image/svg+xmlProcessos responsivos no desenho, implementação e avaliação de programas na área da melhoria da qualidade da convivência escolarRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.169601PROCESSOS RESPONSIVOS NO DESENHO, NA IMPLEMENTAÇÃO E NA AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS NA ÁREA DA MELHORIA DA QUALIDADE DA CONVIVÊNCIA ESCOLARPROCESSOS RESPONSIVOS EN EL DISEÑO, IMPLEMENTACIÓN Y EVALUACIÓN EN EL ÁREA DE MEJORÍA DE LA CALIDAD DE LA CONVIVENCIA ESCOLARRESPONSIVE PROCESSES IN THE DESIGN, IMPLEMENTATION AND EVALUATION OF PROGRAMS FOR IMPROVING THE QUALITY OF COEXISTENCE IN SCHOOLSCesar Augusto Amaral NUNES1Telma Pileggi VINHA2Soraia Berini CAMPOS3RESUMO: Responsividade significa, de forma intencional, criar condições para continuamente escanear e analisar situações e processos, escutar expectativas, opiniões e necessidades das pessoas que recebem ou implementam um programa e, da maneira mais aberta, ágil e potente possível, reagir, modificar ações, incluir novos atores, convidar à participação e construir coletivamente um programa melhor para todos e para cada contexto. O objetivo desse artigo é discutir contribuições do processo responsivo em programas complexos, assim como descrever tipos e níveis de responsividade como os utilizados no programa “A Convivência Ética na Escola”, facilitando a transposição para programas de mais larga escala e políticas públicas.PALAVRAS-CHAVE: Responsividade. Convivência. Programas. Políticas públicas. RESUMEN: Capacidad de respuesta (responsividad) significa crear intencionalmente las condiciones para escanear y analizar continuamente situaciones y procesos, escuchar las expectativas, opiniones y necesidades de las personas que reciben o implementan un programa y, de la manera más abierta, ágil y poderosa posible, reaccionar, modificar acciones, incluir nuevos actores, invitar a la participación y construir colectivamente un mejor programa para todos y para cada contexto. El objetivo de este artículo es discutir las contribuciones del proceso de respuesta en programas complejos, así como describir tipos y niveles de 1Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP Brasil. Pesquisador associado no Grupo “Ética, Democracia e Diversidade” do Instituto de Estudos Avançadose no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Mora (GEPEM). Doutorado em Física Teórica. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5792-507X. E-mail: cesaraanunes@gmail.com2Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP Brasil. Professora da Faculdade de Educação e coordenadora do Grupo “Ética, Democracia e Diversidade” do Institutode Estudos Avançados. Doutorado em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0510-8390. E-mail: telmavinha@uol.com.br3Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara SP Brasil. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Mora (GEPEM). Mestreem Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2515-9918. E-mail: soraiassc@hotmail.com
image/svg+xmlCesar Augusto Amaral NUNES; Telma Pileggi VINHA e Soraia Berini CAMPOSRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.169602responsividad como los utilizados en el programa "Convivencia ética en la escuela", facilitando la transposición a programas y políticas públicas a mayor escala.PALABRAS CLAVE: Responsividad. Convivencia. Programas. Políticas Públicas. ABSTRACT: Responsiveness means, in an intentional way, to create conditions to continuously scan and analyze situations and processes, collect expectations, opinions and necessities from people that receive or implement a program and, in the most open, agile and powerful possible way to react, modify actions, include new agents, invite for participation, and collectively construct a better program for everyone in every context. The objective of this paper is to discuss contributions of responsive processes in complex programs as well as to describe kinds and levels of responsiveness as those used in the program “Ethical Coexistence at School” facilitating the transposition to larger scale programs and to public policies. KEYWORDS: Responsiveness. Coexistence. Programs. Public policy. Contextualização teóricaDiscussões e pesquisas sobre desenho e implementação de políticas públicas ao longo dos últimos anos mostram tanto evoluções, como ambiguidades e disputas. Essas evoluções e ambiguidades refletem o dinamismo e a complexidade do próprio processo civilizatório. Programas e políticas para a melhoria da convivência e para avanço da educação são muito diferentes de programas criados para solucionar outros problemas da sociedade e também de missões criadas para lidar com desafios mais sistêmicos que ainda seguem uma lógica de busca de soluções (MAZZUCATO, 2018). Quando a situação é complexa, não definível e solúvel como problema, desenhar soluções, criar mecanismos de cadeias causais e estabelecer metas pode ser inibidor, reducionista e mais atrapalhar, do que ajudar (RITTEL; WEBBER, 1973). Em termos de educação e, principalmente, da convivência escolar, sempre haverá a necessidade de continuadamente, desenhar, redesenhar e implementar programas e reformas, uma vezque a sociedade se move num processo interminável de transformações e, esperançadamente, avanços. Isso não significa ineficiência, pelo contrário, é um olhar realista que normalmente confronta visões tecnocráticas (PELLIZZONI, 2001). Devido à complexidadede atores e processos envolvidos nesse tipo de desafio, antes que se consolide uma implementação, novas reformas já se mostram necessárias (ELMORE, 1996; REIMERS, 2020). Assumir o contrário, que de uma vez por todas (ou pelo menos por um bom tempo) iremos resolver o “problema” da educação ou da convivência leva, como temos visto, à frustração, à responsabilização e à culpabilização. O problema está em encarar algo que é
image/svg+xmlProcessos responsivos no desenho, implementação e avaliação de programas na área da melhoria da qualidade da convivência escolarRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.169603processual, evolutivo, interminável, como problema solucionável (SINEK, 2019). Lidar com esse desafio de melhorar a sociedade e a educação, aceitando que estão totalmente imbricadas, precisa ser encarado numa visão muito mais deontológica do que teleológica;a chegada não é um alvo fixo, continuará se movendo, mudando; não é aumento de eficiência e sim compromisso e respeito à diversidade, à diminuição de desigualdades e à convivência mais justa. Aprender a conviver é olhar para o processo e não para a chegada, para as pessoas e não para os resultados de performance.Uma sociedade será culturalmente rica e diversa se houver a convivência de diferentes grupos identitários, étnicos e religiosos. Haverá heterogeneidade nos hábitos, nas visões de mundo e nas hierarquias de valores, diferenças essas que invariavelmente levam a tensões e conflitos. Entender essas tensões e conflitos como parte de um processo natural, dinâmico, de contínua acomodação e reconhecimento das distintas identidades e culturas implica em reconhecer e valorizar a complexidade inerente de se viver numa sociedade como a atual, interconectada, tanto no nível local como no nível global, e, justamente por isso, rica e diversa.Promover uma educação escolar que favoreça a convivência democrática nosdias de hoje significa educar para navegar na complexidade das múltiplas visões de mundo e culturas, com suas interfaces e conexões que vão muito além do convívio em família ou do convívio restrito a um grupo de afinidade. Interações tanto transformam o indivíduo como, num processo de causalidade circular (MORIN, 2015), também transformam o meio, as estruturas, os outros e as próprias interações. Navegar na complexidade significa às vezes se deixar levar, às vezes se adaptar, às vezes se transformar, e às vezes agir para transformar. Entender, aceitar e participar de forma respeitosa e ética desse devir depende de atuação crítica pautada em princípios de dignidade, justiça e solidariedade. Numa sociedade complexa não é possível pré-determinar quando ceder, quando convencer, quando lutar. É a autonomia intelectual e moral, que é pautada em princípios, que permite que cada cidadão atue coordenando perspectivas e contribua para uma sociedade mais justa (VINHA et al., 2017).Praticamente todos os documentos que inspiram e embasam políticas educacionais contemplam a formação para a vida em sociedade. A combinação de todas as competências gerais descritas na Base Nacional Comum Curricular -BNCC, por exemplo, é necessária para a convivência ética e democrática. Os quatro pilares da educação, descritos por Jacques Delors (1998), são necessários para a convivência ética e democrática. Contudo, embora necessários, essas competências e pilares não são suficientes. As transformações precisam ser muito mais sistêmicas, envolvendo também o educador e seu fazer profissional, precisam contemplar
image/svg+xmlCesar Augusto Amaral NUNES; Telma Pileggi VINHA e Soraia Berini CAMPOSRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.169604mudanças no sistema educacional como um todo, em sua organização e estruturas (UNESCO, 2021).Apesar da frustração recorrente por não vermos alcançadas as metas declaradas em documentos, como o Plano Nacional de Educação e o Education 2030 da Unesco, o que se vê é a sequência e a repetição, sem o devido questionamento, de modelos e processos de desenho e implementação de políticas públicas. Matland (1995), classificando o desenho e a implementação de políticas públicas, elaborou quadrantes representados por dois eixos -ambiguidade e conflito -e dois valores que podem ser atribuídos a esses eixos -alto ou baixo -resultando em políticas cuja implementação geram baixo conflito e baixaambiguidade, alto conflito e baixa ambiguidade, baixa ambiguidade e alto conflito, ou alto conflito e alta ambiguidade. Um exemplo de política que gera baixo conflito e baixa ambiguidade é o PNLD, Programa Nacional do Livro Didático, no qual professores escolhem os livros de uma lista e o governo faz a distribuição. Há pouco questionamento de que esse é um bom programa e que sua maneira de funcionamento é adequada. O nível de discricionariedade (ANDREWS; PRITCHETT; WOOLCOCK, 2017; LIPSKY, 2010) nesse programa não é contestado. Dito de outra forma, no caso do PNLD, o fato de os professores fazerem a escolha traz flexibilidade e é vista pelos educadores como adequada. Por outro lado, quando não existe consenso sobre métodos, práticas e/ou tecnologias, a falta de discricionariedade passa a ser um problema sério. Um programa como das escolas militarizadas, no qual a gestão da escola é imposta por meio de regras e controle rígidos para que não haja ambiguidades e evitar conflitos, funciona como uma forma de organização que se vale do uso do poder e da intimidação e rechaça a pluralidade de pensamento e de comportamentos, impondo uma lógica militar para lidar com cidadãos não militares, no caso estudantes de escolas públicas. Um modelo que vai em direção contráriaao desenvolvimento dos valores e de competências necessárias à vida em uma sociedade democrática e cada vez mais complexa (VINHA et al., 2021a). Esse é um exemplo típico do que David Snowden chama de desmoronamento do “simples” para o “caos”, quando uma situação complexa é tratada como se fosse simples, óbvia, impondo e assumindo-se que existe “uma melhor prática” (SNOWDEN; BOONE, 2007; SNOWDEN; GREENBERG; BERTSCH, 2020), quando, na verdade, essa prática está longe de ser suficiente e aceita. Bons programas e políticas públicas na área da convivência reconhecem e respeitam a diversidade de grupos, visões e culturas. Nesse sentido, o que é ambíguo e incerto não é a política educacional e sim o contexto no qual a política/programa está inserida, que é complexa
image/svg+xmlProcessos responsivos no desenho, implementação e avaliação de programas na área da melhoria da qualidade da convivência escolarRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.169605e não se pode vê-la de forma simplificada sob o risco de descaracterizá-la, de ser reducionista. A ambiguidade neste caso não é negativa, é o reconhecimento da necessidade de coordenar diferentes perspectivas (HABERMAS, 2003; SELMAN, 2006) e, um programa que promove o desenvolvimento individual, coletivo, e organizacional, pode, usando os quadrantes de Matland, contribuir para transformar situações de alto conflito e alta ambiguidade em situações de baixo conflito e alta ambiguidade. Todavia, por conta do programa quem muda de quadrante são as pessoas no seu convívio, que se sentem mais confortáveis para navegar pelo complexo sem precisar fazer uma redução do “complexo para o complicado”, sem renunciar a diversidade, culturas emergentes, criatividade, e encantamento em troca de padronizações, amarras e eficácia.A implantação de políticas que reconhecem e lidam com a complexidade sem tentar reduzi-la passa por uma lógica completamente diferente da lógica de planejar e executar como etapas rígidas e separadas (BRYSON et al., 2021; SØRENSEN; TORFING, 2021). A fase de planejamento é revista muitas vezes com a participação de quem está implementando e de quem está recebendo os programas (ANDREWS; PRITCHETT; WOOLCOCK, 2017; FISHMAN et al., 2013). A avaliação da implementação é participativa e democrática (PATTON, 2010; STAKE, 2004; STUFFLEBEAM, 2001). Os resultados das transformações vão muito além de indicadores tradicionais e passam a contar com evidências menos estruturadas, construídas e analisadas coletivamente (INDEPENDENT GROUP EVALUATION, 2020). Neste artigo exploraremos a responsividade, um dos aspectos mais distintivos de programas e políticas públicas na área da convivência, que levam em conta a complexidade ao gerar transformações de forma respeitosa,envolvendo os participantes e beneficiários, sem ferir as culturas existentes, de forma a favorecer a sustentabilidade. Além de discutir as contribuições responsividade em programas complexos, descreveremos tipos e níveis de responsividade a partir do processo desenvolvido em um programa de convivência ética organizado em escolas brasileiras como veremos a seguir. Níveis e tipos de responsividadeA responsividade é uma qualidade rara e desejada para ser incorporada em programas e políticas públicas. Significa, de forma intencional, criar condições para continuamente escanear e analisar situações e processos, escutar expectativas, opiniões e necessidades das pessoas que recebem ou implementam o programa e, da maneira mais aberta, ágil e potente possível, reagir,
image/svg+xmlCesar Augusto Amaral NUNES; Telma Pileggi VINHA e Soraia Berini CAMPOSRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.169606modificar ações, incluir novos atores, convidar à participação, e construir coletivamente um programa melhor para todos e para cada contexto. Já na década de 70, Robert Stake concebeu a avaliação responsiva. Desde então esse tipo de avaliação vem evoluindo e sendo convalidado entre especialistas na organização de procedimentos e processos para que a avaliação de programas tenha o caráter responsivo (STAKE, 2004; STUFFLEBEAM, 2001). Um dos fatores mais distintivos da avaliação responsiva é aceitar de antemão que a compreensão do programa, os objetivos, as expectativas quanto aos resultados e os procedimentos mais adequados para concretizá-los são interpretados diferentemente por quem o idealizou e desenhou, e por quem o recebe, ou seja, os beneficiários. Entender essas diferentes compreensões já no início e gerar alinhamento entre quem desenha e quem recebe conforme o programa se desenrola, depende de escuta respeitosa dos diferentes pontos de vista, eventuais mudanças de rumos e uma participação não isenta do avaliador, que acaba tendo um papel também de intérprete entre idealizadores/implementadores e beneficiários. A avaliação responsiva, por isso mesmo, é muitas vezes denominada avaliação centrada no beneficiário. Alguns dos pontos negativos dessa avaliação, como a vulnerabilidade do avaliador ser influenciado em demasia pelos beneficiários, a dificuldade de acompanhamento de múltiplos atores e o perigo de encaminhamentos muito divergentes entre si e da ideia original (STUFFLEBEAM, 2001), vem sendo resolvidos ou minimizados com o uso de tecnologia para a ampliação e aprofundamento de participações reflexivas documentadas, tornando visíveis expectativas, sugestões, preocupações e convidando à interação, gerando de certa forma uma validação entre pares e a conscientização da complexidade do programa se adequar a diferentes contextos (VINHA et al., 2020). Essa avaliação responsiva ampliada pela tecnologia permite trabalhar com um grupo ampliado de beneficiários como se fosse um grupo focal continuado ao longo do tempo, e gerar estudos de caso longitudinais para entender processos de transformação provocados pelo programa. Um programa ou política pública que adote a avaliação responsiva, mas não incorpore processos responsivos também na implementação e na adaptabilidade para redesenho, perde coerência. Para ilustrar diferentes tipos e níveis de responsividade utilizaremos “A Convivência Ética na Escola”, que se tratou de um programa de formação de professores e transformações na escola com ações diferenciadas e complementares que visava a melhoria da qualidade da convivência escolar e do processo de resolução dos conflitos, favorecendo a construção de um clima escolar positivo (VINHA et al., 2017; VINHA; NUNES; TOGNETTA, 2018), idealizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM) da Universidade Estadual
image/svg+xmlProcessos responsivos no desenho, implementação e avaliação de programas na área da melhoria da qualidade da convivência escolarRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.169607de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Comduração de 24 a 36 meses, o programa foi implementado em dez escolas municipais de Ensino Fundamental de duas cidades do interior paulista. As propostas foram elaboradas considerando três vias interrelacionadas: a interpessoal, a curricular e a institucional que, em síntese, consistiram em: inserção de uma disciplina semanal na grade curricular de estudantes para que a convivência e a moral fossem discutidas; a implantação de espaços de participação, diálogo e resolução de conflitos, tais como as assembleias de classe e os procedimentos de mediação; propostas de protagonismo juvenil, como as Equipes de Ajuda; avaliação do clima escolar e discussão coletiva dos resultados; na construção de um Plano de Convivência e no acompanhamento dos principais procedimentos implantados (VINHA et al., 2017). O ponto mais destacado do programa eram ações de formação de docentes, atingindo todo o corpo docente e gestores em encontros quinzenais, além da formação específica para os professores responsáveis pela nova disciplina. Um educador-pesquisador ligado ao GEPEM, com conhecimento especializado na área da convivência, ficou encarregado de conduzir os encontros formativos. Esse formador trabalhou sempre em dupla com um segundo pesquisador, menos experiente, e ambos participaram ao longo de todo o processo de desenho e implantação do programa de encontros semanais realizados na Faculdade de Educação da Unicamp. Nesses encontros todos os formadores/implementadores relatavam as atividades da semana, faziam sugestões, pediam apoio e supervisão, e realizavam trocas entre si. A supervisão e as discussões foram conduzidas por pesquisadores seniores, que também foram os responsáveis por desenhar o programa e fazer as articulações com as secretarias de educação e diretorias regionais.Os encontros formativos conduzidos pelos formadores/implementadores seguiam uma agenda pré-definida com temas e métodos, retomando sempre com o grupo de professores e gestores (estes em algumas escolas pouco participaram) que mudanças estavam acontecendo, onde estavam as dificuldades ou resistências, abrindo espaço para demandas não programadas previamente.Vários dos ingredientes da avaliação responsiva foram inseridos nesse programa, em particular algumas das inovações trazidas pela tecnologia, o que permite maior escuta e contato com os beneficiários e implementadores. Além de instrumentos tradicionais como questionários e entrevistas, foi usado também um espaço digital colaborativo, no qual foram publicados relatos e narrativas formando comunidades intraescola, interescola e entre os implementadores. O ambiente digital escolhido foi o Knowledge Forum. No Knowledge Forumas postagens
image/svg+xmlCesar Augusto Amaral NUNES; Telma Pileggi VINHA e Soraia Berini CAMPOSRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.169608recebem um título e podem ser conectadas umas às outras por setas. Um duplo clique sobre qualquer título abre a nota paraleitura ou comentário. As postagens são arrastadas na tela pelos próprios participantes de tal forma que a organização visual faça sentido para o grupo num processo de construção e avanço coletivo. Os avaliadores tiveram acesso às diferentes comunidades eidentificaram necessidades e possibilidades de avanço enquanto o programa acontecia (CAMPOS, 2020). A responsividade está ligada tanto à capacidade de escuta e detecção de dificuldades e oportunidades quanto à capacidade de reagir pronta e positivamente.Uma possível organização do processo de responsividade em níveis seria: nível do implementador; nível do programa na dimensão local; nível do programa na dimensão geral; nível de extrapolação para outros programas e políticas. No programa Convivência Ética na Escola a atuação aconteceu nos quatro níveis que caracterizam a responsividade. No nível do implementador a responsividade esteve diretamente ligada à discricionaridade do profissional. Ele tomava decisões não contempladas no projeto, seja antecipadamente, por exemplo, decidindo não usar um caso disparador que outros implementadores usam em outras escolas por se tratar de um caso particularmente sensível para a escola na qual está atuando; seja durante uma ação planejada quando percebia que uma discussão está gerando estresse e divergindo da proposta original e atuava para mudar o rumo da conversa, encurtando o tempo, mudando a dinâmica de participação; ou ainda posteriormente a uma ação planejada quando, por exemplo, decidia conversar isoladamente como gestor da escola que demonstrava apreensão após um momento de empoderamento e reivindicação de professores. Como podemos notar, nesse nível, para que o programa seja mais responsivo ao momento e se desenvolva melhor, o implementador pode eliminar, modificar ou inserir uma ação; pode manter ações como planejadas, mas mudar suas próprias estratégias de mediação e condução; pode provocar reflexões mais profundas, fazendo provocações ou, ainda, cuidar do clima de trabalho do grupo amenizando intervenções. Esse tipo de atuação exige que o implementador seja um profissional reflexivo (ALARCÃO, 1996), exige uma compreensão profunda do programa e uma capacidade de leitura de contexto visando avanços que é traduzida na sua práxis, muito alinhada com a definição decompreensão de Perkins (1998, p.7) “compreender é ser capaz de pensar e agir flexivelmente com aquilo que se sabe”.A responsividade do programa no seu nível local pode ser compreendida como decisões, modificações, e incorporação de contribuições que acontecem na escola. Diferentemente de decisões tomadas pelo implementador, houve casos para os quais a demanda vinha da própria
image/svg+xmlProcessos responsivos no desenho, implementação e avaliação de programas na área da melhoria da qualidade da convivência escolarRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.169609escola, da leitura e análise do implementador, de dados coletados via instrumentos e processos de avaliação, que apontavam para a necessidade de o programa ser modificado para uma escola em particular. Essa modificação podia se dar na harmonização com projetos já existentes, na reação a uma necessidade mais imediata invertendo a ordem de trabalho de algum tema, eliminação de um módulointeiro por conta de tempo, desistência do uso da tecnologia, ou ao contrário, aproveitamento de facilidades já existentes, a não criação de equipes de ajuda numa escola particular escola, etc. A modificação do programa, adequando-o a uma escola, é, portanto, contextual, não havendo ganho de escala, ou seja, nada garante que num momento posterior ou com outras condições essas modificações seriam novamente realizadas nessa ou em outras escolas. Destaca-se, contudo, que essa flexibilidade é importante, atendendo as necessidades específicas da escola, e o aprendizado decorrente pode, eventualmente, ser incorporado no programa como um todo.A responsividade no nível geral do programa também vem de leituras, escutas, análises, e demandas, mas representa uma modificação, adaptação e melhoria do programa para todas as escolas, ou seja, é entendida como possibilidade de alteração do programa enquanto ele está acontecendo. Após um ano de implementação do programa, a percepção de que algumas ações haviam sido realizadas pelas escolas de maneira superficial, sem grandes resistências, mas também sem grandes reflexões. Foram introduzidos então, como parte do programa para todas as escolas, os ciclos de construção de conhecimento, procedimentos coletivos para trabalhar os temas de forma a provocar engajamento e desequilíbrio inicial, busca por expansão de conhecimento, conscientização sobre mudanças de postura e de perspectivas após conhecer as de especialistas e colegas, e tomada de decisão coletiva para usar os novos conhecimentos em processos que interferem na cultura vigente. Uma decisão assim não é tomada por um único implementador, ela é amadurecida por um corpo de profissionais que acompanha a implementação, sejam eles os desenhadores originais do programa, sejam elesavaliadores ou o próprio conjunto de implementadores interagindo entre si. Fica evidente aqui que programas que são planejados, implementados, e avaliados apenas no final, usando métodos experimentais ou quase-experimentais, não têm como ser responsivos neste nível de alteração “durante o voo”.Um último nível de responsividade se refere ao aprendizado legado para outros programas, ou versões posteriores do mesmo programa quando aplicado noutro momento, em outros contextos. Aqui, a partir dos resultados e análises críticas realizadas por múltiplos atores, entram as lições aprendidas e um redesenho tanto do programa quanto dos métodos de implementação. É onde se pode refletir sobre a contribuição do programa para transformações
image/svg+xmlCesar Augusto Amaral NUNES; Telma Pileggi VINHA e Soraia Berini CAMPOSRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.1696010de mais longo prazo que se conectam com outros programas e necessidades (INDEPENDENT GROUP EVALUATION, 2020), com a sustentabilidade e escala que serão discutidos a seguir. Escala, sustentabilidade e considerações finaisComo visto, a responsividade depende fortemente do papel reflexivo dos implementadores, de um potente convite à participação dos beneficiários, da avaliação assumindo um papel de escuta, provocação e análise, e dos responsáveis pelo desenho do programa continuamente interessados no desenrolar das ações e abertos à reformulação constante (VINHA et al.,2021b). Essa visão é coerente com a descrição apresentada inicialmente sobre navegação pela complexidade e consideração e coordenação de múltiplas perspectivas.Desenhar programas para que essa flexibilidade, abertura eresponsividade sejam realizadas também em larga escala (NUNES; VINHA, 2016), por exemplo, para todas as escolas de uma rede estadual ou municipal, significa desde a saída pensar no programa como política pública. Nesse caso, o papel do implementador-formador muitas vezes se mescla com funções existentes nas próprias redes, o papel da avaliação responsiva se mescla com características de educadores que refletem e pesquisam sobre a própria prática. A incorporação de mudanças no programa, seja no nível local,seja no nível global, pode ser pensada a partir de processos colaborativos deliberados em comunidades de prática. A avaliação passa a ter o caráter desenvolvimental.A responsividade quando incorporada em programas de larga escala tem o papel de promover a conexão entre os diversos níveis de transformação: individual; coletiva, seja no nível local de uma escola, seja no nível geral de toda uma rede; e organizacional, questionando estruturas existentes e favorecendo o aparecimento de novas configurações. Esse entrelaçamento entre transformações individuais, coletivas, e organizacionais é fundamental para a viabilidade e aceitação de mudanças profundas, que acontecem em curto, médio e longo prazo, e que são processos de avanço e mudança de cultura sustentáveis.
image/svg+xmlProcessos responsivos no desenho, implementação e avaliação de programas na área da melhoria da qualidade da convivência escolarRPGERevista on linede Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. esp. 3, e022099, jul. 2022.e-ISSN: 1519-9029DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26iesp.3.1696011REFERÊNCIASALARCÃO, I. Reflexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os programas de formação de professores. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 1142, 1996. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfe/article/view/33577. Acesso em: 15 fev. 2020.ANDREWS, M.; PRITCHETT, L.; WOOLCOCK, M. Building State Capability: Evidence, Analysis, Action. Oxford: Oxford UniversityPress, 2017. Disponível em: https://library.oapen.org/handle/20.500.12657/31857. Acesso em: 21 dez. 2020.BRYSON, J. M. et al. Leading Social Transformations: Creating Public Value and Advancing the Common Good. Journal of Change Management, v. 21, n. 2,p. 180202, 2021. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/14697017.2021.1917492. Acesso em: 09 jul. 2020.CAMPOS, S. B. A responsividade no Programa “A Convivência Ética na Escola”: um olhar para a transformação. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2020.DELORS, J. Learning: The Treasure within. Paris: Unesco, 1998. ELMORE, R. F. Getting to Scale with Good Educational Practice. Harvard Educational Review, v. 66,n. 1, p. 127, 1996. Disponível em: https://meridian.allenpress.com/her/article-abstract/66/1/1/31675/Getting-to-Scale-with-Good-Educational-Practice. Acesso em: 23 jul. 2020.FISHMAN, B. et al. Design-based implementation research: An emerging model fortransforming the relationship of research and practice. National Society of the Study of