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Educação, corporeidade e a pessoa com deficiência visual: Um diálogo necess
ário
RIAEE
–
Revista Ibero
-
Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 17, n. 4, p.
2987
-
3008
, out./dez. 2022
.
e
-
ISSN: 1982
-
5587
DOI:
https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.17371
2987
EDUCAÇÃO, CORPOREIDADE E A PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL: UM
DIÁLOGO NECESSÁRIO
EDUCACIÓN, CORPOREIDAD Y PERSONA CON DISCAPACIDAD VISUAL: UN
DIÁLOGO NECESARIO
EDUCATION, CORPOREALITY AND THE VISUALLY IMPAIRED PERSON: A
NECESSARY
DIALOGUE
Andressa Karoline Santana TEIXEIRA
1
Hergos Ritor Fróes de COUTO
2
RESUMO
: O corpo traz em si diferentes linguagens e significados, por meio dele se
estabelecem relações nas quais estão envolvidas outras pessoas,
outros seres, as coisas que se
encontram no entorno, o mundo
. Diante disso, o estudo tem como objetivo compreender a
s
concepções de corpo de alunos com deficiência visual de escolas públicas de Santarém
-
PA, à
luz da abordagem da corporeidade. Optou
-
se pela pesquisa descritiva de cunho qualitativo. A
estrutura teórico/metodológica baseia
-
se nos pressupostos do fenômeno d
a corporeidade.
Utilizou
-
se questionário de caracterização do participante e entrevista semiestruturada. Os
dados foram analisados a partir da Elaboração e Análise de Unidades de Signif
icado. Os
resultados
possibilitaram compreender que as pessoas c
om
deficiência visual
possuem
concepções de corpo que apresentam diferentes sentidos e significados, transitando entre
conceitos biologistas e mecânicos, mas também que se aproximam da abordagem da
corporeidade, que considera o corpo como a existência e exper
iência do ser no mundo.
PALAVRAS
-
CHAVE
: Educação. Corpo. Corporeidade. Deficiência visual.
RESUMEN
:
El cuerpo trae consigo distintos lenguajes y significados, a través de los cuales
se establecen relaciones en las que se involucran otras
personas, otros seres, cosas que están
en el entorno, el mundo. Por lo tanto, el estudio tiene como objetivo comprender las
concepciones corporales de estudiantes con discapacidad visual de escuelas públicas de
Santarém
-
PA, a la luz del enfoque de la corpo
reidad. Optamos por una investigación
cualitativa descriptiva. La estructura teórico
-
metodológica se fundamenta en los presupuestos
del fenómeno de la corporeidad. Se utilizó un cuestionario para caracterizar al participante y
una entrevista semiestructura
da. Los datos fueron analizados utilizando la Elaboración y
Análisis de Unidades de Significado. Los resultados de la investigación permitieron
comprender que las personas con discapacidad visual tienen concepciones del cuerpo que
tienen diferentes sentido
s y significados, moviéndose entre conceptos biológicos y mecánicos,
pero también acercándose al enfoque de la corporeidad, que considera el cuerpo como
existencia y experiencia de estar en el mundo.
PALABRAS CLAVE
:
Educación. Cuerpo.
Corporeidad. Discapacidad visual.
1
Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Santa
rém
–
PA
–
Brasil.
Mestrado em Educação
. ORCID:
https://orcid.org/0000
-
0002
-
7487
-
5745
.
E
-
mail: andressakaroline909@gmail.com
2
Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Santarém
–
PA
–
Brasil. Docente.
Doutorado em Educação
(UNINOVE).
ORCID: https://orcid.org/0000
-
0003
-
2058
-
4341
.
E
-
mail: hergos@hotmail.com
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e
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ABSTRACT
:
The body brings with it different languages and meanings, through which
relationships are established in which other people, other beings, things that are in the
surroundings, the world are involved.
Therefore,
the study aims to understand the body
conceptions of students with visual impairment from public schools in Santarém
-
PA, in the light
of the corporeality approach. We opted for a descriptive qualitative research. The
theoretical/methodological structure is
based on the assumptions of the phenomenon of
corporeality. A questionnaire to characterize the participant and a semi
-
structured interview
were used.
Data were analyzed using the Elaboration and Analysis of Units of Meaning. The
research results made
it possible to understand that people with visual impairments have
conceptions of the body that have different senses and meanings, moving between biological
and mechanical concepts, but also approaching the approach of corporeality, which considers
the bo
dy as existence and experience of being in the world.
KEYWORDS
: Education. Body. Corporeality. Visual impairment.
Introdução
O fenômeno da corporeidade tem provocado reflexões sobre a compreensão do corpo,
dessa forma, a corporeidade
contribui no avanço para o entendimento do ser humano em sua
totalidade, nas relações que estabelece consigo, com o outro e com o mundo. Cabe destacar que
“a corporeidade é considerada como um campo de experiência e reflexão, a partir do qual se
desdobra p
ossibilidades epistemológicas, éticas, estéticas, sociais e históricas” (NÓBREGA,
2010, p. 35).
Vista por este prisma, pensar com a perspectiva da corporeidade é considerar um corpo
sujeito, ativo, que se opõe à visão de dualidade entre corpo e alma, vendo
-
os como
indissociáveis. Por isso, “compreender o corpo no cenário contemporâneo é uma tarefa que
envolve paradoxo” (NÓBREGA, 2010, p. 36).
Durante muito tempo perpetuou
-
se a concepção de que o corpo era algo que se possuía
como se fosse um objeto ou apena
s morada do espírito, algo pecaminoso
,
que tende ao declínio,
por vezes tendo um caráter maquínico ou produto de consumo
:
tal compreensão se acentuou
com a chegada da visão mercadológica capitalista
(GALLO, 2006).
Deste modo, historicamente o corpo foi des
prezado, violentado, marginalizado, como
sinônimo de impureza e imperfeição, visto como ameaça aos poderes estabelecidos na
sociedade. Privilegiando o corpo em seus múltiplos saberes é que a corporeidade busca levar a
uma reflexão crítica sobre as concepçõ
es de corpo impregnadas na sociedade
, a
presentando
-
se
como alternativa para superar as visões cartesiana, empirista e mercadológica sobre o corpo.
Para compreender a corporeidade não há fórmulas sagradas, mas a busca de um discurso
que não se detenha apena
s a uma simples conceituação
,
sendo necessário um posicionamento
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a respeito de uma concepção de corpo mais ampla, além da visão reducionista na leitura das
realidades humanas, concebendo a essência como existencial, pois é uma característica
individual de
todos os corpos
,
não podendo ser representada nem codificada (MOREIRA,
1995). Assim, “é a realidade do corpo que nos permite, sonhar, desejar, pensar, narrar, conhecer,
escolher” (NÓBREGA, 2010, p. 11).
Partindo dessa ideia, a experiência vivida é que nos
faz compreender o mundo em que
nos movemos, como expressa Merleau
-
Ponty
:
“o mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo
que eu vivo, eu estou aberto ao mundo, comunico
-
me indubitavelmente com ele, mas não o
possuo, ele é inesgotável” (MERLEAU
-
PONTY, 2018,
p. 14). Nesse sentido, faz
-
se necessário
abordar o conceito de corpo ativo como compreensão de uma corporeidade vivida que tem a
premissa de aprender a ver a vida lançando olhares sobre os objetos com intuito de habitá
-
los e
compreendê
-
los em seus distinto
s aspectos (MOREIRA
et al.
, 2006).
Moreira
et al.
(2006) introduz
em
diálogos importantes ao promover as relações de um
corpo ativo com a educação
,
enfatizando que é necessária uma prática educativa que considere
a aprendizagem do indivíduo originada não somente de sua capacidade inteligível, mas de seu
corpo inteiro em suas diversas interações e complexidade. A partir dessa premissa
,
“valorizar a
co
rporeidade é olhar para aquele que aprende, reconhecendo seus múltiplos potenciais,
estimulando
-
o por meio de situações
-
problema associadas às vivências cotidianas, favorecendo
novas aprendizagens” (NISTA
-
PICCOLO
et al.
, 2019, p. 388). Esse olhar atencioso
sobre o
corpo e suas diversas formas de expressão pode ressignificar as formas de ensinar, instigando
uma aprendizagem mais significativa e condizente com cada realidade vivenciada.
Salienta
-
se que cada corpo detém em si uma estesia que é particular de ac
ordo com as
suas vivências. A corporeidade entendida em sua totalidade existencial detém uma
“ambiguidade do ser humano como intencionalidade, como consciência e corpo, desvelando
sua unidade a partir do sensível, do corpóreo, da experiência vivida do ser
no mundo”
(MOREIRA
et al.
, 2006, p. 141).
Nesse sentido, para Moreira e Simões (2016, p. 136)
,
“na corporeidade, entrelaçam
-
se
de forma significativa a existência e a expressão do pensamento, sendo a primeira revelada pelo
corpo e a segunda pela palavra”.
Por isso, a corporeidade preocupa
-
se com os saberes que
emergem do corpo vivido, superando as concepções dualistas, sendo como o denomina Nóbrega
(2010)
,
essência e existência faces do mesmo fenômeno. A corporeidade busca ser e ter um
discurso envolvente q
ue intenta ir além da compreensão do ser humano em sua estrutura
biológica, pois preocupa
-
se em proporcionar novos modos de organização de saberes, como de
convivência ética e social (NÓBREGA, 2010).
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A corporeidade atenta
-
se para a realidade vivenciada de
cada sujeito com as percepções
que det
é
m do mundo e dos compartilhamentos estabelecidos, pois mediante as experiências do
cotidiano cada ser humano se constitui uno, dotado de sensibilidade e inteligibilidade. O corpo
deixa de ser concebido apenas como di
mensão biológica, passando a ter uma dimensão
existencial. O corpo
é
linguagem e possui diversas formas de manifestar
-
se, dessa maneira,
“[...] olhar a corporeidade do sujeito
é
buscar a expressão,
é
buscar o desejo, pois o olhar
conhece sentido e sente
conhecendo” (MOREIRA, 1995, p. 19). Assim, é preciso exercitar a
arte de pensar criticamente o corpo, levando os alunos a serem sujeitos conscientes e sensíveis,
contribuindo na formação de corpos cada vezes mais humanos.
Diante disso, o estudo tem como o
bjetivo compreender as concepções de corpo de
alunos com deficiência visual de escolas públicas de Santarém
-
PA, à luz da abordagem da
corporeidade. Optou
-
se pela pesquisa descritiva de cunho qualitativo. A estrutura
teórico/metodológica baseia
-
se nos press
upostos do fenômeno da corporeidade, utilizando
questionário de caracterização do participante e entrevista semiestruturada.
Ser corpo com deficiência visual: aproximações com a corporeidade
A visão é considerada um dos mais importantes recursos de comunicação e um dos
principais acessos para estabelecer relacionamentos, com o outro e o mundo. Nesse sentido,
busca
-
se discutir sobre as capacidades e limitações das pessoas com deficiência visual
e sua
relação com a corporeidade.
Para que se possa compreender a pessoa com deficiência visual é indispensável que os
profissionais tenham sensibilidade para buscar entendê
-
la em sua totalidade, desvinculando
-
se
de qualquer preconceito ou conceitos estr
uturados e predeterminados que influenciam as
atitudes junto a ela
. E
ntão, mais relevante que focar nas diferenças entre a pessoa com
deficiência visual e a pessoa vidente é focar nas semelhanças, e a partir disso
,
voltar
-
se para as
características de cada
um (AMIRALIAN, 1997).
É fundamental que sejam consideradas as necessidades, por exemplo, quem convive
com os cegos deve entender que a impossibilidade de eles não fazerem leitura das expressões
fisionômica e os gestos das pessoas faz com que necessitem se
rem informados sobre
sentimentos e emoções do outro para que ocorra uma troca significativa (MOTA, 2003).
A partir desses pressupostos
,
considera
-
se que uma criança ao nascer com deficiência
visual ou que a adquire nos primeiros anos de vida
,
tem sua forma de contato com mundo e o
seu entorno distinto daqueles que dispõe
m
da visão. É “[...] por meio de seus movimentos e
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interações com o q
ue cerca que a criança deficiente visual vai desenvolvendo sua habilidade de
perceber, entrar em contato, organizar e compreender o mundo onde está” (MASINI, 2013, p.
19), isso torna
-
se perceptível em situações do cotidiano, como a orientação e mobilidade
das
pessoas com essa deficiência. Deve
-
se considerar que a
pessoa com deficiência visual
(
PcDV
)
também vivencia o mundo que tem por sentido predominante dos seres humanos a visão e suas
representações. No entanto, cabe ponderar que apesar de ser o sentido prevalecente, este não é
o único, nem desempenha um papel mais importante que os demais. Dessa
forma, este sujeito
dispõe de todos os outros sentidos, envolvendo todos os seus domínios: o social, o afetivo e o
cognitivo, evoluindo de acordo com as oportunidades que lhe são oferecidas e estão ao seu
alcance.
As percepções de cada sujeito são construí
das no dia
a
dia, a partir das ações e
exploração do que o rodeia, assim, por meio dessas interações é que o ser humano percebe,
diferencia e compreende o mundo (MASINI, 2013).
Nessa perspectiva, este estudo busca
considerar a experiência corporal que é pr
ópria de cada sujeito.
É pertinente destacar que não se pode generalizar as características positivas ou
negativas de uma pessoa com deficiência visual, pois cada uma possui sua individualidade
,
embora tenham em comum a deficiência
.
Sob esta perspectiva,
sabe
-
se que os modos de ser são
próprios de cada sujeito. Não se pode limitá
-
los e rotulá
-
los impedindo
-
os de construírem as
percepções da realidade que vivenciam. É necessário possibilitar distintas oportunidades,
valorização, solidariedade e
,
principalmente
,
respeito. Piedade e cuidado excessivo em nada
ajuda esses seres que possuem limitações, mas que também são dotados de capacidades
(MOTA, 2003).
Por isso, para falar do corpo com deficiência visual
,
tomemos como base
os escritos de
Merleau
-
Ponty (2018), pois tal filósofo enfatiza que o ser humano tem no corpo sua fonte de
sentidos em que ocorre a experiência com o outro, consigo e com o mundo. Para o autor não há
como estabelecer qualquer relação sem o corpo, ele é o criador de significados
e cada sujeito
tem uma individualidade
,
seja por questões de personalidade ou natureza biológica, pois é por
meio de sua condição corpórea que o ser humano age no mundo.
Falar da ausência, recuperação ou perda de qualquer sentido envolve um processo
compl
exo
,
exigindo olhares cautelosos, pois trata
-
se de discutir como uma pessoa percebe e
constrói seu próprio mundo. É imprescindível que se ofereçam condições de desenvolvimento
e educação para além dos aspectos racionalistas e instrumentais, considerando as
vivências de
cada corpo em diferentes momentos e situações. É necessário compreendê
-
lo em sua totalidade
existencial: como se expressa, se comunica, como pensa e como sente (MASINI, 2013).
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O autor afirma ainda que
para
Merleau
-
Pont
y (2018),
ao considerar
o sujeito e suas
experiências perceptivas
,
deve
-
se avaliar que se trata de uma relação dinâmica do corpo e do
mundo, e não somente de associações dos órgãos dos sentidos, pois o conhecimento se
manifesta do saber latente que ocorre no corpo próprio (MASINI
, 2013). Concebe
-
se o sujeito
como corpo no mundo que se manifesta de diversas maneiras.
Nesta direção, a
s pessoas com
deficiência visual precisam de mais contato físico, fala, cuidados adicionais e diferentes
maneiras de mediação para que possa conhecer,
reconhecer e atribuir significados às coisas,
valorizando
-
se o comportamento exploratório, estimulação dos sentidos remanescentes e
participação ativa na sociedade (SÁ, 2011).
Sobre os equívocos referente
s
ao corpo com deficiência visual, Mota (2003) menciona
que não ver com os olhos não significa não ouvir. Um erro recorrente é tratar as PcDV como
se fossem surdas ou mesmo que não p
ude
ss
e
m se comunicar com clareza. Outra visão errônea
é o fato de muitos ac
reditarem que elas dispõem de
“
sexto sentido
”
, mas o que ocorre é que
estas desenvolvem seus recursos latentes de forma mais apurada.
Nesse sentido, ao realizar uma pesquisa sobre
as dificuldades enfrentadas pelas pessoas
com deficiência
,
R
odrigues
, B
ernar
dino
e
M
oreira
(2022,
p.
13)
,
concluíram
,
a partir do relato
dos participantes
,
que:
[...] é muito sofrido perceber em outros a expressão do preconceito, da
discriminação e da falta de atitudes e ações diante de situações complexas.
Registram que
percebem os estigmas e os estereótipos, a partir da própria
família, por falta de conhecimento, mas que se estende à escola ou
Universidade, na superproteção ou negligência as suas necessidades
específicas. Sentem que todas as demais acessibilidades se rel
acionam à
atitudinal, para colocar fim às barreiras.
Dessa forma, a pessoa com deficiência visual deve ser compreendida a partir do que
representa a ausência da visão, bem como as possibilidades que podem ter por intermédio de
vivências não visuais
,
de fo
rma a estabelecer suas relações consigo mesm
a
e com tudo que está
ao seu entorno
.
T
ais premissas tornam
-
se primordiais para um bom desenvolvimento de se
u
processo de
ensino e aprendizagem, sendo essenciais para possibilitar o enfrentamento de
dificuldades.
Por ser atribuído aos olhos uma grande parcela das experiências
,
questiona
-
se como a
pessoa com deficiência visual se situa, estabelece e percebe suas relações em um mundo
projetado
em grande parte para o vidente
.
Entende
-
se que o corpo exist
e na medida em que sua
relação com o mundo é percebida. Dessa forma, tanto o vidente
como
a pessoa com deficiência
visual habitam a si mesmo e ao mundo, não apenas ocupando o espaço de maneira inerte e
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passiva, mas de forma ativa e consciente. Logo, a rela
ção do ser com o mundo se estabelece
através de suas experiências e reflexões
,
através de sua realidade corpórea
:
o corpo é presença
existencial do ser
,
sendo por meio da corporeidade que ele vive sua existencialidade (PORTO,
2002).
Dessa maneira, não cabe
fazer distinção entre o mundo dos videntes e dos cegos, fazer
isso é não admitir que o mundo é o mesmo que se apresenta para qualquer sujeito que o partilha.
O que existe é uma diferenciação da forma de perceber e atribuir significados entre mim e o
outro
(PORTO, 2002).
Nas palavras da autora, aos cegos é comum esperar que eles concebam o mundo como
os videntes, mas ao fazer isso
,
nega
-
se que ambos possam viver a mesma situação. O que ocorre
é que estes percebem de forma distinta por serem diferentes na su
a essência e condições naturais
de seus corpos, entretanto, isso também pode ser percebido de cego para cego ou de vidente
para vidente, pois todo ser é único e estabelece sua relação com o mundo nessa perspectiva.
Pesquisas recentes como
a
de M
artins
e C
hacon
(2022), destacam que apesar dos
avanços no que tange aos direitos das pessoas com deficiência, a
inclusão
nem sempre acontece,
especialmente no ambiente escolar, isso devido a diversos fatores
,
como
a
ausência de
flexibilização curricular,
falta de preparo profissional e recursos pedagógicas condizentes com
o nível de desenvolvimento desses di
scentes. Sendo assim, torna
-
se urgente garantir condições
para que todos os corpos participem das diversas atividades educacionais.
Para que isso
aconteça, é pr
eciso
considerar o corpo com suas especificidades,
conhecendo profundamente sua essência, atentando
-
se
à
s formas que este corpo com
deficiência visual apreende o mundo e se manifesta. Assim,
A tarefa primeira para quem se propõe
realizar qualquer ação educativa com
o deficiente visual é procurar saber sobre ele, sua experiência de vida e sobre
sua percepção, pois é só a partir do seu próprio significado
–
do que sente e
compreende
-
é que ele poderá organizar as informações sobre
o mundo que o
cerca e agir nas situações (MASINI, 2013, p. 20).
Logo, seja para aqueles que convivem cotidianamente com pessoas com deficiência
visual como aqueles que se desafiam a estudá
-
los ou que desenvolvem alguma ação educativa,
é imprescindível sab
er a respeito delas em seus diversos aspectos
,
atentando
-
se ao seu
desenvolvimento, percepção e modos de ser. Pois, é a partir do que a pessoa sente e compreende
que ela age no mundo e nas diversas situações da vida (MASINI, 2013).
A partir disso, demonstr
a
-
se a complexidade de interações e manifestações que o ser
humano vivencia em sua existência a partir das especificidades de seus corpos. Ter a ausência
de um dos sentidos de distância é uma limitação e deve ser considerada dessa forma, e não
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como impedim
ento para sua autonomia, aprendizagem e seu desenvolvimento integral.
A
corporeidade vai além do que se é percebido por meio da visão, ela acontece no corpo por
inteiro
,
não se excluindo pela falta ou dificuldade do uso de um dos sentidos. Embora a pessoa
com deficiência visual tenha limites biológicos, ele é um ser humano capaz de manter contato
e inter
-
relações com seu entorno, experimentando e apreendendo o mundo à sua maneira.
Assim, “ser corpo deficiente não significa ser corpo ausente; ser corpo defic
iente é ser corpo
como qualquer outro ser” (PORTO, 2005, p. 38).
É preciso ter o entendimento que o corpo é linguagem, é fonte de conhecimentos, nele
sente
-
se alegria e tristeza, certeza e dúvida, derrota e vitória, medo e coragem, paixão e
desilusão, amor
e ódio, frio e calor, presença e ausência, prazer e desprazer, entre tantas outras
experiências e vivências. Portanto, independente das especificidades e singularidades de cada
ser é necessário perceber
-
se como ser corpóreo que tem em si ambiguidade e com
plexidade que
lhe são próprias. À vista disso,
É
importante que o professor consiga perceber seu aluno com os olhos de
pesquisador, de quem observa, analisa e reflete sobre sua aprendizagem. E
dessa forma, possa compreender as facilidades e dificuldades que o aluno
apresenta para aprender, estimulando
seus potenciais de inteligência. Entender
essa pluralidade dos diferentes potenciais que os alunos apresentam é
estimular suas inteligências (NISTA
-
PICCOLO
et al.
, 2019, p. 381).
Para que aconteça inclusão é imprescindível a formação sólida dos docentes,
possibilitando
que o
aluno
tenha seu processo de ensino e aprendizagem efetivado de maneira
ampla dentro do espaço escolar, independentemente de suas especificidades, garant
indo não só
o acesso, mas
a qualidade
do ensino, de forma que exerça o
direito de participação social plena
(
LOZANO; PRADO; JUNGO, 2022)
.
Deste modo, o
ambiente escolar deve tornar
-
se cada vez
mais um espaço que proporcione inclusão e maior participação dos distintos corpos de forma a
contribuir para o desenvolvimento pleno do indivíduo
,
oferecendo vivências vari
adas, e estas
devem se estender a todos, s
em distinção
.
As concepções de corpo de alunos com deficiência visual
O lócus da pesquisa está localizado na Região Oeste do estado do Pará. A cidade de
Santarém constitui um dos 144 municípios do estado, sendo um dos mais populosos,
destacando
-
se por sua beleza e exuberância tanto por questões naturais como culturais.
O estudo teve como meta ser desenvolvido em escolas públicas estaduais do município
de Santarém
–
Pará, que em seu quadro de alunos tivessem estudantes com deficiência visual
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https://doi.org/10.21723/riaee.v17i4.17371
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cursando o ensino médio. No total
,
07 Unidades de ensino participaram da pesquisa
, sendo 06
escolas, e a 5ª Unidade Regional de Educação, que em sua estrutura oferece o ensino médio na
modalidade modular para pessoas com deficiência visual.
Desenvolveu
-
se
a pesqui
sa com 09 estudantes
, s
endo
07 com baixa visão
e 02
cegos,
01 deles ten
do adquirido
a deficiência visual
aos 05 anos de idade e o outro
a possuindo
desde
o nascimento.
Os
discentes
estão na faixa etária de 17 a 47 anos