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Currículo referência da rede estadual da educação de Goiás e políticas curriculares nacionais: Contexto histórico, desdobramentos e
implicações
RPGE
–
Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022008, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI:
https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.16460
1
CURRÍCULO REFERÊNCIA DA REDE ESTADUAL DA EDUCAÇÃO DE GOIÁS E
POLÍTICAS CURRICULARES NACIONAIS: CONTEXTO HISTÓRICO,
DESDOBRAMENTOS E IMPLICAÇÕES
CURRÍCULO DE REFERENCIA DE LA RED ESTATAL DE EDUCACIÓN DE GOIÁS
Y POLÍTICAS CURRICULARES NACIONALES: CONTEXTO HISTÓRICO,
RESULTADOS E IMPLICACIONES
REFERENCE CURRICULUM OF THE STATE EDUCATION NETWORK OF GOIÁS
AND NATIONAL CURRICULAR POLICIES: HISTORICAL CONTEXT,
DEVELOPMENTS AND IMPLICATIONS
Giselle Ferreira Alves GUIMARÃES
1
Michele Silva SACARDO
2
RESUMO
: A partir de um estudo bibliográfico e documental, o intuito do artigo é
compreender as implicações das Políticas Curriculares Nacionais da década de 1990 para a
organização das Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental e Médio no Estado de Goiás,
bem como os desdobramentos destas políticas até a implementação da Base Nacional Comum
Curricular. Os resultados evidenciaram que, mesmo antes e após a implementação das
Diretrizes Curriculares para os Ensinos Fundamental e Médio em Goiás, a classe hegemônica,
detentora dos meios de produção, controla os caminhos da educação nacional, regida sob o
ritmo do capital. Desse modo, contrapor-se às políticas hegemônicas, é continuar na luta
política, social e educacional que vislumbre teorias pedagógicas e curriculares que garantam o
acesso dos indivíduos aos conhecimentos historicamente desenvolvidos pela humanidade,
superando a visão imediata e limitada da realidade.
PALAVRAS-CHAVE
: Políticas educacionais. Diretrizes curriculares. Educação.
RESUMEN
:
Con base en un estudio bibliográfico y documental, el objetivo del artículo es
comprender las implicaciones de las Políticas Curriculares Nacionales de la década de 1990
para la organización de las Directrices Curriculares para la Enseñanza Básica y Media en el
Estado de Goiás, así como las consecuencias de estas políticas hasta la implementación de la
Base Común Curricular Nacional. Los resultados mostraron que, incluso antes y después de
la implementación de las Directrices Curriculares para la Enseñanza Básica y Media en
Goiás, la clase hegemónica, poseedora de los medios de producción, controla los caminos de
la educación nacional, regida por el ritmo del capital. De esta forma, oponerse a las políticas
hegemónicas es continuar en la lucha política, social y educativa que vislumbra teorías
pedagógicas y curriculares que garanticen el acceso de los individuos a los conocimientos
1
Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia
–
GO
–
Brasil. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em
Educação. Docente da Secretaria do Estado de Educação de Goiás (SEDUC). ORCID: https://orcid.org/0000-
0003-3420-5429. E-mail: gisellefag05@gmail.com
2
Universidade Federal de Jataí (UFJ), Jataí
–
GO
–
Brasil. Docente do Programa de Pós-Graduação em
Educação. Doutorado em Educação (UFSCAR). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4193-3766. E-mail:
smichele@ufj.edu.br
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Giselle Ferreira Alves GUIMARÃES e Michele Silva SACARDO
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desarrollados históricamente por la humanidad, superando la visión inmediata y limitada de
la realidad.
PALABRAS CLAVE
:
Políticas educativas. Directrices curriculares. Educación.
ABSTRACT
:
Based on a bibliographic and documentary study, the aim of this article is to
understand the implications of the National Curriculum Policies of the 1990s for the
organization of the Curriculum Guidelines for Elementary and High School in the State of
Goiás, as well as the consequences of these policies until the implementation of the National
Common Curricular Base (BNCC). The results showed that, even before and after the
implementation of the Curricular Guidelines for Elementary and High Schools in Goiás, the
hegemonic class, holder of the means of production, controls the paths of national education,
governed by the rhythm of capital. In this way, opposing hegemonic policies is to continue in
the political, social and educational struggle that envisages pedagogical and curricular
theories that guarantee individuals' access to knowledge historically developed by humanity,
overcoming the immediate and limited vision of reality.
KEYWORDS
: Educational policies. Curricular guidelines. Education.
Introdução
Neste artigo, buscamos compreender, a partir dos condicionantes históricos, as
implicações das Políticas Curriculares Nacionais da década de 1990 para a organização das
Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental e Médio no Estado de Goiás, bem como os
desdobramentos destas políticas e a implementação da Base Nacional Comum Curricular.
Para tanto, discutiremos, as reformas curriculares nacionais na década de 1990 e seus
reflexos nas políticas curriculares do Estado de Goiás. Partimos do Plano Diretor da Reforma
do Aparelho do Estado e seus desdobramentos perante as políticas curriculares nacionais, na
tentativa de compreender a política curricular implementada no Estado de Goiás, no início do
século XXI. Propusemo-nos, ainda, a destacar, a Base Nacional Comum Curricular,
homologada seis anos após a publicação da versão final do Currículo Referência da Rede
Estadual da Educação de Goiás, haja vista ser esse um documento que endossa e reforça o
direcionamento das políticas curriculares nacionais.
Por fim, abordaremos os possíveis alinhamentos entre as Políticas Curriculares
Nacionais e as Diretrizes Curriculares do Estado de Goiás, como também as determinações
históricas e as implicações delas para a organização da política de currículo no referido
Estado, atentando-nos às contradições que se apresentam entre o proclamado e o real, entre a
exposição dos motivos e o texto do documento.
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Das Reformas Curriculares Nacionais na década de 1990 e Diretrizes Curriculares do
Estado de Goiás à implementação da Base Nacional Comum Curricular: apontamentos
iniciais
Neste tópico, propomo-nos a discutir as políticas educacionais brasileiras a partir do
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, publicado em novembro de 1995, da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação aprovada em 1996, dos Parâmetros Curriculares Nacionais
homologados em 1997 e da Base Nacional Comum Curricular (2018).
Aprovado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), em novembro de 1995, o
Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado define objetivos e estabelece diretrizes para
a reforma da administração pública brasileira. “Entende
-se por aparelho do Estado a
administração pública em sentido amplo, ou seja, a estrutura organizacional do Estado, em
seus três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e três níveis (União, Estados-membros
e Municípios)” (BRASIL, 1995, p. 12). Tais medidas foram justifi
cadas, conforme consta do
referido documento, pela deterioração dos serviços públicos e o agravamento da crise fiscal,
na última década
3
; sendo essas, consequências do modelo de desenvolvimento adotado por
Governos anteriores que instauraram uma crise do Estado.
A Reforma passa a ser instrumento de consolidação, estabilização e segurança para o
crescimento sustentado da economia, pautada de acordo com o texto do referido documento,
na administração pública gerencial e em conceitos atuais de administração e eficiência
voltados ao controle dos resultados e da descentralização, corroborando para que o poder
chegue ao cidadão, cliente privilegiado do Estado. Nessa perspectiva, o Estado redefine o seu
papel:
[...] que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e
social para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse
desenvolvimento. [...] reformar o Estado significa transferir para o setor
privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado. Daí a
generalização dos processos de privatização das empresas estatais e a
publicização, descentralização para o setor público não estatal da execução
de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem
ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços públicos de
Educação, saúde, cultura e pesquisa científica (BRASIL, 1995, p. 12).
Esse plano diretor tem o objetivo de criar condições para a reconstrução da
administração pública, em bases modernas e racionais, no sentido de uma administração
gerencial “basea
da em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle
3
A década anterior à elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, compreende o período
entre os anos de 1985 e 1995. Nesse intervalo de tempo, o Brasil foi governado por José Sarney (1985-1990),
Fernando Collor de Melo (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1995).
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dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade
democrática é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna, “cliente
privileg
iado””
(BRASIL, 1995, p. 7). A ênfase da reforma é voltada, segundo o documento,
para a qualidade e para a produtividade do serviço público. Apresenta propostas que visam
garantir conquistas constitucionais e implementar uma administração pública de caráter
gerencial. Nesse modelo, os servidores públicos passam a ter uma nova visão de suas funções
e, segundo o texto, é aí que se daria a mais profunda e verdadeira reforma. Aos “bons
funcionários” seria garantida a valorização do trabalho, proporcionando
-lhes motivação
profissional e razoável segurança no emprego
–
condições consideradas necessárias para a
restauração da criatividade, responsabilidade e dignidade do servidor público.
O texto do Plano Diretor considera o debate mundial ocorrido no final dos anos de
1980 e início de 1990, sobre o papel que o Estado deve ter na economia e destaca que: “Sem
dúvida, num sistema capitalista, Estado e mercado, direta ou indiretamente, são as duas
instituições centrais que operam na coordenação dos sistemas econômicos”
(BRASIL, 1995,
p. 9). Para realizar os objetivos do Plano, o Estado entende que deve transferir para o setor
privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado, descentralizar o setor público
não estatal da execução de serviços, que não envolvam o exercício do poder de Estado, mas
devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços da Educação, Saúde, Cultura e
Pesquisa Científica.
A permeabilidade de agentes privados e/ou organizações da sociedade civil na
administração pública, baseada no controle à
posteriori
dos resultados e na competição
administrada, são bases do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. Essa orientação
acompanha as reformas curriculares que emergem a partir desse período.
Sobre os períodos da propriedade privada e seus avanços para além do capital natural,
Marx e Engels (2007) observaram que, a partir da evolução da propriedade privada, a grande
indústria submeteu a si o comércio, subsidiada pela criação dos meios de comunicação e pelo
moderno
mercado mundial. “
Destruiu, em geral, a naturalidade, na medida em que é possível
no interior do trabalho, e dissolveu todas as relações naturais em relações monetárias”
(MARX; ENGELS, p. 60). O autor prossegue afirmando que:
[...] a propriedade privada moderna corresponde ao Estado moderno, que,
comprado progressivamente pelos proprietários privados por meio dos
impostos, cai plenamente sob o domínio destes pelo sistema de dívida
pública, e cuja existência, tal como se manifesta na alta e na baixa dos papéis
estatais na bolsa, tornou-se inteiramente dependente do crédito comercial
que lhe é concedido pelos proprietários privados, os burgueses. [...] Por meio
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implicações
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da emancipação da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado
se tornou uma existência particular, ao lado e fora da sociedade civil; mas
esse Estado não é nada mais do que a forma de organização que os
burgueses se dão necessariamente, [...] para a garantia recíproca de sua
propriedade e de seus interesses (MARX; ENGELS, p. 75).
A forma de organização burguesa, ancorada na propriedade privada e em meios para a
garantia de sua hegemonia, também é evidenciada nas políticas curriculares para a Educação
Básica. Sacardo (2013), ao abordar a educação, afirma que “à medi
da em que essa se constitui
historicamente, sofreu e sofre a influência das concepções hegemônicas, fundamentadas “[...]
predominantemente na visão idealista da realidade” (Ibid., p. 30). Cabe destacar que, para
Marx e Engels (2007, p. 196), “[...] a expressão idealista dos interesses reais da burguesia[...]”
expressam-se no discurso liberal. Dessa forma, entende-se que as políticas curriculares no
Brasil podem ser subsidiadas pelos interesses da burguesia, diante do Estado Moderno,
equivalente à propriedade privada.
[...] as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes,
isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo
tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os
meios da produção material dispõe também dos meios da produção
espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo
tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção
espiritual. As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal
das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes
apreendidas como ideias; portanto são a expressão das relações que fazem de
uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação. Os
indivíduos que compõem a classe dominante possuem, entre outras coisas,
também consciência, e, por isso, pensam; na medida em que dominam como
classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que
eles o fazem em toda a sua extensão, portanto, entre outras coisas, que eles
dominam também como pensadores, como produtores de ideias, que regulam
a produção e a distribuição das ideias de seu tempo; e, por conseguinte, que
suas ideias são as ideias dominantes da época (MARX; ENGELS, 2007, p.
47).
De acordo com a análise de Petras e Veltmeyer (2001), o Governo de FHC envidou
esforços sistemáticos para desmontar o setor estatal e vender empresas lucrativas a
investidores privados estrangeiros e brasileiros, viabilizados pela desregulamentação
financeira e pela privatização das empresas públicas. Foi nesse período do governo de FHC,
inclusive, que a interlocução com os Organismos Multilaterais (OMs), principalmente com o
Banco Mundial, ganhou força e teve o seu ápice; interlocução, a qual foi continuada/mantida,
aprofundada e aprimorada pelos dois governos subsequentes (SANTOS; SACARDO, 2018).
De fato, foram dadas naquele momento, as condições para a reforma na educação, sob
orientação neoliberal, sustentada pela lógica de expansão econômica e tecnológica, a qual
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propunha superar os problemas da escola, desqualificando-a, via discurso da eficácia e
competência, às custas da culpabilização do professor e principalmente tecendo duras críticas
à sua formação (EVANGELISTA, 2013 apud
SANTOS; SACARDO, 2018).
Contexto, portanto, que Lima e Santiago (2011, p. 39) re
afirmam ter sido “regado pelas ondas
privatizantes, oriundas de um novo projeto econômico e de sociedade: o neoliberalismo
4
”
(LIMA; SANTIAGO, p. 39). Sendo este um modelo que exige um novo perfil de cidadão, um
cidadão cliente,
em um “[...] Estado que passa a se organizar com o prestador de serviços,
pondo à disposição mercadorias, resultado da sua eficiência ou de suas Organizações Sociais
(OS)” (
LIMA; SANTIAGO, p. 42). Nessa perspectiva,
O Estado transfere para um novo setor aquilo que não interessa diretamente
ao mercado, porém com financiamento dele. [...] Desse modo, o Estado
passa a ter o controle, financia parte e desconcentra outra do financiamento
para que o cidadão, que é cliente, dependendo do serviço prestado, pague
parte ou todo ele. [...] Ora, para que a população aceite que serviços antes
oriundos do Estado agora sejam ofertados por OS é preciso descaracterizar o
serviço público, diminuir o Estado, afastá-lo da população e instituir
Organizações Não Governamentais (ONGs) em seu lugar (LIMA;
SANTIAGO, 2011, p. 43-44).
Nesse contexto, as políticas liberais, oriundas do capitalismo, não concebem uma
educação inútil a esse modelo social e à sua necessidade de reinvenção. Os currículos são
pensados e construídos para desenvolver, na classe trabalhadora, habilidades e competências
que servem aos interesses hegemônicos, ao mesmo tempo em que incute a consciência e a
aceitação do seu lugar nesta sociedade. Melnik e Tamm (2014) consideram que quase todos
os pensadores liberais veem a educação como essencial para alcançar os objetivos liberais,
defendem um papel limitado do Estado em relação à educação e compreendem a relevância
dela no fato de o indivíduo enfrentar e se adequar às realidades que se apresentam no mundo
contemporâneo.
No que se refere à reinvenção do capital, Marx e Engels (2007, p. 497) já enfatizavam
que: “[...] diferentes estágios da produção trazem consigo, também, diferentes relações de
produção para o consumo, diferentes contradições entre ambos [...
]”. Nessa linha de
pensamento, Orso (2012, p. 3845), ao se referir à relação entre a escola pública e a hegemonia
capitalista,
assevera que “O sucateamento da escola pública e a expansão da escola privada
4
Saviani (2016), destaca o significado correntemente atribuído ao conceito neoliberal: “[...] valorização dos
mecanismos de mercado, apelo à iniciativa privada e às organizações não governamentais em detrimento do
lugar e do papel do Estado e das iniciativas do setor público, com a consequente redução das ações e dos
investimentos públicos [...]” (p. 221). Orso (2007), acrescenta que o que existe “[...] é o liberalismo
como
ideologia do capitalismo[...]”, portanto, continua o autor: “[...] não faz muito sentido falar em neoliberalismo ou
em ‘ser contra o neoliberalismo’. A posição que de fato se deve adotar é contra o liberalismo, em todas as suas
formas e contra o capi
talismo, que é a base material que o sustenta” (p. 176
-177). Desse modo, entendemos que
não há um consenso em torno da compreensão da terminologia neoliberalismo.
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inserem-se dentro das necessidades do capital [...
]”. Para o autor, a educação transforma
-se e é
transformada, conforme o movimento da sociedade e, em se tratando da sociedade de classes,
significa dizer que a educação “[...] está voltada à conservação do
status quo
e à legitimação
das estruturas sociais
vigentes” (ORSO, 2012, p. 3875). Portanto, segundo Petras e Veltmeyer
(2001, p. 31):
A transição ao neoliberalismo significou a exclusão do estado brasileiro e a
indiscutível primazia do capital estrangeiro. As profundas crises do
neoliberalismo levaram Cardoso a medidas liberais ainda mais radicais: mais
privatização, maiores cortes no orçamento social e maior dependência das
finanças estrangeiras.
No campo educacional, afirma-se a primazia da lógica do mercado no que se refere ao
aspecto organizacional e ao pensamento pedagógico, tendo como justificativa a adequação da
educação escolar às demandas do mercado internacional de trabalho e sua constante
reestruturação produtiva, organizacional e técnico-científica. Para Marx e Engels (2007, p.
62), essa lógi
ca “isola os indivíduos uns dos outros, não apenas os burgueses, mas ainda mais
os proletários, apesar de agregá-
los”. Frigotto e Ciavatta (2003, p. 107) ainda destacam:
E quais as demandas e que grupos foram beneficiados no campo educativo?
Sem dúvida aqueles grupos que estão articulados historicamente com o
metabolismo do capital dos centros hegemônicos neste novo contexto de sua
mundialização. É o Governo Cardoso que, pela primeira vez, em nossa
história republicana, transforma o ideário empresarial e mercantil de
educação escolar em política unidimensional do Estado.
Esse ideário empresarial e mercantil instalou-se como política de Estado a partir do
momento em que, para permanência do capitalismo, era necessário o envolvimento do
processo escolar, de forma a garantir mão de obra especializada, conforme as necessidades do
mercado. Medidas foram tomadas na educação nesse sentido, entre elas: precarização dos
serviços públicos-educacionais, incentivo às privatizações, garantia de acesso e permanência
dos alunos na escola e política de resultados por meio de avaliações coordenadas por órgãos
internacionais.
Para Marx e Engels (2007), a lógica mercadológica
–
condições de existência, de
condicionamentos e limitações
–
é fundida à propriedade privada e ao trabalho. O autor
exemplifica: “A riqueza de um banqueiro, que consiste em papéis, não pode de modo algum
ser tomada sem que aquele que venha a tomá-la se submeta às condições de produção e de
comércio do país que foi tomado” (
MARX; ENGELS, p. 71). Essa visão ilustra a política
educacional descrita acima, por Frigotto e Ciavatta (2003), cuja efetivação possibilita
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limitações significantes quanto à apropriação pela classe trabalhadora, do conhecimento
acumulado ao longo da história da humanidade e, por conseguinte, dos meios de produção.
Esse cenário contribui para a manutenção das políticas hegemônicas pautadas pelas aspirações
da burguesia.
Em 20 de dezembro de 1996, foi sancionada a Lei 9.394, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional. Saviani (2016) afirma que a LDB se trata de um documento
compatível com o Estado mínimo, alinhado à política hegemônica, adotada pelo governo
FHC. A orientação política neoliberal preza, segundo o autor, pela “valorização dos
mecanismos de mercado, apelo à iniciativa privada e às organizações não governamentais em
detrimento ao lugar e ao papel do Estado e das iniciativas do setor público, com a consequente
redução das ações e dos investimentos públicos” (SAVIANI, 2016, p. 221). Com efeito, no
que tange às políticas educacionais, a administração pública gerencial, citada no Plano Diretor
da Reforma do Aparelho de Estado, viabilizada e implementada a partir de Emendas
Constitucionais, pode ser analisada, segundo Mancebo (1999), sob cinco grandes princípios:
racionalização de recursos, gestão direcionada a resultados, flexibilidade da gestão, qualidade
do serviço educacional e descentralização. Esses princípios vão ao encontro dos pontos
comuns descritos por Saviani (2016), que destacamos abaixo e sobre os quais trataremos, ao
relacioná-los às Diretrizes Curriculares do Estado de Goiás, para os Ensinos Fundamental e
Médio, com as Políticas Educacionais Nacionais.
Com efeito, em todas as iniciativas de política educacional, apesar de seu
caráter localizado e da aparência de autonomia e desarticulação entre elas,
encontramos um ponto comum que atravessa todas elas: o empenho em
reduzir custos, encargos e investimentos públicos buscando senão transferi-
los, ao menos dividi-los (parceria é a palavra da moda) com a iniciativa
privada e as organizações não governamentais (SAVIANI, 2016, p. 221).
No que tange ao Currículo, o artigo 26 da LDB prevê uma base nacional comum a ser
complementada por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da
sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL, 1996). A flexibilização
emerge como marca desse artigo constitucional que regulamenta a Educação Básica no Brasil.
Uma função que, para Apple (2006, p. 105), é tácita da escolarização.
[...] uma função tácita e importante da escolarização parece ser o ensino de
propensões e valores diferentes para diferentes populações escolares. Se se
considera que um grupo de alunos possui futuros membros de uma classe
profissional e administrativa, as escolas e o currículo parecem se organizar
em torno de conceitos como flexibilidade, escolha, pesquisa, etc. Se por
outro lado, a destinação provável dos alunos for a de trabalhadores sem
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habilitação ou semi-habilitados, a experiência escolar tende a enfatizar a
pontualidade, a organização, a formação de hábitos, etc. [...] Essas práticas
cotidianas da escola estão ligadas a estruturas econômicas, sociais e
ideológicas que se encontram fora dos prédios escolares.
Por trás da flexibilização curricular, para atender a demandas regionais, vislumbramos
o que Libâneo (2012) chama de dualismo perverso da escola pública brasileira, presente nas
políticas e nas diretrizes para a educação nacional. A LDB, ainda no artigo 26, traz que os
currículos devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática,
o conhecimento do mundo físico e natural, bem como da realidade social e política,
especialmente do Brasil; o ensino da Arte em suas expressões regionais e a Educação Física,
enquanto componente curricular obrigatório, sendo facultativa ao aluno. A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação não indica,
a priori
, a instância competente para estabelecer a base
comum nacional para o currículo.
Provavelmente, [...] tem a ver com o encaminhamento que o MEC vinha
dando à questão dos “Parâmetros Curriculares” onde parecia haver uma
oscilação entre a sua adoção obrigatória por todas as escolas dos diferentes
Estados e Municípios e sua consideração apenas como referência a partir da
qual os Estados, os Municípios e as próprias escolas formulariam as
respectivas propostas curriculares (SAVIANI, 2016, p. 234).
Em 1997, foi publicado o documento “Parâmetros Curriculares Nacionais” para as
quatro primeiras séries do Ensino Fundamenta (BRASIL, 1997). Consecutivamente, em 1998
e 2000, o documento foi publicado para as séries finais do Ensino Fundamental e para o
Ensino Médio. Um ponto comum nos respectivos textos é a imposição da revisão dos
currículos, diante da necessidade de construir uma escola voltada à formação de cidadãos que
vivem em uma era marcada pela competição e pela excelência.
Com o objetivo exposto de nortear uma proposta de reorientação curricular, o MEC
apresenta às Secretarias de Educação Estaduais os PCNs. Segundo consta nesse documento,
as linhas norteadoras para o Ensino Fundamental e Médio no Brasil, caracterizam-se por: a)
apontar a necessidade de unir esforços entre governos e sociedade, para apoiar a escola na
complexa tarefa educativa; b) interdependência entre escola-sociedade, tendo como objetivo
situar as pessoas como participantes dessa sociedade
–
cidadãos; c) aprendizagem
significativa; d) desenvolvimento de diferentes capacidades pelos jovens, proporcionando-
lhes o desenvolvimento de suas inteligências, com suas múltiplas competências; e) autonomia
da escola e comprometimento dessa e dos alunos em atingir as metas a que se propuseram; f)
inserção de procedimentos, atitudes e valores como conhecimentos tão relevantes quanto os
conceitos tradicionalmente abordados; g) evidenciar a necessidade de tratar de temas
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urgentes; h) apropriação das tecnologias; i) valorização do trabalho dos docentes enquanto
produtores, articuladores, planejadores de práticas educativas e como mediadores do
conhecimento, atuando com a diversidade existente entre os alunos como fonte e meio para a
aprendizagem. Nesse sentido, de acordo com os PCNs e por meio deles, é traçado um perfil
para o currículo, baseando-se em competências básicas e na formação de cidadãos críticos e
reflexivos, com vistas ao surgimento de uma nova consciência individual e coletiva, apoiada
nos pilares da cooperação, da solidariedade, da tolerância e da igualdade.
A escola passa a ser compreendida como um espaço de criação de condições para o
acesso dos jovens aos conhecimentos necessários, para o exercício da cidadania.
Parafraseando Marx (2005), é possível aplicarmos questionamentos à utilização do termo
cidadania nas políticas curriculares: a quem se deve formar como cidadão? Que espécie de
cidadania está em questão? Que condições se tornam fundamentais na essência da cidadania
que se procura? Marx (2005) acrescenta que a busca idealista pela cidadania por meio da
eliminação política da propriedade privada não a extingue, mas, ao contrário, presume a sua
existência.
O estado elimina, a sua maneira, as distinções estabelecidas por nascimento,
posição social, educação e profissão, ao decretar que o nascimento, a posição
social, a educação e a profissão são distinções não políticas; ao proclamar,
sem olhar a tais distinções, que todo o membro do povo é igual parceiro na
soberania popular, e ao tratar do ponto de vista do Estado todos os elementos
que compõem a vida real. [...] O triunfo do idealismo do Estado era, ao
mesmo tempo, a realização do materialismo da sociedade civil. Os laços que
uniam o espírito egoísta da sociedade civil foram removidos juntamente com
o jugo político. A emancipação política foi ao mesmo tempo uma
emancipação da sociedade civil a respeito da política, e até da aparência de
um conteúdo geral. Dissolveu-se a sociedade feudal no seu elemento
essencial, o homem; mas no homem que constituía o seu real fundamento,
no homem individualista. Membro da sociedade civil, este homem é neste
momento a base e o pressuposto do Estado político. Desta forma é
reconhecido nos próprios direitos do homem (MARX, p. 21-36).
Para Brito (2018, p. 133), “[...] a emancipação política equivale à conquista do poder
político pela burguesia”. Nessa direção, a escola pode ser compreendida enquanto um espaço
de criação de condições para a permanência do
status quo
, necessária à manutenção e à
reinvenção do capital.
O homem egoísta torna-se cidadão através das Declarações formais
influenciadas pela Revolução Francesa e, por conseguinte, tem sua
propriedade privada e segurança individual universalizada como garantias
jurídicas. Dessa forma, a legitimidade racional-legal foi um importante
instrumento de acesso da burguesia à política. Os homens foram
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implicações
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reconhecidos juridicamente como cidadãos, livres e iguais. Isso, porém,
significava na prática que o servo, agora cidadão, seria “livre” para vender
sua força de trabalho a uma minoria detentora dos meios de produção (a
burguesia) em troca de um aviltante preço (o salário) (BRITO, 2018, p. 133).
Marx e Engels (2007, p. 201) afirmam que o “estado moderno, sob o domínio da
classe hegemônica, repousa sobre a liberdade do trabalho e este consiste na livre concorrência
dos trabalhadores entre si”. Vemos que a proposta neoliberal mostra sua face também nas
políticas curriculares, ao ponto que essas se deitam sobre práticas que favorecem a
propriedade privada e a manutenção da sociedade de classes.
A intencionalidade do MEC de nortear uma proposta de reorientação curricular, junto
às Secretarias de Educação Estaduais por meio dos PCNs, efetiva-se no Estado de Goiás a
partir de 2004, quando se iniciam os estudos e as discussões sobre o processo de Reorientação
Curricular.
Assim, entre os anos de 2009 e 2012, foram publicados sete cadernos de reorientação
curricular para o Ensino Fundamental e Médio, denominados Reorientação Curricular
–
Currículo em Debate, que antecederam a publicação das Diretrizes Curriculares para os
supracitados níveis de ensino no Estado, o Currículo Referência da Rede Estadual de Goiás.
Segundo consta no documento, Currículo em Debate 1
–
Reorientação Curricular de 6º ao 9º
ano, os cadernos são resultados de um processo de reorientação curricular, desenvolvido na
rede estadual de Goiás, durante os anos de 2004 a 2006, e servem ao propósito de garantir o
direito à educação de qualidade (GOIÁS, 2009a; 2012)
A partir daí, oficialmente, as Diretrizes Curriculares que norteiam e regulamentam a
educação e, consequentemente, o currículo no Estado de Goiás, foram alinhadas aos
princípios neoliberais que arraigam ondas de precarização do serviço público, apelo à
iniciativa privada e à administração pública gerencial, destacando-se a gestão de resultados, a
flexibilização e a competição para atender a uma lógica mercadológica.
A proposta de Reorientação Curricular do Estado de Goiás tem como objetivo
explícito “garantir o direito à educação de qualidade”. Ao longo do docum
ento, justificativas
são descritas e metas traçadas para esse fim.
Em “
A lei da Educação
-
LDB: trajetória, limites e perspectivas”, Dermeval Saviani,
implicitamente, chama a atenção dos leitores para a análise de documentos, ao escrever sobre
a LDB aprov
ada em 1996. Para ele “É de pasmar que não apenas no espírito, mas até mesmo
na letra se expresse a contradição entre a “exposição de motivos” e o texto do projeto”
(SAVIANI, 2016, p. 217). Entendemos que a análise entre os motivos expostos para a
elaboração de um documento e o seu texto em si, pode evidenciar o real e as contradições
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inerentes às múltiplas determinações que se apresentam na busca pela essência das coisas,
uma vez que “a natureza do objeto consiste precisamente, na soma ou totalidade de sua
s
relações e propriedades [...]” (MÁRKUS, 1974, p. 63). Ou seja, conforme Marx (2008
, p.
259) esclarece sobre o Método da Economia Política:
[...] as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio
do pensamento. [...] o método que consiste em elevar-se do abstrato ao
concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar
do concreto, para reproduzi-lo mentalmente como coisa concreta.
A garantia do direito à educação de qualidade é apresentada enquanto finalidade da
Proposta de Reorientação Curricular do Estado de Goiás (GOIÁS, 2009a; 2012). Nesse
documento, estão expostos os motivos/justificativas para o desenvolvimento do projeto:
transformar a escola num espaço de aprendizagens significativas, implementar políticas
públicas eficientes de atendimento a jovens e crianças, assegurar a permanência do aluno na
escola por meio do trabalho pedagógico com habilidades e com conteúdos significativos,
apropriação de novos valores e competências e de uma proposta pedagógica que considere
que todos têm o direito de aprender e a consciência de que são capazes.
No texto, as parcerias
5
com a sociedade civil, que acontecem entre iniciativa privada e
organizações não governamentais, foram consideradas meios para agilizar e vigorar as ações
pedagógicas, favorecendo o desempenho dos alunos e dos professores, considerando que, a
partir delas, professores e alunos desenvolveriam qualitativamente suas competências. Por
meio dessas parcerias e da apropriação de uma proposta pedagógica que considera o direito de
todos a aprender e à consciência de que são capazes, é que a rede pública de educação do
Estado de Goiás apresenta sua proposta de reorientação curricular.
Segundo Marx e Engels (2007, p. 76), na sociedade capitalista
“o direito privado se
desenvolve, simultaneamente com a propriedade privada a partir da dissolução da
comunidade natural”. Logo, entendemos que a questão do direito de todos a aprender na
sociedade do capital, corresponde ao direito privado, que é acompanhado por princípios
idealistas em uma sociedade neoliberal:
[...] onde o privilégio e a prerrogativa são concebidos como correspondentes
à propriedade privada vinculada ao estamento, e o direito é concebido como
correspondente à situação da concorrência, da propriedade privada livre; da
mesma forma, o próprio Direito do Homem é visto como privilégio e a
propriedade privada como monopólio (MARX; ENGELS, p. 205).
5
Na maioria das vezes, o texto do documento não explicita quais parcerias seriam feitas. Mais adiante, falaremos
com mais detalhes sobre o assunto.
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Nesse sentido, Orso (2012, p. 3842) afirma que: “a educação tende a refletir a
sociedade que a produz, pois expressa o nível de compreensão dos que a fazem, permitida
pela sociedade de cada época, de acordo com a etapa de desenvolvimento e das relações
sociais”. Dentre as necessidades do capital, inserem
-se, segundo o autor, o sucateamento da
escola pública e a expansão da escola privada, uma vez que os processos educacionais fazem
parte de uma totalidade social.
No ano de 2018, foi homologada a Base Nacional Comum Curricular no Brasil. A
estrutura geral do documento compreende textos introdutórios, competências gerais e
específicas, direitos de aprendizagem e habilidades, que definem os currículos, escolas,
professores e alunos:
[...] o conjunto orgânico e progressivo de
aprendizagens essenciais [...]
de
modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e
desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional
de Educação (PNE). [...] orientado pelos princípios éticos, políticos e
estéticos [...] (BRASIL, 2018, p. 7, grifo no documento).
A Base Nacional Comum Curricular está organizada em dez competências:
conhecimento; pensamento científico, crítico e criativo; repertório cultural; comunicação;
cultura digital; trabalho e projeto de vida: (por exemplo: escola da escolha); argumentação;
autoconhecimento e autocuidado; empatia e cooperação; responsabilidade e cidadania. Nesse
documento, o trabalho em equipe é considerado essencial para que o quadro de desigualdades
presente na Educação Básica, altere-se em Goiás. Nesse ínterim, no ano de 2019, o Governo
estabeleceu parcerias com as Fundações Lemann e Natura para a formação de professores,
destacando-se dentre os principais incentivadores dessas fundações, as instituições Google,
Instituto Unibanco, Undime, Consed, Itaú e Omidyar Network
6
.
O documento, alinhado à Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU),
influencia os currículos, a formação inicial e continuada dos professores, bem como contribui
para o alinhamento das políticas educacionais em âmbito federal, estadual e municipal, de
forma a garantir um patamar comum de aprendizagens.
[...] as aprendizagens essenciais definidas na BNCC devem concorrer para
assegurar aos estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais [...]
competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais),
atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do
pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 8).
6
Cf.: https://fundacaolemann.org.br/co-realizadores. Acesso em: 17 jan. 2019.
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Constituem a fundamentação pedagógica da BNCC: foco no desenvolvimento de
competências
7
, compromisso com a educação integral, pacto interfederativo e a
implementação dessa Base Nacional Comum. Quanto ao foco no desenvolvimento de
competências, esse se justifica, segundo o texto do documento, pelo fato de ele ser o enfoque
adotado nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA,
na sigla em inglês) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), que instituiu o Laboratório Latino-americano de
Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla em espanhol)
8
.
[...] a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para
o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os
alun
os devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer”
(considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das
competências oferece referências para o fortalecimento de ações que
assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC (BRASIL, 2018,
p. 13, grifos no documento).
O compromisso com a educação integral destaca-se diante das necessidades do mundo
contemporâneo que, conforme consta no documento, impõe um olhar inovador e inclusivo ao
processo educativo. Questões como o que é aprender, para que aprender, como ensinar, como
promover redes de aprendizagem colaborativas e como avaliar o aprendizado são destaques
diante do cenário mundial que requer:
o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar
com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e
responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos
para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo
para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e
aprender com as diferenças e as diversidades (BRASIL, 2018, p. 14).
Educação integral, segundo a BNCC, refere-
se à: “[...] construção intencional de
processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as
possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade
contemporânea” (BRASIL, 2018, p. 14). Busca
-se, por meio do referido pacto interfederativo
7
Conceito de competência adotado pela BNCC: “Mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores
para resolv
er demandas complexas da vida cotidiana no exercício pleno da cidadania e o mundo do trabalho”,
baseado no conceito de competência de Philippe Perrenoud;
8
Cf. BNCC, 2018, p. 13.
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implicações
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e da implementação da BNCC, construir currículos e elaborar propostas pedagógicas “[...] que
considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas
identidades linguísticas, étnicas e culturais” (
BRASIL, 2018, p. 15).
A BNCC identifica-se com as políticas curriculares nacionais, mencionadas
anteriormente: ambas asseguram aprendizagens essenciais, comungam princípios e valores, e,
ainda, delegam aos sistemas, redes de ensino e escolas a função de incorporar aos currículos e
às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos, ancorados nas esferas da
autonomia e da competência. O documento está estruturado de forma a explicitar as
competências que devem ser desenvolvidas ao longo de toda a Educação Básica e em cada
etapa da escolaridade, como expressão dos direitos de aprendizagem e de desenvolvimento de
todos os estudantes.
Considerações finais
Em síntese, tendo em vista o alinhamento às Políticas Curriculares Nacionais
destacadas anteriormente, notadamente, a depreciação, bem como a precarização do trabalho
educativo em detrimento de uma proposta de Estado mínimo, emergiu expressivamente diante
das análises iniciais realizadas neste estudo.
Oriundos do neoliberalismo, a precarização do trabalho público e a valorização do
setor privado são características do que Lima e Santiago (2011) consideram como um projeto
econômico e social, cuja implementação necessita de novas mentalidades e de uma nova
cultura organizacional. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado é o meio para
instaurar essa nova cultura, subsidiada pelo modelo de administração gerencial.
O postulado do Estado diminuto
–
característica da concepção filosófico-
econômica neoliberal, do Estado quase-mercado
–
está prescrito, no Brasil
no texto do Plano Diretor do Ministério da Administração Federal e da
Reforma do Estado
–
Mare (Brasil, 1995). Nele encontramos toda a
fundamentação legal para instituir um modelo de Estado reestruturado: seja
em suas bases culturais e econômicas seja em suas bases sociais (LIMA;
SANTIAGO, 2011, p. 41-42).
Do ponto de vista da Educação, a partir do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado, várias deliberações ocorreram no Brasil, no sentido de alinhar as políticas
educacionais aos fins desse Plano de Estado. Essa perspectiva estendeu-se às Secretarias
Estaduais de Educação, que reestruturaram seus currículos, de modo a alinhá-los à nova
proposta federal para a Educação, que foi considerada por Gandin e Lima (2016) como
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mercadológica, diante da importância representada pela economia e pelas classes sociais
atualmente.
Ao longo dessa análise, determinações vieram à tona e junto delas algumas
indagações. O Estado de Goiás sugere, na Proposta de Reorientação Curricular, que as escolas
estabeleçam parcerias com diferentes instituições e paute a proposta curricular na
aprendizagem significativa e nos princípios do Estado Gerencial, logo, qual seria a
contrapartida dessas parcerias e quem seriam os parceiros do Governo do Estado de Goiás?
Quem são os cidadãos a que esse documento se refere, quais são seus direitos e o que o
Governo de Goiás entende por educação de qualidade? Lima e Santiago (2011, p. 49, grifo
dos autores) afirmam que:
A Contratualização de Resultados, segundo os documentos oficiais, é um
“conceito e premissa fundamental sobre os contratos de gestão”. Estes, por
sua vez, “são um instrumento de pactuação de resultados que relacionam
secretarias responsáveis pela formulação de políticas públicas e entidades a
elas vinculadas”. Os documentos divulgam, ainda, que “para atingir esses
objetivos, é concedida autonomia de gestão em troca de compromisso com
resultados”.
Nesse contexto, para Frigotto e Ciavatta (2003), a Educação Básica no Brasil, nos anos
de 1990, foi diretamente influenciada por um movimento internacional com o apoio de
assessorias, documentos formadores de opinião e de recursos que, com a participação ativa,
anuência e colaboração das autoridades locais, foram impondo as propostas liberais de
Educação, implementadas no Brasil a partir do Governo Fernando Henrique Cardoso.
Compreende-se, então, porque a escola primária pública, universal, gratuita
obrigatória e leiga, idealizada e realizada pela burguesia para converter os
súditos em cidadãos, não tenha passado de um instrumento a serviço da
emancipação política entendida como “a redução
do homem, de um lado a
membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente e, de
outro, a cidadão do Estado, a pessoa moral [...]” (SAVIANI, 2016, p. 211,
grifos do autor).
Segundo Saviani (2016), do confronto entre o que é proclamado e o que se realiza por
meio das bases em que se assenta o sistema educacional, emergirá o conteúdo em detrimento
à forma, pois “o objeto concreto permanece em pé antes e depois, em sua independência e
fora do cérebro ao mesmo tempo, isto é, o cérebro não se comporta senão especulativamente,
teoricamente” (MARX, 2008, p. 260).
As Reformas Curriculares Nacionais ocorridas nos anos 90 determinaram e
direcionaram junto ao Estado de Goiás, por meio da Secretaria Estadual de Educação, a
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Reorientação Curricular para o Ensino Fundamental e Médio. A análise do contexto histórico,
os desdobramentos e as relações entre as Políticas Curriculares Nacionais e as Diretrizes
Curriculares do Estado de Goiás permitiram-nos evidenciar conceitos e contradições.
A proposta neoliberal, por exemplo, apresentada nesses documentos, atende às
necessidades da sociedade capitalista e, paralelamente, assume as contradições, característica
desse modelo de sociedade. A constatação dos objetivos reais nos documentos analisados
revela o papel da educação, enquanto mediadora das práticas sociais. A compreensão da
escola como um espaço de aprisionamento ou emancipação, que possibilita formação uni ou
omnilateral aos filhos dos trabalhadores, pode ser instrumento de luta para essa classe, a fim
de construir uma sociedade em que todos tenham os mesmos direitos sociais.
As políticas curriculares nacionais mencionadas vão ao encontro da Base Nacional
Comum Curricular, e vice-versa; de modo que, alguns dos pontos comuns dessas políticas
são: assegurar a professores e a alunos o que consideram aprendizagens essenciais; valorizar
princípios e valores como ética, respeito e tolerância e delegar aos sistemas, redes de ensino e
escolas a função de incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de
temas contemporâneos, ancorados nas esferas da autonomia e da competência.
O que ficou evidente, portanto, é que no contexto educacional e, para além dele,
historicamente, os beneficiados são os grupos hegemônicos, cujos interesses não se articulam
aos da classe trabalhadora. Ou seja, mesmo que, anteriormente e após a implementação das
Diretrizes Curriculares para os Ensinos Fundamental e Médio em Goiás, a classe hegemônica,
detentora dos meios de produção, controla os caminhos da educação nacional, regida sob o
ritmo do capital.
Nessa conjuntura, contrapor-se às políticas hegemônicas, é continuar na luta política,
social e educacional por condições de vida, que vise o comprometimento com a
transformação social, mas que, também, vislumbre teorias pedagógicas e curriculares que
garantam o acesso dos indivíduos aos conhecimentos culturais e científicos, historicamente
desenvolvidos pela humanidade, superando a visão imediata e limitada da realidade
(SAVIANI; DUARTE, 2010).
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Como referenciar este artigo
GUIMARÃES, G. F. A.; SACARDO, M. S. Currículo referência da rede estadual da
educação de Goiás e políticas curriculares nacionais: Contexto histórico, desdobramentos e
implicações.
Revista on line de Política e Gestão Educacional
, Araraquara, v. 26, n. 00,
e022008, jan./dez. 2022. e-ISSN:1519-9029. DOI:
https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.16460
Submetido em
:
03/11/2021
Revisões requeridas em
: 27/12/2021
Aprovado em
: 17/02/2022
Publicado em
: 31/03/2022
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Reference curriculum of the state education network of Goiás and national curricular policies: Historical context, developments and
implications
RPGE
–
Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022008, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI:
https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.16460
1
REFERENCE CURRICULUM OF THE STATE EDUCATION NETWORK OF
GOIÁS AND NATIONAL CURRICULAR POLICIES: HISTORICAL CONTEXT,
DEVELOPMENTS AND IMPLICATIONS
CURRÍCULO REFERÊNCIA DA REDE ESTADUAL DA EDUCAÇÃO DE GOIÁS E
POLÍTICAS CURRICULARES NACIONAIS: CONTEXTO HISTÓRICO,
DESDOBRAMENTOS E IMPLICAÇÕES
CURRÍCULO DE REFERENCIA DE LA RED ESTATAL DE EDUCACIÓN DE GOIÁS
Y POLÍTICAS CURRICULARES NACIONALES: CONTEXTO HISTÓRICO,
RESULTADOS E IMPLICACIONES
Giselle Ferreira Alves GUIMARÃES
1
Michele Silva SACARDO
2
ABSTRACT
: Based on a bibliographic and documentary study, the aim of this article is to
understand the implications of the National Curriculum Policies of the 1990s for the
organization of the Curriculum Guidelines for Elementary and High School in the State of
Goiás, as well as the consequences of these policies until the implementation of the National
Common Curricular Base (BNCC). The results showed that, even before and after the
implementation of the Curricular Guidelines for Elementary and High Schools in Goiás, the
hegemonic class, holder of the means of production, controls the paths of national education,
governed by the rhythm of capital. In this way, opposing hegemonic policies is to continue in
the political, social and educational struggle that envisages pedagogical and curricular theories
that guarantee individuals' access to knowledge historically developed by humanity,
overcoming the immediate and limited vision of reality.
KEYWORDS
: Educational policies. Curricular guidelines. Education.
RESUMO
: A partir de um estudo bibliográfico e documental, o intuito do artigo é compreender
as implicações das Políticas Curriculares Nacionais da década de 1990 para a organização
das Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental e Médio no Estado de Goiás, bem como
os desdobramentos destas políticas até a implementação da Base Nacional Comum Curricular.
Os resultados evidenciaram que, mesmo antes e após a implementação das Diretrizes
Curriculares para os Ensinos Fundamental e Médio em Goiás, a classe hegemônica, detentora
dos meios de produção, controla os caminhos da educação nacional, regida sob o ritmo do
capital. Desse modo, contrapor-se às políticas hegemônicas, é continuar na luta política, social
e educacional que vislumbre teorias pedagógicas e curriculares que garantam o acesso dos
indivíduos aos conhecimentos historicamente desenvolvidos pela humanidade, superando a
visão imediata e limitada da realidade.
PALAVRAS-CHAVE
: Políticas educacionais. Diretrizes curriculares. Educação.
1
Federal University of Goiás (UFG), Goiânia
–
GO
–
Brazil. Master's student in the Graduate Program in
Education. Professor at the Goiás State Department of Education (SEDUC). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-
3420-5429. E-mail: gisellefag05@gmail.com
2
Federal University of Jataí (UFJ), Jataí
–
GO
–
Brazil. Professor of the Graduate Program in Education. Doctorate
in Education (UFSCAR). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4193-3766. E-mail: smichele@ufj.edu.br
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Giselle Ferreira Alves GUIMARÃES and Michele Silva SACARDO
RPGE
–
Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022008, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI:
https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.16460
2
RESUMEN
:
Con base en un estudio bibliográfico y documental, el objetivo del artículo es
comprender las implicaciones de las Políticas Curriculares Nacionales de la década de 1990
para la organización de las Directrices Curriculares para la Enseñanza Básica y Media en el
Estado de Goiás, así como las consecuencias de estas políticas hasta la implementación de la
Base Común Curricular Nacional. Los resultados mostraron que, incluso antes y después de la
implementación de las Directrices Curriculares para la Enseñanza Básica y Media en Goiás,
la clase hegemónica, poseedora de los medios de producción, controla los caminos de la
educación nacional, regida por el ritmo del capital. De esta forma, oponerse a las políticas
hegemónicas es continuar en la lucha política, social y educativa que vislumbra teorías
pedagógicas y curriculares que garanticen el acceso de los individuos a los conocimientos
desarrollados históricamente por la humanidad, superando la visión inmediata y limitada de
la realidad.
PALABRAS CLAVE
:
Políticas educativas. Directrices curriculares. Educación.
Introduction
In this article, we seek to understand, from the historical constraints, the implications of
the National Curriculum Policies of the 1990s for the organization of the Curriculum Guidelines
for Elementary and High School in the State of Goiás, as well as the unfolding of these policies
and the implementation of the National Base Common Curriculum.
Therefore, we will discuss the national curriculum reforms in the 1990s and their effects
on the curriculum policies of the State of Goiás. We start from the Master Plan for the Reform
of the State Apparatus and its consequences in relation to national curricular policies, in an