APLICATIVOS DE MUSCULAÇÃO COMO DISPOSITIVOS BIOPOLÍTICOS DE EDUCAÇÃO DO CORPO1


APLICATIVOS DE MUSCULACIÓN COMO DISPOSITIVOS BIOPOLÍTICOS PARA LA EDUCACIÓN CORPORAL


BODYBUILDING APPS AS BIOPOLITICAL DEVICES FOR EDUCATING THE BODY


Carleane SOARES2 Filipe Santos RIBEIRO3

Fabio ZOBOLI4


RESUMO: O presente ensaio tem como objetivo interpelar os aplicativos de musculação como espaços contemporâneos de educação do corpo na medida em que atuam como dispositivos biopolíticos de controle e produção de corpos padronizados. Para sustentar tal argumento reflexionamos a partir de dois aplicativos de musculação que se enquadram na categoria denominada “saúde e fitness”; são eles: “BodBot Personal Trainer” e “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”. Concluímos que esses dispositivos têm poderes apelativos que visam à homogeneização das condutas corporais, à normalização do corpo e o governo de si. Ou seja, grosso modo, são dispositivos biopolíticos.


PALAVRAS-CHAVE: Educação do corpo. Aplicativos de musculação. Biopolítica.


RESUMEN: Este ensayo tiene como objetivo cuestionar los aplicativos de musculación como espacios contemporáneos para la educación del cuerpo en la medida en que actúan como dispositivos biopolíticos para el control y producción de cuerpos estandarizados. Para mantener tal argumento reflexionamos desde dos aplicativos de musculación que entran en la categoría denominada "salud y fítness"; son: “BodBot Personal Trainer” y “Ejercicios en casa – Sin equipo”. Concluimos que estos dispositivos tienen poderes atractivos que tienen como objetivo homogeneizar la conducta corporal, normalizar el cuerpo y el autogobierno. En otras palabras, hablando a grandes rasgos, son dispositivos biopolíticos.


PALABRAS CLAVE: Educación corporal. Aplicativos de musculación. Biopolítica.


1 Este artigo foi apoiado com recursos do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), do Programa de apoio ao Pesquisador à Pós-Graduação (Proap) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

2 Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão – SE – Brasil. Mestranda no Programa de Pós- Graduação em Educação (PPGED/UFS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9173-0708. E-mail: inkarli@hotmail.com

3 Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão – SE – Brasil. Graduando no Curso de Licenciatura em Educação Física da UFS. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4682-5177. E-mail: filiperibeiro1803@gmail.com 4 Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão – SE – Brasil. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe (PPGED/UFS). Doutorado em Educação (UFBA). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5520-5773. E-mail: zobolito@gmail.com




ABSTRACT: This essay aims to question bodybuilding apps as contemporary spaces for body education as far as they act as biopolitical devices for the control and production of standardized bodies. To support this argument, we reflect on two bodybuilding apps that fall into the category called "health and fitness"; they are: “BodBot Personal Trainer” and “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos” (Home Exercises - Without Equipment). We conclude that these devices have appealing powers that aim at the homogenization of corporal behaviors, the normalization of the body, and the government of the self. That is, roughly speaking, they are biopolitical devices.


KEYWORDS: Body education. Bodybuilding apps. Biopolitics.


Introdução


O argumento que queremos sustentar neste ensaio é de que os aplicativos de saúde móvel (mHealth)5 aqui representados por dois aplicativos de musculação (“BodBot Personal Trainer – Instrutor de treinamento” e “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”) são dispositivos biopolíticos de controle e produção de corpos “padronizados”. Como nos lembra Esposito (2017), cada vez mais o horizonte político contemporâneo está marcado por decisões biopolíticas, que com base em saberes e tecnologias avançadas, definem e conformam formas de vidas, tanto em escala individual como social. Nesta perspectiva, os dois aplicativos de práticas corporais selecionados se enquadram nesse campo e por este motivo debruçaremos a nossa análise sobre eles. Pretendemos com este escrito interpelar a educação do corpo a partir de um olhar voltado para o presente, objetivando “desmistificar” a ideia de “verdade” e preocupação com a saúde do usuário produzida a partir do discurso sobre o corpo nos aplicativos de ginástica.

Deste modo, o presente escrito parte do pressuposto de que nas ciências humanas e sociais – logo, na Educação – não se pesquisam corpos, mas sim o corpo no contexto de suas práticas, no contexto dos seus usos sociais. Pretender investigar “corpos” em detrimento de suas práticas significa reduzi-lo ao seu lado natural e físico, é colocar sua biologia à frente do social incorporado, é confundir o natural com o naturalizado (GALAK, 2014). Ou seja, o corpo só pode ser objeto de estudo da Educação a partir de suas práticas que o tomam como campo empírico sob a forma de fenômenos recortados destas práticas culturais humanas. Este escrito também se sustenta no conceito de “práticas corporais” com a intensão de não reduzir o corpo a uma episteme biologicista que o mira única e exclusivamente pelas ciências


5 Embora não exista, segundo a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization), uma definição padronizada, pode-se entender saúde móvel como a oferta de serviços médicos e/ou de Saúde Pública que se valem do apoio tecnológico de dispositivos móveis, como telefones celulares, sensores e outros equipamentos vestíveis (noutras palavras, dispositivos diretamente conectados ao usuário).



naturais/biomédicas. Sendo assim, entendemos o termo a partir de Crisorio (2015, p. 34) que expõe a seguinte reflexão: “[...] nós nos utilizamos do termo práticas corporais para significar um corpo que nunca pode separar-se de sua prática, ele que nunca pode ser reduzido a um substrato natural ou a um princípio substancial, seja físico ou biológico”.

Pensar o corpo sob o conceito de “educação do corpo” se faz central na abordagem que faremos neste texto. Para compreendermos o sentido de educação do corpo precisamos revisitar o clássico conceito de técnicas corporais de Marcel Mauss. Por “técnicas corporais”, Mauss (2015, p. 385) entende “as maneiras como os homens, de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo”. Nas técnicas do corpo culturalmente transmitidas estão inscritos discursos políticos e sentidos estéticos, assim, “educar um corpo” é transmitir a ele modos políticos e sentidos estéticos (GALAK, 2014).

Antes de adentrarmos as questões mais específicas deste ensaio, vale ressaltar que na contemporaneidade existe uma obsessão crescente em modelar o corpo, em ter um corpo “saudável” e “bonito”. Deste modo, há uma enorme procura por programas de práticas corporais e por um sem-fim de dispositivos que prometem o alcance deste “corpo”. No entanto, toda essa preocupação excessiva contrasta (de modo quase paradoxal) com o fato de que o corpo continua sendo um objeto desvalorizado. “Desvalorizado” porque a maior atenção dedicada a ele e às inúmeras práticas as quais ele é submetido apenas solidificam e reforçam o seu controle; parece que o corpo permanece um simples consumidor de bens e serviços, submetido a um regime de poder. Dessa forma, diante de uma sociedade neoliberal questionamos: O que seriam então os aplicativos de ginástica, se não espaços de dominação e controle, ou seja, dispositivos biopolíticos contemporâneos?

Aqui entendemos dispositivo como “[...] qualquer coisa que tenha de algum modo a

capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (AGAMBEN, 2009, p. 40). Consequentemente, o autor afirma que na condição de dispositivos, estes sempre são responsáveis por produzir um sujeito. O sujeito seria então, o resultado da relação do corpo a corpo entre os viventes e os dispositivos (AGAMBEN, 2009).

Os aplicativos de práticas corporais de musculação – assim como todos os demais aplicativos que gestam comportamentos frente aos usos políticos do corpo – constituem-se em estratégias que tem no corpo seu objeto de disciplina, governo e regulação em nome da saúde, da vitalidade e da vida. Estes aplicativos cada vez mais fazem parte da vida das pessoas e atuam na produção e disseminação de regimes de verdades sobre o corpo e sobre como viver




a vida, atuando tanto de modo individualizante quanto massificador (como dito anteriormente).

A utilização de softwares do tipo aplicativo é uma prática que se tornou muito recorrente nos últimos anos. Segundo dados da eMarketer6, com a pandemia da COVID-19, empresas de condicionamento físico em casa, ganharam popularidade na medida em que os indivíduos se voltaram para a tecnologia móvel para receber assistência relacionada à saúde. Analisando a plataforma, observamos que o Brasil ocupa a 4ª posição no ranking de países que mais utilizam smartphones no mundo. Logo, com o aumento do uso dos smartphones, acreditamos que seja necessário a realização de mais estudos, em especial acerca dos aplicativos que se propõe orientar as práticas corporais, visto que, é uma forma de contribuir com o diálogo no campo da pesquisa não só da Educação, mas de outras áreas.

Para lograr o já anunciado objetivo deste ensaio, organizamos o mesmo a partir de mais outras três sessões para além dessa introdução que recorta o objeto e apresenta alguns conceitos chaves de nosso estudo. Na segunda parte apresentamos os dois aplicativos de musculação “BodBot Personal Trainer – Instrutor de treinamento” e “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos” para na terceira sessão interpelar os mesmos como dispositivos biopolíticos de educação do corpo. Na quarta e última parte tecemos nossas considerações finais.


Sobre os aplicativos “BodBot personal trainer” e “Exercícios em casa – sem equipamentos”


Atualmente, não há como negar que o funcionalismo dos aplicativos é imensurável; existem aplicativos para diversos tipos de necessidades e categorias como: jogos, músicas, educação, saúde e fitness, entre outros. Nascimento, Martins e Victer (2013, p. 5) entendem aplicativo para dispositivo móvel como:


[...] aplicativos, conhecidos genericamente como apps, são softwares que carregam nos aparelhos eletrônicos funcionalidades específicas para facilitar certas aplicações existentes ou novas atribuídas como por exemplo, a de um aparelho celular que além das funções originais de fazer e receber chamadas também exibe vídeos e serve como leitor de livros.


O advento e a profusão cada vez maiores desses aplicativos contribuíram para a formação de novos campos de saberes, como, por exemplo, é o caso da saúde móvel

6 A eMarketer é uma empresa de pesquisa de mercado baseada em assinatura que fornece percepções e tendências relacionadas a marketing digital, mídia e comércio. Para maiores informações acessar: https://www.emarketer.com/.

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(mHealth), que consiste no uso de tecnologias de computação e comunicação móveis como: telefones celulares, sensores e equipamentos vestíveis7 que são utilizados para cuidados pessoais de saúde, para uso de instituições privadas e para programas e ações de saúde pública (WHO, 2011).

Neste ensaio, os aplicativos selecionados se enquadram na categoria denominada “saúde e fitness”; são eles: “BodBot Personal Trainer” e “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”. Ressaltamos que ambos os aplicativos funcionam como ferramentas portáteis que disponibilizam coleções de treinos baseadas em dados digitais que auxiliam os usuários na reconstrução do “corpo” sem sair de casa. Esses aplicativos destinados para a educação do corpo são dedicados à extração e registro de informação sobre múltiplos aspectos corporais dos usuários. Também apoiados no discurso de vida saudável, conhecimento e controle de si, esses aplicativos se apresentam como aliados no gerenciamento dos cuidados com o corpo, na otimização de tarefas e na percepção ampliada sobre os hábitos e padrões de atividade física mediante análises algorítmicas. Assim, eles operam estabelecendo associações entre os corpos, algoritmos e desenvolvedores, prometendo orientação individual e previsão de cenários futuros de acordo com os corpos de agora.

Para Sant’anna (2001), entre outras formas de interferência sobre o corpo, as tecnologias voltadas para a ideia da promoção da saúde, tornaram-se tendências e atualmente ocupam as mídias banalizando de certa forma a vida humana: Nessa perspectiva:


[...] reconstruir o próprio corpo com a ajuda dos avanços tecnológicos e científicos – cosméticos, cirurgias, uso de próteses, ginásticas, regimes etc. – para ganhar mais saúde e juventude não deixa de ser uma promessa fascinante a diversas épocas da civilização, mas foi na atual que ela conseguiu conquistar um espaço inédito na mídia e uma banalização importante no cotidiano, tanto das grandes quanto das pequenas cidades (SANT’ANNA, 2001, p. 18).


Dito isto, questionamos: De que corpo necessita determinada configuração espaço- temporal de saberes e poderes? Segundo a autora, há diferentes modos de compreender a consolidação dessa configuração ou tendência, uma delas expressa as ambições do homem de conhecer, controlar o corpo e, ao mesmo tempo, os limites e as fragilidades; exercendo uma espécie de gerência política sobre ele. Como o corpo é capturado, através dos discursos produzidos por esses aplicativos, trata-se então de sondar a complexidade aí embutida.


7 Deborah Lupton (2012; 2014) defende em seus textos que há uma gama crescente de objetos vestíveis que incrementam o monitoramento dos indivíduos e utilizam aplicativos da área da saúde, como calçados, roupas ou aparelhos embutidos com sensores e até pequenas câmeras equipadas para tirarem fotos automaticamente durante o dia.


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O “BodBot” é um aplicativo desenvolvido por uma empresa Norte-americana, propõe ser um personal trainer digital capaz de elaborar treinos personalizados de acordo com a capacidade do usuário e está disponível para Android e iPhone (iOS). O aplicativo possui ainda a função “nutrição”, que registra as preferências alimentares do usuário, e faz sugestões nutricionais para o alcance do objetivo cadastrado. A Google Play8, o-define como:


O BodBot é um verdadeiro personal trainer digital, que cria treinos sob medida considerando seus recursos, capacidade física, dificuldade desejada e vários outros fatores. Cada treino é personalizado em cada exercício individual, e o planejamento muda com o tempo à medida que você conclui ou pula treinos. Assim como um bom personal trainer, personalizamos seu programa de treinos (GOOGLE PLAY, 2021a, grifo nosso).


Um fato que nos chamou a atenção na análise deste aplicativo, diz respeito a como o discurso presente na descrição é direcionado. Nota-se uma espécie de força retórica na escrita, capaz de induzir estrategicamente o indivíduo a adesão imediata, ou seja, o desenvolvedor se empenha a nível máximo em capturar todos, desde o primeiro contato com o aplicativo, dado que este promete cuidados específicos para cada um dos seus usuários, mesmo aqueles com algum tipo de “limitação”, ou os que nunca tiveram contato com alguma prática antes. Vejamos:


[...] movimentação limitada nos ombros? Podemos corrigir isso. Os músculos das costas são menos desenvolvidos do que os do peito? Cuidamos disso também. Músculos posteriores da coxa muito rijos? Quer desenvolver os bíceps ou glúteos? Só pode treinar em pequenos intervalos de tempo durante a semana? O BodBot te ajuda com tudo isso, e seus treinos serão montados para atender suas necessidades. Nos empenhamos em disponibilizar a você o melhor programa de treinos possível, e os melhores exercícios. Mais do que isso, se você pular um treino ou decidir caminhar, incluiremos essa informação e atualizaremos seu programa para adequá-lo às mudanças. O programa vive e respira com você e por você (GOOGLE PLAY, 2021a, grifo nosso).


No caso do aplicativo “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”, é desenvolvido por uma empresa Asiática, este oferece miniaulas de ginástica para ajudar o usuário a praticar atividades físicas sem precisar de equipamentos convencionais de academia. Os treinos utilizam movimentos com o próprio corpo e são exibidos com ilustrações e vídeos demonstrativos. O aplicativo também está disponível para Android e para iPhone (iOS). Os treinos disponibilizados pelo aplicativo são separados por grupos musculares e são divididos entre as categorias iniciante, intermediário e avançado, o que determina o tempo e a


8 Plataforma de vendas de produtos digitais. Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.bodbot.trainer&hl=pt_BR&gl=US. Acesso em: 10 dez. 2021.

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intensidade dos exercícios. Cada opção é responsável de mostrar ao usuário os exercícios que devem ser realizados por ele através de ilustrações animadas, descrição em texto, áudio e um link para um vídeo demonstrativo. Esses vídeos não são reproduzidos dentro da própria plataforma – o link direciona o “aluno” para uma aula produzida por terceiros em um outro aplicativo. O aplicativo também tem treinos especiais que podem ser destravados assistindo vídeos de publicidade. Sobre o aplicativo Exercícios em Casa – Sem equipamentos a Google play diz:


Treino em casa fornece rotinas de treino diárias para os principais grupos musculares. Com apenas alguns minutos por dia, você poderá definir seus músculos e manter-se em forma em casa sem ter que ir à academia. Nenhum equipamento ou treinador é necessário, todos os exercícios podem ser realizados apenas com o peso o seu corpo (GOOGLE PLAY, 2021b).


Destacamos na observação desse aplicativo, além do apelo no uso da linguagem verbal escrita, como semelhante ao anterior, há forte utilização das imagens. Estas nos chamaram atenção, tendo em vista que são imagens de corpos que na sociedade atual são tidos como “bons”, como o “padrão a ser atingido”. Mas, o que é o “bom corpo”? Seria os da imagem? Vejamos na figura 1:


Figura 1 – Imagem dos corpos utilizados como modelo no aplicativo


Fonte: Google play (2021b)


Pretendemos desenvolver algumas reflexões mais aprofundadas no tópico mais adiante. Por agora, vale dizer que torna-se pertinente analisar as formas pelas quais esses aplicativos para dispositivos móveis têm atuado no âmbito da educação do corpo em seu




sentido amplo (GALAK, 2014; GOMES, 2019), seja em espaços formais (escola, hospitais, unidades básicas de saúde) ou espaços não-formais, tendo em vista que no contemporâneo, como argumenta Vaz (2003, p. 7), “[...] é importante pensar a educação do corpo nesse contexto mais amplo em que se estruturam os cuidados com o corpo no mundo contemporâneo; afinal o corpo é educado nas escolas [...] mas também nas ruas, tevês, nas revistas ilustradas”.


Os aplicativos como dispositivos biopolíticos de educação do corpo


Na sua obra “Corpo e Sentido” José Bártolo faz uma leitura intersemiótica dos processos de significação do corpo associados a práticas e aos discursos. Na concepção do autor, todo saber é produzido dentro de um sistema de comunicação, de signos e todo poder se exerce a partir da extração, apropriação, distribuição ou retenção de um saber. Segundo ele:


A um determinado regime de signos estará sempre associado um determinado regime de poder, que é antes de mais, poder semiótico: poder de fazer sentido. O poder de fazer sentido que se exerce sobre um determinado corpo exerce sentido em vista objectua-lo, torná-lo objecto, modelá-lo de acordo com uma construção de sentido particular. É a esta dinâmica de produção de sentido relacionada com um determinado poder- fazer e poder-saber que nós designamos por produção associando-a à acção de uma determinada máquina semiótica (BÁRTOLO, 2007, p. 52).


Entendendo o corpo enquanto um campo de produção de sentido, como concebe o autor acima citado, parece ser impossível projetar de forma antecipada um esquema de reconhecimento, sentido ou classificação fora do corpo. Desse modo, os estudos que tratam dos signos na relação com a cultura nos mostram que é no próprio corpo, naquilo que tem de irredutivelmente único, que é possível visualizar os modos de agenciamento e as singularidades que o fazem significar (BÁRTOLO, 2007).

Todavia, se educar o corpo é transmitir a ele modos políticos e sentidos estéticos como sugere Galak (2017), a nossa pretensão é analisar como os aplicativos de musculação, enquanto dispositivos biopolíticos, concebem e significam os discursos sobre o corpo a partir de lógicas próprias do modo de “educar” esses corpos. Isso nos leva a compreensão de que os aplicativos “BodBot Personal Trainer” e “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”, tomam o corpo como objeto e se encarregam pela transmissão das “técnicas corporais”, no sentido utilizado pelo sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss. Tensionar o uso desses dispositivos tecnológicos, sob a perspectiva da biopolítica é tentar desmobilizar alguns discursos que encerram o corpo na noção mecanicista.



Logo, seria importuno, ou talvez “afrontoso” demais afirmar que não caberia a eles a responsabilidade pela gerência política e estética do “corpo a ser educado”. Ou, seria? É o discurso produzido por esses aplicativos que nos interessa. Portanto, é realizando uma observação mais minuciosa nos próprios aplicativos, que talvez seja possível visualizar os modos de agenciamento e as operações exercidas sobre o corpo, que objetivam de alguma maneira a sua instrumentalização, para um determinado fim: adequação, padronização.

Doravante, entendemos que o corpo não existe fora da política, fora da palavra. Dessa forma, “volver el cuerpo un objeto de estudio es darle palabra a ese lenguage, es hacer hablar los sentidos coyunturales outorgados a las maneras como se conciben los sujetos y la política” (GALAK, 2014, p. 357, grifo nosso). Assim, “saber do corpo”, “sobre o que educar sobre o corpo” para além da ideia que parece reduzi-lo a categoria de organismo, é compreendê-lo dentro da trama social por onde transitam os sentidos, já que, tratamos do corpo falante de seres falantes, do corpo “que fala”. Como vimos, é de um saber que se trata, e, este saber nos leva a refletir sobre as dimensões do político e da política relacionadas a educação do corpo. Logo, a política “es asunto de cuerpos hablantes, porque no hablarían si no tuvieran cuerpo. Pero, a su vez, si tuvieran solo cuerpos y no hablasen, no tendrían necesidad de política” (MILNER, 2013, p. 12, grifo nosso).

Continuamente, pensar a política voltada para a educação do corpo é entendê-la enquanto dispositivo de manobra que utiliza os processos de ensino/aprendizagem para o controle e formação de subjetividades específicas (GALAK, 2017). Neste sentido, olhar para as técnicas/tecnologias e para os discursos produzidos por estes, implica considerar antes de tudo, o entendimento dos arranjos entre entidades distintas, de modo que o caráter “técnico” revela-se inserido em uma agenda política. Assim, entendemos que “educar o corpo” numa visão biomédica, a qual se pauta os desenvolvedores desses aplicativos, é compreendê-los como recursos de controle biopolíticos.

Ademais, em um cenário de ascensão das novas tecnologias em que o corpo, torna-se cada vez mais matéria manipulável, é preciso encarar essas “verdades” produzidas pelas plataformas digitais para perceber os modos como esses saberes e práticas vem construindo sentido e perpetuando relações de poder no seio da sociedade, sobre o que pode o corpo. Pois como nos lembra Bártolo (2007), onde se encontra um corpo dever-se-á encontrar também uma rede de relações instrumentais, uma série em funcionamento, de operadores epistêmicos, uma lógica de produção de sentidos, de um determinado sentido legitimador da rede de relações, do funcionamento dos operadores, do próprio procedimento das lógicas produtivas.




Apesar do verbo "educar" ser um objeto muito presente, a educação corporal não está restrita apenas ao ambiente escolar com suas particularidades.

Juntando-se a isso, a ideia de controle e gestão dos corpos via estabelecimento de regras, ganha força na modernidade e se faz presente nos estudos de Michel Foucault (2005; 2008a; 2008b; 2013). A análise que o filósofo francês realiza a respeito das relações e tecnologias de poder sobre o corpo, traz à tona os conceitos de biopoder e biopolítica para os debates e as discussões sobre as diferentes estratégias para o controle, regulação e educação do corpo. Em sua genealogia, Foucault nos leva ao entendimento de que este período histórico em especial, foi responsável por instaurar políticas específicas de controle e regulação dos corpos, inclusive no sentido de criar um poder disciplinar dominante. Em termos foucaltianos:


Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma ‘anatomia política’, que é também igualmente uma ‘mecânica do poder’, está nascendo, ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças ‘em termos políticos de obediência’ (FOUCAULT, 2005, p. 119).


Na concepção do autor, as instituições educacionais – Estado, escola, religião, hospital, prisão, família etc. – não funcionam apenas como espaços de circulação de corpos. Todas essas instituições, se estruturam como espaços/tempos de (re)produção e educação dos corpos; buscando a manutenção de uma ordem desejada. A partir do que expõe Foucault, arriscamos dizer que os aplicativos constituiriam espaços digitais, projetados estrategicamente para a educação e produção de corpos. Nessa perspectiva, “[...] o Ser dobrado não é uma questão de corpos, mas de locais fabricados” (ROSE, 2001, p. 50) e esses locais atuam pedagógica e politicamente para a transmissão de um conjunto de técnicas corporais, gestos, hábitos, modos culturais de se comportar e de utilizar o corpo (MAUSS, 2015).

Contudo, da segunda metade para o fim do século XVIII, Foucault atenta para a emergência de uma outra tecnologia de poder, que incorporara a essas técnicas disciplinares e individualizantes a população, os acontecimentos da vida das pessoas, a biologia desses corpos. Com a entrada do corpo biológico no campo da política e do Estado em meados do século XVIII, uma série de técnicas de poder centradas na vida dos homens foram, então, inauguradas, criando estratégias que passaram de individualizantes para massificadoras



tornando-se, assim, uma biopolítica (FOUCAULT, 2005). Em suma, a biopolítica constitui-se em uma tecnologia dirigida à multiplicidade dos homens na medida em que forma uma massa global, impactada pelos processos que são próprios da vida dos indivíduos, como nascimento, morte, produção e a doença.

Em vista disso, o desenvolvimento da biopolítica objetiva, como bem salientou Foucault (2013), intervir em fenômenos sociais, de modo a controlá-los, estimulá-los ou reduzi-los. Como exemplo, a elaboração de ferramentas estatísticas que permitem acompanhar as taxas de natalidade, de mortalidade, de longevidade; a expansão de instituições de assistência social direcionadas para idosos e enfermos que estão incapacitados de trabalhar; a criação de planos de saúde, seguros de vida, de poupanças e de aposentadoria. Assim, a biopolítica considera a gerência de nascimentos e de mortes; as taxas de natalidade; o acompanhamento da expectativa de vida das populações e outras formas de controle social. Deste modo, destaca Foucault:


[...] sem dúvida, o biológico reflete-se no político; o fato de viver não é mais esse sustentáculo inacessível que só emerge de tempos em tempos, no caso da morte e da fatalidade: cai, em parte, no campo do controle do saber e de intervenção do poder (FOUCAULT, 2013, p. 155)


Para o autor, a existência biológica dos indivíduos passa a ser cuidada e fomentada. Para isso, “[...] o poder se situa e [se] exerce ao nível da vida, da espécie, da raça e dos fenômenos maciços de população” (FOUCAULT, 2013, p. 149-150), gerindo e organizando a vida e as forças produtivas populacionais: “[...] é sobre a vida e ao longo de todo o seu desenrolar que o poder estabelece seus pontos de fixação” (FOUCAULT, 2013, p. 151). Logo, Foucault (2008; 2013) entende o Biopoder enquanto uma tecnologia de poder sobre a vida dos indivíduos e da população, e este por sua vez atua em dois níveis: Um centrado no corpo (individualizante) e outro centrado no controle da vida dos indivíduos em seu conjunto, em termos de população.

Ora, visto por esse ângulo, o investimento sobre o corpo valoriza a vida, que precisa ser mantida e prolongada. A partir da leitura de Foucault, isso foi possível graças a implementação dos dispositivos de biopoder.

Nikolas Rose (2013), ao fazer uma reflexão do presente a respeito da biopolítica – a política da própria vida do século XXI – se empenha em analisar as novas nuances decorrentes da forma de gerência da vida atualmente, as-diferenciando das analisadas por Foucault. Para o autor, as estratégias biopolíticas passaram ao largo do século XX, mais especificamente em sua parte final, a adquirir diferente e renovados contornos sobre a




população. Nikolas Rose salienta que dentre os temas dessa política contemporânea da vida, alguns já são conhecidos, porém outros são novos; como exemplo dessa novidade, ele cita as mudanças ocorridas nas racionalidades e nas tecnologias de governo. Na sua concepção, “[...] principalmente nas transformações no fornecimento de segurança, bem-estar e saúde” (ROSE, 2013, p. 16). Segundo ele, dentre os demais campos, essas modificações foram mais eloquentes no campo da saúde:


[...] os seres humanos chegam a experimentar a si mesmos de novas maneiras como criaturas biológicas, como si-mesmos biológicos, sua existência vital torna-se foco de governo, alvo de novas formas de autoridade e de expertise, um campo altamente catéxico para o conhecimento, um território em expansão para a exploração bioeconômica, um princípio organizador de ética e uma aposta em uma política de vida (ROSE, 2013, p. 17).


Dentre os processos responsáveis por instituir as novas bases da biopolítica contemporânea abordados por Rose, nos interessa pontuar rapidamente um dos cinco caminhos, que para ele, estão passando por mutações significativas: as economias de vitalidade. Sobre isso, o autor menciona que:


[...] Quinto, economias de vitalidade. Fortalecidos pela busca de biovalores, novos laços se formaram entre verdade e capitalização, a busca do valor de acionista e o valor humano investido na esperança da cura e da otimização. Novo espaço econômico foi delineado – a bioeconomia – e nova forma de capital – biocapital. Antigos atores, tais como corporações farmacêuticas, foram modificados em sua relação com a ciência, de um lado, e com o mercado de valores, de outro. Novos atores, tais como as empresas iniciantes de biotecnologia, surgiram, frequentemente buscando enfatizar sua responsabilidade social corporativa e conciliando-se, de várias maneiras, com as formas de cidadania e expertise. A vida em si mesma tornou-se maleável a essas novas relações econômicas, enquanto a vitalidade é decomposta em uma série de objetos distintos e discretos – que podem ser isolados, delimitados, armazenados, acumulados, mobilizados e permutados, aos quais se pode atribuir discreto valor, comerciados ao longo do tempo, do espaço, gêneros, contextos, empresas – a serviço de muitos objetivos distintos. No processo, um novo campo geopolítico tomou forma, e a biopolítica tornou-se inextricavelmente entretecida à bioeconomia (ROSE, 2013, p. 20).


Como anunciado por Rose, existe atualmente uma economia que se volta e abarca a vida, que é responsável pela gestão e geração de um biocapital, este último proveniente dos avanços tecnológicos e biomédicos. O corpo enquanto um território, é lugar de demarcações, uma topografia (topos) da política, espaço de identificação por meio de características observáveis, bem como por linguagens que dão uma capacidade de representação. Por essa



razão os estudos de Foucault e as contribuições de Rose são importantes para compreensão do corpo enquanto um lugar onde os dispositivos de poder atuam.

Os aplicativos móveis de musculação, enquanto dispositivos biopolíticos são responsáveis por gerir não só o corpo do usuário (que se mantem subordinado ao programa do desenvolvedor, que controla os corpos via relatórios que são exigidos pelo próprio aplicativo) mas pela gestão do corpo do usuário na condição de aluno e aprendiz da prática, que assumindo tal função parece “obrigado a se manter passivo” e apenas seguir o programa. O aplicativo é quem comanda, o usuário/aluno obedece. Ele dita o tempo, o início e o fim da atividade. Seguindo as ordens do aplicativo “Exercícios em Casa – Sem equipamentos”, durante o uso:


Durante as aulas, o usuário deve reproduzir os movimentos mostrados na tela. Uma contagem regressiva mostra por quanto tempo o usuário deve fazer aquele exercício, com uma contagem regressiva em texto e em áudio. O app também mostra o tempo de descanso entre uma atividade e outra (GOOGLE PLAY, 2021b)


O aplicativo “BodBot”, diz controlar a rotina do usuário, incluindo até mudanças inesperadas que possam vir a ocorrer e que impossibilite por vários motivos o aluno a cumprir o planejado, como: ter uma noite de insônia, não cumprir a atividade por conta de alguma limitação física etc. Para os desenvolvedores do aplicativo, o aluno não deve se preocupar com nada, cabe ao aplicativo cuidar de tudo “[...] o BodBot cuida dessas mudanças para você” (GOOGLE PLAY, 2021a).


o agenciamento do espaço corresponderá ao problema da organização de um “meio” que permita a circulação das coisas e das pessoas. A normalização, por sua vez, irá se referir aos mecanismos de regulação que atuam sobre os processos gerais da vida. E o corpo a ser singularizado como objeto e sujeito dos mecanismos de poder é o corpo coletivo das populações (FONSECA, 2011, p. 242).


Essa homogeneidade da ação dos dispositivos está explícita, inclusive, nos argumentos usados na publicidade dos mesmos nas plataformas onde estão disponíveis. Para os usuários, os desenvolvedores dizem que o-motiva a alcançar as suas metas de saúde e fitness, “[...] o BodBot usará cada gota do seu suor para ajudar você a obter os resultados que deseja” (GOOGLE PLAY, 2021a). No caso do “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”, o discurso segue na mesma linha apelativa, “[...] faça nossos exercícios e você notará uma mudança em seu corpo em apenas algumas semanas” (GOOGLE PLAY, 2021b). O apelo é: “invista em saúde, no entanto as empresas desenvolvedoras dos aplicativos estariam




verdadeiramente preocupadas com a saúde dos usuários? Vale a reflexão, sobre o que essas empresas entendem por “saúde/saudável”.


Tendo como referência essa compreensão sobre a tecnologia política do corpo, sobre a analítica dos poderes e sobre a biopolítica indagamos como se estabelece a relação de verdade entre o exercício e a saúde e também como sobre como é possível compreender os estilos de vida nesse processo de constituição dos sujeitos, que nunca termina de se completar e que transita por modalidades de asujeitamento e resistência (NÓBREGA, 2011, p. 410)


Com relação ao padrão de corpo comercializado, este parece se encaixar no que elas denominam de “bom corpo”. O aplicativo “Exercícios em casa – Sem equipamentos”, ressalta que não é porque a atividade dura apenas alguns minutos que o usuário não alcançara “seus objetivos”, pois seguindo a rotina planejada no aplicativo, “[...] irá ajudá-lo a conseguir a barriga tanquinho em casa” (GOOGLE PLAY, 2021b).

Esses aplicativos evidenciam o controle sobre a vida e os corpos dos usuários e geram dados para o desenvolvimento de novas estratégias de domínio e manutenção do biopoder, tendo em vista que eles capturam os hábitos narrados dos depoimentos extraídos dos usuários. Portanto, a pluralidade de agendas e interesses que integram as plataformas que divulgam esses aplicativos de educação e monitoramento corporal não se relaciona somente com as interfaces de visualização de dados e os objetos que carregam consigo. Juntos, os aplicativos, os dados e os corpos conformam uma rede ampla de entidades – empresas, algoritmos, servidores, planos etc.– que produzem experiências corporais enquanto fonte de valor financeiro e berço de testes para o refinamento dos sistemas de controle, ou seja, agem como dispositivos biopolíticos. Como afirmamos anteriormente, estes aplicativos na condição de dispositivos biopolíticos, instauram métodos específicos baseados em prescrições digitais que tem por objetivo modelar o comportamento mediante o acesso detalhado às informações sobre os hábitos e o desempenho físico dos corpos, tendo em vista um biocapital para a

manutenção da rede de controle.


Considerações finais


Este ensaio tentou demostrar como os aplicativos de musculação, apoiados no discurso de “vida saudável” e “conhecimento e controle de si” agem como dispositivos biopolíticos de educação do corpo disseminando discursos políticos e sentidos estéticos. Para sustentar tal



pressuposto utilizamos como pano de fundo dois aplicativos9BodBot Personal Trainer: Instrutor de treinamento” e “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”. “Como dito, ao longo do ensaio, buscamos a compreensão dos aplicativos como gestores de comportamentos, ou seja, enquanto instrumento de educação do corpo. Neste sentido, observamos que os aplicativos analisados extraem da atitude corporal os “fazeres que produzem saberes” que, por sua vez, irão atualizar os modos e os corpos dos usuários. Constatamos de que esses dispositivos têm poderes apelativos que visam à homogeneização das condutas, à normalização e o governo de si. Ou seja, grosso modo, são dispositivos biopolíticos.

Arriscamos também afirmar que os aplicativos são experimentos, instrumentos epistemológicos concebidos para conhecer através da experiência de quem usa. Assim, por intermédio das experiências e rotinas de monitoramento, os próprios desenvolvedores dos aplicativos e os usuários aprendem sobre os corpos ensinando-os a incorporar ao “se mover”. “No exercício, nas práticas corporais, os sujeitos podem encontrar espaços de produção de tecnologias de si que permitam um trabalho sobre o corpo e a alma” (NÓBREGA, 2011, p. 412). Nesse percurso, os modos de “adquirir um corpo” revelam-se, ao mesmo tempo que se desvelam também procedimentos metodológicos e formas alternativas de encarnar e controlar o corpo através dos dados digitais. É o Nicolas Rose denomina de “[...] montagens híbridas de saberes, instrumentos, pessoas, sistemas de julgamento, edifícios e espaços, orientados, no nível programático, por certos pressupostos e objetivos sobre os seres humanos” (ROSE, 2001, p. 38).

Falar sobre o corpo “controlado via dispositivos biopolíticos” no atual cenário tecnológico é também tensionar algumas questões que se desdobram num projeto de “exaustão” e “retirada de potência” do corpo. “[...] os corpos não se formam mais, mas cedem progressivamente a toda sorte de deformações É como se tocássemos a própria definição do

corpo: o corpo é aquele que não aguenta mais, aquele que não se ergue mais” (LAPOUJADE, 2002, p. 82). O autor, fala de um corpo “esmorecido”, “prostrado” diante da vida; um corpo diminuído, controlado e preso a amarras que lhes são impostas por modelos estrategicamente desenvolvidos para a manutenção dos poderes através dos mais variados dispositivos biopolíticos.


9 Selecionamos estes aplicativos por terem a “melhor avaliação” segundo usuários na plataforma do Google –

Play Store.


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Como referenciar este artigo


SOARES, C.; RIBEIRO, F. S.; ZOBOLI, F. Aplicativos de musculação como dispositivos biopolíticos de educação do corpo. Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 25, n. 3, p. 2475-2492, set./dez. 2021. e-ISSN:1519-9029. DOI:

https://doi.org/10.22633/rpge.v25i3.15467


Submetido em: 16/09/2021 Revisões requeridas em: 13/10/2021 Aprovado em: 17/11/2021 Publicado em: 08/12/2021



BODYBUILDING APPS AS BIOPOLITICAL DEVICES FOR EDUCATING THE BODY1


APLICATIVOS DE MUSCULAÇÃO COMO DISPOSITIVOS BIOPOLÍTICOS DE EDUCAÇÃO DO CORPO


APLICATIVOS DE MUSCULACIÓN COMO DISPOSITIVOS BIOPOLÍTICOS PARA LA EDUCACIÓN CORPORAL


Carleane SOARES2

Filipe Santos RIBEIRO3

Fabio ZOBOLI 4


ABSTRACT: This essay aims to question bodybuilding apps as contemporary spaces for body education as far as they act as biopolitical devices for the control and production of standardized bodies. To support this argument, we reflect on two bodybuilding apps that fall into the category called "health and fitness"; they are: “BodBot Personal Trainer” and “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos” (Home Exercises - Without Equipment). We conclude that these devices have appealing powers that aim at the homogenization of corporal behaviors, the normalization of the body, and the government of the self. That is, roughly speaking, they are biopolitical devices.


KEYWORDS: Body education. Bodybuilding apps. Biopolitics.


RESUMO: O presente ensaio tem como objetivo interpelar os aplicativos de musculação como espaços contemporâneos de educação do corpo na medida em que atuam como dispositivos biopolíticos de controle e produção de corpos padronizados. Para sustentar tal argumento reflexionamos a partir de dois aplicativos de musculação que se enquadram na categoria denominada “saúde e fitness”; são eles: “BodBot Personal Trainer” e “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”. Concluímos que esses dispositivos têm poderes apelativos que visam à homogeneização das condutas corporais, à normalização do corpo e o governo de si. Ou seja, grosso modo, são dispositivos biopolíticos.


PALAVRAS-CHAVE: Educação do corpo. Aplicativos de musculação. Biopolítica.



1 This article was supported with resources from the Postgraduate Program in Education (PPGED) of the Federal University of Sergipe (UFS), the Research Support Program for Postgraduate Studies (Proap) and the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (Capes).

2 Federal University of Sergipe (UFS), São Cristóvão – SE – Brazil. Master's student at the Postgraduate Program in Education (PPGED/UFS). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9173-0708. E-mail: inkarli@hotmail.com

3 Federal University of Sergipe (UFS), São Cristóvão – SE – Brazil. Undergraduate student in the Teaching Degree course of Physical Education at UFS. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4682-5177. E-mail: filiperibeiro1803@gmail.com

4 Federal University of Sergipe (UFS), São Cristóvão – SE – Brazil. Professor at the Postgraduate Program in Education at the Federal University of Sergipe (PPGED/UFS). Doctorate in Education (UFBA). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5520-5773. E-mail: zobolito@gmail.com




RESUMEN: Este ensayo tiene como objetivo cuestionar los aplicativos de musculación como espacios contemporáneos para la educación del cuerpo en la medida en que actúan como dispositivos biopolíticos para el control y producción de cuerpos estandarizados. Para mantener tal argumento reflexionamos desde dos aplicativos de musculación que entran en la categoría denominada "salud y fítness"; son: “BodBot Personal Trainer” y “Ejercicios en casa – Sin equipo”. Concluimos que estos dispositivos tienen poderes atractivos que tienen como objetivo homogeneizar la conducta corporal, normalizar el cuerpo y el autogobierno. En otras palabras, hablando a grandes rasgos, son dispositivos biopolíticos.


PALABRAS CLAVE: Educación corporal. Aplicativos de musculación. Biopolítica.


Introduction


The argument we want to make in this essay is that mobile health applications (mHealth)5 represented here by two bodybuilding apps (“BodBot Personal Trainer – Training instructor” and “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos / Exercises at Home - Without Equipment”) are biopolitical devices of control and production of “standardized” bodies. As Esposito (2017) reminds us, the contemporary political horizon is increasingly marked by biopolitical decisions, which, based on advanced knowledge and technologies, define and shape ways of life, both on an individual and social scale. In this perspective, the two selected body practices applications fit into this field and for this reason we will focus our analysis on them. With this writing, we intend to challenge the education of the body from a perspective focused on the present, aiming to “demystify” the idea of “truth” and concern for the health of the user produced from the discourse about the body in gym applications.

Thus, the present writing assumes that in the human and social sciences – therefore, in Education – bodies are not researched, but the body in the context of its practices, in the context of its social uses. Intending to investigate “bodies” to the detriment of their practices means reducing them to their natural and physical side, it is putting their biology ahead of the embodied social, it is confusing the natural with the naturalized (GALAK, 2014). In other words, the body can only be an object of study in Education from its practices that take it as an empirical field in the form of phenomena cut from these human cultural practices. This writing is also based on the concept of “body practices” with the intention of not reducing the body to a biologicist episteme that targets it solely and exclusively by the natural/biomedical sciences. Therefore, we understand the term from Crisorio (2015, p. 34, our translation) who


5 Although, according to the World Health Organization, there is no standardized definition, mHealth can be understood as the provision of medical and/or Public Health services that make use of the technological support of mobile devices, such as cell phones, sensors and other wearable equipment (in other words, devices directly connected to the user).

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exposes the following reflection: “[...] we use the term bodily practices to mean a body that can never be separated from its practice, which can never be reduced to a natural substratum or a substantial principle, whether physical or biological”.

Thinking about the body under the concept of “education of the body” is central to the approach we will make in this text. To understand the meaning of educating the body, we need to revisit Marcel Mauss' classic concept of body techniques. By “body techniques”, Mauss (2015, p. 385, our translation) understands “the ways in which men, from society to society, in a traditional way, know how to use their body”. In culturally transmitted body techniques, political discourses and aesthetic meanings are inscribed, thus, “educating a body” is to transmit to it political modes and aesthetic meanings (GALAK, 2014).

Before going into the more specific issues of this essay, it is worth mentioning that in contemporary times there is a growing obsession with shaping the body, with having a “healthy” and “beautiful” body. Thus, there is a huge demand for programs of corporal practices and for an endless number of devices that promise the achievement of this “body”. However, all this excessive worry contrasts (almost paradoxically) with the fact that the body remains a devalued object. “Devalued” because the greater attention devoted to it and the countless practices to which it is subjected only solidify and reinforce its control; it seems that the body remains a simple consumer of goods and services, subjected to a regime of power. Thus, in the face of a neoliberal society, we question: What would gym applications be, if not spaces of domination and control, that is, contemporary biopolitical devices?

Here we understand device as “[...] anything that somehow has the ability to capture, guide, determine, intercept, model, control and ensure the gestures, conduct, opinions and speeches of living beings” (AGAMBEN, 2009, p. 40, our translation). Consequently, the author states that, as devices, they are always responsible for producing a subject. The subject would then be the result of the body-to-body relationship between the living and the devices (AGAMBEN, 2009).

The applications of bodybuilding practices - as well as all other applications that generate behaviors in the face of political uses of the body - are strategies that have the body as their object of discipline, government and regulation in the name of health, vitality and life. These applications are increasingly part of people's lives and act in the production and dissemination of regimes of truths about the body and about how to live life, acting both in an individualizing and massifying way (as previously mentioned).





The use of application-type software is a practice that has become very common in recent years. According to eMarketer data6, with the COVID-19 pandemic, home fitness companies have gained popularity as individuals have turned to mobile technology to receive health-related assistance. Analyzing the platform, we observe that Brazil occupies the 4th position in the ranking of countries that most use smartphones in the world. Therefore, with the increase in the use of smartphones, we believe that it is necessary to carry out more studies, especially about applications that propose to guide body practices, since it is a way of contributing to dialogue in the field of research not only in Education, but in other areas.

In order to achieve the already announced objective of this essay, we organized it from another three sessions in addition to this introduction that cuts the object and presents some key concepts of our study. In the second part we present the two bodybuilding apps “BodBot Personal Trainer – Training Instructor” and “Exercicios em Casa – Sem Equipamentos” for the third session to question them as biopolitical devices for body education. In the fourth and last part we make our final remarks.


About the “BodBot personal trainer” and “Exercicios em Casa – Sem Equipamentos” apps


Today, there's no denying that application functionality is immeasurable; there are applications for different types of needs and categories such as: games, music, education, health and fitness, among others. Nascimento, Martins and Victer (2013, p. 5, our translation) understand applications for mobile devices as:


[...] applications, known generically as apps, are software that load specific functionalities on electronic devices to facilitate certain existing or new applications, such as, for example, a cell phone that, in addition to the original functions of making and receiving calls, also displays videos and serves as a book reader.


The advent and increasing profusion of these applications have contributed to the formation of new fields of knowledge, such as, for example, the case of mobile health (mHealth), which consists of the use of mobile computing and communication technologies



6 eMarketer is a subscription-based market research firm that provides insights and trends related to digital marketing, media and commerce. For more information access: https://www.emarketer.com/.

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such as: cell phones, sensors and wearable equipment7 that are used for personal health care, for use by private institutions and for public health programs and actions (WHO, 2011).

In this essay, the selected applications fall into the category called “health and fitness”; they are: “BodBot Personal Trainer” and “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”. We emphasize that both applications work as portable tools that provide training collections based on digital data that help users in the reconstruction of the “body” without leaving home. These apps intended for body education are dedicated to extracting and recording information about multiple body aspects of users. Also supported by the discourse of healthy living, knowledge and self-control, these applications present themselves as allies in managing body care, optimizing tasks and expanding perception of habits and patterns of physical activity through algorithmic analysis. Thus, they operate by establishing associations between bodies, algorithms and developers, promising individual guidance and prediction of future scenarios according to bodies of today.

For Sant'anna (2001), among other forms of interference on the body, technologies focused on the idea of health promotion have become trends and currently occupy the media, trivializing human life in a way: From this perspective:


[...] rebuild one's own body with the help of technological and scientific advances – cosmetics, surgeries, use of prostheses, gymnastics, diets, etc. – to gain more health and youth is still a fascinating promise at different times of civilization, but it was in the current one that it managed to conquer an unprecedented space in the media and an important trivialization in everyday life, both in large and small cities (SANT’ANNA, 2001, p. 18, our translation).


That said, we question: What body does a specific spatio-temporal configuration of knowledge and powers need? According to the author, there are different ways of understanding the consolidation of this configuration or tendency, one of which expresses man's ambitions to know, control the body and, at the same time, the limits and fragilities; exercising a kind of political management over it. As the body is captured, through the discourses produced by these applications, it is then a matter of probing the complexity embedded therein.

“BodBot” is an application developed by an American company, it proposes to be a digital personal trainer capable of developing personalized workouts according to the user's capacity and is available for Android and iPhone (iOS). The application also has the


7 Deborah Lupton (2012; 2014) argues in her texts that there is a growing range of wearable objects that increase the monitoring of individuals and use health applications, such as shoes, clothes or devices embedded with sensors and even small cameras equipped to automatically take pictures during the day.


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“nutrition” function, which records the user's food preferences and makes nutritional suggestions to reach the registered goal. Google Play8 defines it as:


BodBot is a true digital personal trainer, which creates tailor-made workouts considering your resources, physical capacity, desired difficulty and many other factors. Each workout is customized for each individual workout, and the schedule changes over time as you complete or skip workouts. Just like a good personal trainer, we customize your training program (GOOGLE PLAY, 2021a, author’s highlights, our translation).


A fact that caught our attention in the analysis of this application concerns how the speech present in the description is directed. There is a kind of rhetorical force in the writing, capable of strategically inducing the individual to immediate adhesion, that is, the developer strives at the maximum level to capture everyone, from the first contact with the application, given that it promises specific care to each of its users, even those with some kind of “limitation”, or those who have never had contact with any practice before. Let's see:


[...] limited movement in the shoulders? We can fix this. Are the back muscles less developed than the chest muscles? We take care of that too. Tight hamstrings too tight? Want to develop your biceps or glutes? Can you only train at short intervals during the week? BodBot helps you with all of this, and your workouts will be tailored to suit your needs. We strive to provide you with the best possible training program, and the best exercises. More than that, if you skip a workout or decide to walk, we'll include that information and update your program to accommodate the changes. The program lives and breathes with you and for you (GOOGLE PLAY, 2021a, author’s highlights, our translation).


In the case of the application “Exercicios em Casa – Sem Equipamentos”, it is developed by an Asian company, it offers mini-gym classes to help the user to practice physical activities without needing conventional gym equipment. The workouts use body movements and are displayed with illustrations and demonstration videos. The app is also available for Android and iPhone (iOS). The workouts provided by the app are separated by muscle groups and are divided into beginner, intermediate and advanced categories, which determines the time and intensity of the exercises. Each option is responsible for showing the user the exercises that must be performed by him through animated illustrations, text description, audio and a link to a demonstration video. These videos are not played within the platform itself – the link directs the “student” to a class produced by a third party in another



8 Digital product sales platform. Available in: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.bodbot.trainer&hl=pt_BR&gl=US. Access: 10 Dec. 2021.

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application. The app also has special workouts that can be unlocked by watching advertising videos. About the Exercícios em Casa – Sem equipamentos Google Play says:


Home Workout provides daily workout routines for major muscle groups. In just a few minutes a day, you'll be able to define your muscles and stay in shape at home without having to go to the gym. No equipment or trainer is needed, all exercises can be performed with just your body weight (GOOGLE PLAY, 2021b, our translation).


We highlight in the observation of this application, in addition to the appeal in the use of written verbal language, as similar to the previous one, there is a strong use of images. These caught our attention, considering that they are images of bodies that in today's society are considered "good", as the "standard to be achieved". But what is the “good body”? Could it be the ones in the picture? Let's see in figure 1:


Figure 1 – Image of the bodies used as a model in the application


Source: Google play (2021b)


We intend to develop some more in-depth reflections on the topic later. For now, it is worth mentioning that it is relevant to analyze the ways in which these applications for mobile devices have acted in the context of body education in its broad sense (GALAK, 2014; GOMES, 2019), whether in formal spaces (school, hospitals, basic health units) or non-formal spaces, considering that in the contemporary world, as Vaz (2003, p. 7, our translation) argues, “[...] it is important to think about the education of the body in this broader context in which body care is structured in the contemporary world; after all, the body is educated in schools [...] but also in the streets, on TV, in illustrated magazines”.




Applications as biopolitical body education devices


In his work “Corpo e Sentido” (Body and Sense) José Bártolo makes an intersemiotic reading of the processes of meaning of the body associated with practices and discourses. In the author's conception, all knowledge is produced within a system of communication, of signs and all power is exercised from the extraction, appropriation, distribution or retention of knowledge. According to him:


A certain regime of signs will always be associated with a certain regime of power, which is, above all, semiotic power: the power to make sense. The power to make sense that is exercised over a given body exerts sense to objectify it, make it an object, model it according to a particular construction of meaning. It is this dynamic of production of sense related to a certain power-to-do and power-to-know that we call production, associating it to the action of a certain semiotic machine (BÁRTOLO, 2007, p. 52, our translation).


Understanding the body as a field of meaning production, as conceived by the above- mentioned author, it seems impossible to project in advance a scheme of recognition, meaning or classification outside the body. In this way, studies that deal with signs in relation to culture show us that it is in the body itself, in what is irreducibly unique, that it is possible to visualize the modes of agency and the singularities that make it signify (BÁRTOLO, 2007).

However, if educating the body is to transmit to it political modes and aesthetic meanings, as suggested by Galak (2017), our intention is to analyze how bodybuilding apps, as biopolitical devices, conceive and signify discourses about the body from their own logic. the way to “educate” these bodies. This leads us to understand that the applications “BodBot Personal Trainer” and “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos” take the body as an object and are responsible for the transmission of “body techniques”, in the sense used by French sociologist and anthropologist Marcel Mauss. To stress the use of these technological devices, from the perspective of biopolitics, is to try to demobilize some discourses that enclose the body in the mechanistic notion.

Therefore, it would be annoying, or perhaps too “outrageous” to say that they would

not be responsible for the political and aesthetic management of the “body to be educated”. Or, would it? It is the discourse produced by these applications that interests us. Therefore, it is by carrying out a more detailed observation in the applications themselves, that it may be possible to visualize the modes of agency and the operations carried out on the body, which somehow aim at its instrumentalization, for a certain purpose: adequacy, standardization.


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Henceforth, we understand that the body does not exist outside politics, outside the word. That way, “to turn the body into an object of study is to give word to that language, it is to make speak the conjunctural meanings granted to the ways in which subjects and politics are conceived” (GALAK, 2014, p. 357, our translation). Thus, "knowing the body", "about what to educate about the body" beyond the idea that seems to reduce it to the category of organism, is to understand it within the social fabric through which the senses transit, since we deal with the speaking body of speaking beings, of the body "that speaks". As we have seen, it is a matter of knowledge, and this knowledge leads us to reflect on the dimensions of politics and politics related to the education of the body. So, the politics “it is a matter of speaking bodies because they would not speak if they did not have a body. But, in turn, if they only had bodies and did not speak, they would not need politics” (MILNER, 2013, p. 12, our translation).

Continuously, thinking about the policy aimed at the education of the body is to understand it as a maneuver device that uses the teaching/learning processes for the control and formation of specific subjectivities (GALAK, 2017). In this sense, looking at the techniques/technologies and the discourses produced by them, implies considering, first of all, the understanding of the arrangements between different entities, so that the “technical” character reveals itself to be inserted in a political agenda. Thus, we understand that “educating the body” in a biomedical view, which the developers of these applications are guided by, is to understand them as biopolitical control resources.

Furthermore, in a scenario of the rise of new technologies in which the body becomes increasingly manipulable matter, it is necessary to face these “truths” produced by digital platforms to understand the ways in which this knowledge and practices have been building meaning and perpetuating power relations within society, about what the body can do. As Bártolo (2007) reminds us, where a body is found, a network of instrumental relationships must also be found, a series in operation, of epistemic operators, a logic of production of meanings, of a certain legitimizing sense of the network of relationships, of the operation of operators, of the very procedure of productive logics. Although the verb "to educate" is a very present object, body education is not restricted to the school environment with its particularities.

In addition, the idea of control and management of bodies through the establishment of rules gains strength in modernity and is present in the studies of Michel Foucault (2005; 2008a; 2008b; 2013). The analysis that the French philosopher performs about the relations and technologies of power over the body, brings up the concepts of biopower and biopolitics



for debates and discussions on different strategies for the control, regulation and education of the body. In his genealogy, Foucault leads us to the understanding that this historical period in particular was responsible for establishing specific policies for the control and regulation of bodies, including in the sense of creating a dominant disciplinary power. In Foucaultian terms:


A policy of coercion is then formed, which is a work on the body, a calculated manipulation of its elements, its gestures, its behaviors. The human body enters a machinery of power that scrutinizes it, dismantles it and recomposes it. A 'political anatomy', which is also a 'mechanics of power', is being born, it defines how one can have dominion over the bodies of others, not simply to do what one wants, but to operate as one wants, with the techniques, according to the speed and efficiency that is determined. Discipline thus manufactures submissive and exercised bodies, 'docile' bodies. Discipline increases the forces of the body (in economic terms of utility) and diminishes those same forces 'in political terms of obedience' (FOUCAULT, 2005, p. 119, our translation).


In the author's conception, educational institutions – State, school, religion, hospital, prison, family, etc. – do not only function as spaces for the circulation of bodies. All these institutions are structured as spaces/times of (re)production and education of bodies; seeking to maintain a desired order. From what Foucault exposes, we venture to say that the applications would constitute digital spaces, strategically designed for the education and production of bodies. From this perspective, “[...] the Folded Being is not a matter of bodies, but of manufactured places” (ROSE, 2001, p. 50, our trnaslation) and these places act pedagogically and politically for the transmission of a set of body techniques, gestures, habits, cultural ways of behaving and using the body (MAUSS, 2015).

However, from the second half to the end of the 18th century, Foucault pays attention to the emergence of another technology of power, which incorporated into these disciplinary and individualizing techniques the population, the events of people's lives, the biology of these bodies. With the entry of the biological body into the field of politics and the State in the mid-eighteenth century, a series of power techniques centered on the lives of men were then inaugurated, creating strategies that went from individualizing to massifying, thus becoming a biopolitics (FOUCAULT, 2005). In short, biopolitics constitutes a technology aimed at the multiplicity of men insofar as it forms a global mass, impacted by the processes that are characteristic of the lives of individuals, such as birth, death, production and disease.

In view of this, the development of biopolitics aims, as Foucault (2013) pointed out, to intervene in social phenomena in order to control, stimulate or reduce them. As an example, the development of statistical tools that allow the monitoring of birth, mortality and longevity

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rates; the expansion of social assistance institutions aimed at the elderly and infirm who are unable to work; the creation of health, life, savings and retirement plans. Thus, biopolitics considers the management of births and deaths; birth rates; monitoring the life expectancy of populations and other forms of social control. In this way, Foucault highlights:


[...] without a doubt, the biological is reflected in the political; the fact of living is no longer this inaccessible support that only emerges from time to time, in the case of death and fatality: it falls, in part, into the field of the control of knowledge and the intervention of power. (FOUCAULT, 2013, p. 155, our translation)


For the author, the biological existence of individuals is cared for and fostered. For this, “[...] power is situated and [is] exercised at the level of life, species, race and massive population phenomena” (FOUCAULT, 2013, p. 149-150, our translation), managing and organizing life and the productive forces of the population: “[...] it is on life and throughout its development that power establishes its fixation points” (FOUCAULT, 2013, p. 151, our translation). Therefore, Foucault (2008; 2013) understands Biopower as a technology of power over the lives of individuals and the population, and this in turn acts on two levels: One centered on the body (individualizing) and the other centered on controlling the lives of individuals, in terms of population.

Now, seen from this angle, the investment in the body values life, which needs to be maintained and prolonged. From the reading of Foucault, this was possible thanks to the implementation of biopower devices.

Nikolas Rose (2013), when reflecting on the present about biopolitics – the politics of life itself in the 21st century – endeavors to analyze the new nuances arising from the way of managing life today, differentiating them from those analyzed by Foucault. For the author, biopolitical strategies through the 20th century started, more specifically in its final part, to acquire different and renewed contours on the population. Nikolas Rose emphasizes that among the themes of this contemporary politics of life, some are already known, while others are new; as an example of this novelty, he cites the changes that have taken place in the rationalities and technologies of government. In his view, “[...] mainly in the transformations in the provision of safety, well-being and health” (ROSE, 2013, p. 16, our translation). According to him, among the other fields, these changes were more eloquent in the field of health:


As human beings come to experience themselves in new ways as biological creatures, as biological selves, their vital existence becomes the focus of





government, the target of new forms of authority and expertise, a highly cathexis for knowledge, an expanding territory for bioeconomic exploration, an organizing principle of ethics and a commitment to a life policy (ROSE, 2013, p. 17, our translation).


Among the processes responsible for instituting the new bases of contemporary biopolitics addressed by Rose, we are interested in quickly punctuating one of the five paths, which for him, are undergoing significant mutations: the economies of vitality. In this regard, the author mentions that:


[...] Fifth, vitality savings. Strengthened by the search for biovalues, new bonds were formed between truth and capitalization, the search for shareholder value and the human value invested in the hope of cure and optimization. A new economic space was outlined – the bioeconomy – and a new form of capital – biocapital. Former actors, such as pharmaceutical corporations, have been modified in their relationship to science, on the one hand, and to the stock market, on the other. New actors, such as biotechnology start-ups, have emerged, often seeking to emphasize their corporate social responsibility and reconciling themselves, in various ways, with forms of citizenship and expertise. Life itself has become malleable to these new economic relations, while vitality is decomposed into a series of distinct and discrete objects – which can be isolated, delimited, stored, accumulated, mobilized and exchanged, to which discrete valuecan be attributed, traded across time, space, genres, contexts, companies – serving many different goals. In the process, a new geopolitical field took shape, and biopolitics became inextricably intertwined with the bioeconomy. (ROSE, 2013, p. 20, our translation).


As announced by Rose, there is currently an economy that turns and encompasses life, which is responsible for the management and generation of biocapital, the latter coming from technological and biomedical advances. The body, as a territory, is a place of demarcations, a topography (topos) of politics, a space of identification through observable characteristics, as well as through languages that provide a capacity for representation. For this reason, Foucault's studies and Rose's contributions are important for understanding the body as a place where power devices operate.

Mobile bodybuilding applications, as biopolitical devices, are responsible for managing not only the user's body (which remains subordinate to the developer's program, which controls the bodies via reports that are required by the application itself) but also for managing the user's body in the condition of student and apprentice of the practice, who, assuming such a role, seems “obliged to remain passive” and just follow the program. The application is the one who commands, the user/student obeys. It dictates the time, start and end of the activity. Following the orders of the app “Exercícios em Casa – Sem equipamentos”, during use:

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During classes, the user must reproduce the movements shown on the screen. A countdown shows how long the user should do that exercise, with a text and audio countdown. The app also shows the rest time between one activity and another (GOOGLE PLAY, 2021b, our translation)


The "BodBot" application claims to control the user's routine, including even unexpected changes that may occur and that make it impossible for the student to fulfill the plan for various reasons, such as: having a sleepless night, not fulfilling the activity because of some physical limitation etc. For application developers, the student should not worry about anything, it is up to the application to take care of everything “[...] BodBot takes care of these changes for you” (GOOGLE PLAY, 2021a, our translation).


the assemblage of space will correspond to the problem of organizing a “medium” that allows the circulation of things and people. Normalization, in turn, will refer to the regulatory mechanisms that act on general life processes. And the body to be singled out as the object and subject of the mechanisms of power is the collective body of populations (FONSECA, 2011, p. 242, our translation).


This homogeneity of the action of the devices is even explicit in the arguments used in advertising them on the platforms where they are available. For users, the developers say that it motivates them to achieve their health and fitness goals, “[...] BodBot will use every drop of your sweat to help you get the results you want” (GOOGLE PLAY, 2021a, our translation). In the case of “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”, the speech follows the same appealing line, “[...] do our exercises and you will notice a change in your body in just a few weeks” (GOOGLE PLAY, 2021b, our translation). The appeal is: “invest in health", but would the companies that develop the applications be truly concerned about the health of users? It is worth reflecting on what these companies mean by “health/healthy”.


Based on this understanding of the political technology of the body, on the analysis of powers and on biopolitics, we ask how the real relationship between exercise and health is established and also how it is possible to understand lifestyles in this process of constitution of subjects, which never ends in completion and which transits through modalities of subjection and resistance (NÓBREGA, 2011, p. 410, our translation)


Regarding the body pattern marketed, it seems to fit what they call a “good body”. The application “Exercícios em casa – Sem equipamentos”, emphasizes that it is not because the activity lasts only a few minutes that the user will not reach the desired "goals", because following the routine planned in the application, "[...] will help you getting a six-pack at home” (GOOGLE PLAY, 2021b, or translation).





These applications demonstrate control over users' lives and bodies and generate data for the development of new strategies for mastering and maintaining biopower, given that they capture the habits narrated from the testimonies extracted from users.

Therefore, the plurality of agendas and interests that integrate the platforms that promote these education and body monitoring applications is not only related to the data visualization interfaces and the objects they carry with them. Together, applications, data and bodies make up a wide network of entities – companies, algorithms, servers, plans, etc. – that produce bodily experiences as a source of financial value and test bed for the refinement of control systems, that is, act as biopolitical devices. As we stated earlier, these applications, as biopolitical devices, establish specific methods based on digital prescriptions that aim to model behavior through detailed access to information about the habits and physical performance of bodies, with a view to biocapital for maintenance of the control network.


Final considerations


This essay tried to demonstrate how bodybuilding apps, supported by the discourse of “healthy living” and “knowledge and self-control”, act as biopolitical devices for the education of the body, disseminating political discourses and aesthetic meanings. To support this assumption, we used as a background two applications9 “BodBot Personal Trainer: Training Instructor” and “Exercícios em Casa – Sem Equipamentos”. “As said, throughout the essay, we seek to understand the applications as managers of behavior, that is, as an instrument for educating the body. In this sense, we observed that the analyzed applications extract from the body attitude the “doings that produce knowledge” that, in turn, will update the users' ways and bodies. We note that these devices have appealing powers aimed at homogenizing conduct, normalizing and self-government. That is, roughly speaking, they are biopolitical devices.

We also venture to say that applications are experiments, epistemological instruments designed to know through the experience of those who use them. Thus, through experiences and monitoring routines, application developers and users learn about bodies, teaching them to incorporate when “moving”. “In the exercise, in bodily practices, subjects can find spaces for the production of technologies of the self that allow work on the body and soul” (NÓBREGA, 2011, p. 412, our translation). In this way, the ways of “acquiring a body” are revealed, while also revealing methodological procedures and alternative ways of incarnating


9 We selected these apps for having the “best rating” according to users on the Google platform – Play Store.

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and controlling the body through digital data. It is what Nicolas Rose calls “[...] hybrid assemblies of knowledge, instruments, people, judgment systems, buildings and spaces, guided, at the programmatic level, by certain assumptions and objectives about human beings” (ROSE, 2001, p. 38, our translation).

Falar sobre o corpo “controlado via dispositivos biopolíticos” no atual cenário tecnológico é também tensionar algumas questões que se desdobram num projeto de “exaustão” e “retirada de potência” do corpo. “[...] os corpos não se formam mais, mas cedem progressivamente a toda sorte de deformações É como se tocássemos a própria definição do

corpo: o corpo é aquele que não aguenta mais, aquele que não se ergue mais” (LAPOUJADE, 2002, p. 82). O autor, fala de um corpo “esmorecido”, “prostrado” diante da vida; um corpo diminuído, controlado e preso a amarras que lhes são impostas por modelos estrategicamente desenvolvidos para a manutenção dos poderes através dos mais variados dispositivos biopolíticos.


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How to reference this article


SOARES, C.; RIBEIRO, F. S.; ZOBOLI, F. Bodybuilding apps as biopolitical devices for educating the body. Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 25, n. 3, p. 2475-2492, Sep./Dec. 2021. e-ISSN:1519-9029. DOI:

https://doi.org/10.22633/rpge.v25i3.15467


Submitted: 16/09/2021 Required revisions: 13/10/2021 Approved: 17/11/2021 Published: 08/12/2021