Fabio Lopes ALVES3Valdecir SOLIGO4RESUMEN:La formación de los estudiantes, cualquiera que sea el nivel educativo, siempre suscita la necesidad y la expectativa de que sean sujetos críticos. Este texto se preocupa de provocar, desde una perspectiva freireana, lo que puede ser esta formación y este ejercicio de la criticidad, no tratando un corolario de definiciones, aunque sean de reconocidos investigadores, sobre lo que será un sujeto crítico, una necesidad básica de poder pensar en un proceso de escolarización que haga posible esta deseada formación crítica. Para ello, el texto presenta y discute algunas acciones que, en el transcurso de la historia, marcaron a sus creadores al cuestionar posiciones, ideas y acciones en su tiempo histórico y que demarcan, para este análisis, un pensamiento y un actuar críticos que pueden reflejarse por todos los involucrados directa e indirectamente en el proceso educativo. PALABRAS CLAVE:Paulo Freire. Formación crítica. Educación. Sujeto crítico RESUMO: A formação de estudantes, em qualquer que seja o nível de escolarização, enseja sempre a necessidade e a expectativa de que esses sejam sujeitos críticos. Esse texto, com uma abordagem qualitativa, se ocupa em provocar, a partir de uma perspectiva freireana, o que pode ser essa formação e esse exercitar da criticidade, não se ocupando com um corolário de definições, mesmo que de renomados pesquisadores, sobre o que venha a ser um sujeito crítico, uma necessidade básica para se poder pensar em um processo de escolarização que viabilize essa almejada formação crítica. Para isso, o texto apresenta e discute algumas ações que, no 1Universidad Estatal del Oeste de Paraná (UNIOESTE), Cascavel PR Brasil. Profesor del Programa de Posgrado en Enseñanza de Ciencias y Matemáticas (PPGECEM). Doctor en Letras y Lingüística (UFBA). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6811-2661. E-mail: marcoab_carvalho@yahoo.com.br 2Universidad Estatal del Oeste de Paraná (UNIOESTE), Cascavel PR Brasil. Profesor del Programa de Posgrado en Sociedad, Cultura y Fronteras (PPGSCF). Doctorado en Educación (USP). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0980-8925. E-mail: adrianalvarez.estrada@gmail.com 3Universidad Estatal del Oeste de Paraná (UNIOESTE), Cascavel PR Brasil. Profesor del Programa de Posgrado en Sociedad, Cultura y Fronteras (PPGSCF). Doctor en Ciencias Sociales (UNISINOS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2114-3831. E-mail: fabiobidu@hotmail.com 4Universidad Estatal del Oeste de Paraná (UNIOESTE), Cascavel PR Brasil. Profesor del Programa de Posgrado en Sociedad, Cultura y Fronteras (PPGSCF). Doctorado en Educación (UNISINOS). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2618-009X. E-mail: valdecir_soligo@yahoo.com.br
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES y Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1515-1533, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341516 transcorrer da história, marcaram seus idealizadores por conta de posicionamentos, ideias e ações questionadoras em seu tempo histórico e que demarcam, para essa análise, um pensar e agir crítico e que pode ser refletido por todos os envolvidos direta e indiretamente com o processo educativo. PALAVRAS-CHAVE: Paulo Freire. Formação crítica. Educação. Sujeito crítico. ABSTRACT: The student’s formation, in any level of schooling, always entails the need and expectation that they become critical subjects. This text aims to provoke, from Paulo Freire’s perspective, what this formation and the criticality practice can be, not occupying with a corollary of definitions, even of renowned researchers, about what will become a critical subject, a basic need to be able to think in a schooling process that makes this desired critical formation viable. For this, the text presents and discusses some actions that, throughout history, marked the creators due to their positions, ideas and questioning actions in their historical time and that demarcate, for this analysis, a critical thinking and acting that can be reflected by all those involved directly and indirectly with the educational process.KEYWORDS: Paulo Freire. Critical formation. Education. Critical subject.Introducción Estudiar seriamente un texto es estudiar el estudio de quién, estudiando, lo escribió. Es percibir el condicionamiento histórico-sociológico del conocimiento. Se trata de buscar las relaciones entre el contenido en estudio y otras dimensiones relacionadas del conocimiento. Estudiar es una forma de reclamar, recrear, reescribir: tarea del sujeto y no objeto. [...] La comprensión de textos no es algo que recibas como regalo. Requiere un trabajo paciente de aquellos que se sienten problematizados por él. Paulo Freire En América Latina, uno de los discursos que reconoció la necesidad de una educación escolar que proporcionara una formación crítica es el de la Conferencia de Ministros de Educación. Este evento, que tuvo lugar en Caracas del 6 al 15 de diciembre de 1971, estuvo marcado por la afirmación de que "toma forma la idea de una educación liberadora que contribuya a la conciencia crítica" y que esta formación "estimularía la participación responsable del individuo en los procesos culturales, sociales, políticos y económicos" (FREIRE, 1980, p. 7). El Estado brasileño, a su vez, defiende la formación de sujetos críticos a través del proceso de escolarización. El discurso que expresa esta intención puede observarse en el texto de la Ley de Lineamientos y Bases de la Educación - LDB Nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), en su Art. 35, en el Ítem III: "la mejora del estudiante como persona humana, incluyendo la formación ética y el desarrollo de la autonomía intelectual y el pensamiento crítico". Cabe
image/svg+xmlPaulo Freire y la educación primaria: Reflexiones sobre una formación crítica RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1515-1533, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341517 señalar, sin embargo, que la indicación de una formación crítica, en los tres niveles, sólo aparece en la sección que trata de la escuela secundaria. En cuanto a la formación en los primeros años de la educación, es decir, en la educación de la primera infancia y la escuela primaria, el propósito de la educación se establece así: Artículo 29. La educación de la primera infancia, primera etapa de la educación básica tiene como objetivo el desarrollo integral de los niños hasta los seis años de edad, en sus aspectos físicos, psicológicos, intelectuales y sociales, complementando la acción de la familia y la comunidad. Artículo 32. La educación primaria, con una duración mínima de ocho años, obligatoria y gratuita en la escuela, tendrá como objetivo la formación básica del ciudadano, a través de: I el desarrollo de la capacidad de aprender, teniendo como medio básico el dominio pleno de la lectura, la escritura y el cálculo.(BRASIL, 1999, nuestro grifo) Es notable que, además de no mencionar ninguna formación crítica en educación infantil o en primaria, el aprendizaje de la lectura y la escritura aparecen en el texto de la ley como una adquisición mecanicista en la que aprender a leer y escribir es lo que es suficiente para sí mismo, es decir, aprender a leer y escribir no está vinculado a una herramienta potencial o instrumento crítico para la lectura mundial. Una formación alejada de la que puede mostrar al alumno que, por ejemplo, el lenguaje es, ante todo, una práctica social y, como tal, no exenta de carácter ideológico e impregnada de relaciones de poder. En cuanto a la educación superior, el texto de la LDB Nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), en su Art. 43, dice que su propósito es "estimular la creación cultural y el desarrollo del espíritu científico y el pensamiento reflexivo". En este apartado, observamos un discurso que evoca una formación crítica del alumno, si consideramos que desarrollar un espíritu científico y un pensamiento reflexivo es una tarea que no se imagina sin una postura crítica. Finalmente, la escuela debe formar sujetos activos, participativos y transformadores de la sociedad como lo establece la LDB Nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996). En vista de este discurso que evoca una formación crítica, podemos decir que toda la obra del educador Paulo Freire y, obviamente, mucho de lo que ya se ha producido sobre ella y sobre ella, apuntan fuertemente a una educación, en el ámbito escolar, que está marcada por la criticidad, es decir, que hombres y mujeres en el ejercicio del uso del conocimiento que se trabaja en él en el proceso de escolarización, y no solo transmiten, ejercen su capacidad de pensar y, principalmente, de pensar críticamente. Así, entendemos que es oportuna más esta provocación, con el fin de teorizar lo que sería una formación crítica desde la educación básica, es decir, esa etapa escolar que pueda dar
image/svg+xmlMarco Antônio Batista CARVALHO; Adrian Alvarez ESTRADA; Fabio Lopes ALVES y Valdecir SOLIGO RIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 3, p. 1515-1533, jul./sept. 2022. e-ISSN: 1982-5587 DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v17i3.168341518 fundamento, fundamentos para una mejor reflexión de los contenidos trabajados en relación con las prácticas sociales más inmediatas de los alumnos, una acción que nos parece, hoy en día, se han convertido en una jerga, es decir, de la realidad del alumno. Pero preguntémonos: ¿El maestro que inserta esta meta en su plan de trabajo realmente conoce esta realidad? ¿Es lo suficientemente crítico como para entenderlo y, por tanto, mediar el conocimiento de tu área con esta realidad, es decir, con el conocimiento que impregna el mundo de las experiencias de sus alumnos? Estas preguntas culminan en dos preguntas básicas: ¿podemos realmente, como educadores de educación básica, formar sujetos críticos? ¿Qué concepto tenemos como tema crítico? Para discutir estos temas básicos, es importante, en primer lugar, referir que, de hecho, para Freire (1992), la educación escolar debe tener su punto de partida centrado en las experiencias más inmediatas que el estudiante tiene en sus experiencias. Sobre esto, al comentar la necesidad de respetar los conocimientos que el estudiante trae a la escuela, Freire (1992, p. 86, grifo del autor) dice que "la localidad de los estudiantes es el punto de partida para el conocimiento que están creando del mundo". Es el mundo, en última instancia, es la primera e inevitable cara del mismo mundo". Por lo tanto, conocer la dinámica de estas relaciones sociales inmediatas de los estudiantes es una necesidad para que los contenidos que serán dinamizados por el trabajo escolar adquieran una dimensión más allá de su carácter meramente informativo, es decir, la búsqueda constante de superación de prácticas pedagógicas repetitivas, marcadas por una enseñanza teórica memorística, fragmentada y, en la mayoría de los casos, disociado de la realidad social de los estudiantes. Trabajar desde esta perspectiva implica, mínimamente, todos los actores sociales involucrados, el deseo y la búsqueda de una formación crítica. Sin embargo, volviendo a las preguntas básicas, ahora es necesario preguntarse: Después de todo, ¿qué es crítico? Conceptualizar el ser crítico - por un aspecto religioso La palabra crítico provienedel término griego