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in Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação
(IM) POSSIBILIDADES DA FORMAÇÃO SUBJETIVA: REFLEXÕES EDUCATIVAS EM TEMPOS PANDÊMICOS
Resumo
O presente artigo investiga a problemática da condição emergencial da educação em tempos pandêmicos, sobretudo no que tange ao significado das (im)possibilidades da formação subjetiva. Nesse ínterim, delineamos alguns elementos das implicações educativas do cenário da pandemia do novo coronavírus. Delineia-se um diagnóstico das transformações sociais e educacionais no contexto atual e discute-se de que maneira isso sinaliza algo sobre os processos da formação subjetiva. A pesquisa se apresenta bibliográfica, com aspectos de revisão integrativa. Assim, trazemos autores que já vínhamos estudando juntamente com novos comentadores, que trazem elementos de contextualização para formar panorama do cenário educativo atual. Desse modo, entendemos que o recrudescimento da situação educativa é sinal do avanço de um quadro mais grave globalmente estabelecido. Uma condição social e civilizatória, grandemente agravada, pelo modelo social, ético e econômico-político, que permeia todas as dimensões no mundo contemporâneo e, consequentemente, tem fortes impactos sobre as possibilidades de formação subjetiva.
Main Text
Introdução
Como salienta Schmidt et al. (2020), a crise sanitária atual [...] é a maior emergência de saúde pública que a comunidade internacional enfrenta em décadas (p. 62). Essa conjuntura inclui o risco sanitário, os processos sociais e contingências anteriores, explicitados pelo avanço dessa crise, bem como outros fatores engendrados nesse contexto. Fatores que ultrapassam, e muito, o âmbito da saúde física dos indivíduos. Tudo isso escancara aspectos sociais que evidenciam os contrastes e as estruturas de uma sociedade complexa e prenhe de paradoxos.
De modo geral, entendemos que a contingência da crise do novo coronavírus restabeleceu rupturas, desdobramentos e atravessamentos. Acirrando e recrudescendo muitos aspectos sociais e socioeconômicos que já vinham na esteira de uma lógica neoliberal, essa crise retomou e atualizou processos, e deu novas posições e sentidos para problemas nem tão recentes assim (ANGELI-SILVA et al., 2021).
No decorrer desta investigação exploramos e discutimos alguns impactos desse cenário no ensino brasileiro, o qual, nesse cenário pandêmico, ficou ainda mais fragilizado. Focamos especialmente em discutir limites, possibilidades e potencialidades da formação subjetiva, entendida aqui, como uma noção que problematiza a ideia de bildung ou formação cultural, ampliando sua abrangência e repensando as interlocuções entre a subjetividade contemporânea e os processos formativos atuais (SILVA, 2020; SILVA; AZEREDO; BITTENCOURT, 2016; SILVA; BERNARDO, 2020; SILVA; MWEWA; CABRAL, 2017; SILVA; OLIVEIRA, 2021).
Deste modo, compreender as múltiplas implicações dos processos formativos e seus recôncavos mais particulares pode nos levar a um entendimento profundo de aspectos vitais da sociedade contemporânea. As posturas éticas, educacionais e econômicas podem nos apontar quais os elementos que se farão necessários a uma atualização dos projetos formativos a serem pensados na contemporaneidade em relação ao futuro.
Tendo isso em vista, nossos objetivos específicos são: delinear algumas das transformações sociais e educacionais no contexto atual e discutir os modos pelos quais esse diagnóstico pode indicar algumas pistas sobre processos que perpassam o campo educativo/subjetivo e suas relações com a formação subjetiva.
Nossa investigação se configura como uma pesquisa essencialmente bibliográfica, utilizamos particularmente a abordagem da revisão integrativa. É uma investigação de cunho crítico-interpretativa e descritivo-exploratória. Isso significa, entre outras coisas, que delineamos alguns aspectos das transformações no cenário social e educativo para, simultaneamente, entrever possibilidades conceituais e teórico-metodológicas com relação à formação possível nesse contexto.
Assim, apresentamos, em primeira subdivisão, algumas categorias fundamentais de um entendimento de formação, bem como apresentamos características e papéis fundamentais da educação. Na segunda seção, traçamos algumas articulações dessas categorias para pensar as (im)possibilidades da educação como processo formativo, inter-relacionando discussões acerca do desmonte escolar, esvaziamento dos sentidos do educar e desdobramentos de uma educação crítica e estética.
Anamnese ou questões iniciais para um diagnóstico
A pandemia, de acordo com Babrosa e Cunha (2020), com sua contingência, realçou problemas educativos sérios, e a educação ganhou, por vários motivos, uma amplitude para expressão do que já se encontrava latente. Nessas circunstâncias, é imprescindível questionarmos esses desenvolvimentos, qual a racionalidade por trás dessas ações destrutivas em relação à educação, e reconhecer uma persistente instrumentalização e objetificação dos processos educativos, dos indivíduos e de suas relações com a educação.
Nesses processos, a educação, em especial na escola, é empurrada para um encadeamento, em que ela se torna mais um dos produtos na prateleira para quem puder pagar. Essa dinâmica mantém os ciclos de exclusão e exploração, e com eles, as desigualdades e contrastes próprios do capitalismo tardio. Todo esse contexto de manutenção de ciclos desiguais, quebrando o ensino público, vão ao encontro da educação para o capital (MÉSZÁROS, 2005). Dessa forma, os excluídos e menos favorecidos continuam à margem e o direito básico à educação é vendido como privilégio.
Isso agrava um problema que já enfrentávamos antes da pandemia: o fato é que se tornou um hábito, até mesmo entre muitos professores e teóricos da educação, renunciar à possibilidade de discuti-la e tentar entendê-la fora de um jargão capitalístico-neoliberal. Conforme Silva e Bernardo (2020), existe, atualmente, uma certa inclinação, que progressivamente subsume a reflexão teórica em troca de ações mais “concretas”. Nesse âmbito, o que tem predominado é cada vez mais o domínio da massificação cultural, o obscurantismo e o negacionismo, frutos, em maior ou menor grau, desse desvirtuamento da educação.
Assim, podemos dizer que as relações de saberes e das práticas pedagógicas constituem ainda um campo de disputa. Entretanto, como educadores progressistas temos de pensar que, por meio da educação, os sujeitos têm suas experiências de mundo, criam sua cultura, e ao educarem-se, participando do processo de elaboração do conhecimento, constroem a si mesmos e o seu mundo (FREIRE, 2005).
O aspecto institucional
No Brasil, atualmente, o papel da educação vai bem além de sua função propriamente pedagógica, especialmente no sistema de ensino formal. Conforme Lokcmann (2013):
Esse processo de aumento da abrangência da função social da escola, como parte de uma certa política neoliberal, já assinala uma importante mudança dos sentidos possíveis do educar. Além disso, indica claramente a sobrecarga da escola enquanto instituição. As pessoas, desde muito cedo, já vão para a escola com o pensamento no mercado de trabalho, em busca da rentabilidade ideal. Muito mais agora, inclusive, com as aulas de empreendedorismo no novo ensino médio. Desse modo, a principal preocupação do aluno, e da família do aluno, é o preparo para o emprego, compactuando com a engrenagem incansável do capitalismo desenfreado, que cria as más condições de trabalho e competitividade.
É importante salientar que o papel formativo da escola não abrange somente os estudantes, mas todos os envolvidos no contexto educacional. Além de ser um espaço de socialização e de formação, é também um âmbito que, enquanto comunidade escolar, tem suas próprias dimensões. Todos são sujeitos do processo, e todos ajudam na construção do conhecimento. Assim, nada se transfere, mas se constrói, formando e reformulando, então,
As formações e reformulações necessárias se apresentam de maneira mais explícita em tempos difíceis, como nos tempos atuais pandêmicos, em que, por decorrência do novo coronavírus, setores de diversas áreas tiveram de cessar e modificar, drástica e repentinamente, suas atividades. Dentre eles, os departamentos educacionais, os quais tiveram que recorrer às estratégias de emergência para manter condições mínimas de educação.
Escolas e Universidades estiveram fechadas e as aulas foram realocadas para o formato online. Neste período de transição, muitas transformações em âmbito nacional e educacional ocorreram, bem como o aumento das críticas em relação à docência e ao ensino formal e à instituição do novo ensino médio. Sobre os processos de educação emergencial que foram sendo mobilizados no início desse período de pandemia, Vieira e Ricci (2020, p. 2) escrevem o seguinte:
Então, com a chegada desta realidade, os professores tiveram de se reinventar, renovar suas práticas e se re-formar ainda mais, para que o ensino-aprendizagem se mantivesse efetivo. Por meio de experimentações, de novas perspectivas e aparatos pedagógicos, se desdobraram para tentar manter a qualidade do ensino. Em contrapartida, muitos alunos não se dedicaram de maneira efetiva ao estudo, pensando só em adquirir o diploma para logo poder entrar para o mercado de trabalho. Tudo isso tem gerado, consequentemente, poucas ações buscando o conhecimento, construção cultural e social, consentindo, mesmo que inconscientemente, para o desmonte que vem sendo programado, e com a lógica do capital.
Paralela a esta realidade, tem-se a projeção do ensino para o mercado, criticado pela perspectiva da educação para além do capital e a discussão de que o emburrecimento e o desinteresse são programados por meio do currículo e das metodologias. A educação, ainda hoje, vive seu paradoxo. De um lado, oferecendo dispositivos que possibilitam a resistência crítica, e de outro, contribuindo com a manutenção do modelo de conformação cultural imposta pela ideologia dominante.
Dessa maneira, a formação e a educação podem ser pensadas como continuidade constitutiva. É o constante processo da aquisição e apreensão da cultura, por meio do qual compreendemos a constituição da característica da humanidade nos seres humanos. Isto é, parte fundante do próprio sentido da formação do sujeito vem em relação a sua determinada ambientação sociocultural, tendo como importante porta de entrada a experiência.
O caráter (r)evolucionário
A educação tem função central nas lutas de resistência, pois tem o objetivo de contribuir para a construção e fortalecimento da cidadania, superação de violências e discriminação. Ela pode contribuir para o reconhecimento e a defesa dos direitos fundamentais, que são pilares da democracia. Além disso, por meio dela, pode ocorrer a dissolução dos mecanismos de repressão, fortificando os meios de defesa contra a barbárie. Mais que um direito humano, ela é essencial na formação cultural, intelectual e social dos indivíduos. Com essa ferramenta importante, dá-se respaldo para que os sujeitos se tornem críticos e emancipados, para tornarem-se parte saudável do corpo social.
Educar é um instrumento essencial na construção de capacidades e formação social, para que as pessoas tenham possibilidade e coragem para enfrentar os desafios e complexidades da vida, da cultura, da economia e da sociedade (UNESCO, 2010). O ensino está associado aos processos de comunicação e interação, que fortalecem a prática social e sociocultural. Além disso, a educação tem poder de cura, integra os indivíduos inseridos em sua rede, empodera e potencializa os sujeitos, contribuindo fortemente para a libertação dos oprimidos.
Tem como um dos seus feitos influenciar, por meio de intervenções diversas, em que são imbricadas intencionalidades educativas, que implicam escolhas, valores, ética e amorosidade. “A educação é um ato de amor e, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa.” (FREIRE, 2019, p. 127). É fundamental nas relações sociais e conscientização da população sobre seus direitos e deveres, bem como uma ação para esperançar e traçar perspectivas de futuro, ainda que alguns pensem que sonhar e realizar sonhos é privilégio (FREIRE, 2019). A educação se apresenta num compromisso com a liberdade e formação para o exercício da cidadania.
A proteção do direito ao acesso à educação para todos está diretamente ligada à justiça social e equidade, funcionando como suporte para a inclusão social e redução de pobreza e desigualdades. Dessa forma, é necessário respeitar as condições culturais dos alunos. Elaborar um diagnóstico histórico-econômico e pensar na prática educativa emancipatória, pois “a única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação seja uma educação para a contestação e para a resistência” (ADORNO, 2021, p. 200), bem como para o respeito e compreensão de diversas culturas e formações.
(Im)possibilidades e (per)formações
A partir desse diagnóstico, podemos nos permitir ver aspectos mais basilares e fundamentais de processos e de transformações sociais e educativos que recrudesceram neste período de pandemia. Além disso, temos a oportunidade de vislumbrar outros fatores que sinalizam mudanças que influenciam nossas condições educativas nesse período, e deixarão marcas indeléveis. Seria, no caso, o momento para divisar questões mais contingentes e passageiras daquelas mais consistentes e imanentes, que dizem respeito à gênese e à natureza mais profunda da nossa sociedade (SOUSA SANTOS, 2020).
A noção de formação subjetiva
Para o humanismo do século XVIII e XIX, a formação dos indivíduos caracterizava-se por “um fim em si mesmo”, com o objetivo de realizar a construção do ser humano ideal. Desse modo, sua autonomia, sua dignidade e sua condição moral poderiam se desenvolver a partir do “cultivo de si mesmo”. A característica central dessa noção de formação era a ênfase na autonomia do sujeito, por meio da formação ampla.
Nesse ínterim, o conceito de Bildung foi introduzido no idealismo alemão, como sendo a necessidade de pôr em atividade todas as forças do ser humano para desenvolvê-lo. Esse termo polissêmico tem sido pensado em seus diversos aspectos e suas possíveis acepções como: formação (em sentido amplo), formação cultural e formação subjetiva (SILVA, 2020; SILVA; AZEREDO; BITTENCOURT, 2016; SILVA; BERNARDO, 2020; SILVA; MWEWA; CABRAL, 2017; SILVA; OLIVEIRA, 2021).
Seguindo nessa lógica, esse conceito tem tomado diferentes direções, e encontra relevância no modo como articula a relação imanente dos conceitos de cultura, sociedade e educação. É sob esse pano de fundo que a formação subjetiva pode contribuir para um entendimento dos processos educativos: realçando e distinguindo os processos de subjetivação das relações de poder, seus fundamentos ético-políticos reproduzidos no âmbito educativo, e também destacando pistas sobre o papel desses imperativos no horizonte da educação contemporânea.
No ensaio Teoria da Semiformação (ADORNO, 1996), Adorno aponta que, no capitalismo tardio e, sobretudo, a partir da totalização da dominação social, não apenas essa formação subjetiva estaria comprometida, mas as diversas dimensões da vida. Para Adorno,
Desse modo, para esse autor, apesar de todo o avanço tecnológico, e do desenvolvimento das reformas educacionais, ainda não estamos suficientemente preparados para eliminar os sintomas semi-formativos. Tais sintomas não são aleatórios ou espontâneos, mas são frutos de uma lógica altamente planejada, que insiste em permanecer. Uma lógica e uma racionalidade instrumentalizadora.
Nesse sentido, a formação subjetiva tem um papel fundamental a cumprir, se dirigida para uma “autorreflexão crítica” da própria educação, colocando em questão a possibilidade de outras experiências educativas. É importante lembrar que educar para a formação subjetiva não é apenas possibilitar o acesso à escola para todos, mas elaborar conjuntamente rumos, itinerários e percursos formativos que atendam às demandas para tal formação.
Supondo que tanto os sujeitos como os objetos tem momentos objetais e subjetivos, essa abordagem pode compor uma descrição das dinâmicas de retroalimentação sujeito-objeto e também clarear os processos de formação subjetiva. Levando-se em conta essa capacidade de ler as dinâmicas subjetivo-objetivos em seu movimento, ela nos ajuda a compreender mais e mais profundamente as dinâmicas da formação subjetiva e social.
Não se trata aqui de idealizar a educação, mas de considerar o perigo contemporâneo de uma dessensibilização dos sentidos e do papel central da educação na nossa sociedade. Trata-se de destacar o papel da educação e a sua tarefa de pensar as experiências de ensino e aprendizagem como os dispositivos de constituição de uma nova sociedade em potencial. Nesse aspecto, os sentidos da educação e da formação subjetiva podem ser traçados por meio de múltiplos planos e atravessamentos, envolvidos na constante elaboração e colaboração nos processos educativos em devir.
Experiência educativa/subjetiva
A educação, assim, se configura como experiência de múltiplas dimensões formativas. Não queremos apenas falar do ensinar e aprender, mas dar destaque para aspectos que compõem as (im)possibilidades educativas, tanto institucionais quanto individuais e subjetivas. Trata-se de considerar um olhar crítico, capaz de reconstruir e recompor novos sentidos de um imaginário educativo e, portanto, ético-político. No nosso entendimento, esse novo cenário reencena velhos enredos, tramas de interdições e silenciamentos, mas também reelabora possibilidades e novas condições, que mobilizam relances, vislumbres e oportunidades. É preciso antes de tudo desafogar o trânsito das ideias, desassorear os rios do pensamento, desentupir os encanamentos (teoria) da nossa práxis.
A Teoria é, em certo sentido metafórico, esse encanamento (ŽIŽEK, 2017). Ou seja, em vez de ser alguma coisa estranha ou alheia à materialidade e à concretude da nossa vida, é ela quem sustenta todas as dimensões do funcionamento da sociedade, coloca suas figurações de mundo e ideologias e disponibiliza, randomicamente, a nutrição e a gestão de resíduos dessa mesma sociedade. Poderíamos até, arriscando um pouco, traçar um paralelo entre a falta de saneamento, a precariedade subjetiva e a marginalização.
A maioria de nós não presta atenção aos encanamentos, a não ser quando alguma coisa dá errado. Quando o vaso entope, quando o ralo transborda ou quando falta água. A questão é que, como fica cada vez mais evidente, inclusive pelos agravamentos trazidos pela pandemia, o que precisamos fazer, e o que uma educação crítica, estética ou como queiramos chamar, poderá fazer, é uma espécie de “gato” na rede.
Ao invés de procurar reformar a rede para termos um alcance maior ou para que haja mais volume circulando, deveríamos pensar o modo como ela está desproporcionalmente distribuída. Pensar em criar pontos, os mais “invisíveis” possíveis, e neles criar recessos, bolsões e outras formas de recuo e fonte de alimentação. Esses repositórios, espaços de salvaguarda de desenvolvimento intelectual, serão o efeito serrapilheira de realimentação do ecossistema educativo, por meio deles poderemos nos aquilombar e retornar a algum lugar de conservação, comunidade, imanência crítica e autocrítica.
Dessa forma, basicamente tudo o que vivenciamos e experimentamos são, em certo sentido, experiências educativas (SANTOS, 2019). De modo que a aprendizagem também significa estarmos inseridos em uma comunidade onde se compartilha o mesmo interesse, e refletirmos sobre como somos e como nos constituímos. Este é um processo de troca de palavras, reciprocidade e empatia pelo saber do próximo, e também é um momento de aprendizagem.
Pensando por esse prisma, especialmente nesse contexto em que vivemos, o campo educacional torna-se, simultaneamente, veículo e repositório da possibilidade de recuperarmos a experiência educativa. Uma vivência mais sensibilizada, mais profunda, de cujas consequências éticas e ético-políticas poderemos retirar as possibilidades de imaginar um futuro. Por meio desses processos e dessa postura crítica quanto ao educar podemos vislumbrar algum programa de transformação educativa, pedagógica e formativa.
Pensada a partir de uma racionalidade estética (ADORNO, 1982), essa experiência compreende um arco que vai desde a experiência estética, passando pelas implicações epistemológicas e, portanto, pelas consequências éticas, e finalmente, as consequências ético-políticas. Dessa maneira, uma educação estética parte dessas limitações à formação subjetiva, transformando-as em potencial expressivo e, sobretudo, transformativo. Isso acontece, pois essa natureza estética fundamental se desenvolve colocando em movimento e entrelaçando elementos de uma racionalidade que amadurece enquanto se aprofunda criticamente na sua autoconsciência.
A consequência disso é uma percepção de si e uma compreensão das determinações sociais e suas mediações, o que, por sua vez, indicaria os caminhos de uma prática individual e social (ADORNO, 1982). Uma educação (antifascista, crítica, antirracista etc.) tem, por categoria, que seguir o mesmo caminho.
Considerando que “A crítica não se acrescenta de fora à experiência estética, mas é-lhe imanente” (ADORNO, 1982, p. 382). Uma educação estética, como uma abordagem que considera necessariamente a formação subjetiva, pode se concentrar em elaborar contextos ou campos de elastecimento, ampliação, distensionamento, alargamento etc, dos conteúdos e possibilidades para experiências estéticas. Esses esforços vão, então, emergir às experiências educativas, e delas o exercício de novas habilidades críticas.
Apesar de esses desenvolvimentos estarem aparentemente concentrados na dimensão da formação subjetiva, a reflexão em relação à formação está envolvida na promoção da autonomia num mundo e num contexto de crise ambiental, apartheid sanitário e superexploração capitalista. Desse modo, entendemos que, na conjuntura e constelativamente, isso pode significar pôr em movimento uma transformação do entendimento dos sentidos e do potencial do educar nessa época de pandemia.
Considerações finais
Nosso objetivo, no contexto dessa pesquisa, foi o de tentar entender o cenário educativo. Por meio de um diagnóstico dos processos de transformação que vieram com a pandemia do novo coronavírus desenhamos alguns aspectos dessas transformações, fatores que acabaram destacando processos sociais. Neste trabalho, tratamos da problemática da educação contemporânea. Procuramos entender como um diagnóstico das condições da educação contemporânea poderia indicar alguns processos e dinâmicas que permanecem no âmbito educativo.
A questão central que destrinchamos diz respeito ao modo como esses elementos aparecem, podem ser identificados, e também, como eles vão permanecer, sob a forma de mudanças e transformações, especialmente com relação à formação subjetiva. De certa maneira, elaboramos esse problema por meio do próprio diagnóstico e análise, que trouxemos e desenvolvemos com a ajuda dos autores.
Agora, já podemos começar a ver retroativamente sintomas econômicos e, também, éticos e políticos, dessas transformações. Entre outras situações, eles revelam o estado da sociedade brasileira, não apenas com relação à educação, mas também com relação aos papéis que a educação, especialmente a escola como instituição, tem que desempenhar em uma sociedade completamente desigual, violenta, racista e estruturada sobre a desigualdade.
Assim, percebemos que esse processo diagnóstico pode sinalizar essas transformações, os processos que transformaram a maneira da prática educativa, urgência e emergência; o modo como os professores tiveram que passar por formações para entender as ferramentas virtuais e digitais; o quanto os alunos também ficaram dependentes de outros tipos de dispositivos e políticas públicas na ausência da figura institucional da escola; o modo como os laços educativos, formativos e até afetivos, entre os estudantes e professores, tiveram impactos bastante graves; esse desenho desses pontos das condições da educação deixou evidente como isso impactou na formação subjetiva.
Por fim, entendemos que o problema não se esgota apenas nestes aspectos, mas analisando e expondo-os, propomos um olhar sobre estas possíveis relações, no sentido apenas de nos levar a alguma reflexão. Pensar a educação, em seu âmbito social, é entendê-la imersa no contexto sociocultural da contemporaneidade, interagindo com a cultura, tanto seja no sentido de se utilizar de determinados aspectos para a formação, quanto no de ser imprescindivelmente influenciada pelos impactos socioeconômicos atuais.
Como salientamos anteriormente, essa é uma pesquisa qualitativa bibliográfica. Articulamos aspectos metodológicos de dois instrumentos metodológicos de revisão, a revisão integrativa e a narrativa. Dessa maneira, relacionamos alguns autores importantes e algumas leituras centrais que deram a tônica da fundamentação teórica e que também nos ajudaram a pensar categorias e conceitos. Foi por meio dessa elaboração que propusemos esse horizonte crítico-interpretativo para as nossas análises.
Especialmente por conta dos instrumentos metodológicos que utilizamos, nós agrupamos, conceitualmente, os aspectos essenciais dessa discussão para poder estabelecer o panorama das análises que nós desenvolvemos. Dessa maneira, talvez uma revisão bibliográfica sistemática pudesse ampliar o mapeamento desse diagnóstico, indicando elementos de um diagnóstico talvez mais amplo, mais profundo, mais detalhado e pormenorizado das condições da educação.
Isso poderia indicar outros aspectos, não somente conceituais e metodológicos, mas também no sentido das transformações e modificações com relação à instituição propriamente da escola; salientando como as práticas educativas, formais e não formais, foram afetadas neste período de pandemia e o que isso sinaliza.
Resumo
Main Text
Introdução
Anamnese ou questões iniciais para um diagnóstico
O aspecto institucional
O caráter (r)evolucionário
(Im)possibilidades e (per)formações
A noção de formação subjetiva
Experiência educativa/subjetiva
Considerações finais