image/svg+xmlEducação, corporeidade e a pessoa com deficiência visual: Um diálogo necessárioRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2987-3008, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.173712987EDUCAÇÃO, CORPOREIDADE E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL: UM DIÁLOGO NECESSÁRIOEDUCACIÓN, CORPOREIDAD Y PERSONA CON DISCAPACIDAD VISUAL: UN DIÁLOGO NECESARIOEDUCATION, CORPOREALITY AND THE VISUALLY IMPAIRED PERSON: A NECESSARY DIALOGUEAndressa Karoline Santana TEIXEIRA1Hergos Ritor Fróes de COUTO2RESUMO: O corpo traz em si diferentes linguagens e significados, por meio dele se estabelecem relações nas quais estão envolvidas outras pessoas, outros seres, as coisas que se encontram no entorno, o mundo. Diante disso, o estudo tem como objetivo compreender as concepções de corpo de alunos com deficiência visual de escolas públicas de Santarém-PA, à luz da abordagem da corporeidade. Optou-se pela pesquisa descritiva de cunho qualitativo. A estrutura teórico/metodológica baseia-se nos pressupostos do fenômeno da corporeidade. Utilizou-se questionário de caracterização do participante e entrevista semiestruturada. Os dados foram analisados a partir da Elaboração e Análise de Unidades de Significado. Os resultadospossibilitaram compreender que as pessoas com deficiência visualpossuem concepções de corpo que apresentam diferentes sentidos e significados, transitando entre conceitos biologistas e mecânicos, mas também que se aproximam da abordagem da corporeidade, que considera o corpo como a existência e experiência do ser no mundo.PALAVRAS-CHAVE: Educação. Corpo. Corporeidade. Deficiência visual.RESUMEN:El cuerpo trae consigo distintos lenguajes y significados, a través de los cuales se establecen relaciones en las que se involucran otras personas, otros seres, cosas que están en el entorno, el mundo. Por lo tanto, el estudio tiene como objetivo comprender las concepciones corporales de estudiantes con discapacidad visual de escuelas públicas de Santarém-PA, a la luz del enfoque de la corporeidad. Optamos por una investigación cualitativa descriptiva. La estructura teórico-metodológica se fundamenta en los presupuestos del fenómeno de la corporeidad. Se utilizó un cuestionario para caracterizar al participante y una entrevista semiestructurada. Los datos fueron analizados utilizando la Elaboración y Análisis de Unidades de Significado. Los resultados de la investigación permitieron comprender que las personas con discapacidad visual tienen concepciones del cuerpo que tienen diferentes sentidos y significados, moviéndose entre conceptos biológicos y mecánicos, pero también acercándose al enfoque de la corporeidad, que considera el cuerpo como existencia y experiencia de estar en el mundo.PALABRAS CLAVE:Educación. Cuerpo. Corporeidad. Discapacidad visual.1Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Santarém PA Brasil. Mestrado em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7487-5745.E-mail: andressakaroline909@gmail.com2Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Santarém PA Brasil. Docente. Doutorado em Educação (UNINOVE). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2058-4341.E-mail: hergos@hotmail.com
image/svg+xmlAndressa Karoline Santana TEIXEIRAeHergos Ritor Fróes de COUTORIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2987-3008, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.173712988ABSTRACT:The body brings with it different languages and meanings, through which relationships are established in which other people, other beings, things that are in the surroundings, the world are involved. Therefore, the study aims to understand the body conceptions of students with visual impairment from public schools in Santarém-PA, in the light of the corporeality approach. We opted for a descriptive qualitative research. The theoretical/methodological structure isbased on the assumptions of the phenomenon of corporeality. A questionnaire to characterize the participant and a semi-structured interview were used. Data were analyzed using the Elaboration and Analysis of Units of Meaning. The research results made it possible to understand that people with visual impairments have conceptions of the body that have different senses and meanings, moving between biological and mechanical concepts, but also approaching the approach of corporeality, which considers the body as existence and experience of being in the world.KEYWORDS: Education. Body. Corporeality. Visual impairment.IntroduçãoO fenômeno da corporeidade tem provocado reflexões sobre a compreensão do corpo, dessa forma, a corporeidade contribui no avanço para o entendimento do ser humano em sua totalidade, nas relações que estabelece consigo, com o outro e com o mundo. Cabe destacar que “a corporeidade é considerada como um campo de experiência e reflexão, a partir do qual se desdobra possibilidades epistemológicas, éticas, estéticas, sociais e históricas” (NÓBREGA, 2010, p. 35).Vista por este prisma, pensar com a perspectiva da corporeidade é considerar um corpo sujeito, ativo, que se opõe à visão de dualidade entre corpo e alma, vendo-os como indissociáveis. Por isso, “compreender o corpo no cenário contemporâneo é uma tarefa que envolve paradoxo” (NÓBREGA, 2010, p. 36).Durante muito tempo perpetuou-se a concepção de que o corpo era algo que se possuía como se fosse um objeto ou apenas morada do espírito, algo pecaminoso,que tende ao declínio, por vezes tendo um caráter maquínico ou produto de consumo:tal compreensão se acentuou com a chegada da visão mercadológica capitalista(GALLO, 2006).Deste modo, historicamente o corpo foi desprezado, violentado, marginalizado, como sinônimo de impureza e imperfeição, visto como ameaça aos poderes estabelecidos na sociedade. Privilegiando o corpo em seus múltiplos saberes é que a corporeidade busca levar a uma reflexão crítica sobre as concepções de corpo impregnadas na sociedade, apresentando-se como alternativa para superar as visões cartesiana, empirista e mercadológica sobre o corpo.Para compreender a corporeidade não há fórmulas sagradas, mas a busca de um discurso que não se detenha apenas a uma simples conceituação,sendo necessário um posicionamento
image/svg+xmlEducação, corporeidade e a pessoa com deficiência visual: Um diálogo necessárioRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2987-3008, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.173712989a respeito de uma concepção de corpo mais ampla, além da visão reducionista na leitura das realidades humanas, concebendo a essência como existencial, pois é uma característica individual de todos os corpos,não podendo ser representada nem codificada (MOREIRA, 1995). Assim, “é a realidade do corpo que nos permite, sonhar, desejar, pensar, narrar, conhecer, escolher” (NÓBREGA, 2010, p. 11).Partindo dessa ideia, a experiência vivida é que nos faz compreender o mundo em que nos movemos, como expressa Merleau-Ponty:“o mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo, eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável” (MERLEAU-PONTY, 2018, p. 14). Nesse sentido, faz-se necessário abordar o conceito de corpo ativo como compreensão de uma corporeidade vivida que tem a premissa de aprender a ver a vida lançando olhares sobre os objetos com intuito de habitá-los e compreendê-los em seus distintos aspectos (MOREIRA et al., 2006). Moreira et al.(2006) introduzemdiálogos importantes ao promover as relações de um corpo ativo com a educação,enfatizando que é necessária uma prática educativa que considere a aprendizagem do indivíduo originada não somente de sua capacidade inteligível, mas de seu corpo inteiro em suas diversas interações e complexidade. A partir dessa premissa,“valorizar a corporeidade é olhar para aquele que aprende, reconhecendo seus múltiplos potenciais, estimulando-o por meio de situações-problema associadas às vivências cotidianas, favorecendo novas aprendizagens” (NISTA-PICCOLO et al., 2019, p. 388). Esse olhar atenciososobre o corpo e suas diversas formas de expressão pode ressignificar as formas de ensinar, instigando uma aprendizagem mais significativa e condizente com cada realidade vivenciada.Salienta-se que cada corpo detém em si uma estesia que é particular de acordo com as suas vivências. A corporeidade entendida em sua totalidade existencial detém uma “ambiguidade do ser humano como intencionalidade, como consciência e corpo, desvelando sua unidade a partir do sensível, do corpóreo, da experiência vivida do ser no mundo” (MOREIRA et al., 2006, p. 141).Nesse sentido, para Moreira e Simões (2016, p. 136),“na corporeidade, entrelaçam-se de forma significativa a existência e a expressão do pensamento, sendo a primeira revelada pelo corpo e a segunda pela palavra”. Por isso, a corporeidade preocupa-se com os saberes que emergem do corpo vivido, superando as concepções dualistas, sendo como o denomina Nóbrega (2010),essência e existência faces do mesmo fenômeno. A corporeidade busca ser e ter um discurso envolvente que intenta ir além da compreensão do ser humano em sua estrutura biológica, pois preocupa-se em proporcionar novos modos de organização de saberes, como de convivência ética e social (NÓBREGA, 2010).
image/svg+xmlAndressa Karoline Santana TEIXEIRAeHergos Ritor Fróes de COUTORIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2987-3008, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.173712990A corporeidade atenta-se para a realidade vivenciada decada sujeito com as percepções que detém do mundo e dos compartilhamentos estabelecidos, pois mediante as experiências do cotidiano cada ser humano se constitui uno, dotado de sensibilidade e inteligibilidade. O corpo deixa de ser concebido apenas como dimensão biológica, passando a ter uma dimensão existencial. O corpo élinguagem e possui diversas formas de manifestar-se, dessa maneira, “[...] olhar a corporeidade do sujeito ébuscar a expressão, ébuscar o desejo, pois o olhar conhece sentido e senteconhecendo” (MOREIRA, 1995, p. 19). Assim, é preciso exercitar a arte de pensar criticamente o corpo, levando os alunos a serem sujeitos conscientes e sensíveis, contribuindo na formação de corpos cada vezes mais humanos.Diante disso, o estudo tem como objetivo compreender as concepções de corpo de alunos com deficiência visual de escolas públicas de Santarém-PA, à luz da abordagem da corporeidade. Optou-se pela pesquisa descritiva de cunho qualitativo. A estrutura teórico/metodológica baseia-se nos pressupostos do fenômeno da corporeidade, utilizando questionário de caracterização do participante e entrevista semiestruturada.Ser corpo com deficiência visual: aproximações com a corporeidadeA visão é considerada um dos mais importantes recursos de comunicação e um dos principais acessos para estabelecer relacionamentos, com o outro e o mundo. Nesse sentido, busca-se discutir sobre as capacidades e limitações das pessoas com deficiência visuale sua relação com a corporeidade. Para que se possa compreender a pessoa com deficiência visual é indispensável que os profissionais tenham sensibilidade para buscar entendê-la em sua totalidade, desvinculando-se de qualquer preconceito ou conceitos estruturados e predeterminados que influenciam as atitudes junto a ela. Então, mais relevante que focar nas diferenças entre a pessoa com deficiência visual e a pessoa vidente é focar nas semelhanças, e a partir disso,voltar-se para as características de cadaum (AMIRALIAN, 1997).É fundamental que sejam consideradas as necessidades, por exemplo, quem convive com os cegos deve entender que a impossibilidade de eles não fazerem leitura das expressões fisionômica e os gestos das pessoas faz com que necessitem serem informados sobre sentimentos e emoções do outro para que ocorra uma troca significativa (MOTA, 2003). A partir desses pressupostos,considera-se que uma criança ao nascer com deficiência visual ou que a adquire nos primeiros anos de vida,tem sua forma de contato com mundo e o seu entorno distinto daqueles que dispõemda visão. É “[...] por meio de seus movimentos e
image/svg+xmlEducação, corporeidade e a pessoa com deficiência visual: Um diálogo necessárioRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2987-3008, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.173712991interações com o que cerca que a criança deficiente visual vai desenvolvendo sua habilidade de perceber, entrar em contato, organizar e compreender o mundo onde está” (MASINI, 2013, p. 19), isso torna-se perceptível em situações do cotidiano, como a orientação e mobilidade das pessoas com essa deficiência. Deve-se considerar que apessoa com deficiência visual(PcDV)também vivencia o mundo que tem por sentido predominante dos seres humanos a visão e suas representações. No entanto, cabe ponderar que apesar de ser o sentido prevalecente, este não é o único, nem desempenha um papel mais importante que os demais. Dessa forma, este sujeito dispõe de todos os outros sentidos, envolvendo todos os seus domínios: o social, o afetivo e o cognitivo, evoluindo de acordo com as oportunidades que lhe são oferecidas e estão ao seu alcance.As percepções de cada sujeito são construídas no diaadia, a partir das ações e exploração do que o rodeia, assim, por meio dessas interações é que o ser humano percebe, diferencia e compreende o mundo (MASINI, 2013).Nessa perspectiva, este estudo busca considerar a experiência corporal que é própria de cada sujeito.É pertinente destacar que não se pode generalizar as características positivas ou negativas de uma pessoa com deficiência visual, pois cada uma possui sua individualidade,embora tenham em comum a deficiência.Sob esta perspectiva, sabe-se que os modos de ser são próprios de cada sujeito. Não se pode limitá-los e rotulá-los impedindo-os de construírem aspercepções da realidade que vivenciam. É necessário possibilitar distintas oportunidades, valorização, solidariedade e,principalmente,respeito. Piedade e cuidado excessivo em nada ajuda esses seres que possuem limitações, mas que também são dotados de capacidades (MOTA, 2003).Por isso, para falar do corpo com deficiência visual,tomemos como base os escritos de Merleau-Ponty (2018), pois tal filósofo enfatiza que o ser humano tem no corpo sua fonte de sentidos em que ocorre a experiência com o outro, consigo e com o mundo. Para o autor não há como estabelecer qualquer relação sem o corpo, ele é o criador de significados e cada sujeito tem uma individualidade,seja por questões de personalidade ou natureza biológica, pois é por meio de sua condição corpórea que o ser humano age no mundo. Falar da ausência, recuperação ou perda de qualquer sentido envolve um processo complexo,exigindo olhares cautelosos, pois trata-se de discutir como uma pessoa percebe e constrói seu próprio mundo. É imprescindível que se ofereçam condições de desenvolvimento e educação para além dos aspectos racionalistas e instrumentais, considerando asvivências de cada corpo em diferentes momentos e situações. É necessário compreendê-lo em sua totalidade existencial: como se expressa, se comunica, como pensa e como sente (MASINI, 2013).
image/svg+xmlAndressa Karoline Santana TEIXEIRAeHergos Ritor Fróes de COUTORIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2987-3008, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.173712992O autor afirma ainda queparaMerleau-Ponty (2018),ao considerar o sujeito e suas experiências perceptivas,deve-se avaliar que se trata de uma relação dinâmica do corpo e do mundo, e não somente de associações dos órgãos dos sentidos, pois o conhecimento se manifesta do saber latente que ocorre no corpo próprio (MASINI, 2013). Concebe-se o sujeito como corpo no mundo que se manifesta de diversas maneiras. Nesta direção, as pessoas com deficiência visual precisam de mais contato físico, fala, cuidados adicionais e diferentes maneiras de mediação para que possa conhecer, reconhecer e atribuir significados às coisas, valorizando-se o comportamento exploratório, estimulação dos sentidos remanescentes e participação ativa na sociedade (SÁ, 2011).Sobre os equívocos referentesao corpo com deficiência visual, Mota (2003) menciona que não ver com os olhos não significa não ouvir. Um erro recorrente é tratar as PcDV como se fossem surdas ou mesmo que não pudessem se comunicar com clareza. Outra visão errônea é o fato de muitos acreditarem que elas dispõem de sexto sentido, mas o que ocorre é que estas desenvolvem seus recursos latentes de forma mais apurada.Nesse sentido, ao realizar uma pesquisa sobreas dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência,Rodrigues, Bernardinoe Moreira(2022, p.13), concluíram,a partir do relato dos participantes,que:[...] é muito sofrido perceber em outros a expressão do preconceito, da discriminação e da falta de atitudes e ações diante de situações complexas. Registram que percebem os estigmas e os estereótipos, a partir da própria família, por falta de conhecimento, mas que se estende à escola ou Universidade, na superproteção ou negligência as suas necessidades específicas. Sentem que todas as demais acessibilidades se relacionam à atitudinal, para colocar fim às barreiras.Dessa forma, a pessoa com deficiência visual deve ser compreendida a partir do que representa a ausência da visão, bem como as possibilidades que podem ter por intermédio de vivências não visuais,de forma a estabelecer suas relações consigo mesmae com tudo que está ao seu entorno.Tais premissas tornam-se primordiais para um bom desenvolvimento de seu processo de ensino e aprendizagem, sendo essenciais para possibilitar o enfrentamento de dificuldades.Por ser atribuído aos olhos uma grande parcela das experiências,questiona-se como a pessoa com deficiência visual se situa, estabelece e percebe suas relações em um mundo projetadoem grande parte para o vidente.Entende-se que o corpo existe na medida em que sua relação com o mundo é percebida. Dessa forma, tanto o vidente comoa pessoa com deficiência visual habitam a si mesmo e ao mundo, não apenas ocupando o espaço de maneira inerte e
image/svg+xmlEducação, corporeidade e a pessoa com deficiência visual: Um diálogo necessárioRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2987-3008, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.173712993passiva, mas de forma ativa e consciente. Logo, a relação do ser com o mundo se estabelece através de suas experiências e reflexões,através de sua realidade corpórea:o corpo é presença existencial do ser,sendo por meio da corporeidade que ele vive sua existencialidade (PORTO, 2002).Dessa maneira, não cabefazer distinção entre o mundo dos videntes e dos cegos, fazer isso é não admitir que o mundo é o mesmo que se apresenta para qualquer sujeito que o partilha. O que existe é uma diferenciação da forma de perceber e atribuir significados entre mim e o outro(PORTO, 2002).Nas palavras da autora, aos cegos é comum esperar que eles concebam o mundo como os videntes, mas ao fazer isso,nega-se que ambos possam viver a mesma situação. O que ocorre é que estes percebem de forma distinta por serem diferentes na sua essência e condições naturais de seus corpos, entretanto, isso também pode ser percebido de cego para cego ou de vidente para vidente, pois todo ser é único e estabelece sua relação com o mundo nessa perspectiva.Pesquisas recentes comoade Martinse Chacon(2022), destacam que apesar dos avanços no que tange aos direitos das pessoas com deficiência, a inclusãonem sempre acontece, especialmente no ambiente escolar, isso devido a diversos fatores,como a ausência de flexibilização curricular, falta de preparo profissional e recursos pedagógicas condizentes com o nível de desenvolvimento desses discentes. Sendo assim, torna-se urgente garantir condições para que todos os corpos participem das diversas atividades educacionais.Para que isso aconteça, é preciso considerar o corpo com suas especificidades, conhecendo profundamente sua essência, atentando-se às formas que este corpo com deficiência visual apreende o mundo e se manifesta. Assim,A tarefa primeira para quem se propõe realizar qualquer ação educativa com o deficiente visual é procurar saber sobre ele, sua experiência de vida e sobre sua percepção, pois é só a partir do seu próprio significado do que sente e compreende -é que ele poderá organizar as informações sobre o mundo que o cerca e agir nas situações (MASINI, 2013, p. 20).Logo, seja para aqueles que convivem cotidianamente com pessoas com deficiência visual como aqueles que se desafiam a estudá-los ou que desenvolvem alguma ação educativa, é imprescindível saber a respeito delas em seus diversos aspectos,atentando-se ao seu desenvolvimento, percepção e modos de ser. Pois, é a partir do que a pessoa sente e compreende que ela age no mundo e nas diversas situações da vida (MASINI, 2013).A partir disso, demonstra-se a complexidade de interações e manifestações que o ser humano vivencia em sua existência a partir das especificidades de seus corpos. Ter a ausência de um dos sentidos de distância é uma limitação e deve ser considerada dessa forma, e não
image/svg+xmlAndressa Karoline Santana TEIXEIRAeHergos Ritor Fróes de COUTORIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2987-3008, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.173712994como impedimento para sua autonomia, aprendizagem e seu desenvolvimento integral.A corporeidade vai além do que se é percebido por meio da visão, ela acontece no corpo por inteiro,não se excluindo pela falta ou dificuldade do uso de um dos sentidos. Embora a pessoa com deficiência visual tenha limites biológicos, ele é um ser humano capaz de manter contato e inter-relações com seu entorno, experimentando e apreendendo o mundo à sua maneira. Assim, “ser corpo deficiente não significa ser corpo ausente; ser corpo deficiente é ser corpo como qualquer outro ser” (PORTO, 2005, p. 38).É preciso ter o entendimento que o corpo é linguagem, é fonte de conhecimentos, nele sente-se alegria e tristeza, certeza e dúvida, derrota e vitória, medo e coragem, paixão e desilusão, amore ódio, frio e calor, presença e ausência, prazer e desprazer, entre tantas outras experiências e vivências. Portanto, independente das especificidades e singularidades de cada ser é necessário perceber-se como ser corpóreo que tem em si ambiguidade e complexidade que lhe são próprias. À vista disso,Éimportante que o professor consiga perceber seu aluno com os olhos de pesquisador, de quem observa, analisa e reflete sobre sua aprendizagem. E dessa forma, possa compreender as facilidades e dificuldades que o aluno apresenta para aprender, estimulandoseus potenciais de inteligência. Entender essa pluralidade dos diferentes potenciais que os alunos apresentam é estimular suas inteligências (NISTA-PICCOLO et al., 2019, p. 381).Para que aconteça inclusão é imprescindível a formação sólida dos docentes,possibilitandoque o alunotenha seu processo de ensino e aprendizagem efetivado de maneira ampla dentro do espaço escolar, independentemente de suas especificidades, garantindo não só o acesso, masa qualidade do ensino, de forma que exerça odireito de participação social plena (LOZANO; PRADO; JUNGO, 2022).Deste modo, oambiente escolar deve tornar-se cada vez mais um espaço que proporcione inclusão e maior participação dos distintos corpos de forma a contribuir para o desenvolvimento pleno do indivíduo,oferecendo vivências variadas, e estas devem se estender a todos, sem distinção.As concepções de corpo de alunos com deficiência visualO lócus da pesquisa está localizado na Região Oeste do estado do Pará. A cidade de Santarém constitui um dos 144 municípios do estado, sendo um dos mais populosos, destacando-se por sua beleza e exuberância tanto por questões naturais como culturais. O estudo teve como meta ser desenvolvido em escolas públicas estaduais do município de Santarém Pará, que em seu quadro de alunos tivessem estudantes com deficiência visual
image/svg+xmlEducação, corporeidade e a pessoa com deficiência visual: Um diálogo necessárioRIAEERevista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p. 2987-3008, out./dez. 2022.e-ISSN: 1982-5587DOI:https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.173712995cursando o ensino médio. No total,07 Unidades de ensino participaram da pesquisa, sendo 06 escolas, e a 5ª Unidade Regional de Educação, que em sua estrutura oferece o ensino médio na modalidade modular para pessoas com deficiência visual. Desenvolveu-se a pesquisa com 09 estudantes, sendo07 com baixa visão e 02cegos, 01 deles tendo adquiridoa deficiência visualaos 05 anos de idade e o outroa possuindodesde o nascimento. Os discentes estão na faixa etária de 17 a 47 anos