image/svg+xmlA educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153971 A EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA EM PAULO FREIRE: DESAFIOS PARA A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA LA EDUCACIÓN PROBLEMATIZADORA EN PAULO FREIRE: DESAFÍOS PARA LA SOCIEDAD CONTEMPORÁNEA THE PROBLEMATIZING EDUCATION IN PAULO FREIRE: PROVOCATIONS FOR CONTEMPORARY SOCIETY André Luis Castro de FREITAS1Luciane Albernaz de Araujo FREITAS2RESUMO: Por meio de um estudo descritivo crítico, fundamentado na obra freiriana, tem-se como objetivo refletir sobre as evidências que corroboram com a relevância dos princípios da educação problematizadora para a sociedade contemporânea. O trabalho foi construído a partir de uma pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico. Discute-se o exercício dialético-dialógico e sua correlação com as ações que possibilitem aos sujeitos a pronúncia do mundo, mundo esse que pronunciado volta-se problematizado, permitindo a geração de novas ações. Como questão problematizadora aproxima-se a temática do distanciamento social as relações educativas, o que tenciona essa possibilidade de modificação. Retoma-se que a obra de Freire está imbricada a ações que visem desvelar a realidade no intuito de promover a transformação. PALAVRAS-CHAVE:Educação problematizadora. Dialético-dialógico. Codificação. Descodificação.RESUMEN: A partir de un estudio descriptivo crítico, basado en el trabajo de Freire, el objetivo es reflexionar sobre la evidencia que corrobora la relevancia de los principios de la educación problematizadora para la sociedad contemporánea. El trabajo fue construido a partir de una investigación cualitativa de carácter bibliográfico. Discute el ejercicio dialéctico-dialógico y su correlación con las acciones que permiten a los sujetos pronunciar el mundo, un mundo que se pronuncia se problematiza, permitiendo la generación de nuevas acciones. Como tema problemático, se aborda el tema de la distancia social de las relaciones educativas, lo que dificulta esta posibilidad de modificación. Se resume que el trabajo de Freire se entrelaza con acciones que tienen como objetivo develar la realidad para promover la transformación. PALAVRAS-CLAVE:Educación problematizadora. Dialéctica-dialógica. Codificación. Decodificación. 1Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande RS Brasil. Professor. Doutorado em Educação (UFPEL). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4566-3655. E-mail: dmtalcf@furg.br 2Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSUL), Pelotas RS Brasil. Docente. Doutora em Educação Ambiental (FURG). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9014-0071. E-mail: lucianel1968@gmail.com
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS e Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153972 ABSTRACT: Based on a critical descriptive study, based on Freire's work, the objective is to reflect on evidence that corroborates the relevance of the problematizing education principles for contemporary society. The work was built from qualitative research of bibliographic character. The dialectical-dialogic exercise and its correlation with actions that enable subjects to pronounce the world are studied, such that this pronounced world becomes problematized, allowing the generation of new actions. As a problematic issue, the issue of social distance from educational relations is approached, which makes this possibility of modification difficult. It is resumed that Freire's work is intertwined with actions that aim to unveil reality in order to promote transformation. KEYWORDS:Problematizing education. Dialectic-dialogic. Encoding. Decoding. Considerações iniciaisTendo como foco o momento do distanciamento social pelo qual atravessa a sociedade contemporânea, percebe-se, na área da educação, a dificuldade de constituir relações diferenciadas, no que pese o exercício das atividades teóricas e práticas, considerando as diferentes dimensões da sala de aula. Centrada na educação popular, a obra freiriana Pedagogia do oprimidoproblematiza as relações educativas com o objetivo de refletir sobre limites e potencialidades que permitam alternativas de tornar esses espaços educativos para além de uma proposta estática e narradora. Freire (2004) remete ao contexto de uma educação narradora e dissertadora como aquela que apresenta a realidade como algo estático, na qual o ato educativo torna-se o depositar os conteúdos nos educandos, por meio da memorização mecânica desses elementos. A mesma preocupação perpassa pela produção do autor, tal que em Professora, sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinarao abordar a importância da leitura, Freire (2013b) argumenta que esse tipo de educação acrítica induz o sujeito a tornar-se passivo diante das atividades propostas. Na obra póstuma Pedagogia dos sonhos possíveis, Freire (2014), no contexto da educação com crianças, demonstra, novamente, a sua preocupação em relação a esse tipo de educação. Dessa maneira, é possível inferir que a temática perpassa por vários momentos da obra do mesmo autor. Acredita-se que essa forma de educação, a qual se caracteriza pela transmissão do conhecimento, seja a mais percebida no cotidiano escolar, apresentando desafios a serem transpostos, diariamente, por educandos e educadores. A partir dessas inquietações, procuram-se, nos fundamentos da obra de Paulo Freire, os dois elementos balizadores para esse estudo. Em um primeiro momento, a educação bancária
image/svg+xmlA educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153973 na qual o educando é visto como aquele que nada sabe e torna-se o repositório do conhecimento daqueles que detém o conhecimento. De mesma maneira, frisa-se sobre a questão da compartimentalização do conhecimento, a qual, associada à educação bancária, oportuniza que tanto os educandos como os educadores manifestem dificuldades de perceber quaisquer possibilidades de interconexão entre as subdivisões de suas disciplinas. Assim, a compartimentalização do conhecimento irá se refletir na organização curricular em que as diferentes disciplinas formam, na maior parte das vezes, realidades estanques e sem conexão. Tudo isso é verificado a partir do desenvolvimento da ciência moderna, refletindo-se no contexto atual. Para Minayo (1994, 2006), o século XIX foi marcado pela expansão do trabalho científico, promovendo o enriquecimento das tecnologias de pesquisas em todos os domínios, bem como a sua multiplicação de abordagens. Daí que a fragmentação do saber se estruturou a partir de fronteiras delimitadas, afirmando-se, ainda, na concepção de que decompor o todo em partes é um facilitador para a aquisição dos saberes, percebendo, por fim, o todo como o simples somatório das diferentes partes. Freire (2004) pronuncia-se de outra maneira, quando propõe uma ação educativa a qual se contrapõe a educação transmissora dos conteúdos, marcada essa última pela dependência dominadora. Nessa ação, contrária à dominação, oportuniza-se o surgimento de uma relação de compartilhamento horizontal entre os envolvidos, possibilitando desvelar atitudes de transformação sobre a realidade conhecida. Nessas condições, a educação problematizadora implica a humanização em processo, conquistada pela práxis3, a qual propõe a ação-reflexão dos sujeitos sobre o mundo, com o fim de transformá-lo. Em Freire, a conquista pela práxis é aquela que privilegia a relação dialógica, por meio de uma lógica dialética. A partir dos argumentos propostos, resguarda-se nesse texto a ideia de que as duas categorias existam como fundamentos teóricos, ou seja, tanto a educação bancária como a educação problematizadora são definidas como espaços balizadores, permitindo a aproximações ou distanciamentos. Considera-se que, a partir das concepções de educação bancária e problematizadora, surjam possibilidades e, a partir dessas, se torne viável a construção de espaços que venham a constituir relações diferenciadas do ensinar e do aprender. 3A práxis é uma categoria fundamentada no materialismo histórico e dialético a qual propõe a geração de ações transformadoras conscientes e críticas da realidade, superando a dicotomia teoria e prática. Para Marx e Engels (2010), é na práxis que o sujeito “[...] tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensar” (p. 27).
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS e Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153974 Nessa linha de condução, a partir de uma pesquisa qualitativa e bibliográfica, o objetivo do texto foi produzir um estudo descritivo crítico, inserido na concepção freiriana, o qual contempla compreender categorias as quais promovam uma educação transformadora, tendo como questão problematizadora o tema do distanciamento social vivido na contemporaneidade. Com isso, a temática faz tencionar as possibilidades de pronúncia e modificação do contexto vivido, promovendo movimentações por entre as duas formas de educação citadas. A partir dessas considerações, o texto está descrito da seguinte maneira: A educação problematizadora e os processos de transformação da realidade - discute-se sobre a questão da educação como promotora das transformações na realidade, pela busca da libertação dos seres humanos; O direito de pronunciar a palavra e transformar o mundo- reflete-se sobre a necessidade de que os seres humanos possam pronunciar o mundo; Uma proposta dialético-dialógica por entre o concreto e o abstrato- estuda-se a proposta freiriana de construção do conhecimento fundamentada nas relações dialógicas; A codificação e a descodificação e a nova percepção de mundo- compreende-se que a partir dessas ações desafiam-se os seres humanos para que penetrem na significação dos conteúdos temáticos; O mundo contemporâneo, o distanciamento social e as relações educativas- analisa-se sobre as possibilidades de aproximação e distanciamento das relações educativas em relação às categorias de educação propostas. Como formas de encerramento seguem as considerações finaise as referências. A educação problematizadora e os processos de transformação da realidade O objetivo principal da educação problematizadora é a transformação da realidade em favor da libertação dos seres humanos. Nesse contexto, os seres humanos não são meros observadores, mas estão no e com o mundo, agindo pela transformação desse último, tal que a “[...] conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro, conquista do mundo para a libertação dos homens” (FREIRE, 2004, p. 79). Nesse sentido, Freire (2004) elabora uma reflexão sobre a conquista, vinculada à ação antidialógica, associada à manipulação e à invasão cultural. De outra maneira, associada à ação dialógica, o termo aqui se situa como ato colaborativo dos seres humanos, no qual, por intercomunicação na realidade ou, ainda, por problematização dessa, agem em favor da transformação social. Nesse sentido, a educação problematizadora atende à essência do ser, da consciência, de sua intencionalidade, no momento em que essa consciência intenciona o objeto e volta-se
image/svg+xmlA educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153975 para si mesma, pois no contexto freiriano esse movimento representa a “[...] cisão em que a consciência é consciência de consciência” (FREIRE, 2004, p. 67). Como elemento fundante nesse processo está o diálogo que permite colocar em prática a educação problematizadora, como prática que rompe com a verticalidade proposta na educação bancária e institui a superação da concepção de que o educador educa o educando, oportunizando, ainda, o sentido de que “[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa” (FREIRE, 2004, p. 68). Essa relação demonstra um movimento ressonante, no qual o diálogo possui como objetivo a reflexão da realidade a qual não é compreendida com estática e abstrata, mas como concreta e processual da qual o educando faz parte e desenvolve autoria. A partir disso, essa autoria irá qualificar os sujeitos, tornando-os sujeitos de suas ações, de seus interesses, proporcionando autorizarem-se como aqueles que refletem sobre os conhecimentos trabalhados na realidade então percebida. Por fim, na educação problematizadora, as intencionalidades e os motivos descobertos na relação educativa acabam por tornarem-se as aspirações e as finalidades humanas e, assim, os sujeitos não estão nesse espaço, como algo estático e petrificado, mas estão sendo, desenvolvendo-se e em processo. O direito de pronunciar a palavra e transformar o mundo Na obra Pedagogia do Oprimido, Freire (2004) aborda sobre o direito de dizer a palavra, exercício esse como ato de dizer a palavra verdadeira no intuito de gerações para transformar o mundo, de tal forma que esses fundamentos estão correlacionados ao conceito de práxis, como ação-reflexão-ação, como base para uma educação libertadora. Freire reflete que o ser humano, a partir de sua condição existencial, deve pronunciar e modificar o mundo, o seu contexto, tal que esse mundo pronunciado se volta “[...] problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar” (FREIRE, 2004, p. 78, grifo do autor). A partir disso constitui a diferença entre as ações de dizer e pronunciar, pois o dizer a palavra somente ou aos outros é como furtar a palavra dos demais. De outra forma, estabelece que a relação dialógica é o encontro dos sujeitos mediatizados pelo mundo, no intuito de pronunciá-lo, não esgotando-se na relação eu-tu. O pronunciar o mundo, associado à ação de modificá-lo, constitui-se como direito de todos e não como privilégio de um ou de outro,
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS e Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153976 pois ninguém deve dizer a palavra verdadeira sozinha ou dizer para os outros, mas pronunciá-la na relação de partilha com os demais. Essa é a causa que remete à inviabilidade de constituir um diálogo entre os que almejam a pronúncia da palavra verdadeira e aqueles que não a querem ou, de outra forma, “[...] entre os que negam aos demais o direito de dizer a sua palavra e os que se acham negados deste direito” (FREIRE, 2004, p. 79). Pela palavra verdadeira, os sujeitos ao pronunciarem o mundo transformam e humanizam esse mesmo mundo, de tal forma que o diálogo possa constituir-se como caminho para que os seres humanos ganhem significação enquanto seres. Assim, o diálogo torna-se fundamental como ato colaborativo entre os sujeitos, permitindo problematizar o mundo em favor da libertação desses. No momento em que Ghiggi (2010) argumenta que, dentre as categorias construídas por Freire, as quais ganham centralidade na revivificação da educação popular, o diálogo realiza-se “[...] na dimensão política da educação, ou seja, que parte da situação concreta, que repensa a prática e que institui processos de transformação” (GHIGGI, 2010, p. 114). Anuncia-se dessa forma, que o diálogo, a partir de sua dimensão ontológica, permite que a partilha entre o educador e os educandos ganhe centralidade, redefinindo o poder entre os seres humanos envolvidos na relação educativa. Uma proposta dialético-dialógica por entre o concreto e o abstrato Para Pinto (1960), na obra Consciência e realidade nacional, as “situações-limites”, conceito utilizado por Freire, são constituídas a partir do modo de estar histórico da comunidade nacional em ascensão, não como a representação da fronteira entre o “ser” e o “nada”, mas a fronteira entre o “ser” e o “ser mais”. O autor nega uma abertura para a transcendência metafísica ou religiosa, como propunha Jasper, que concebeu a ideia pela primeira vez, mas o caminho para a transcendência histórica não como o contorno “[...] infranqueável onde terminam todas as possibilidades, mas a margem real de onde começam as mais ricas possibilidades” (PINTO, 1960, p. 284). É a partir da existência dessas possibilidades, em uma proposta de libertação e transformação social, que a fundamentação freiriana irá constituir-se em uma construção
image/svg+xmlA educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153977 dialética, tomando por base as relações dialógicas. Nesse caminho, afirma-se que o método4dialético do conhecimento freiriano sofreu a influência tanto da dialética hegeliana como do materialismo histórico5, sendo que Freire enfatizava, ainda, o “[...] papel/importância da subjetividade humana na construção do mundo socioculturalmente estruturado” (ZITKOSKI, 2010, p. 116). Ainda para Zitkoski (2010), na dialética-dialógica freiriana não existe a primazia da tese sobre a antítese, mas uma aceitação ao diálogo e esse promoverá o Outro em vínculo ao Eu, promovendo a revelação do contexto histórico no qual esses sujeitos estão inseridos. Assim, as relações dialógicas freirianas possibilitam o encontro dos seres humanos os quais pronunciam o mundo, com o intuito de recriar a história, cujo objetivo, decididamente, é a reflexão sobre a realidade, a qual não é entendida como abstrata e estática, mas como um contexto processual e concreto do qual o sujeito faz parte e, ainda, tem possibilidades de intervir. Na obra Pedagogia do oprimido, Freire (2004) argumenta que o diálogo passa a existir na relação do educador com os educandos no momento esse em que se constitui como a partilha das diferentes visões de mundo, pois é pela situação concreta e presente, na reflexão das aspirações dos seres humanos, que se poderá estruturar o conteúdo programático. Dessa forma, surge a problematização do tema gerador, com a constituição do universo mínimo temático. Assim o universo mínimo temático é composto por assuntos que, não raro, contradizem-se e, ainda, estabelecem relações com as estruturas sociais existentes, estabelecendo-se uma relação de equivalência entre os temas geradores e o contexto vivido pelos sujeitos, o que possibilita uma inserção e percepção dos envolvidos com a temática. Freire (2004) sinaliza que os temas geradores se encontram encobertos pelas “situações-limites”, as quais exprimem as determinantes históricas, provocando nos seres humanos uma adaptação à realidade, um ajustamento ao contexto. Em Freire, no momento em que na ação se instaura uma percepção crítica da realidade se favorece o desenvolvimento de um “[...] um clima de esperança e confiança que leva os homens a se empenharem na superação das ´situações-limites´” (FREIRE, 2004, p. 91, grifo do autor). Dessa maneira, a percepção dos temas geradores acontece quando os sujeitos compreendem em que temas estão envolvidos e, 4Segundo Brandão (2013), Freire organizou um método de educação construído a partir da relação dialógica entre o educador e os educandos, de tal maneira que há partes de cada um no outro. Assim, em Freire, o “[...] método é instrumento de preparação de pessoas para uma tarefa coletiva de reconstrução nacional” (BRANDÃO, 2013,p. 87). 5O materialismo histórico passou a designar a maneira como Marx tratou às questões como objeto de estudo: a produção, a distribuição e o consumo das riquezas produzidas. Autores, como Adam Smith e David Ricardo, utilizaram diferentes categorias de forma abstrata, tal que “[…] concebiam tais categorias como ´verdades eternas´ e, por conseguinte, não percebiam que a produção de uma categoria se dá a partir do real, do concreto que é a produção social da vida” (BARBOSA, 2013, p. 176, grifo do autor).
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS e Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153978 ao mesmo tempo, que esses temas envolvem as “situações-limites”, estabelecendo, por fim, uma dimensão crítica. Alinhado a essa discussão, Pinto (1960) argumenta que o ato de pensar a liberdade do ser humano conduz às condições de lugar e tempo em que as “situações-limites” estão vinculadas, bem como, à criação de possibilidades de transformação do contexto, negando o enclausuramento dessas possibilidades. A partir disso, os sujeitos, frente as “situações-limites”, criam um projeto de superação e, por esse mesmo motivo, tanto Freire como Pinto advertem que esses sujeitos envolvam e estejam envolvidos pelas “situações-limites”, pois somente dessa forma a superação será executada pelos “atos-limites”.Em Pinto (1960), os “atos-limites” tem por fim produzir a descontinuação dos limites, pois a ideia é promover o futuro “[...] projetando-o e projetando-se nele, na negação objetiva da ´situação-limite´” (PINTO, 1960, p. 285, grifo do autor).Após a problematização dos temas geradores, Freire (2004) indica a necessidade de elaboração de uma investigação temática e essa toma destaque pelo motivo de que os sujeitos, por não perceberem as “situações-limites” em sua totalidade, acabam por empreender em manifestações irrelevantes. Em geral, a realidade percebida se constitui pela ausência de uma compreensão crítica da totalidade em questão, tal que os sujeitos, captando partes dessa, terminam por não identificar as suas interações constituintes e, portanto, não conseguem entendê-la. Ainda para o autor, para conhecer a realidade é necessário partir do ponto inverso, ou seja, iniciar pela visão totalizada do contexto, procedendo ao isolamento das partes e, pela cisão, voltar ao entendimento à totalidade em análise. Freire alinhado ao objetivo de desvelar a realidade social reflete sobre a necessidade de propor aos sujeitos o entendimento sobre as dimensões significativas da realidade, de modo que a análise crítica “[...] lhes possibilite reconhecer a interação de suas partes” (FREIRE, 2004, p. 96). Assim, as dimensões significativas representam as temáticas sociais, econômicas, políticas, culturais ou existenciais que são dialogadas em partes que interagem, sendo percebidas pelos seres humanos como uma totalidade da realidade social. Nesses movimentos, a captação e a compreensão do contexto percebido se refazem, e os sujeitos começam a entender que a razão da realidade não está fora dela, não se encontra dicotomizada, pois o processo de compreensão da realidade social permitirá a superação do conhecimento abstrato isolado das partes e, ao mesmo tempo, a superação do conhecimento dedutivo dessa. A partir disso, afirma-se que o processo de construção do conhecimento freiriano faz o deslocamento do concreto ao abstrato e retorna ao concreto concebido pelo
image/svg+xmlA educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153979 pensamento, o que caracteriza, ao final, movimentos por entre o abstrato e o concreto, em que se supera a abstração pela percepção crítica do concreto. A codificação e a descodificação e a nova percepção de mundo Freire (1969), em sua obra Educação como prática de liberdade, reflete que a o ato de compreender algo resultará em uma ação, no momento que percebendo “[...] um desafio, compreendido, admitidas as hipóteses de resposta, o homem age” (FREIRE, 1969, p. 106). Propõe, dessa maneira, que à natureza da ação está relacionada a natureza da compreensão e, assim, torna-se possível assumir o processo de construção do conhecimento freiriano como: codificação-descodificação6-codificação. A partir da codificação-descodificação-codificação, acredita-se que após realizados os movimentos de procura e delimitação temáticas, constrói-se a codificação do contexto vivido, com a exibição de uma dada situação existencial. Para o mesmo autor, o processo de codificação se constitui pela representação da interação de seus elementos constituintes, em que os sujeitos se identificam e reconhecem na interação e passam a ser objeto da própria reflexão. Revisitando a obra Extensão ou comunicação?é possível perceber que Freire (2013a) compreende que a situação codificada, a qual por abstração relaciona-se ao concreto da realidade existencial irá promover a comunicação verdadeira entre os sujeitos, no instante em que essa codificação dos temas constituir um sistema “[...]de relações em que um tema conduz necessariamente a outros, todos vinculados em unidades e subunidades programáticas” (FREIRE, 2013a, p. 125). Dado que na codificação, o objeto cognoscível é a situação existencial não existe espaço para o educador se propor a narrar, o que possa se constituir como o saber da realidade, mas o desafio é fazer com os sujeitos consigam aprofundar na significação do conteúdo temático. Após a representação do tema, faz-se o desvelamento desse pela descodificação e nesse processo o fim é aproximar o objeto desconhecido à realidade dos sujeitos, propondo uma ressignificação, fazendo a representação se tornar uma situação concreta de aproximação do contexto, por meio de uma percepção crítica, a qual, por fim, instaura o surgimento e o desenvolvimento do novo conhecimento. É no processo de descodificação que os sujeitos irão comunicar as suas visões de mundo, suas percepções e pensamentos fatalistas sobre a realidade. Assim, o pensar o mundo e na 6 O termo descodificação é utilizado nas obras de Paulo Freire como: Educação como prática da liberdade, Pedagogia do oprimido, Extensão ou comunicação?e Educação e mudança.
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS e Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1539710 maneira como se realizam os diferentes enfrentamentos, irá promover o envolvimento de cada sujeito, pois quanto mais esses assumem uma “[...] postura ativa na investigação, tanto mais aprofundam a sua tomada de consciência em torno da realidade e, explicitando sua temática significativa, se apropriam dela” (FREIRE, 2004, p. 98-99). Esse processo de pensar correlacionado ao desvelar os enfrentamentos da realidade irá se constituir, a partir da relação entre os seres humanos e o mundo, tendo como referência os fatos do cotidiano. Reconhece-se que todas as aspirações e motivos inseridos nas diferentes temáticas são históricos e que por isso os seres humanos não poderiam ser captados fora desses, pois “[...] não estão aí, num certo espaço, como coisas petrificadas, mas estão sendo” (FREIRE, 2004, p. 99, grifo do autor). O autor faz o alerta em relação à assertividade no processo de descodificação, pois os seres humanos, não raro, encontram-se condicionados às “situações-limites”, com dificuldade de separação delas. Tais situações, mesmo representando a realidade, geram nos sujeitos um conjunto de necessidades nas quais o problema a ser investigado é compreender o nível de consciência que esses sujeitos têm sobre as “situações-limites”. Essa percepção para além das “situações-limites” mostra a limitação dos seres humanos no que pese o nível da “consciência real”. Desse modo, o “inédito viável”, que não é apreendido no nível da “consciência real” irá se concretizar na “ação editanda”7, de forma que antes essa não era percebida, mas se instaura na “consciência máxima possível”. A “ação editanda” torna-se uma categoria fundamental para a compreensão do processo dialético freiriano e, ainda, por meio do processo de descodificação, com a percepção das relações dialéticas, surge tanto uma nova percepção como um novo conhecimento. O mundo contemporâneo, o distanciamento social e as relações educativas A necessidade do exercício de distanciamento social vivido na contemporaneidade conduz para a constituição de processos educativos, no que se refere ao ensino formal, na modalidade on-line ou ensino remoto8e, não raro, sem limites de participantes, tanto de maneira síncrona como assíncrona, ressalvando as margens das funcionalidades impostas pelas diferentes ferramentas de conexão disponíveis. 7Freire (2004) reflete “inédito viável” se concretiza a partir da “ação editanda”, no momento em que o nível da consciência, “consciência máxima possível”, chega à possibilidade de gerar ações.8As modalidades de ensino on-line e remoto foram modalidades criadas para o momento de distanciamento social por diferentes instituições, modalidades essas que não contemplam encontros presenciais. Diferenciam-se da modalidade Ensino a Distância EaD a qual contempla encontros e processos avaliativos presenciais, em geral, em polos referenciados pelas instituições.
image/svg+xmlA educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1539711 Ainda, há que se refletir sobre a retomada parcial da modalidade presencial a qual trabalha com parte dos sujeitos envolvidos em dias e turnos alternados, limitados a um quantitativo previamente estabelecido. Questiona-se, dessa maneira, essa proposta diferenciada em espaço e tempo, não com o objetivo de construir uma dicotomia por meio de juízo de valor, mas de refletir como é possível analisar esse cenário e promover nessa realidade distanciamentos e aproximações tanto a educação bancária como a educação problematizadora. Faz-se necessário reconhecer que as categorias educação bancária e educação problematizadora, cunhadas por Paulo Freire, foram inicialmente trabalhadas na educação popular, momentos em que esse trabalhara com a alfabetização de adultos, mas, posteriormente, o autor remeteu a problematização sobre essas categorias no contexto do ensino formal. Como primeiro argumento retoma-se a ação dialógica, inicialmente trabalhada nesse texto, como a ação colaborativa dos seres humanos, os quais por intercomunicação na realidade agem em prol da transformação social. Em relação à educação na modalidade on-line, na forma síncrona, destaca-se o uso de livesas quais demandam e trabalham o conhecimento científico constituído, mas, por outro lado, pela própria natureza da forma de comunicação tendem a dificultar o diálogo com o foco na reflexão sobre a realidade, impedindo a ressonância entre o educador e os educandos. Caso as livessejam apreciadas pelos sujeitos posteriormente ao momento em questão, de forma assíncrona, não há como os educandos pronunciarem a palavra verdadeira e na condição de ouvintes tornam-se passivos aos processos de humanização e transformação da realidade em questão. Nesse caminho, com poucas chances para o exercício de um diálogo autêntico, tanto no modo síncrono, participando pela interação por meio de mensagens com um determinado mediador como no modo assíncrono como ouvintes, destaca-se a dificuldade de propor uma relação dialógica como ato colaborativo, dificultando a problematização do mundo. Se não há problematização do e com o mundo, dificilmente os sujeitos irão se envolver ou estarão envolvidos pelas “situações-limites” o que prejudica a captação e a compreensão da realidade. Considerando, ainda, o modo síncrono, existe a possibilidade de deslocar o exercício das atividades das aulas presenciais para as salas virtuais, com o apoio de diferentes ferramentas. O primeiro ponto a ser destacado remete a limitação de participação, por parte dos educandos, no que pese o acesso às conexões a rede de computadores. Ao contrário de estarem em uma sala ou laboratório da instituição, os educandos para estarem na sala virtual dependem de meios próprios para manterem essa conexão, criando uma necessidade de investimento pessoal dos sujeitos em relação a essas tecnologias. Há que se afirmar ainda, sobre o esforço de
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS e Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1539712 várias instituições no intuito de possibilitar os recursos para que os educandos possam minimizar os custos desses investimentos. Anuncia-se que os processos desenvolvidos na sala virtual, utilizados como recurso de gravação, para acesso posterior, reforçam ao já anteriormente anunciado em comparação as lives, no modo assíncrono. De modo contrário, a sala virtual pode permitir a interação entre os sujeitos resguardando as condições de acesso e a velocidade de comunicação e, nessas condições, esses espaços ganham significação para que os sujeitos possam dirimir diferentes dúvidas sobre os conteúdos programáticos estudados, diferente de permitirem uma relação dialógica colocando em foco a realidade e o conteúdo a ser desenvolvido. Retoma-se, semelhante ao caso anterior das lives, a dificuldade de problematização do mundo, dissociando os encaminhamentos teóricos do contexto vivido, associando-se a isso, em uma análise preliminar, que os educadores procuram organizar o tempo de trabalho na sala virtual em função do cansaço físico gerado pelo próprio meio de trabalho, sinalizando um fator de precarização da atividade educativa. Inserido nessa discussão, acredita-se que mesmo com as diferentes possibilidades de encaminhamentos metodológicos para o exercício nessas condições, os educadores, ainda, façam aproximações aos mesmos recursos utilizados na modalidade presencial. Assim, diante do discutido, salienta-se a necessidade de readequar os espaços citados para que os envolvidos possam convergir para relações dialógicas que apresentem em seus temas geradores os interesses dos sujeitos e os aproximem das “situações-limites”.Reafirma-se que os sujeitos frente às “situações-limites”, passam a construir um projeto de superação para a opressão vivida e, por esse motivo, tanto Freire como Pinto, alertam para que esses sujeitos estejam envolvidos e, ainda, envolvam essas mesmas “situações-limites”, pois somente dessa forma o projeto de superação é executado pelos “atos-limites”. Assim, as relações educativas em Freire visam à “[...] desmitologização da realidade” (FREIRE, 2011, p. 77), em que os sujeitos tomarão distância da realidade em que se encontram, para que seja possível constituir o movimento de inserção crítica nessa mesma realidade, o que resulta na ação sobre esse contexto. A partir disso, o processo educativo freiriano intenta que os sujeitos possam desvelar as suas relações com o mundo, como modo de ação política, social, cultural e econômica, pela consciência de si. Há que se examinarem também outras formas de práticas, principalmente, aquelas mediadas pelos ambientes virtuais de aprendizagem AVAs, permitindo, em sua maioria, que as atividades educativas sejam desenvolvidas no formato assíncrono. As atividades assíncronas nos AVAs permitem que os educandos acessem as plataformas nos momentos em que esses
image/svg+xmlA educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1539713 sujeitos estejam disponíveis para a interação, mas, de outra maneira, destaca-se, pela própria natureza do modo, a dificuldade para o exercício da relação dialógica entre os sujeitos envolvidos. Reconhecendo a ausência de uma relação dialógica, na qual os sujeitos exerçam a possibilidade de dizer a sua palavra na relação eu-tu, reflete-se sobre a carência do exercício de ouvir o outro com alteridade, impedindo a dinâmica da problematização sobre as dimensões significativas da realidade. Admitindo as fragilidades elencadas, questiona-se a possibilidade da existência de uma relação dialógica como exercício da comunicabilidade e da reciprocidade, bem como se essa relação pode ser considerada fundamentada na essência humana, como aquela que se constitui a partir da existência do ser, vinculada, ainda, a um contexto histórico. Nessas condições é possível questionar, se essa essência humana que deveria se recriar aconteceria nesses formatos assíncronos ou estaria fadada a limitações, pois essa essência deveria estar articulada ao processo de conscientização, com o objetivo constituir um sujeito em favor das transformações sociais, autor de sua história. Por outro lado, anuncia-se a interação dos educandos com os diferentes autores propostos pela diversidade dos materiais prontos e acabados nos distintos ambientes virtuais. Reflete-se, dessa maneira, que os educadores, geralmente, definem as atividades considerando, como ponto de referência, não o contexto dos educandos, mas a realidade idealizada, produzida desses sujeitos. Dessa forma, os conteúdos programáticos preparados e relacionados aos conhecimentos científicos teóricos são, inicialmente, estudados e, em um segundo momento, elaboradas as relações e aproximações à realidade. A partir dessa premissa, infere-se um movimento de reflexão-ação e essa ação está vinculada a uma ideia de projeto, por constituir-se em tempo futuro. Aqui se está diante de um movimento entre teoria e prática, sendo que a prática é idealizada e postergada. Acrescente-se ao já elencado, a questão do planejamento educacional o qual na maior parte das vezes é dissociado do contexto político, social, cultural e econômico e, ainda, está a serviço do reforço de atitudes autoritárias e acríticas. Questões como a verticalidade e o autoritarismo, enraizados na cultura centralizadora, mantêm uma política assistencialista, dificultando, por fim, o exercício de experiências democráticas. O planejamento educacional, na obra freiriana, está associado às condições locais e regionais e a descentralização9estabelece um sentido de organicidade necessário ao processo 9O termo descentralização empregado por Freire é considerado a partir da obra Educação não é privilégiode Anísio Teixeira. Nesse contexto, a reforma na educação deveria ser uma reforma política, permanentemente
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS e Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1539714 educativo. “A partir de nossa ´convivência´ com problemas educativos e sociais pernambucanos e não só urbanamente recifenses, fomos alongando as nossas preocupações, ligadas a esses problemas, ao nordeste e a outras áreas do país” (FREIRE, 1959, p. 12, grifo do autor). Dessa forma, acredita-se que o todo o planejamento educacional, na contemporaneidade, tanto no que se refere às atividades síncronas como as atividades assíncronas realizam-se a partir dos conteúdos programáticos em detrimento do conhecimento do contexto político, social, cultural e econômico dos sujeitos. Por outro lado, reafirma-se que as relações educativas, dialético e dialógicas freirianas, conduzem ao encontro dos sujeitos os quais pronunciam o mundo, com o objetivo de recriar a história, cujo foco é a reflexão sobre a realidade, a qual não é entendida como abstrata e estática, mas como uma realidade concreta e processual e, ainda, como aquela que o sujeito faz parte e intervém. Não raro, no ensino formal tanto presencial como no ensino on-line é reconhecida a dificuldade de intervenção no contexto, o que oportuniza, agora, essa relação com uma realidade abstrata. Avançando a discussão, com o foco na modalidade presencial, a qual mantém o limite de sujeitos e turnos, questiona-se como seria possível a ação de partilhar as diferentes visões de mundo, pois se acredita que é pela situação concreta, na reflexão sobre as aspirações e intencionalidades dos seres humanos, que se poderá organizar e construir os materiais referentes aos conteúdos programáticos. Dessa maneira, percebe-se tanto no processo educativo na modalidade on-line ou ensino remoto, como na modalidade presencial, considerando a parcialidade dos educandos, uma tendência ao distanciamento dos movimentos de ação-reflexão freirianos, pela dificuldade de construção de uma relação dialético-dialógica. Daí que, situando a práxis educativa por argumentos freirianos, faz-se a opção por outro agir na ação educativa, distanciando-se das práticas bancárias, pois os sujeitos não se expressam por dicotomias instituídas na opressão de quem manda e na submissão de quem obedece, mas no momento em que se propõem voz a aqueles envolvidos na relação. Compreende-se que, tanto para o educador como para os educandos, esses momentos proponham reflexões os quais possam tornar mais rica a relação educativa, no que pese possibilitar conhecer as percepções de mundo dos educandos envolvidos, tal que, no momento em que os educandos se percebem ouvidos e inseridos na relação dialético e dialógica, descentralizante, onde os municípios poderiam gerir os fundos municipais de educação, no intuito de implantar sistemas educacionais locais.
image/svg+xmlA educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1539715 exercitam os primeiros passos em direção a experiências democráticas, bem como, à tomada da consciência crítica, transitiva. Esses movimentos abrem as possibilidades ao relato de diferentes visões de mundo, permitindo a socialização dos fragmentos referentes às culturas variadas às quais os educandos estão vinculados, ou seja, conectados. Promove-se, nesse sentido, a partilha, a qual exercita a reflexão. De modo contrário, em uma modalidade presencial, com a parcialidade dos sujeitos, dificulta-se a possibilidade de relato das diferentes visões de mundo, fazendo com que as diferenças culturais existentes fiquem reduzidas ou homogeneizadas a padrões culturais dominantes. Considerações finais O fundamento da proposta freiriana é a libertação dos seres humanos e, como tal, qualquer concessão irrefletida aos mecanismos de opressão tende a inviabilizar o projeto revolucionário. Nesse sentido, a educação demarca a sua função quando se alinha em marcha na direção da construção de uma nova realidade, denunciando, de mesma maneira, as estruturas que desumanizam os sujeitos. Para que isso tenha efeito, as relações educativas devem partir da realidade dos educandos, propondo entre objetividade e subjetividade uma permanente dialetização. A relação freiriana dialético-dialógica principia pela pronúncia do mundo, pela palavra verdadeira dos sujeitos, com a qual esses seres humanos virão a transformar e humanizar esse mundo. Nessas condições, o diálogo constitui-se como o meio para que os sujeitos adquiram significação enquanto seres, de tal forma que a relação dialógica se realiza na dimensão política da educação, quando, iniciando por uma situação concreta, permite repensar a prática, instaurando processos de transformação. Trata-se, assim, de uma relação como exercício de comunicabilidade e reciprocidade, instituída a partir da essência humana que se estabelece segundo a existência do ser vinculada ao contexto histórico, a realidade. A partir dessas premissas, constituem-se aproximações e distanciamentos as categorias freirianas educação bancária e educação problematizadora, levando em consideração o momento contemporâneo, afetado pelo exercício do distanciamento social, no que pese as relações educativas na modalidade on-line, ensino remoto, ou, ainda com a presencialidade de forma parcial, exercitadas com atividades tanto de maneira síncrona como assíncrona. Como isso, enfatiza-se que a obra freiriana representa um marco conceitual com capacidade para apoiar os processos de formação dos seres humanos, formação essa
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS e Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1539716 correlacionada com ações de transformação social, de tal maneira que a percepção das determinantes históricas seja o foco dessa formação, como promotora do envolvimento dos sujeitos com as “situações-limites”. Por outro lado, é possível reconhecer as fragilidades enfrentadas pelos diferentes modos de exercício das relações educativas as quais distanciam os sujeitos do envolvimento com as “situações-limites”.Reafirma-se, por fim, o pressuposto de que a partir do desenvolvimento das relações educativas, tendo por base a realidade histórica, integrada aos contextos social, econômico, cultural e político e, ainda, associada à consciência crítica é que se tornará possível, por meio dessas relações, compreender o ser humano como aquele que humaniza essa realidade e, por último, como ser no e com o mundo, no intuito de tornar-se renovador da sociedade. REFERÊNCIAS BARBOSA, W. V. O materialismo histórico. In: REZENDE, A. Curso de filosofia para professores e alunos dos cursos do ensino médio e de graduação. 16. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. BRANDÃO, C. R. O que é método Paulo Freire. 34. ed. São Paulo: Brasiliense, 2013. FREIRE, P. Educação e atualidade brasileira. Recife: Escola de Belas Artes de Pernambuco, 1959. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido.38. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. FREIRE, P. Extensão ou comunicação?16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013a. FREIRE, P. Professora, sim; tia não: Cartas a quem ousa ensinar. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013b. FREIRE, P. Mudar é difícil, mas é possível. In: FREIRE, A. M. A. Pedagogia dos sonhos possíveis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. GHIGGI, G. Paulo Freire e a revivificação da educação popular. Educação. Porto Alegre, v. 33, n. 2, p. 111-118, maio/ago. 2010. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/7345. Acesso em: 17 fev. 2021. MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
image/svg+xmlA educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1539717 MINAYO, M. C. S. Interdisciplinaridade: Funcionalidade ou utopia? Saúde e sociedade. v. 3, n. 2, p. 42-64, dez. 1994. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12901994000200004. Acesso em: 15 fev. 2021. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. PINTO, A. V. Consciência e realidade nacional. Rio de Janeiro: ISEB/MEC, 1960. v. 2. ZITKOSKI, J. J. Dialética. In: STRECK, D. R.; REDIM, E.; ZITKOSKI, J. J. Dicionário Paulo Freire. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. Como referenciar este artigo FREITAS, A. L. C.; FREITAS, L. A. A. A educação problematizadora em Paulo Freire: Desafios para a sociedade contemporânea.Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029. DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.15397 Submetido em: 27/02/2022Revisões requeridas em: 15/04/2022 Aprovado em: 05/06/2022 Publicado em: 30/09/2022 Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.Revisão, formatação, normalização e tradução.
image/svg+xmlThe problematizing education in Paulo Freire: Provocations for contemporary societyRPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153971 THE PROBLEMATIZING EDUCATION IN PAULO FREIRE:PROVOCATIONS FOR CONTEMPORARY SOCIETY A EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA EM PAULO FREIRE:DESAFIOS PARA A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA LA EDUCACIÓN PROBLEMATIZADORA EN PAULO FREIRE: DESAFÍOS PARA LA SOCIEDAD CONTEMPORÁNEA André Luis Castro de FREITAS1Luciane Albernaz de Araujo FREITAS2ABSTRACT: Based on a critical descriptive study, based on Freire's work, the objective is to reflect on evidence that corroborates the relevance of the problematizing education principles for contemporary society. The work was built from qualitative research of bibliographic character. The dialectical-dialogic exercise and its correlation with actions that enable subjects to pronounce the world are studied, such that this pronounced world becomes problematized, allowing the generation of new actions. As a problematic issue, the issue of social distance from educational relations is approached, which makes this possibility of modification difficult. It is resumed that Freire's work is intertwined with actions that aim to unveil reality in order to promote transformation. KEYWORDS:Problematizing education. Dialectic-dialogic. Encoding. Decoding. RESUMO:Por meio de um estudo descritivo crítico, fundamentado na obra freiriana, tem-se como objetivo refletir sobre as evidências que corroboram com a relevância dos princípios da educação problematizadora para a sociedade contemporânea. O trabalho foi construído a partir de uma pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico. Discute-se o exercício dialético-dialógico e sua correlação com as ações que possibilitem aos sujeitos a pronúncia do mundo, mundo esse que pronunciado volta-se problematizado, permitindo a geração de novas ações. Como questão problematizadora aproxima-se a temática do distanciamento social as relações educativas, o que tenciona essa possibilidade de modificação. Retoma-se que a obra de Freire está imbricada a ações que visem desvelar a realidade no intuito de promover a transformação. PALAVRAS-CHAVE:Educação problematizadora. Dialético-dialógico. Codificação. Descodificação.1Federal University of Rio Grande do Sul (FURG), Rio Grande RS Brazil. Professor. PhD in Education (UFPEL). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4566-3655. E-mail: dmtalcf@furg.br 2Sul-Rio-Grandense Federal Institute (IFSUL), Pelotas RS Brazil. Professor. PhD in Environmental Education (FURG). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9014-0071. E-mail: lucianel1968@gmail.com
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS and Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153972 RESUMEN: A partir de un estudio descriptivo crítico, basado en el trabajo de Freire, el objetivo es reflexionar sobre la evidencia que corrobora la relevancia de los principios de la educación problematizadora para la sociedad contemporánea. El trabajo fue construido a partir de una investigación cualitativa de carácter bibliográfico. Discute el ejercicio dialéctico-dialógico y su correlación con las acciones que permiten a los sujetos pronunciar el mundo, un mundo que se pronuncia se problematiza, permitiendo la generación de nuevas acciones. Como tema problemático, se aborda el tema de la distancia social de las relaciones educativas, lo que dificulta esta posibilidad de modificación. Se resume que el trabajo de Freire se entrelaza con acciones que tienen como objetivo develar la realidad para promover la transformación. PALAVRAS-CLAVE: Educación problematizadora. Dialéctica-dialógica. Codificación. Decodificación. Initial remarksFocusing on the moment of social detachment through which contemporary society is going through, we realize, in the area of education, the difficulty of constituting differentiated relationships, in terms of the exercise of theoretical and practical activities, considering the different dimensions of the classroom. Centered in popular education, Freire's work Pedagogia do oprimido(Pedagogy of the Oppressed) problematizes educational relations with the purpose of reflecting on limits and potentialities that allow alternatives to make these educational spaces beyond a static and narrative proposal. Freire (2004) refers to the context of a narrative and dissertational education as that which presents reality as something static, in which the educational act becomes the depositing of contents in the students, by means of the mechanical memorization of these elements. The same concern permeates the author's production, such that in Professora, sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar ao abordar a importância da leitura, Freire (2013b) argues that this type of uncritical education induces the subject to become passive in the face of the proposed activities. In his posthumous work Pedagogy of Possible Dreams, Freire (2014), in the context of education with children, again demonstrates his concern about this type of education. Thus, it is possible to infer that the theme runs through several moments of the author's work. It is believed that this form of education, which is characterized by the transmission of knowledge, is the most perceived in everyday school life, presenting challenges to be overcome daily by students and educators.
image/svg+xmlThe problematizing education in Paulo Freire: Provocations for contemporary societyRPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153973 Based on these concerns, the foundations of Paulo Freire's work are the two key elements of this study. The first is banking education, in which the learner is seen as the one who knows nothing and becomes the repository of the knowledge of those who hold knowledge. In the same way, we emphasize the issue of the compartmentalization of knowledge, which, associated with banking education, makes it difficult for both students and teachers to perceive any possibilities of interconnection between the subdivisions of their subjects. Thus, the compartmentalization of knowledge will be reflected in the curricular organization in which the different subjects form, most of the time, watertight and unconnected realities. All this is verified from the development of modern science, reflected in the current context. For Minayo (1994, 2006), the 19th century was marked by the expansion of scientific work, promoting the enrichment of research technologies in all fields, as well as its multiplication of approaches. Hence, the fragmentation of knowledge was structured from delimited boundaries, further affirming the conception that decomposing the whole into parts is a facilitator for the acquisition of knowledge, finally perceiving the whole as the simple sum of the different parts. Freire (2004) pronounces himself in another way, when he proposes an educational action which is opposed to the education that transmits content, the latter being marked by dominating dependence. In this action, contrary to domination, the emergence of a horizontal sharing relationship between those involved is favored, making it possible to unveil attitudes of transformation about the known reality. Under these conditions, problematizing education implies humanization in process, conquered by the praxis3, which proposes the action-reflection of the subjects on the world, with the purpose of transforming it. In Freire, the conquest through praxis is the one that privileges dialogical relations, through a dialectical logic. From the arguments proposed, this text safeguards the idea that the two categories exist as theoretical foundations, that is, both banking education and problematizing education are defined as beacon spaces, allowing approximations or distancements. It is considered that, from the conceptions of banking and problematizing education, possibilities emerge and, from these, the construction of spaces that come to constitute differentiated relations of teaching and learning becomes feasible. 3Praxis is a category based on historical and dialectical materialism, which proposes the generation of conscious and critical transformative actions of reality, overcoming the dichotomy between theory and practice. For Marx and Engels (2010), it is in praxis that the subject "[...] has to prove the truth, that is, the reality and power, the earthly character of his thinking” (p. 27, our translation).
image/svg+xmlAndré Luis Castro de FREITAS and Luciane Albernaz de Araujo FREITAS RPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022120, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.153974 In this line of conduct, from a qualitative and bibliographic research, the objective of the text was to produce a critical descriptive study, inserted in the Freirian conception, which contemplates the comprehension of categories that promote a transforming education, having as a problematizing issue the social distancing lived in contemporaneity. With this, the theme makes us think about the possibilities of pronunciation and modification of the lived context, promoting movement between the two forms of education mentioned above. Based on these considerations, the text is described as follows: The problematizing education and the processes of transformation of reality- discusses the question of education as a promoter of transformations in reality, by the search for the liberation of human beings; The right to pronounce the word and transform the world- reflects on the need for human beings to be able to pronounce the world; A dialectical-dialogical proposal through between the concrete and the abstract - the Freirian proposal for the construction of knowledge grounded in dialogical relations is studied; The contemporary world, social distancing and educational relations- an analysis is carried out on the possibilities of approaching and distancing educational relations in relation to the proposed education categories. The final remarksand referencesfollow as forms of closure.