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Narrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer
RPGE
–
Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.17200
1
NARRATIVAS LITERÁRIAS DESBOCADAS: INSPIRAÇÕES PARA
(DES)FAZERES EDUCATIVOS E METODOLOGIAS QUEER
NARRATIVAS LITERARIAS DESTACADAS: INSPIRACIONES PARA (DES)HACER
EDUCATIVOS Y METODOLOGÍAS QUEER
OUTSTANDING LITERARY NARRATIVES: INSPIRATIONS FOR EDUCATIONAL
(UN)DOINGS AND QUEER METHODOLOGIES
Késia dos Anjos ROCHA
1
Alfrancio Ferreira DIAS
2
RESUMO
: No presente texto buscamos refletir sobre as potencialidades que narrativas
literárias que abordam as dissidências de gênero e sexualidades podem trazer para a educação
e para os currículos. Narrativas desbocadas, transviadas, sapatonas, estranhas, queer, obras de
literatura que encantam e (des)encantam ao fazerem circular pelos imaginários de crianças e
jovens, personage
ns plurais. Estabelecemos um paralelo entre um ‘mundo real’, esse no qual
vivemos, atravessado por polarizações no campo político, por regulações e censuras no campo
das artes e da educação e um ‘mundo imaginado’, um cenário aberto às possibilidades de ser
,
estar e sentir a vida, para além das imposições da cisheteronorma patriarcal e colonial. Nessa
jornada, dialogamos com as produções teóricas advindas dos estudos feministas e queer em
interface com a educação e apostamos nas alianças com essas personagens dissidentes para
inspirar (des)fazeres educativos.
PALAVRAS-CHAVE
: Dissidências sexuais e de gênero. Literatura infantojuvenil. Currículo
queer. Metodologia queer. Feminismos.
RESUMEN
: En el presente texto buscamos reflexionar sobre el potencial que las narrativas
literarias que abordan las disidencias sexuales y de género pueden traer a la educación y los
currículos. Narrativas malhabladas, desorientadas, lascivas, extrañas, queer, obras literarias
que encantan y (des)encantan al circular por el imaginario de niños y jóvenes, personajes
plurales. Establecemos un paralelismo entre un 'mundo real', aquel en el que vivimos,
atravesado por polarizaciones en el campo político, por regulaciones y censuras en el campo
de las artes y la educación y un 'mundo imaginado', escenario abierto a las posibilidades de
ser, estar y sentir la vida, más allá de las imposiciones de la cisheteronorma patriarcal y
colonial. En este recorrido dialogamos con las producciones teóricas surgidas de los estudios
1
. Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão
–
SE
–
Brasil. Doutoranda do Programa de Pós-
Graduação em Educação. Bolsista CAPES, trabalha e se dedica a reflexões no campo na Educação, com ênfase
nos seguintes temas: Gênero, sexualidades, raça, políticas de escrita em diálogo com os referenciais dos estudos
feministas, estudos queer e contracoloniais. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1707-6007. E-mail:
kesiaanjos@gmail.com
2
Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão
–
SE
–
Brasil. Professor do Departamento de Educação e
do Programa de Pós-graduação em Educação. Doutorado em Sociologia (UFS). Bolsista em Produtividade em
Pesquisa 2 do CNPq. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5562-0085. E-mail: diasalfrancio@academico.ufs.br
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feministas y queer en interfaz con la educación y apostamos por alianzas con estos personajes
disidentes para inspirar (des)haceres educativos.
PALABRAS CLAVE
: Disidencia sexual y de género. Literatura infantil. Currículum queer.
Metodología extraña. Feminismos.
ABSTRACT
: In the present text we seek to reflect on the potential that literary narratives that
address gender and sexual dissidences can bring to education and curricula. Foul-mouthed,
misguided, lewd, strange, queer narratives, works of literature that enchant and (dis)enchant
as they circulate through the imaginations of children and young people, plural characters. We
establish a parallel between a 'real world', the one in which we live, crossed by polarizations
in the political field, by regulations and censorship in the field of arts and education and an
'imagined world', a scenario open to the possibilities of being, being and feel life, beyond the
impositions of patriarchal and colonial cisheteronorma. In this journey, we dialogue with the
theoretical productions arising from feminist and queer studies in interface with education and
we bet on alliances with these dissident characters to inspire educational (un)doings.
KEYWORDS
: Sexual and gender dissidence. Children's literature. Queer curriculum. Queer
methodology. Feminisms.
(Des)fazeres educativos
Trazer para junto de nós e de nossos trabalhos a literatura e, mais especificamente, a
literatura pensada para dialogar com as infâncias e adolescências, tem sido uma das inspirações
e motivações para pensarmos as experiências educativas e as práticas curriculares embasadas
em uma metodologia educativa queer. A pensadora val flores (2018) ao se implicar no que ela
chama de pedagogia transtornada, ou metodologia queer, propõe uma forma de fazer
pedagógico que interconecta “[...] de manera singular cuerpos, s
aberes, espacios, afectos,
deseos, memorias, erotismos, sensibilidades, escrituras” (
FLORES, 2018, p. 143). flores
desenvolve seu pensamento político e pedagógico de maneira independente, numa espécie de
“vagabundear queer”, como ela mesma nomeia. Uma vez
que não tem suas práticas e produções
teóricas vinculadas a uma instituição específica, ela não nos propõe, como estamos acostumadas
na acadêmica, uma teoria de como fazer algo, um passo a passo de como aplicar um método,
mais do que isso, seu trabalho se
propõe a um “(des)hacer educativo” (
FLORES, 2018, p. 146)
que, nas atividades e oficinas que ela desenvolve, tem como proposta um fazer/pensar/escrever
juntas, um processo de criação coletivo.
Essa ideia de feitura coletiva, em alguma medida, se contrapõe aos modos de fazeres
acadêmicos que se baseiam em uma concepção de autoria mais individualizada. Também
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promove um deslocamento para além da verdade de que existiriam lugares mais legítimos para
a produção de conhecimento; deixamos de lado essa forma de pensar para investirmos em uma
amplitude de espaços, sujeites, fazeres, territórios que atuam na ampliação e criação de formas
de vida. Com isso, estamos defendendo que o conhecimento, as formas de fazer, ou até mesmo
um método educativo queer não podem ser apresentados como roteiro ou passo a passo e
distribuídos para todes interessadas replicarem. Pensar uma metodologia educativa queer teria
mais a ver com algo inacabado, algo que se dá nos (des)fazeres educativos do dia a dia, em
nossos encontros, em nossas aulas, nas reuniões de docentes, nas coletivas, nas ruas, no trato
com parentes num encontro de domingo e também nos conflitos advindos desses encontros.
Tem a ver também com uma ética que prevê a ruptura dos silêncios que atuam cotidianamente
na manutenção da norma ocultando inúmeras violências. Não há, necessariamente, um caminho
único a ser ofertado, porque pode acontecer como um atalho, uma brecha, a partir de um bobear
da norma hegemônica, se ela der uma bobeada a gente chega montada de princesa, ou de
monstra maquiada, ou de borboleta transviada. É um pouco isso. Personagens dissidentes nos
levam a percursos diferentes. Não se trata de acreditar que do encontro com essas personagens
nascerá, magicamente, um novo mundo, mas de apostar nelas como parceiras desse
fazer juntos
,
desse (des)fazer educativo cotidiano.
No presente texto, convidamos vocês a imaginarem conosco possibilidades de espaços
de fuga frente às normatizações de gênero e sexualidades. Para tanto, acionamos histórias
infantis, produções literárias que apresentam narrativas e personagens de destoam da norma,
textos desbocados, produções artivistas que, de alguma maneira, contribuem na luta pela vida
e preservação das singularidades em contraponto às forças que lutam pela preservação da
sociedade cisheteropatriarcal e colonial. São muitas e diferentes forças em atuação, não
acreditamos que estejamos diante de um binário bom e mau, mais do que isso, vivemos em
meio às disputas, e nesses entremeios, encontramos lugares nos quais os respingos ou as
enxurradas das vidas dissidentes podem emergir, irromper, florescer, sobreviver e se recriar.
Compreendemos a literatura como um artefato importante nos processos de produções
de sentidos, uma vez que ela atua política e culturalmente e está situada social e historicamente.
As personagens das histórias falam sobre nós, falam sobre modos de ser, estar, viver e, portanto,
performar gêneros e sexualidades. Exatamente por isso abrem caminhos para a invenção de
outros imaginários políticos e sociais no campo da educação e dos estudos de gênero e
sexualidades. Também compreendemos esses escritos como produções
artivistas,
produções
artísticas que, a partir de um engajamento político, questionam as formas hegemônicas de
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organizações e relações sociais e buscam criar outros espaços de compartilhamentos e difusão
de conhecimentos (COLLING, 2018; LESSA, 2015; RAPOSO, 2015). Como aponta Raposo
(2015, p. 5) “[...] a sua natureza estética e simbólica amplifica, sensibiliza, reflete e interroga
temas e situações num dado contexto histórico e social, visando a mudança ou a resistência”.
Crianças viadas,
malditas
, inocentes
(Cena 1). Fevereiro de 2014. Alex, 8 anos, caminhava e andava solto pela casa, gostava
de brincar com maquiagens, gostava de lavar a louça, era um menino muito delicado,
diziam...Alex tinha viajado do Rio Grande do Norte para o Rio de Janeiro para viver com o
pai, um de seus sonhos era conhecê-lo, saber se eram parecidos. Alex brincava, corria, pulava.
Alex lavava a louça. Alex era uma criança de 8 anos. Alex era um menino muito delicado,
diziam…
(Cena 2). Janeiro de 2021. Keron caminhava pelas ruas como quem flutuava, como
quem partilhava sonhos com vizinhos imaginários. Ela imaginava mundos. No mundo fictício
imaginado por ela, não havia espaço para o ódio, ela não era vista a partir de uma única e
limitada lente. Nesse mundo multicolor, ela performava feminilidades plurais ao som de Anitta
e Pabllo Vittar. Quicava alegremente, embalada pelas batidas do som e pelo movimento leve
do sorriso. Tímida nas cenas do mundo, sonhava, assim como muites jovens sonham, em ser
influenciadora digital. Keron sonhava.
A
Cena 2
é parcialmente fictícia, criação livre feita por nós em memória de Keron
Ravach, uma adolescente trans de 13 anos, assassinada em janeiro de 2021 em uma cidade do
interior do Ceará. No mês da visibilidade trans, Keron se tornou a mais jovem trans nas
estatísticas de assassinatos do Brasil. Aos 13 anos, vivia o início de seu processo de transição,
o início de sua travessia subitamente interrompida. 17 anos. Essa era a idade do jovem
identificado como responsável pela morte de Keron. Duas vidas cujas rotas seguiram sentidos
outros ou deixaram de seguir seu curso. Travessias interrompidas. Nesse caso, o preceito de
que haveria uma retaguarda institucional e legal, seja de dimensão estatal ou não, que
minimamente protegesse us sujeites, e lhes assegurasse direitos básicos como o de ir e vir e
seguirem vivos, cai por terra, sucumbe perante o conjunto de normas impostas pelo regime da
diferença sexual (PRECIADO, 2020b).
A
Cena 1
foi escrita em memória de Alex, um menino de 8 anos morto após ser
espancado pelo pai. A criança viajou do Rio Grande do Norte para o Rio de Janeiro para viver
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com ele em 2013. A mãe, que vivenciava sua quarta gestação, pediu ao pai que cuidasse do
filho por um tempo até que ela se estabilizasse novamente e pudesse levá-lo de volta. Alexandre
Soeiro admitiu que batia no filho cotidianamente. De acordo com ele, “era para ensiná
-lo a ser
homem”. O menino era “acusado” de ser muito afeminado, por isso apanhava. Um crime brutal.
Uma narrativa bastante difícil de ser escrita e uma história que reaviva muita dor ao ser contada.
As duas cenas, como já mencionado acima, expõem o quão violento é o aparato de
normas impostas pelo regime da diferença sexual frente às dissidências de gênero e
sexualidades. Por regime da diferença sexual, a partir do diálogo com o pensamento do filósofo
Paul B. Preciado (2020b), compreendemos esse conjunto de normas e regras sociais e
epistemológicas de doutrinação dos corpos vivos dentro dos limites da binariedade ou, como
metaforicamente sugere o autor, dentro da jaula da binariedade. Falamos de um conjunto de
representações que, principalmente ao longo do século XIX, vêm agindo e definindo aquilo que
é tomado como legítimo/verdadeiro ou falso. O regime da diferença sexual aparece também
como uma epistemologia, baseada nos preceitos e códigos sociais binários que dividem o
mundo dos viventes entre masculino e feminino (no singular mesmo). Para Preciado (2020b)
este regime entra em crise a partir do momento em que os corpos e existências dissidentes
passam a existir e reivindicar
status
de humanos. Viveríamos, portanto, em uma espécie de
contexto de colapso de um regime político-social-epistemológico patriarcal-colonial que, como
sugere Deborah Britzman
, luta para assegurar “[...] la estabilidad y la base fundamentalista de
categorías como masculinidad, feminidad, sexualidad, ciudadanía, nación, cultura, alfabetismo,
consentimento, legalidade”, dentre outras categorias que são importantes para a sua manu
tenção
(BRITZMAN, 2018, p. 11).
Ao desafiar os binarismos, ao ousar mirar bonitezas para além das regulações impostas
pela norma, algumas subjetividades são apagadas, retiradas da cena pública, eliminadas. Esses
processos reguladores do gênero são, portanto, todos esses aparatos, as leis, normativas, regras
sociais e políticas públicas oficiais que vão tentar garantir que todas as pessoas estejam na
norma. Toda essa série de códigos vai assegurar que homens sejam homens e mulheres sejam
mulheres, dentro daquilo que é esperado. Atuarão nesse processo de regulação, instituições e
campos de conhecimentos variados: a pedagogia, a escola, a medicina/psiquiatria, a psicologia,
os setores militares, as famílias etc. (BUTLER, 2014).
Essa possível crise do sistema da diferença sexual apontada por Preciado (2020b) pode
ser facilmente compreendida quando analisamos o nosso contexto social e político atual. Nos
últimos anos, gênero e sexualidades vêm ocupando a cena pública, têm feito parte dos discursos
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no contexto dos espaços oficiais de decisões políticas como Câmaras Municipais, Congresso
Nacional, Conselhos, Ministérios. O atual governo, eleito em 2018, se apropriou do conceito
de gênero e o deturpou e criminalizou a fim de fortalecer suas pautas conservadoras e angariar
mais eleitores. No campo das artes, acompanhamos uma sequência de movimentos de censura
que atuaram no sentido de proibir e impedir que produções dissidentes aparecessem, como
exemplo dessas investidas podemos citar o fechamento da exposição
Queermuseu
em 2017 na
cidade de Porto Alegre; a exposição foi fechada após a disseminação de notícias falsas que
diziam que algumas obras do catálogo faziam apologia à zoofilia e pedofilia. Além disso, no
cenário da educação, acompanhamos uma série de movimentos que levaram à retirada do termo
gênero do Plano Nacional de Educação aprovado em 2014. Temos sido testemunhas do efeito
que essas investidas e políticas antigênero tiveram e têm em nossas vidas cotidianas.
Umas das principais estratégias dos setores mais conservadores tem sido a afirmação de
defesa de crianças e da família (tradicional) como argumento para legitimar suas investidas em
favor da norma e, em casos mais extremos, como justificativas para as sentenças e execuções
das pessoas dissidentes. Como apontam Souza, Salgado e Mattos (2022, p. 4):
A infância, como temporalidade da vida humana e categoria histórica que
demarca e diferencia a existência social das crianças, aparece e funciona, no
auge da modernidade do Ocidente, a partir do século XVII, como um dos mais
importantes dispositivos de poder dessa sociedade. Com o expurgo da
sexualidade dos corpos infantis e das relações das crianças com o mundo, a
inocência consagra-se como uma pedra angular que sela o nascimento da
infância nas sociedades modernas ocidentais.
Nesse contexto, portanto, a possível inocência das crianças é apresentada como algo que
estaria sob ameaça. E no jogo binário de ser ou não ser (homem/mulher,
heterossexual/homossexual etc.), as pessoas autodenominadas “de bem” têm se b
aseado na
“[...] vantagem de a criança não ser considerada capaz de rebelar
-se politicamente contra o
discurso dos adultos”, para garantir a manutenção do governo sobre elas, seja por meio das
ações do Estado, das família ou das igrejas (PRECIADO, 2019, p. 70). Destituídas de qualquer
direito sobre si e sobre seus corpos, raramente é dada às crianças a chance de falarem sobre si,
sobre seus corpos, seus sentimentos, suas percepções, seus desejos. Na maioria das vezes, “a
criança é dita [
ou maldita
] pelo adu
lto”, (SOUZA
; SALGADO; MATTOS, 2022, p. 6, grifo
nosso).
Preciado problematiza o papel do Estado na garantia das condições de exercício da
cidadania e proteção dus sujeites (DELUCA; PASSOS, 2021); para o autor, muitas vezes,
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quando o Estado se apresenta como nosso defensor, ele pode estar nos oprimindo e violentando.
As
Cenas 1 e 2,
apresentadas no início, falam sobre isso, sobre a incapacidade dos aparelhos
institucionais do regime da diferença sexual binário, de cumprirem preceitos constitucionais de
defe
sa da vida. Nas palavras de Preciado “[...] viver além da lei patriarco
-colonial, viver fora
da lei da diferença sexual, viver fora da violência sexual e de gênero” deveria ser um direito
assegurado a qualquer pessoa, mas isso não está previsto nas leis de sobrevivência do
heteropatricarcado colonial (PRECIADO, 2020b).
Desrespeitar os códigos da masculinidade cisheteropatriarcal e colonial pode ser
passível de punição letal. É o que nos mostra a
Cena 1
. Quando nos deparamos com essa trágica
notícia nos indagamos: por que uma criança tem sua vida interrompida? Por que alguém morre
em decorrência do modo que anda, ou por lavar a louça, ou por não querer cortar os cabelos?
Por que foi necessário para esse pai acionar a violência até seu limite máximo na tentativa de
defender uma ideia de verdade sobre sujeites, corpos e subjetividades tidas como normais?
Talvez porque o modelo de pedagogia normativa vigente, baseado na imposição de hierarquias
identitárias, fundamentado em relações binárias, regulador e apagador dos corpos e
corporeidades plurais, tenha conseguido retirar desse sujeito, o pai, qualquer possibilidade de
imaginação que o permitisse avistar um mundo com uma ética baseada nas diferenças.
O aparato pedagógico que sustenta as ações de extermínio das dissidências nas duas
cenas, nos leva a pensar que uma pedagogia antinormativa (FLORES, 2018), que esteja atenta
as reiterações cotidianas de produção e reiteração de normas e pensamentos binários de
existência e convívio, deve ser uma preocupação central em nossas práticas educativas. Quando
mobilizamos a teoria queer como tecnologia para ampliar nossos olhares e sensibilidades para
as cenas cotidianas, conseguimos estar mais atentas a essas movimentações reguladoras. Como
aponta Britzman (2018, p. 15) “La teoría queer ofrece a la educación técnicas para dar sentido
y remarcar lo que descar
ta o lo que no puede soportar conocer”.
Para crianças e jovens
dissidentes de gênero e/ou sexualidades, o contexto disciplinar da educação pode atuar como
um instrumento de regulação e apagamento de singularidades, mais do que isso, as ações
disciplinares cotidianas, que buscam colocar todos os corpos, desejos e estéticas nas
formatações binárias já conhecidas e aceitas, podem fazer emergir vulnerabilidades; muitas
vezes, a negação e o silêncio diante das diferenças, podem ser cúmplices da morte. Por mais
fatal que possa soar tal afirmação, essa é uma das leituras possíveis para as cenas mobilizadas
nesse diálogo.
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Imaginar uma pedagogia antinormativa nos desloca para muitos campos de reflexões no
cenário da educação e da vida. As problematizações que emergem no presente texto, no entanto,
produzem ressonâncias diretas produção de conhecimento sobre currículo. Quando falamos em
currículo buscamos por modelos que nos afastem da ideia de ensinar a ser algo, de buscar
formatações e construções identitárias essencialistas. Em diálogo com Paraíso (2010, p. 602)
imaginamos os currículos como territórios “[...] que desterritorializam, contagiam e provocam
sensações”, que produzem e estão abertos aos acontecimentos, que não se deixem capturar
totalmente pela norma, como espaços de recriações e movências constantes. Como enfatiza
Ranniery (2017, p. 60), nos cabe o exercício e esforço cotidianos de tentarmos “descer o
currículo ao mundo [...], suspender a determinação e não lhe roubar a multiplicidade [...]”.
Ainda segund
o o autor, “[...] enviar o currículo ao mundo é insistir que não se existe nele sem
torcê-lo para, ao dar suporte a modos de vida, enviesá-lo, enviar-
descer”. Enviar o currículo ao
mundo, torcer o currículo, “[...] tornar o currículo mais desfigurado, meno
s sufocante e
sufocado” (RANNIERY, 2017, p. 62), deixar que ele se manifeste como organismo vivo e
instável, eis alguns dos compromissos que seguimos buscando estabelecer.
Infâncias purpurinadas
(Cena 3). Titiritesa sonhava explorar o mundo num cavalo azul, contrariava muito os
desejos da mãe, a rainha Mandolina, que sonhava ver a filha casada. Ervilinha não queria ser
casada, não queria ser princesa, desejava mesmo era seguir camponesa, cuidando de seu
rebanho. No meio da travessia mesclada de realidade e sonho, uma princesa se apaixonava
pela costureira e abria pequenas fissuras que ampliavam as possibilidades de ser e estar no
mundo. Soninha, a Pior Princesa do Mundo, abandonava o castelo montada no dorso de seu
novo amigo dragão. Na espontaneidade de quem vive o que sente, elas criavam um lugar
seguro para existir. Entre os reinos de Hoje e de Anteontem, a princesa Joana se apresentava
ao mundo como mulher. Viajando na companhia do burro Bufaldino, o príncipe Cinderelo
encontrava possibilidades de performar uma masculinidade queer, estranha, magrela, uma
masculinidade inspirada na potência do sensível que há em cada um/uma/ume de nós.
Correndo livremente avistamos o pequeno Julián, Julián é uma sereia, passa por nós dançando
e sorri
3
.
3
Os livros mobilizados foram: Titiritesa, de Xerado Quintiá; Príncipe cinderelo, de Babette Cole; Julián é uma
sereia, de Jéssica Love; A pior princesa do mundo, de Anna Kemp; Ervilina e o Princês, de Sylvia Orthof e A
princesa e a costureira, de Janaína Leslão.
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Atos e performances desobedientes. A cena acima, é um
pot-pourri
de histórias
infantojuvenis, nela várias personagens de contos infantis se cruzam. O que há em comum entre
elas é o exercício de outras performatividades de gênero. Todas elas propõem e praticam um
deslocamento de lugar de existência. Em alguma medida, recusam a subjugação às normas e
regulações de gênero, são desobedientes. O ato de desobedecer a política normativa hegemônica
dá a elas algo potente, uma celebração das vidas em sentido plural. Obviamente que elas gozam
de algo bastante significativo: liberdade. Um tipo de liberdade que só tem quem habita esse
outro mundo, o da imaginação, um cenário de possibilidades e aberto à construção coletiva dos
pensamentos e dos sentimentos, um espaço aberto às incertezas.
Princesas, príncipes, bruxas, dragões, monstros que tocam flautas, personagens que
contam com recursos que nós, pobres mortais, não contamos. Infelizmente não podemos
acionar uma fada que cai direto da chaminé para agilizar nossos desejos, infelizmente não
podemos fugir e viajar pelo mundo no dorso de um dragão, não conseguimos desfazer opressões
apenas no ato de desmanchar um bordado. Nosso desafio é mais complexo, porque diferente
desses mundos encantados da ficção, são cheios de verdades fabricadas e endurecidas.
Em um dos contos trazidos nesse
pot-pourri
de histórias, a personagem central é a
princesa Joana, a narrativa é de autoria da escritora Janaína Leslão. De maneira encantada,
adentramos à narrativa exatamente na ocasião do nascimento do primeiro filho do rei e da rainha
do Reino de IlhaAnã, a criança chega ao mundo e logo é identificada como menino devido a
marca vermelha que trazia no alto da testa. Ela tinha a mesma marca que o pai e todos os
meninos do Reino. A mãe e as meninas traziam uma marca marrom nas mãos. O bebê então
recebeu o nome de João e, tempos depois, conforme ia se percebendo no mundo, pediu aos pais
que a chamassem de Joana, era assim que ela gostaria de ser chamada, afinal, seu nome havia
crescido de tamanho, assim como seu corpo. A aventura vivida por Joana Princesa é atravessada
por intervenções reguladoras de sua existência; no meio do caminho ela encontra personagens
que tentam a todo custo impedi-la de ser quem ela é - colegas de escola, a própria família. Mas
no meio do caminho também aparecem alguns aliades como seu melhor amigo Pedro e a
feiticeira Valderez. Juntes, Joana e Pedro partem em busca de um arco-íris mágico que, segundo
uma lenda, teria o poder de transformar rapazes em garotas e, depois de vivenciarem muitas
intempéries pelo caminho, os dois vão compreendendo as dimensões dos laços de afeto, da
amizade entre eles, e vão se dando conta que Joana não precisava de nenhum ritual mágico para
ser quem ela era. De acordo com a sabedoria da feiticeira Valderez, não era a existência de uma
marca impressa no corpo que dizia se alguém era menino ou menina. Joana sabia quem era.
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Caberia ao Rei, à Rainha e a todo o povoado, acolherem Joana. E assim aconteceu. Rei e Rainha
organizaram uma cerimônia e apresentaram ao povo sua filha, Joana Princesa. O desfecho do
conto traz a princesa bastante segura e alegre, compartilhando sua história com toda a
comunidade escolar (LESLÃO, 2016).
Diferentemente da narrativa construída pela autora de Joana Princesa, no texto
Uma
escola para Alan
, Paul Preciado (2020a) nos conta uma história cujo final é outro. O autor
problematiza e tece uma crítica à instituição escolar, instituição esta que, muitas vezes, atua
como aliada no processo de doutrinação de sujeites e subjetividades. Nas palavras do autor “
[...]
a escola é um espaço de controle e domínio, de escrutínio, diagnóstico e sanção, que pressupõe
um sujeito unitário e monolítico que deve aprender, mas não pode nem deve mudar”
(PRECIADO, 2020a, p. 197). No texto, o autor traz a história de Alan, o primeiro adolescente
trans a mudar de nome na Espanha, um adolescente de dezessete anos. Alan vivenciou os três
anos de sua transição em alguns espaços escolares que foram cenários de opressões, violências
e negação cotidiana de sua existência. Ao fim desses três anos, um dia depois do Natal, ele
cometeu suicídio. Na análise de Preciado (2020a) a escola falhou ao não conseguir proteger a
vida de Alan, falhou ao não se configurar como espaço seguro para ele, para o seu trânsito e,
ao falhar, a instituição acabou por converter-se em cúmplice de sua morte. Quando somente
acompanhamos caladas as diversas manifestações de preconceitos, opressões e violências ao
nosso redor, talvez, em alguma medida, nos tornemos também cúmplices de muitas atrocidades.
Trazemos esta crítica à escola não porque acreditamos que somente ela é responsável
por proteger pessoas como Karen, Alan e Alex ou porque acreditamos que somente ela seja
responsável por tanta opressão. A escola é apresentada aqui como um espaço complexo, porque,
ao mesmo tempo que ela se apresenta c
omo “uma fábrica de subjetivação”, “uma fábrica de
produção de identidade de gênero e sexual” (PRECIADO, 2020a, p. 196), ela poderia ser
subvertida, transformada em espaço que atua em favor da valorização das diferenças, em espaço
aberto ao exercício de identidades abertas, e não de identidades binárias e essencializadas. Essa
escola a favor da vida que Preciado tenta imaginar, seria um espaço
trans-feminista-queer
. Seria
um espaço que oferecesse uma prática pedagógica que atuasse como espécies de “ilhas
re
paradoras” que os protegessem da morte (PRECIADO, 2020a, p.
196).
Como sugere Butler (2014, p. 253):
[...] gênero é o mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino são
produzidas e naturalizadas, mas gênero pode muito bem ser o aparato através
do qual esses termos podem ser desconstruídos e desnaturalizados.
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Narrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer
RPGE
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Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.17200
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A feitura de uma pedagogia antinormativa passa pelo movimento de esperançar, assim
mesmo, como verbo, como ação, mas para fazê-la acontecer, também precisamos de movência,
de mobilização. Mobilizações que promovam desaprendizagens das programações de gêneros
e sexualidades. Se os portões das instituições hegemônicas como a escola e alguns espaços
como galerias tradicionais de artes não são facilmente abertos às personagens dissidentes de
gênero e sexualidades, que possamos criar outras veredas para que elas possam se manifestar.
Preciado (2020b)
acredita que “
[...] os processos que levam à mudança epistemológica
envolvem profundas mudanças tecnológicas, sociais, visuais, sensoriais” (PRECIADO, 2020b),
essas narrativas outras lançam essa possibilidade. Para o autor:
Nos próximos anos teremos que desenvolver coletivamente uma
epistemologia capaz de responder pela multiplicidade radical dos vivos e que
não reduza o corpo à sua força reprodutiva heterossexual, que não legitime a
violência heteropatriarcal e colonial (PRECIADO, 2020b).
A literatura e as artes, de maneira geral, nos conduzem a deslocamentos, nos atravessam
de maneira diferente, com elas conseguimos perceber o mundo para além dos recursos da nossa
racionalidade, podemos olhar e perceber com a pele, com o sorriso, com a emoção,
corazonando
, como sugere Patricio Guerrero Árias (ano). Modos de existências ancorados em
sentimentos como medo, repulsa, discriminação, violência, são produções do sistema sexo-
gênero e, precisam ser desafiados, deslocados, desuniversalizados. Para Preciado (2019), uma
transformação desse sistema somente poderia ser possível se levarmos em conta a dimensão da
imaginação, a dimensão poética da existência. Essas narrativas desbocadas poderiam ser lidas
como rotas possíveis nos percursos de mudanças de imaginários.
Por mais espantos e encantamentos
Recentemente acompanhando uma fala da pesquisadora Megg Rayara durante o
“Seminário Infâncias e pós
-
colonialismo”
4
, nos conectamos bastante com as reflexões trazidas
por ela. Rayara compartilhou fragmentos de uma entrevista realizada com uma jovem trans, na
qual ela relatava as inúmeras violências sofridas na infância: aos 9 anos de idade, ela se
recordava de apanhar tanto de sua mãe, que aquilo se tornava insuportável. Essa narrativa nos
convidava a pensar sobre as infâncias dissidentes, sobre as infâncias que não são reconhecidas
como universais, ou seja, as infâncias trans, pobres, pretas, das pessoas com deficiência, das
4
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UQ9_fYFWRnI. Acesso em: 12 out. 2021.
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Késia dos Anjos ROCHA e Alfrancio Ferreira DIAS
RPGE
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Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.17200
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pessoas LGBTI+ etc. Nem todas as infâncias são acolhidas e protegidas nos terrenos das
famílias. Algumas delas e, especificamente as infâncias das pessoas trans, são interditadas pela
violência produzida no ambiente doméstico e também fora dele. Para Rayara, nas vidas das
pessoas trans, principalmente daquelas de sua geração, a infância é uma temporalidade cheia
de lacunas, de interdições, de negações. Nem todo mundo tem ou teve o mesmo acesso e direito
à infância.
Rayara relata que, muitas pessoas trans e travestis de sua geração, têm feito movimentos
de busca pelas memórias das infâncias, têm buscado relatar, escrever e publicizar aquelas
experiências e vivências muitas vezes proibidas, vetadas. Vivências que se deram nas famílias,
nas escolas e naqueles bastidores de fuga dos cotidianos vigiados. Trouxemos relatos duros ao
longo do texto, falamos sobre abusos, interdições, violências, morte, e o fizemos porque não
nos cabe mais o silêncio. A relação entre crianças, adolescentes e adultos é permeada por
hierarquias de poder que levam à negação de direitos básicos, como por exemplo, o direito de
dizerem quem são. As infâncias e as adolescências são
malditas
pelos adultos, como já dissemos
anteriormente.
Por meio das narrativas literárias mobilizadas ao longo do texto, sugerimos um
alargamento da ideia de infância, uma desuniversalização, uma descolonização do conceito, da
experiência. As personagens dissidentes e os recursos mágicos acionados por elas no decorrer
dos enredos, nos provocam a imaginar as crianças e adolescentes como sujeitas de si, como
capazes de opinar sobre quem são, sobre como se sentem e percebem. Nosso sonho é que
possamos habitar um mundo sem violências e, mais especificamente, sem violências sexuais e
de gênero, um mundo no qual essas práticas causem espantos e os percursos agreguem mais
cores e encantamentos.
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Narrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer
RPGE
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Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
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Késia dos Anjos ROCHA e Alfrancio Ferreira DIAS
RPGE
–
Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.17200
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Como referenciar este artigo
ROCHA, K. A.; DIAS, A. F. Narrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres
educativos e metodologias queer.
Revista on line de Política e Gestão Educacional
,
Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029. DOI:
https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.17200
Submetido em
: 17/03/2022
Revisões requeridas em
: 09/05/2022
Aprovado em
: 21/07/2022
Publicado em
: 30/09/2022
Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.
Revisão, formatação, normalização e tradução.
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Outstanding literary narratives: Inspirations for educational (un)doings and queer methodologies
RPGE
–
Revista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.17200
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OUTSTANDING LITERARY NARRATIVES: INSPIRATIONS FOR EDUCATIONAL
(UN)DOINGS AND QUEER METHODOLOGIES
NARRATIVAS LITERÁRIAS DESBOCADAS: INSPIRAÇÕES PARA (DES)FAZERES
EDUCATIVOS E METODOLOGIAS QUEER
NARRATIVAS LITERARIAS DESTACADAS: INSPIRACIONES PARA (DES)HACER
EDUCATIVOS Y METODOLOGÍAS QUEER
Késia dos Anjos ROCHA
1
Alfrancio Ferreira DIAS
2
ABSTRACT
: In the present text we seek to reflect on the potential that literary narratives that
address gender and sexual dissidences can bring to education and curricula. Foul-mouthed,
misguided, lewd, strange, queer narratives, works of literature that enchant and (dis)enchant
as they circulate through the imaginations of children and young people, plural characters. We
establish a parallel between a 'real world', the one in which we live, crossed by polarizations
in the political field, by regulations and censorship in the field of arts and education and an
'imagined world', a scenario open to the possibilities of being, being and feel life, beyond the
impositions of patriarchal and colonial cisheteronorma. In this journey, we dialogue with the
theoretical productions arising from feminist and queer studies in interface with education and
we bet on alliances with these dissident characters to inspire educational (un)doings.
KEYWORDS
: Sexual and gender dissidence. Children's literature. Queer curriculum. Queer
methodology. Feminisms.
RESUMO
: No presente texto buscamos refletir sobre as potencialidades que narrativas
literárias que abordam as dissidências de gênero e sexualidades podem trazer para a
educação e para os currículos. Narrativas desbocadas, transviadas, sapatonas, estranhas,
queer, obras de literatura que encantam e (des)encantam ao fazerem circular pelos
imaginários de crianças e jovens, personagens plurais. Estabelecemos um paralelo entre um
‘mundo real’, esse no qual vivemos, atravessado p
or polarizações no campo político, por
regulações e censuras no campo das artes e da educação e um ‘mundo imaginado’, um
cenário aberto às possibilidades de ser, estar e sentir a vida, para além das imposições da
cisheteronorma patriarcal e colonial. Nessa jornada, dialogamos com as produções teóricas
advindas dos estudos feministas e queer em interface com a educação e apostamos nas
alianças com essas personagens dissidentes para inspirar (des)fazeres educativos.
1
Federal University of Sergipe (UFS), São Cristóvão
–
SE
–
Brazil. PhD student at the Graduate Program in
Education, with a CAPES scholarship, works and dedicates herself to reflections in the field of Education, with
emphasis on the following themes: Gender, sexualities, race, and writing policies in dialogue with the referential
of feminist studies, queer studies, and countercolonial studies. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1707-6007.
E-mail: kesiaanjos@gmail.com
2
Federal University of Sergipe (UFS), São Cristóvão
–
SE
–
Brazil. Professor at the Department of Education
and at the Graduate Program in Education. PhD in Sociology (UFS). Scholarship in Research Productivity 2
from CNPq. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5562-0085. E-mail: diasalfrancio@academico.ufs.br
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Késia dos Anjos ROCHA and Alfrancio Ferreira DIAS
RPGE
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Revista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.17200
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PALAVRAS-CHAVE
: Dissidências sexuais e de gênero. Literatura infantojuvenil. Currículo
queer. Metodologia queer. Feminismos.
RESUMEN
: En el presente texto buscamos reflexionar sobre el potencial que las narrativas
literarias que abordan las disidencias sexuales y de género pueden traer a la educación y los
currículos. Narrativas malhabladas, desorientadas, lascivas, extrañas, queer, obras literarias
que encantan y (des)encantan alcircular por el imaginario de niños y jóvenes, personajes
plurales. Establecemos un paralelismo entre un 'mundo real', aquel en el que vivimos,
atravesado por polarizaciones en el campo político, por regulaciones y censuras en el campo
de las artes y la educación y un 'mundo imaginado', escenario abierto a las posibilidades de
ser, estar y sentir la vida, más allá de las imposiciones de la cisheteronorma patriarcal y
colonial. En este recorrido dialogamos con las producciones teóricas surgidas de los estudios
feministas y queer en interfaz con la educación y apostamos por alianzas con estos
personajes disidentes para inspirar (des)haceres educativos.
PALABRAS CLAVE:
Disidencia sexual y de género. Literatura infantil. Currículum queer.
Metodología extraña. Feminismos.
Educational (Un)doing
Bringing to us and to our work literature and, more specifically, literature designed to
dialogue with children and adolescents, has been one of the inspirations and motivations to
think about educational experiences and curricular practices based on a queer educational
methodology. The thinker val flores (2018) by implicating herself in what she calls
transtornada pedagogy, or queer methodology, proposes a way of doing pedagogy that
interconnects "[...] bodies, knowledge, spaces, affections, desires, memories, eroticisms,
sensibilities, writings, and so on" (FLORES, 2018, p. 143, our translation). Flores develops
her political and pedagogical thinking independently, in a kind of "queer wandering", as she
herself names it. Since she does not have her practices and theoretical productions linked to a
specific institution, she does not propose us, as we are used to in academia, a theory of how to
do something, a step by step of how to apply a method, more than that, her work proposes an
"educational (un)doing " (FLORES, 2018, p. 146, our translation) that, in the activities and
workshops she develops, has as a proposal a doing/thinking/writing together, a collective
creation process.
This idea of collective making, to some extent, opposes the modes of academic
making that are based on a more individualized conception of authorship. It also promotes a
displacement beyond the truth that there would be more legitimate places for the production
of knowledge; we leave aside this way of thinking to invest in a range of spaces, subjects,
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doings, territories that act in the expansion and creation of ways of life. With this, we are
defending that the knowledge, the ways of doing, or even a queer educational method cannot
be presented as a script or step by step and distributed for all interested to replicate. Thinking
about a queer educational methodology would have more to do with something unfinished,
something that happens in the daily educational (dis)doing, in our meetings, in our classes, in
the teachers' meetings, in the collectives, in the streets, in dealing with relatives on a Sunday
afternoon, and also in the conflicts that arise from these meetings. It also has to do with an
ethic that foresees the breaking of the silences that act daily to maintain the norm, hiding
countless forms of violence. There is not, necessarily, a single path to be offered, because it
can happen as a shortcut, a gap, from a foolishness of the hegemonic norm, if it makes a
mistake we arrive as a princess, or as a made-up monster, or as a misbegotten butterfly. That's
a little of it. Dissident characters lead us to different paths. It is not a matter of believing that
from the encounter with these characters a new world will be magically born, but of betting
on them as partners in this
making together
, in this daily educational (un)making.
In this text, we invite you to imagine with us possibilities of spaces of escape from the
normatizations of gender and sexuality. To do so, we set in motion children's stories, literary
productions that present narratives and characters that are out of the norm, sassy texts, artivist
productions that somehow contribute to the fight for life and preservation of singularities in
counterpoint to the forces that fight for the preservation of cisheteropatriarchal and colonial
society. There are many different forces at work, we do not believe that we are facing a good
and bad binary; more than that, we live in the midst of disputes, and in these in-betweens, we
find places in which the splashes or torrents of dissident lives can emerge, erupt, flourish,
survive, and recreate themselves.
We understand literature as an important artifact in the processes of meaning
production, since it acts politically and culturally and is socially and historically situated. The
characters in the stories talk about us, talk about ways of being, being, living, and, therefore,
perform genders and sexualities. Exactly because of this, they open paths for the invention of
other political and social imaginaries in the field of education and gender and sexuality
studies. We also understand these writings as artivist productions, artistic productions that,
from a political engagement, question the hegemonic forms of organizations and social
relations and seek to create other spaces for knowledge sharing and dissemination
(COLLING, 2018; LESSA, 2015; RAPOSO, 2015). As Raposo (2015, p. 5, our translation)
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Késia dos Anjos ROCHA and Alfrancio Ferreira DIAS
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points out "[...] its aesthetic and symbolic nature amplifies, sensitizes, reflects and interrogates
themes and situations in a given historical and social context, aiming at change or resistance".
Faggot children, damned, innocent
(Scene 1). February 2014. Alex, 8 years old, walked and ran loose around the house,
liked to play with makeup, liked to wash the dishes, he was a very delicate boy, they
said...Alex had traveled from Rio Grande do Norte to Rio de Janeiro to live with his father,
one of his dreams was to meet him, to know if they were alike. Alex played, ran, jumped. Alex
washed the dishes. Alex was an 8-year-old child. Alex was a very delicate boy, they said.
(Scene 2). January 2021. Keron walked the streets as one who floated, as one who
shared dreams with imaginary neighbors. She imagined worlds. In the fictional world she
imagined, there was no room for hate, she was not seen from a single, limited lens. In this
multicolored world, she performed plural femininities to the sound of Anitta and PablloVittar.
She bounced happily, rocked by the beats of the sound and the light movement of the smile.
Shy in the scenes of the world, she dreamed, as many young people do, of being a digital
influencer.Keron dreamed.
Scene 2 is partially fictional, a free creation made by us in memory of Keron Ravach,
a 13-year-old trans teenager murdered in January 2021 in a countryside town in Ceará. In the
month of trans visibility, Keron became the youngest trans girl in Brazil's murder statistics. At
13, she was living the beginning of her transition process, the beginning of her crossing
suddenly interrupted. 17 years old. This was the age of the young man identified as
responsible for Keron's death. Two lives whose routes followed other directions or stopped
following their course. Interrupted crossings. In this case, the precept that there would be an
institutional and legal backstop, whether of state dimension or not, that would minimally
protect us subjects, and assure them basic rights such as the right to come and go and stay
alive, falls to the ground, succumbs before the set of norms imposed by the regime of sexual
difference (PRECIADO, 2020b).
Scene 1 was written in memory of Alex, an 8-year-old boy who died after being
beaten by his father. The child traveled from Rio Grande do Norte to Rio de Janeiro to live
with him in 2013. The mother, who was experiencing her fourth pregnancy, asked the father
to take care of her son for a while until she was stabilized again and could take him back.
Alexandre Soeiro admitted that he beat his son on a daily basis. According to him, "it was to
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Outstanding literary narratives: Inspirations for educational (un)doings and queer methodologies
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teach him how to be a man." The boy was "accused" of being too effeminate, so he was
beaten. A brutal crime. A very difficult narrative to write, and a story that revives a lot of pain
when told.
The two scenes, as mentioned above, expose how violent is the apparatus of norms
imposed by the regime of sexual difference in the face of gender dissent and sexualities. By
regime of sexual difference, from the dialogue with the thought of philosopher Paul B.
Preciado (2020b), we understand this set of norms and social and epistemological rules of
indoctrination of living bodies within the limits of binarity or, as the author metaphorically
suggests, within the cage of binarity. We speak of a set of representations that, especially
throughout the 19th century, have been acting and defining what is taken as legitimate/true or
false. The regime of sexual difference also appears as an epistemology, based on the binary
social precepts and codes that divide the world of the living into male and female (in the
singular itself). For Preciado (2020b) this regime enters in crisis from the moment in which
dissident bodies and existences start to exist and claim human status. We would live,
therefore, in a kind of context of collapse of a patriarchal-colonial political-social-
epistemological regime that, as Deborah Britzman suggests, struggles to ensure "[...] the
stability and the fundamentalist basis of categories such as masculinity, femininity, sexuality,
citizenship, nation, culture, literacy, consent, legality", among other categories that are
important for its maintenance (BRITZMAN, 2018, p. 11, our translation).
By challenging the binarisms, by daring to aim bonites beyond the regulations
imposed by the norm, some subjectivities are erased, removed from the public scene,
eliminated. These regulatory processes of gender are, therefore, all these apparatuses, the
laws, norms, social rules, and official public policies that will try to ensure that all people are
in the norm. This whole series of codes will ensure that men are men and women are women,
within what is expected. Various institutions and fields of knowledge will be involved in this
process of regulation: pedagogy, school, medicine/psychiatry, psychology, the military,
families, etc. (BUTLER, 2014).
This possible crisis of the system of sexual difference pointed out by Preciado (2020b)
can be easily understood when we analyze our current social and political context. In recent
years, gender and sexualities have been occupying the public scene, have been part of the
discourses in the context of official spaces of political decisions such as City Councils,
National Congress, Councils, Ministries. The current government, elected in 2018, has
appropriated the concept of gender and distorted and criminalized it in order to strengthen its
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conservative agendas and gain more voters. In the field of arts, we followed a sequence of
censorship movements that acted to prohibit and prevent dissident productions from
appearing, as an example of these onslaughts we can cite the closure of the Queermuseu
exhibition in 2017 in the city of Porto Alegre; the exhibition was closed after the
dissemination of false news that said that some works of the catalog made apology for
zoophilia and pedophilia. In addition, on the education scene, we have followed a series of
movements that led to the removal of the term gender from the National Education Plan
approved in 2014.We have been witness to the effect that these anti-gender onslaughts and
policies have had and have on our daily lives.
One of the main strategies of the most conservative sectors has been the assertion of
defense of children and the (traditional) family as an argument to legitimize their onslaughts
in favor of the norm and, in more extreme cases, as justifications for the sentences and
executions of dissident people. As Souza, Salgado and Mattos point out (2022, p. 4, our
translation):
Childhood, as a temporality of human life and a historical category that
demarcates and differentiates the social existence of children, appears and
functions, at the height of Western modernity, from the seventeenth century
on, as one of the most important power devices of this society. With the
purging of sexuality from children's bodies and from children's relations with
the world, innocence is consecrated as a cornerstone that seals the birth of
childhood in modern Western societies.
In this context, therefore, the possible innocence of children is presented as something
that would be under threat. And in the binary game of being or not being (male/female,
heterosexual/homosexual, etc.), the self-styled "good" people have relied on the "[...]
advantage of the child not being considered capable of rebelling politically against the
discourse of adults," to ensure the maintenance of government over them, whether through the
actions of the state, the family, or the churches (PRECIADO, 2019, p. 70, our translation).
Stripped of any rights over themselves and their bodies, children are rarely given the chance
to talk about themselves, their bodies, their feelings, their perceptions, their desires. Most of
the time, "the child is told [
or cursed
] by the adult," (SOUZA; SALGADO; MATTOS, 2022,
p. 6, emphasis added, our translation).
Preciado problematizes the role of the State in ensuring the conditions for the exercise
of citizenship and protection of the subjects (DELUCA; PASSOS, 2021); for the author,
many times, when the State presents itself as our defender, it may be oppressing and violating
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us. Scenes 1 and 2, presented at the beginning, talk about this, about the inability of the
institutional apparatuses of the binary sexual difference regime, to fulfill constitutional
precepts of defense of life. In Preciado's words "[...] living beyond the patriarchal-colonial
law, living outside the law of sexual difference, living outside sexual and gender violence"
should be a right assured to anyone, but this is not provided for in the survival laws of the
colonial heteropatricarchy (PRECIADO, 2020b).
Disrespecting the codes of cisheteropatriarchal and colonial masculinity can be liable
to lethal punishment. This is what Scene 1 shows us. When we are confronted with this tragic
news, we ask ourselves: why does a child have his life interrupted? Why does someone die
because of the way they walk, or because they wash the dishes, or because they don't want to
cut their hair? Why was it necessary for this father to use violence to its utmost limit in an
attempt to defend an idea of truth about subjects, bodies and subjectivities considered to be
normal? Perhaps because the model of normative pedagogy in force, based on the imposition
of identity hierarchies, founded on binary relations, regulator and eraser of plural bodies and
corporeities, has managed to remove from this subject, the father, any possibility of
imagination that would allow him to envision a world with ethics based on differences.
The pedagogical apparatus that sustains the actions of extermination of dissent in both
scenes leads us to think that an antinormative pedagogy (FLORES, 2018), which is attentive
to the daily reiterations of production and reiteration of binary norms and thoughts of
existence and coexistence, should be a central concern in our educational practices. When we
mobilize queer theory as a technology to broaden our gazes and sensitivities to everyday
scenes, we are able to be more attentive to these regulatory moves. As Britzman (2018, p. 15,
our translation) points out "Queer theory offers education techniques to make sense of and
highlight what it dismisses or cannot bear to know.". For children and young people dissident
of gender and/or sexualities, the disciplinary context of education can act as an instrument of
regulation and erasure of singularities, more than that, the daily disciplinary actions, which
seek to put all bodies, desires and aesthetics in the binary formatting already known and
accepted, can bring out vulnerabilities; often, the denial and silence in the face of differences,
can be accomplices of death. As fatal as this statement may sound, this is one of the possible
readings for the scenes mobilized in this dialog.
Imagining an anti-normative pedagogy moves us into many fields of reflection in the
scenario of education and life. The problematizations that emerge in the present text,
however, produce direct resonances in the production of knowledge about curriculum. When
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we talk about curriculum, we search for models that move us away from the idea of teaching
to be something, of searching for formatting and essentialist identity constructions. In
dialogue with Paradise (2010, p. 602, our translation) we imagine the curricula as territories
"[...] that deterritorialize, contaminate, and provoke sensations", that produce and are open to
events, that do not let themselves be totally captured by the norm, as spaces of constant
recreation and movement. As Ranniery (2017, p. 60, our translation) emphasizes, it is up to us
the daily exercise and effort of trying to "lower the curriculum to the world [...], to suspend
determination and not rob it of its multiplicity [...]". Still according to the author, "[...] to send
the curriculum to the world is to insist that one cannot exist in it without twisting it in order
to, by supporting ways of life, skew it, send it-descend. Send the curriculum to the world,
twist the curriculum, "[...] make the curriculum more disfigured, less suffocating and
suffocated" (RANNIERY, 2017, p. 62, our translation), let it manifest itself as a living and
unstable organism, these are some of the commitments that we continue to seek to establish.
Glittered Childhoods
(Scene 3). Titiritesa dreamed of exploring the world on a blue horse, going against the
wishes of her mother, Queen Mandolina, who dreamed of seeing her daughter married.
Ervilinha didn't want to be married, she didn't want to be a princess, she really wanted to
remain a peasant, taking care of her herd. In the middle of the mixed crossing of reality and
dream, a princess fell in love with the seamstress and opened small fissures that expanded the
possibilities of being and being in the world. Soninha, the Worst Princess in the World, left
the castle riding on the back of her new dragon friend. In the spontaneity of those who live
what they feel, they created a safe place to exist. Between the kingdoms of Today and
Yesterday, Princess Joan introduced herself to the world as a woman. Traveling in the
company of the donkey Bufaldino, Prince Cinderello found possibilities to perform a queer,
strange, thin masculinity, a masculinity inspired in the power of the sensitive that is in each
one of us. Running freely we see little Julián, Julián is a mermaid, he dances past us and
smiles
3
.
Disobedient acts and performances. The scene above is a pot-pourri of children's
stories, in which several characters from children's tales cross paths. What they have in
3
The books mobilized were: Titiritesa by Xerado Quintiá; Prince Cinderello by Babette Cole; Julián é uma sereia
by Jéssica Love; The Worst Princess in the World by Anna Kemp; Ervilina e o Princês by Sylvia Orthof and The
Princess and the Seamstress by Janaína Leslão.
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common is the exercise of other gender performativities. They all propose and practice a
displacement of the place of existence. To some extent, they refuse subjugation to gender
norms and regulations, they are disobedient. The act of disobeying hegemonic normative
politics gives them something potent, a celebration of lives in a plural sense. Obviously, they
enjoy something quite significant: freedom. A kind of freedom that only those who inhabit
this other world, that of imagination, a scenario of possibilities and open to the collective
construction of thoughts and feelings, a space open to uncertainties, have.
Princesses, princes, witches, dragons, monsters that play the flute, characters that
count on resources that we, poor mortals, don't have. Unfortunately, we cannot trigger a fairy
that falls straight from the chimney to speed up our wishes, unfortunately we cannot escape
and travel around the world on the back of a dragon, we cannot undo oppressions just in the
act of unraveling an embroidery. Our challenge is more complex, because different from these
enchanted worlds of fiction, they are full of fabricated and hardened truths.
In one of the tales brought in this pot-pourri of stories, the central character is Princess
Joana, and the narrative is written by the writer Janaína Leslão. In an enchanted way, we enter
the narrative exactly at the birth of the first child of the king and queen of the Kingdom of
IlhaAnã, the child comes into the world and is soon identified as a boy due to the red mark he
had on the top of his forehead. He had the same mark as his father and all the boys of the
kingdom. The mother and the girls had a brown mark on their hands. The baby was then
given the name John, and some time later, as she came to understand herself in the world, she
asked her parents to call her Jeanne; this was how she would like to be called, after all, her
name had grown in size, as had her body. The adventure lived by Joana Princesa is crossed by
regulatory interventions of her existence; in the middle of the way she meets characters who
try at all costs to stop her from being who she is - schoolmates, her own family. But along the
way also appear some allies such as her best friend Pedro and the sorceress Valderez.
Together, Joana and Pedro go in search of a magic rainbow that, according to a legend, has
the power to turn boys into girls, and after experiencing many inclement weather along the
way, the two begin to understand the dimensions of the bonds of affection and friendship
between them, and realize that Joana didn't need any magic ritual to be who she is. According
to the wisdom of the sorceress Valderez, it was not the existence of a mark printed on the
body that told whether someone was a boy or a girl. Joana knew who she was. It was up to the
King, the Queen and the entire village to welcome Joana. And so it happened. King and
Queen organized a ceremony and presented their daughter, Joan the Princess, to the people.
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The end of the story has the princess feeling very secure and happy, sharing her story with the
whole school community (LESLÃO, 2016).
Different from the narrative constructed by the author of Joana Princesa, in the text
Uma escola para Alan
, Paul Preciado (2020a) tells us a story whose ending is another. The
author problematizes and weaves a criticism to the school institution, an institution that often
acts as an ally in the indoctrination process of subjects and subjectivities. In the words of the
author, "[...] school is a space of control and domination, of scrutiny, diagnosis and sanction,
which presupposes a unitary and monolithic subject that must learn, but cannot and should not
change" (PRECIADO, 2020a, p. 197, our translation). In the text, the author brings the story
of Alan, the first trans teenager to change his name in Spain, a seventeen-year-old. Alan
experienced the three years of his transition in some school spaces that were scenarios of
oppression, violence and daily denial of his existence. At the end of those three years, one day
after Christmas, he committed suicide. In Preciado's (2020a) analysis, the school failed to
protect Alan's life, failed to configure itself as a safe space for him, for his transit, and, by
failing, the institution became an accomplice to his death. When we only quietly follow the
various manifestations of prejudice, oppression, and violence around us, perhaps, to some
extent, we also become accomplices to many atrocities.
We bring this criticism to the school not because we believe that only the school is
responsible for protecting people like Karen, Alan, and Alex, or because we believe that only
the school is responsible for so much oppression. The school is presented here as a complex
space because, at the same time that it presents itself as "a factory of subjectivation," "a
factory of production of gender and sexual identity" (PRECIADO, 2020a, p. 196, our
translation), it could be subverted, transformed into a space that acts in favor of valuing
differences, in a space open to the exercise of open identities, and not of binary and
essentialized identities. This pro-life school that Preciado tries to imagine would be a trans-
feminist-queer space. It would be a space that offered a pedagogical practice that acted as
species of "repair islands" that protected them from death (PRECIADO, 2020a, p. 196, our
translation).
As Butler suggests (2014, p. 253, our translation):
[...]gender is the mechanism by which notions of masculine and feminine are
produced and naturalized, but gender may well be the apparatus through
which these terms can be deconstructed and denaturalized.
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The making of an antinormative pedagogy goes through the movement of hope, just
like that, as a verb, as an action, but to make it happen, we also need movement, mobilization.
Mobilizations that promote unlearning of the programming of genders and sexualities. If the
gates of hegemonic institutions like the school and some spaces like traditional art galleries
are not easily opened to dissident characters of gender and sexualities, may we create other
paths for them to manifest themselves. Preciado (2020b) believes that "[...] the processes that
lead to epistemological change involve profound technological, social, visual, sensory
changes" (PRECIADO, 2020b), these other narratives throw this possibility. For the author:
In the coming years we will have to collectively develop an epistemology that can
account for the radical multiplicity of the living and that does not reduce the body to its
heterosexual reproductive force, that does not legitimize heteropatriarchal and colonial
violence (PRECIADO, 2020b).
Literature and the arts, in general, lead us to dislocations, they cross us in a different
way, with them we can perceive the world beyond the resources of our rationality, we can
look and perceive with our skin, with our smile, with our emotion, corazoning, as Patricio
Guerrero Arias (year) suggests. Modes of existences anchored in feelings such as fear,
repulsion, discrimination, violence, are productions of the sex-gender system and, need to be
challenged, displaced, de-universalized. For Preciado (2019), a transformation of this system
could only be possible if we take into account the dimension of imagination, the poetic
dimension of existence. These debunked narratives could be read as possible routes in the
paths of changing imaginaries.
For more wonder and enchantment
Recently following a speech by the researcher Megg Rayara during the "Childhood
and Postcolonialism Seminar
”
4
, we connected a lot with the reflections she brought. Rayara
shared fragments of an interview she conducted with a young trans woman, in which she
recounted the numerous violent experiences she suffered in her childhood: at the age of 9, she
remembered being beaten so much by her mother that it became unbearable. This narrative
invited us to think about dissident childhoods, about childhoods that are not recognized as
universal, that is, the trans, poor, black, disabled, LGBTI+ childhoods, etc. Not all childhoods
are welcomed and protected on the grounds of families. Some of them, and specifically the
4
Available at: https://www.youtube.com/watch?v=UQ9_fYFWRnI. Access on: 12 Oct. 2021.
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childhoods of trans people, are interdicted by the violence produced in the domestic
environment and also outside of it. For Rayara, in the lives of trans people, especially those of
her generation, childhood is a temporality full of gaps, of interdictions, of denials. Not
everyone has or had the same access and right to childhood.
Rayara reports that many transgender and transvestite people of her generation have
made movements in search of childhood memories, have sought to report, write, and publicize
those experiences and experiences that are often forbidden, vetoed. Experiences that took
place in families, in schools, and in those backstage escapes from the watched daily lives. We
brought hard accounts throughout the text, we talked about abuse, interdictions, violence,
death, and we did it because silence is no longer enough for us. The relationship between
children, adolescents, and adults is permeated by power hierarchies that lead to the denial of
basic rights, such as the right to say who they are. Children and adolescents are cursed by
adults, as we said before.
Through the literary narratives mobilized throughout the text, we suggest an
enlargement of the idea of childhood, a de-universalization, a decolonization of the concept,
of the experience. The dissident characters and the magical resources they use in the course of
the plots provoke us to imagine children and adolescents as subjects of themselves, as able to
have an opinion about who they are, about how they feel and perceive themselves. Our dream
is that we can inhabit a world without violence and, more specifically, without sexual and
gender violence, a world in which these practices cause astonishment and the paths add more
colors and enchantment.
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Submitted
: 17/03/2022
Revisions required
: 09/05/2022
Approved
: 21/07/2022
Published
: 30/09/2022
Processing and publication by the Editora Ibero-Americana de Educação.
Correction, formatting, standardization and translation.