Typesetting
Mon, 14 Aug 2023 in Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação
O OLHAR DOS GESTORES SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE NO PROGRAMA ENSINO INTEGRAL
RESUMO:
A pesquisa, de caráter qualitativo, pretende analisar as condições do trabalho docente no Programa Ensino Integral (PEI), a partir da ótica da equipe de gestão escolar. A coleta de dados ocorreu com questionário e entrevista semiestruturada. A análise descritivo-interpretativa evidenciou aspectos positivos e fragilidades no programa, a saber: dedicação exclusiva possibilitada pelo RDPI e o acréscimo salarial por meio do GDPI; quanto às fragilidades: um possível caráter tecnicista, pressão pelo bom desempenho por meio das avaliações, ausência de um quadro de profissionais substitutos, aumento do número de aulas, diminuição do quadro docente, sobrecarga de trabalho e falta de ações de formação continuada. Apesar do PEI possuir aspectos que podem apontar para boas condições de trabalho e a promoção de uma “educação de boa qualidade”, o programa é fruto dos matizes das reformas neoliberalistas que se agravam e precarizam as condições de trabalho no passar dos anos.
Main Text
Introdução
No atual cenário educacional, o avanço da globalização e o acesso à informação por intermédio dos meios de comunicação em massa exigem cada vez mais que as escolas adotem, em suas práticas educativas e nos processos de ensino e aprendizagem, inovações educacionais, mudanças e/ou, em certos casos, reformas educativas. É certo que “[...] esse processo é, complexo em sua natureza, e envolve, entre outros fatores, conflito de interesses, necessidade de legitimação e controle e propósitos de dominação envolvendo inúmeros fatores” (RINALDI; BROCANELLI; MILITÃO, 2012, p. 91).
Além disso, o crescimento populacional, a ampliação das desigualdades e a emergência de questões sociais, culturais, éticas, políticas e econômicas na sociedade contemporânea, agravadas pela pandemia de Covid-19, colocam novos desafios às instituições de ensino, principalmente, ao professor, principal ator no processo de ensino e responsável pela mobilização de um conjunto de conhecimentos específicos e de naturezas diversas em seu trabalho, uma vez que este faz escolhas formativas que marcam de forma significativa o currículo real e a formação das identidades dos/as estudantes. Ainda que sua atuação não tenha o potencial de definir, isoladamente, a qualidade da educação escolar, suas decisões são muito relevantes na luta por uma escola pública de qualidade para todos/as.
Contraditoriamente, acompanhamos perplexos a lógica do Estado regulador que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a ser respeitada obrigatoriamente, ao longo das etapas e modalidades da educação básica, o uso dos livros didáticos como recursos propulsores da equidade de oportunidades, do sucesso dos alunos, e uma educação que esteja voltada “ao direito de aprendizagem do estudante”, com ênfase nas competências e habilidades de leitura, escrita e matemática, segundo a BNCC. Todavia, são recursos que engessam o trabalho do professor a partir de prescrições para o desenvolvimento das atividades que desconsideram a diversidade cultural, socioeconômica, as características regionais, da comunidade, da escola e seu cotidiano. Defendemos que a valorização apenas do desempenho cognitivo não é suficiente para uma formação plena do estudante, pois a educação escolar não é e nem deve ser um processo plenamente controlado. Ademais, como problematiza Gouveia (2010, p. 2-3, grifo nosso):
[...] o objetivo da educação brasileira é “o pleno desenvolvimento da pessoa” (BRASIL, 1988). Entretanto, tal definição não é indiscutível. O que é realizar o pleno desenvolvimento num contexto marcado por desigualdades econômicas que se refletem em grandes desigualdades de acesso aos mais variados bens sociais e culturais? Assegurar a efetividade subjetiva da escola requer que as práticas educativas incorporem a diversidade cultural, porém construindo condições de superação de desigualdades socioeconômicas. Isso exige uma concepção de inclusão que permita ao conjunto dos estudantes uma percepção de que a escola reconhece suas aspirações, seus desejos, suas demandas e, além de reconhecer, organiza-se de forma a construir uma experiência subjetiva afirmativa de realização dessas demandas.
É imprescindível, no processo de ensino e aprendizagem, que o professor possa mobilizar conhecimentos que lhe permitam analisar criticamente as demandas que chegam à escola, de modo a reconhecer o que é coerente com a função socialmente definida para ela e com a consolidação de condições para que todos/as possam encontrar, nesta instituição, os apoios necessários para desenvolver as aprendizagens consideradas relevantes num dado contexto sócio-histórico.
A busca pelo sucesso escolar:
[...] implica um conjunto de aspectos de desenvolvimento da sociabilidade. A expressão diz respeito à escola, que tem uma função diferenciada nas sociedades atuais: a escola realiza concretamente o direito humano de instruir-se, ao mesmo tempo educando-se e formando-se para participar de uma civilização e da preservação da vida. Êxito no percurso escolar é êxito na apreensão de conhecimentos em sua relação com os modos de existência nas diversas formas societárias humanas. Aprender é um direito inalienável de todos e a sensibilidade aos sinais do aprender - o aprender conteúdos, comportamentos, atitudes, valores e aprender o compartilhar, o respeito ao outro - na diversidade, é que pode levar professores e alunos a trilharem caminhos interativos e dialógicos na direção da ampliação exitosa de seus conhecimentos, em seus significados sociais, culturais, científicos, pessoais e éticos (GATTI, 2010a, p. 1).
Nessa perspectiva, o sucesso envolve, entre outros aspectos, as condições de trabalho docente. Como afirma Oliveira (2010, p. 1, grifo nosso):
[...] condições de trabalho designa o conjunto de recursos que possibilitam a realização do trabalho, envolvendo as instalações físicas, os materiais e insumos disponíveis, os equipamentos e meios de realização das atividades e outros tipos de apoio necessários, dependendo da natureza da produção [...] inclui relações, as quais dizem respeito ao processo de trabalho e às condições de emprego (formas de contratação, remuneração, carreira e estabilidade).
Entendemos que há uma produção consolidada sobre o trabalho docente e optamos por trabalhar com os seguintes autores: Duarte (2010), Oliveira (2010, 2004), Pereira Junior (2017), Gatti (2010b), entre outros. Elegemos como foco de análise as condições do trabalho docente no Programa Ensino Integral (PEI) do estado de São Paulo, a partir da ótica da equipe de gestão escolar - Diretor (a), Vice-diretor(a) e Professor Coordenador Geral.
Este texto integra uma pesquisa desenvolvida na iniciação científica, em que foram analisadas a configuração e as possíveis inovações do Programa Ensino Integral (PEI) a partir da ótica dos gestores, tomando o caso particular das escolas estaduais do município de Presidente Prudente, SP, que aderiram ao programa. No referido estudo, utilizamos como instrumentos de coleta de dados o questionário e a entrevista semiestruturada aplicados aos membros da equipe de gestão escolar, a saber: diretor (a), vice-diretor(a) e professor coordenador geral, em exercício em três escolas, totalizando oito participantes. A análise dos dados se pautou na perspectiva descritivo-interpretativa.
O estudo indicou que o programa trouxe muitas mudanças para as escolas desde a sua implantação, por exemplo: melhoria na infraestrutura, materiais didáticos e equipamentos didáticos e pedagógicos; significações e ressignificações na aprendizagem dos alunos; comprometimento e compromisso dos profissionais com a escola; parceria com a família e a comunidade; entre outras de igual relevância educacional. Houve ainda a constatação de inovações com o PEI, notadamente no que se refere: à estrutura da escola com a inserção de tecnologias digitais, laboratórios, entre outros recursos materiais; currículo interdisciplinar; a formação dos profissionais no que tange à docência; regime de trabalho com dedicação integral (RDPI); valorização da carreira, remuneração; protagonismo nas ações dos alunos; comprometimento relacional entre a equipe escolar (gestão, funcionários, professores, estudantes e pais/comunidade).
Neste momento, propomos ampliar as discussões com o objetivo de analisar as condições do trabalho docente no Programa Ensino Integral, a partir da ótica da equipe de gestão escolar (diretor (a), vice-diretor(a) e professor coordenador geral). Para esse fim, apresentamos, inicialmente, alguns aspectos teóricos e conceituais e, na sequência, parte dos resultados obtidos através da pesquisa.
Apontamentos sobre o trabalho docente
Compreendemos o trabalho docente de modo mais alargado, não mais restrito ao espaço da sala de aula, ao processo de ensino e aprendizagem exclusivamente. Mas como uma atividade laboral que envolve, entre outras, as atividades de planejamento, de participação na construção do projeto político-pedagógico, nas atividades da gestão escolar e, portanto, envolve todos os atores da escola, sejam eles: diretor (a), vice-diretor (a), coordenador(a), professores (as), funcionários (as) e pais, ou seja, a todos aqueles que possam promover a aplicabilidade das ações e funções da escola em busca de criar condições para o desenvolvimento da formação e sucesso escolar dos alunos.
Duarte (2010, p. 105) adverte que o trabalho docente “[...] abarca tanto os sujeitos nas suas complexas definição, experiência e identidade, quanto as condições em que as atividades são realizadas no contexto escolar. Compreende, portanto, as atividades, responsabilidades e relações que se realizam na escola, para além da regência de classe”.
Concomitantemente às colocações da autora, Pereira Junior (2017, p. 104), em sua tese de doutoramento, afirma que “[...] o trabalho docente engloba tanto as atribuições pedagógicas quanto as atividades relacionadas à gestão ou à rotina das escolas” e acresce, considerando o que defende Oliveira (2010) como apontado anteriormente, que as condições de trabalho docente:
[...] constituem os aspectos objetivos e subjetivos encontrados ou vivenciados [...] no cotidiano escolar que possibilitam o desenvolvimento do trabalho docente e se associam a fatores relacionados aos aspectos físicos e psicológicos, aos sentimentos, às percepções e às ações realizadas pelos professores em decorrência do cotidiano escolar (PEREIRA JUNIOR, 2017, p. 103).
Ao retratarmos sobre as questões do trabalho docente, é notório que as reformas educacionais emergentes nas últimas décadas no Brasil e nos demais países da América Latina têm provocado mudanças expressivas nas condições de trabalho dos profissionais da educação, visto que são reformas neoliberais que implicam não apenas no nível escolar como também em todo o sistema educacional, que provocam alterações na estrutura do trabalho escolar.
A partir das reformas presentes no contexto brasileiro pós 1990, passou-se a atribuir aos profissionais da educação novas e variadas funções que estão além de sua formação. Em outras palavras, os docentes se veem obrigados a cumprir as prescrições que lhes chegam por meio dos livros didáticos e do apostilamento das escolas, e devem, também, desempenhar atribuições/funções de agente público, psicólogo, enfermeiro, assistente social, entre outras, o que pode trazer à tona o sentimento de uma desprofissionalização, no qual o papel de planejar e ensinar já não é o principal. Libâneo (2012) chama a atenção sobre o caráter assistencialista da escola pública, que descaracteriza o processo de ensino-aprendizagem e assevera as desigualdades sociais.
Essa situação provoca no profissional a perda de sua autonomia. Para Oliveira (2004, p. 1134), “[...] o trabalhador que perde o controle sobre o processo de trabalho perde a noção de integridade do processo, passando a executar apenas uma parte, alienando-se da concepção”. Além disso, abre mão da postura vigilante contra todas as práticas de desumanização, defendidas por Paulo Freire.
Essa ideia parte de narrativas que geram um status quo do que é e quais condições temos para ser professor, pois estas sofrem ações e implicações sociais, econômicas e técnicas, as quais se materializam em políticas públicas que desconsideram as reais e efetivas condições de trabalho vivenciadas pelos docentes da educação básica no Brasil. Sabemos que o ideário neoliberal, apoiado em normativos contemporâneos e mais progressistas, incorpora em seu discurso ideológico a categoria “autonomia”. É preciso estar atento às forças desse discurso e às inversões que podem operar no pensamento e na prática pedagógica cotidiana ao estimular o individualismo, a competitividade, o saber fazer dissociado do saber pedagógico e da formação ética, cultural e política.
É preciso implementar políticas públicas educacionais de defesa, estímulo e valorização da carreira docente, que tenham como finalidade a superação dos inúmeros desafios, entre os quais o ingresso na carreira do magistério por meio de concurso público, perdas salariais e previdenciárias, baixa atratividade da carreira no país, formação orientada pelo paradigma da racionalidade técnica, a desvalorização dos cursos de licenciaturas, de modo que a escolha pela docência seja uma escolha consciente e não uma falta de opção ou mesmo não se constitua como segunda opção de projeto profissional; ou, ainda, como alerta Gatti (2010b), se efetive em um seguro-desemprego, ou seja, que não se torne uma opção de trabalho alternativa em caso da não possibilidade do exercício da profissão escolhida em primeiro plano.
Considerações sobre o trabalho docente no Programa Ensino Integral do estado de São Paulo
Os pesquisadores Oliveira (2010) e Pereira Júnior (2017) indicam os elementos que compõem as condições do trabalho docente. Oliveira (2010, p. 1) pontua que “[...] é possível definir o trabalho docente como todo ato de realização no processo educativo, [pois] compreende as atividades e relações presentes nas instituições educativas, extrapolando a regência de classe”.
O Programa Ensino Integral, criado em 2012 por meio da Lei Complementar n. 1.164, de 04 de janeiro de 2012, alterada posteriormente pela Lei Complementar n. 1.191, de 28 de dezembro do mesmo ano, tem como objetivo melhorar os resultados educacionais por meio de um ensino de excelência na formação integral dos jovens contemplados por essa política (SÃO PAULO, 2012).
Para isso, os profissionais atuam sob o Regime de Dedicação Plena Integral (RDPI), o qual garante sua permanência por 40 horas semanais em uma mesma instituição e, ainda, contam com uma Gratificação de Dedicação Plena e Integral (GDPI) com um acréscimo de 75% em seu salário base. É possível perceber que esses elementos são identificados na defesa de Oliveira (2010, p. 1), quando pontua com clareza que as condições de trabalho envolvem “[...] as condições de emprego (formas de contratação, remuneração, carreira e estabilidade)”. As escolas estaduais do Programa Ensino Integral contam com uma organização e estrutura própria de funcionamento, possuindo um quadro exclusivo de magistério, independente do módulo pessoal. O trabalho das unidades escolares que fazem a adesão e implantam o PEI é norteado por quatro eixos: Missão, Visão de Futuro, Valores e Premissas.
É interessante retomar Libâneo (2018) quando afirma que a organização escolar não seria uma coisa totalmente objetiva e funcional, um elemento neutro a ser observado, mas uma construção social levada a efeito pelos professores, alunos, pais e integrantes da comunidade próxima. Além disso, não seria caracterizado pelo seu papel no mercado, mas pelo interesse público.
Considerando o foco desse artigo, a partir dos eixos norteadores do PEI, queremos dar destaque a dois deles. Os valores que se constituem pela “[...] Oferta de um ensino público de qualidade; a valorização dos educadores; a gestão escolar democrática e responsável; o espírito de equipe e cooperação; a mobilização, engajamento, comprometimento da Rede [...] (SÃO PAULO, 2014a, p. 09, grifo nosso). E as premissas que se desdobram em cinco, das quais enfatizamos a Formação Continuada, na qual o educador está em um “[...] processo permanente de aperfeiçoamento profissional e comprometido com seu autodesenvolvimento na carreira” (SÃO PAULO, 2012, p. 37), e a Excelência em Gestão, que se configura na busca pelo alcance dos objetivos e metas traçados no Plano de Ação da escola, bem como da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEDUC/SP).
As condições de trabalho preconizadas no Programa Ensino Integral encontram-se alinhadas à meta 6.1 do Plano Nacional de Educação (2014-2024), que dispõe sobre “[...] a ampliação progressiva da jornada de professores em uma única escola” (BRASIL, 2014, p. 99).
Delineamento metodológico
Essa pesquisa é de caráter qualitativo, isto é
[...] a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. A abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas (MINAYO, 2002, p. 21-22).
Tivemos como lócus para a coleta de dados três escolas da rede estadual, no município de Presidente Prudente, que participam do Programa Ensino Integral. A seleção do município ocorreu por sua expressividade regional, ou seja, por se constituir como a maior cidade da região do Oeste Paulista e ter escolas que aderiram ao PEI desde a sua implantação na rede estadual. Esse é um cenário propício para importantes reflexões e análises do processo que envolve a complexidade das trajetórias de atuação dos gestores no PEI. Visando atender aos preceitos éticos da pesquisa com seres humanos, as escolas serão identificadas pela letra ‘E’ e a sequência numérica ‘1’, ou seja, E1, E2 e E3. Quanto aos participantes, aceitaram colaborar com a pesquisa oito profissionais que compõem a equipe de gestão escolar do PEI em cada escola (diretor(a), vice-diretor(a) e professor coordenador geral). Esses participantes serão identificados por letras aleatórias (Tabela 1) na seção subsequente, quando são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa. Esses procedimentos buscam preservar a identidade das escolas e dos colaboradores, conforme previsto no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Por esse percurso metodológico, ancoramos a coleta de dados no questionário e na entrevista semiestruturada, que “[...] parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante” (TRIVIÑOS, 1987, p. 146).
Para fins de registro, as entrevistas foram todas gravadas (em áudio), armazenadas em um repositório do grupo de pesquisa Formação de Professores e Práticas de Ensino na Educação Básica e Superior (FPPEEBS), da Faculdade de Ciências e Tecnologia, sob domínio da Unesp. Posteriormente, foram transcritas na íntegra e, na sequência, analisadas com o objetivo de identificar as condições do trabalho docente no Programa Ensino Integral (PEI), a partir da ótica da equipe de gestão escolar.
A análise e interpretação dos dados ocorreu mediante o processo analítico da perspectiva descritivo-interpretativa que se encontra respaldada na triangulação metodológica de Tuzzo e Braga (2016). Após a análise, foram identificados sete eixos, os quais se apresentam a seguir.
Perfil dos participantes
O público participante da pesquisa contemplou os membros da equipe de gestão escolar em exercício em três escolas que aderiram ao PEI, no município de Presidente Prudente. Os dados obtidos com o questionário nos permitiram delinear o perfil dos colaboradores quanto ao gênero, faixa etária, vínculo profissional, cargo/função e tempo de atuação (Tabela 1).
Verificamos que do total de oito participantes na pesquisa, 37,5% são do gênero masculino com faixa etária entre 40 e 53 anos, todos iniciantes na função que ocupam no PEI. Segundo Rinaldi (2009, p. 128), “[...] assim como ocorre com muitos professores em início de carreira, [o formador iniciante] passa por um período de indução e necessita de 2 a 3 anos de atuação para formar a sua identidade profissional, independentemente de seu sucesso anterior na carreira como professor”. Com exceção de duas profissionais, M e E, respectivamente, todas as demais também podem ser classificadas como iniciantes na função que ocupam na gestão escolar do PEI das escolas em que atuam. A média de idade entre as participantes do gênero feminino é de aproximadamente 46 anos. Todos os colaboradores são titulares de cargos efetivos na rede estadual de São Paulo, 25% ocupam a função de PCG, 37,5% a função de vice-diretor(a) e 37,5% a função de diretor(a), respectivamente.
Em relação à faixa etária, percebemos um fenômeno de envelhecimento entre os gestores. Essa realidade já foi verificada em pesquisas anteriores no que concerne aos docentes (FERNANDES; SILVA, 2012; BRASIL, 2018).
Condições de trabalho docente no PEI
Com o objetivo de analisar as condições de trabalho docente no Programa Ensino Integral do estado de São Paulo, retomamos alguns dados da investigação desenvolvida por Ulloffo e Rinaldi (2021).
Quando indagados sobre ‘ser’ e ‘atuar’ como gestor no PEI, a diretora da E1 narra que:
[...] eu acho que na escola regular, a gente não tem essa possibilidade de estar mais tempo com os alunos e de poder promover essa educação interdimensional e essa pedagogia da presença. No programa, você tem essa oportunidade, porque você fica mais tempo com eles [...] essa oportunidade que você tem aqui de conversar com aluno (DIRETORA, S, E1, Entrevista).
Observamos na fala da diretora S que o Regime de Dedicação Plena e Integral (RDPI) contribui significativamente para a promoção das práticas educativas (educação interdimensional e da pedagogia da presença) pensadas pelo programa, bem como possibilita uma maior aproximação e convívio com os alunos.
Concomitante às colocações de S da E1, o PCG da E3 nos relata que essa permanência em tempo integral numa mesma escola colabora para que ele possa realizar suas atividades com maior compromisso, o que não acontece nas escolas regulares,
[...] então, aqui eu peço para o meu professor, olha eu quero a agenda para quinze dias a partir do início do bimestre, uma semana está lá, em uma semana está entregue, a data que eu pedi está entregue. Lá na regular, nossa! nem peça, nem pensar, porque ele corre de escola para escola, ah não tem tempo, dá aula em três escolas. No PEI, não! no PEI eu estou com o professor aqui dentro só para mim (PCG, A, E3, Entrevista).
O que nos chamou a atenção na fala de S e de A é o contato mais próximo que se tem entre os atores envolvidos no processo educativo no programa, seja diretor-aluno, professor-aluno, aluno-aluno, coordenador-professor, professor-professor, entre outros. Situação essa pouco visível nas escolas regulares, nas quais, majoritariamente, têm-se profissionais que, diante de fatores como desvalorização salarial, passaram a trabalhar em dupla ou mesmo tripla jornada de trabalho na mesma rede ou em diferentes redes de ensino.
É pensando neste fator salarial que M, PCG da E1, nos relata que das condições de trabalho oferecida pelo PEI a que mais lhe agrada é a questão da remuneração,
[...] é a diferença salarial, mas não é específico da gestão, todos os profissionais aqui têm uma diferença salarial (PCG, M, E1, Entrevista).
Esse aspecto também foi mencionado em estudos anteriores, quando apontam que a qualidade do ensino passa pela melhoria das condições de trabalho, consequentemente, condições salariais e de carreira (GATTI; BARRETO, 2009). Diante das assertivas, nos parece que o programa vem proporcionando algumas condições de trabalho satisfatórias, como proposto pela LDB/96 em seu artigo 67, que correspondem respectivamente por “piso salarial profissional” e “condições adequadas de trabalho” (BRASIL, 1996, p. 44).
Outro aspecto relevante identificado na pesquisa, na ótica da vice-diretora C da E3, é a organização da política do programa,
[...] eu acredito que é muito mais organizado, facilita muito mais o trabalho de um vice-diretor, né? ele sabe o que realmente ele precisa fazer, ele tem uma agenda, ele tem um cronograma, ele tem os alinhamentos dele semanal, então assim, tem o apoio do diretor e do coordenador (Vice-diretora, C, E3, Entrevista).
O relato de C da E3 retoma a organização e estruturação própria de funcionamento do programa como um dos aspectos que contribui para que o profissional tenha clareza do que precisa fazer. Identificamos no relato elementos de um modelo que defende a valorização do profissional da educação e a melhoria de suas condições de trabalho, e contraditoriamente tem uma perspectiva reguladora do trabalho educativo, pretensamente neutra e tecnicista.
O aspecto regulador do programa inclui também a promoção das metodologias praticadas que envolvem componentes curriculares próprios, como: Projeto de Vida, Tutoria, Acolhimento, Nivelamento, Plano Individual de Aperfeiçoamento e Formação (PIAF), Planos e Programa de Ação, Agenda (Escolar e Bimestral), Líderes de Turma, Clubes Juvenis, entre outros.
No que concerne ao trabalho docente, chamamos a atenção para os Programas e Planos de Ação e Agenda. Os dois primeiros consistem num documento norteador das ações da gestão, com metas e estratégias traçados pelos profissionais, e o segundo a descrição de “por quem” e “o que” cada um irá desenvolver (SÃO PAULO, 2014b). Já a agenda (bimestral e escolar) indica quando as atividades deverão ser executadas e como irão acontecer.
Essa proposta do programa, em que cada profissional deve executar um Programa de Ação com metas e objetivos a serem atingidos e a rigidez no cumprimento de agendas e cronogramas, colocam-nos na posição de profissionais ancorados no que Schon (1997) denomina de racionalidade técnica, em que se predomina a aplicabilidade do ensino de forma instrumentalizada, não criando condições para que o profissional exerça um trabalho crítico, reflexivo e criativo, defendido por Ghedin (2003).
Partindo dessa ideia, sobre o cumprimento dos objetivos e metas, nos recordamos das colocações da diretora E da E3 ao narrar sobre como se dá o trabalho docente no programa,
[...] no PEI a gente passa por avaliação, nós avaliamos nós, eu avalio meus professores, meus professores me avaliam, aluno avalia a mim e aos professores, entendeu? Então assim, todo mundo tem que andar direito, no PEI ninguém pode falhar (Diretora, E, E3, Entrevista).
Essa avaliação proposta pelo programa tem como pretensão identificar as defasagens apresentadas pelos profissionais, de forma que, a partir dos resultados apresentados, será decidido sobre sua permanência ou não no PEI. Todavia, diante da fala da diretora, o que nos preocupa nesse mecanismo avaliativo presente na política é a pressão e a cobrança que recai sobre esses sujeitos e a valoração do desempenho, que é avesso à proposta de formação plena e emancipatória do sujeito.
A esse respeito, destacamos um trecho da fala de E, quando afirma: “no PEI ninguém pode falhar”. Essa ideia de falha ou insuficiência gera aos profissionais uma insegurança em seu trabalho e uma instabilidade profissional, dado que dependem de bons desempenhos para sua permanência ou não no programa. Essa situação pode acarretar a busca por outros empregos ou mesmo jornadas excessivas de trabalho, gerando desgastes físicos, emotivos, pessoais e de saúde mental.
Essa situação vivida pelos profissionais do PEI foi analisada por Dias (2018) e Ball (2006), que retratam o cenário do neogerencialismo que tem recaído sobre os trabalhadores da educação, desparzindo sobre eles a questão da “performatividade” e criando o controle sobre as atividades docentes, provocando competitividade entre estes.
Ainda, quanto à fala da diretora sobre a ideia de “não pode falhar”, podemos vislumbrar nitidamente a presença mercadológica e empresarial nos espaços escolares por meio de uma política capitalista e neoliberal que domina as escolas públicas. Apoiado nos estudos de Rios (2001), que tratam sobre as competências do profissional docente, é possível identificar quando sua atuação está a serviço de uma demanda social, possibilitando a construção de conhecimentos em sujeitos críticos na sociedade, assim como, pode estar em função de uma demanda de mercado, em que os indivíduos atuam de maneira mecânica, direcionados por meio de demandas, atuando apenas como técnicos de um ensino já preparado, sem a possibilidade de refletir sobre suas ações, trabalhar a diversidade e subjetividade do contexto escolar, o que acarreta, consequentemente, a não possibilidade do “errar” perante suas práticas.
Essa realidade é possível de ser vislumbrada nas avaliações de desempenho do Programa Ensino Integral, que aumentam a competitividade entre as instituições e seus profissionais, criando a imagem “positiva” para os qualificados e punitiva aos desqualificados para a função.
Nessa perspectiva sobre o trabalho docente no programa, R, que é vice-diretor da E2, nos conta que o que mais gosta se refere ao fato de todos se conhecerem,
[...] no ensino regular você geralmente não conhece, hoje é um professor, amanhã já é outro e se bobear no outro dia já é outro ainda né, então, você não conhece sua equipe totalmente e também não tem tantos professores que são efetivos nessas escolas regulares né? no ensino integral, não! todos são efetivos e você consegue desenvolver um trabalho melhor ali né, fica mais fácil (vice-diretor, R, E2, Entrevista).
Esse trecho narrado pelo vice-diretor R da E2 sobre o PEI não ter esse ‘sistema rotativo’ de substituição presente na rede de ensino é justificado devido ao fato, já apresentado, que o programa conta com um quadro de magistério próprio, ou seja, como discorre M da E1,
[...] nas escolas que não são do PEI quando o professor tira uma licença é colocado um substituto, apesar de que nem sempre, né? se consegue substituto, mas aí os alunos têm aula vaga, aqui não! aqui os demais professores são direcionados para a substituição, então você acaba e eles acabam ficando sem participar das reuniões pedagógicas (PCG, M, E1, Entrevista).
Parece-nos boa a ideia de o programa não depender de substitutos externos à política e/ou eventuais. No entanto, é preciso que se pense em uma estratégia para um quadro de profissionais substitutos, pois em situações excepcionais da falta e/ou licença de um, possa ter outro que irá substitui-lo, visto que essas substituições compulsórias feitas por outros indivíduos “[...] não recebe nenhum adicional pelo trabalho excedente” (DIAS, 2018, p. 13). O que já nos leva a questionar se a gratificação salarial oferecida é tão atrativa e suficiente.
No mesmo sentido de M da E1, a diretora E da E3 relata sobre o módulo que precisa ser revisto, uma vez que:
[...] hoje o governo colocou por exemplo na minha escola, porque é por módulo, né? então uma escola de onze classes como a minha tem X professores, tem dezessete professores. Só que eu não tenho só o currículo, eu tenho toda a parte diversificada, então esse ano ele aumentou onze aulas de tecnologias, e me faltam professor (Diretora, E, E3, Entrevista).
Essa mudança de módulo com o aumento de aulas e a falta de profissionais, bem como essas substituições em que se deve promover uma articulação para a realização da supressão do profissional ausente, implicam diretamente sobre o trabalho docente dos demais sujeitos que atuam no programa, visto que são inúmeras as atribuições que cada indivíduo deve realizar no programa, o que nos dá indicativos de uma sobrecarga de trabalho.
Essa sobrecarga expressa nas falas desses gestores nos leva a questionar quais podem ser as consequências geradas a esses profissionais? É pensando nisso que recorremos ao relato de P, que é diretora da E2, ao nos narrar que falta:
[...] ter a colaboração dos colegas, dos professores, em procurar soluções e não só trazer os problemas, porque o que acontecia muito era isso, os professores não traziam uma proposta (Diretora, P, E2, Entrevista).
Acreditamos que a falta de colaboração por parte de seus colegas possa ser resultado tanto dessa sobrecarga, quanto das questões já exploradas de competitividade que são presentes na política. Não estamos dizendo que dentro do PEI não há diálogo e relacionamento pessoal, pelo contrário, em outros momentos já nos foi relatado sobre a política apresentar característica de uma gestão horizontalizada e democrática.
Em outras palavras, essa ideia de colaboração entre todos pode, ou se já não se encontra, ser fragilizada, dando lugar a uma possível virtude de se ter como preocupação maior o cumprimento de metas, objetivos e alcance de altos resultados educacionais em detrimento de criar condições de reflexão sobre a ação do trabalho docente.
Refletindo ainda sobre as possíveis implicações que podem ser causadas por essa intensificação do trabalho docente, pensamos sobre a realização das formações desses profissionais dentro do PEI, visto que uma das premissas propostas pelo programa diz respeito à “Formação Continuada”.
Frente a isso, a mesma diretora P da E2 conta que,
[...] uma das coisas que me deixa mais angustiada é ver que ainda falta muito para gente compreender assim, com relação ao que é o cognitivo de uma criança, quando e como a criança aprende. Eu acho que seria isso (Diretora, P, E2, Entrevista).
Essa colocação exposta pela gestora da E2 sobre se sentir angustiada frente à necessidade de compreender sobre o cognitivo da criança e de como ela aprende nos leva a acreditar que sua formação inicial possa ter sido eficaz e não eficiente. Assim, essa defasagem poderia ser diminuída por meio de um processo de formação continuada. Neste sentido, fizemos as seguintes indagações: como realizar uma formação diante de um cenário de intensificação profissional? Esse aumento de aulas evidenciado em uma das falas acima tem tirado o tempo de formação desses profissionais? Essas situações de substituições compulsórias relatadas acarretam a não participação em reuniões pedagógicas, o mesmo se dá com as formações? É a partir disso que cabe o relato da diretora E da E3,
[...] é verdade, porque eu briguei porque eles destruíram, porque meus professores têm trinta e uma aulas e outros trinta e duas (Diretora, E, E3, Entrevista).
Essa situação apresentada pela diretora da E3 mostra que, ao longo dos anos, foram atribuindo novas aulas aos professores e, consequentemente, novas demandas à gestão, o que nos traduz que pouco vem sendo o tempo destinado aos profissionais da política para a concretização de suas formações. Em outras palavras, nos é indicado que a premissa da Formação Continuada do programa pode não estar acontecendo de fato.
Atrelada a essa situação apresentada sobre a formação continuada, queríamos destacar outro excerto da diretora E, ao dispor que a falta desta impacta diretamente em sua condição de trabalho, como nos conta:
[...] é desafiador você trabalhar numa era assim com esse avanço da tecnologia e a sua escola ainda engatinha, né? (Diretora, E, E3, Entrevista).
A pouca ou ausente formação para esses profissionais pode infligir diretamente em suas práticas, como apontado pela diretora, que por mais experiente que seja em seu cargo/função, enfrenta desafios da atualidade. É devido a essa natureza que elucidamos a necessidade de o programa repensar formações que possibilitem trabalhar as necessidades contemporâneas sociais, como por exemplo: uso de tecnologia, adaptação frente às aulas virtuais, entre outros.
Por se tratar de uma política neoliberal em que se implantam novas atribuições aos sujeitos que ali atuam, cria-se um cenário desafiador para os profissionais que estão no campo educacional há bastante tempo, o que exige mudanças e adaptações por parte deles, ou como diz Oliveira (2006, p. 215), “[...] os trabalhadores docentes se sentem forçados a dominarem novas práticas, novos saberes e o domínio de certas competências no exercício de suas funções”.
Diante da complexidade da proposta do PEI, foi possível depreender a partir da ótica da equipe de gestão escolar as reais condições de trabalho vividas pelos profissionais na implementação da proposta no cotidiano escolar: ora apontam características positivas para o desenvolvimento da docência, ora denunciam limitações, defasagens, precarização e desafios enfrentados pelos profissionais no desenvolvimento de seu trabalho docente.
Considerações finais
O presente artigo teve como objetivo analisar as condições de trabalho no PEI do estado de São Paulo a partir da ótica da equipe de gestão escolar. Possibilitou-nos vislumbrar a realidade cotidiana que esses profissionais enfrentam diariamente para proporcionar ao aluno uma educação de boa qualidade, a construção de conhecimentos, assim como a formação de um sujeito crítico perante a sociedade.
Sabemos que desde a formação inicial, perpassando pela continuada e alcançando sua prática docente, surge a necessidade de observar e analisar se há condições para atuar com competência formativa, social, política e emocional. Dessa forma, devido a sua complexidade profissional, emerge o interesse de estudar e fomentar a constante profissionalização docente.
Nesse sentido, o objetivo do artigo foi definido em decorrência da ideia de analisarmos as condições do trabalho docente no programa, sob a ótica dos gestores, em virtude de, apesar das fragilidades e controvérsias, enxergamos na política a possibilidade de oportunizar aos alunos condições de se construírem enquanto sujeitos de iniciativa, compromisso e liberdade, visto que majoritariamente são jovens em situação de vulnerabilidade social.
De acordo com as análises, foi possível identificar aspectos positivos da implementação do PEI aos profissionais: dedicação exclusiva por meio do RDPI, evitando a condição vivida por muitos docentes das escolas regulares de trabalhar em mais de uma escola; gratificação salarial decorrente da dedicação em uma mesma escola, melhoria da infraestrutura e condições materiais. Porém, identificamos fragilidades que impactam diretamente o trabalho docente e, consequentemente, o sucesso escolar do estudante.
Conclui-se que, para formar alunos comprometidos com seu fazer social, é necessário que tenhamos a valorização da profissão docente, profissionais com boas condições de trabalho, ou seja, bons salários, carga horária adequada, formação (inicial e continuada) eficientes e eficazes, estabilidade profissional, entre outras características de uma boa profissionalidade e de sua valorização política e social.
RESUMO:
Main Text
Introdução
Apontamentos sobre o trabalho docente
Considerações sobre o trabalho docente no Programa Ensino Integral do estado de São Paulo
Delineamento metodológico
Perfil dos participantes
Condições de trabalho docente no PEI
Considerações finais