image/svg+xmlNarrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172001NARRATIVAS LITERÁRIAS DESBOCADAS: INSPIRAÇÕES PARA (DES)FAZERES EDUCATIVOS E METODOLOGIAS QUEER NARRATIVAS LITERARIAS DESTACADAS: INSPIRACIONES PARA (DES)HACER EDUCATIVOS Y METODOLOGÍAS QUEER OUTSTANDING LITERARY NARRATIVES: INSPIRATIONS FOR EDUCATIONAL (UN)DOINGS AND QUEER METHODOLOGIES Késia dos Anjos ROCHA1Alfrancio Ferreira DIAS2RESUMO: No presente texto buscamos refletir sobre as potencialidades que narrativas literárias que abordam as dissidências de gênero e sexualidades podem trazer para a educação e para os currículos. Narrativas desbocadas, transviadas, sapatonas, estranhas, queer, obras de literatura que encantam e (des)encantam ao fazerem circular pelos imaginários de crianças e jovens, personagens plurais. Estabelecemos um paralelo entre um ‘mundo real’, esse no qual vivemos, atravessado por polarizações no campo político, por regulações e censuras no campo das artes e da educação e um ‘mundo imaginado’, um cenário aberto às possibilidades de ser, estar e sentir a vida, para além das imposições da cisheteronorma patriarcal e colonial. Nessa jornada, dialogamos com as produções teóricas advindas dos estudos feministas e queer em interface com a educação e apostamos nas alianças com essas personagens dissidentes para inspirar (des)fazeres educativos. PALAVRAS-CHAVE: Dissidências sexuais e de gênero. Literatura infantojuvenil. Currículo queer. Metodologia queer. Feminismos. RESUMEN: En el presente texto buscamos reflexionar sobre el potencial que las narrativas literarias que abordan las disidencias sexuales y de género pueden traer a la educación y los currículos. Narrativas malhabladas, desorientadas, lascivas, extrañas, queer, obras literarias que encantan y (des)encantan al circular por el imaginario de niños y jóvenes, personajes plurales. Establecemos un paralelismo entre un 'mundo real', aquel en el que vivimos, atravesado por polarizaciones en el campo político, por regulaciones y censuras en el campo de las artes y la educación y un 'mundo imaginado', escenario abierto a las posibilidades de ser, estar y sentir la vida, más allá de las imposiciones de la cisheteronorma patriarcal y colonial. En este recorrido dialogamos con las producciones teóricas surgidas de los estudios 1. Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão SE Brasil. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação. Bolsista CAPES, trabalha e se dedica a reflexões no campo na Educação, com ênfase nos seguintes temas: Gênero, sexualidades, raça, políticas de escrita em diálogo com os referenciais dos estudos feministas, estudos queer e contracoloniais. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1707-6007. E-mail: kesiaanjos@gmail.com 2Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão SE Brasil. Professor do Departamento de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação. Doutorado em Sociologia (UFS). Bolsista em Produtividade em Pesquisa 2 do CNPq. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5562-0085. E-mail: diasalfrancio@academico.ufs.br
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA e Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172002 feministas y queer en interfaz con la educación y apostamos por alianzas con estos personajes disidentes para inspirar (des)haceres educativos. PALABRAS CLAVE: Disidencia sexual y de género. Literatura infantil. Currículum queer. Metodología extraña. Feminismos. ABSTRACT: In the present text we seek to reflect on the potential that literary narratives that address gender and sexual dissidences can bring to education and curricula. Foul-mouthed, misguided, lewd, strange, queer narratives, works of literature that enchant and (dis)enchant as they circulate through the imaginations of children and young people, plural characters. We establish a parallel between a 'real world', the one in which we live, crossed by polarizations in the political field, by regulations and censorship in the field of arts and education and an 'imagined world', a scenario open to the possibilities of being, being and feel life, beyond the impositions of patriarchal and colonial cisheteronorma. In this journey, we dialogue with the theoretical productions arising from feminist and queer studies in interface with education and we bet on alliances with these dissident characters to inspire educational (un)doings. KEYWORDS: Sexual and gender dissidence. Children's literature. Queer curriculum. Queer methodology. Feminisms. (Des)fazeres educativos Trazer para junto de nós e de nossos trabalhos a literatura e, mais especificamente, a literatura pensada para dialogar com as infâncias e adolescências, tem sido uma das inspirações e motivações para pensarmos as experiências educativas e as práticas curriculares embasadas em uma metodologia educativa queer. A pensadora val flores (2018) ao se implicar no que ela chama de pedagogia transtornada, ou metodologia queer, propõe uma forma de fazer pedagógico que interconecta “[...] de manera singular cuerpos, saberes, espacios, afectos, deseos, memorias, erotismos, sensibilidades, escrituras” (FLORES, 2018, p. 143). flores desenvolve seu pensamento político e pedagógico de maneira independente, numa espécie de “vagabundear queer”, como ela mesma nomeia. Uma vez que não tem suas práticas e produções teóricas vinculadas a uma instituição específica, ela não nos propõe, como estamos acostumadas na acadêmica, uma teoria de como fazer algo, um passo a passo de como aplicar um método, mais do que isso, seu trabalho se propõe a um “(des)hacer educativo” (FLORES, 2018, p. 146) que, nas atividades e oficinas que ela desenvolve, tem como proposta um fazer/pensar/escrever juntas, um processo de criação coletivo. Essa ideia de feitura coletiva, em alguma medida, se contrapõe aos modos de fazeres acadêmicos que se baseiam em uma concepção de autoria mais individualizada. Também
image/svg+xmlNarrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172003promove um deslocamento para além da verdade de que existiriam lugares mais legítimos para a produção de conhecimento; deixamos de lado essa forma de pensar para investirmos em uma amplitude de espaços, sujeites, fazeres, territórios que atuam na ampliação e criação de formas de vida. Com isso, estamos defendendo que o conhecimento, as formas de fazer, ou até mesmo um método educativo queer não podem ser apresentados como roteiro ou passo a passo e distribuídos para todes interessadas replicarem. Pensar uma metodologia educativa queer teria mais a ver com algo inacabado, algo que se dá nos (des)fazeres educativos do dia a dia, em nossos encontros, em nossas aulas, nas reuniões de docentes, nas coletivas, nas ruas, no trato com parentes num encontro de domingo e também nos conflitos advindos desses encontros. Tem a ver também com uma ética que prevê a ruptura dos silêncios que atuam cotidianamente na manutenção da norma ocultando inúmeras violências. Não há, necessariamente, um caminho único a ser ofertado, porque pode acontecer como um atalho, uma brecha, a partir de um bobear da norma hegemônica, se ela der uma bobeada a gente chega montada de princesa, ou de monstra maquiada, ou de borboleta transviada. É um pouco isso. Personagens dissidentes nos levam a percursos diferentes. Não se trata de acreditar que do encontro com essas personagens nascerá, magicamente, um novo mundo, mas de apostar nelas como parceiras desse fazer juntos, desse (des)fazer educativo cotidiano. No presente texto, convidamos vocês a imaginarem conosco possibilidades de espaços de fuga frente às normatizações de gênero e sexualidades. Para tanto, acionamos histórias infantis, produções literárias que apresentam narrativas e personagens de destoam da norma, textos desbocados, produções artivistas que, de alguma maneira, contribuem na luta pela vida e preservação das singularidades em contraponto às forças que lutam pela preservação da sociedade cisheteropatriarcal e colonial. São muitas e diferentes forças em atuação, não acreditamos que estejamos diante de um binário bom e mau, mais do que isso, vivemos em meio às disputas, e nesses entremeios, encontramos lugares nos quais os respingos ou as enxurradas das vidas dissidentes podem emergir, irromper, florescer, sobreviver e se recriar. Compreendemos a literatura como um artefato importante nos processos de produções de sentidos, uma vez que ela atua política e culturalmente e está situada social e historicamente. As personagens das histórias falam sobre nós, falam sobre modos de ser, estar, viver e, portanto, performar gêneros e sexualidades. Exatamente por isso abrem caminhos para a invenção de outros imaginários políticos e sociais no campo da educação e dos estudos de gênero e sexualidades. Também compreendemos esses escritos como produções artivistas, produções artísticas que, a partir de um engajamento político, questionam as formas hegemônicas de
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA e Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172004 organizações e relações sociais e buscam criar outros espaços de compartilhamentos e difusão de conhecimentos (COLLING, 2018; LESSA, 2015; RAPOSO, 2015). Como aponta Raposo (2015, p. 5) “[...] a sua natureza estética e simbólica amplifica, sensibiliza, reflete e interroga temas e situações num dado contexto histórico e social, visando a mudança ou a resistência”.Crianças viadas, malditas, inocentes (Cena 1). Fevereiro de 2014. Alex, 8 anos, caminhava e andava solto pela casa, gostava de brincar com maquiagens, gostava de lavar a louça, era um menino muito delicado, diziam...Alex tinha viajado do Rio Grande do Norte para o Rio de Janeiro para viver com o pai, um de seus sonhos era conhecê-lo, saber se eram parecidos. Alex brincava, corria, pulava. Alex lavava a louça. Alex era uma criança de 8 anos. Alex era um menino muito delicado, diziam…(Cena 2). Janeiro de 2021. Keron caminhava pelas ruas como quem flutuava, como quem partilhava sonhos com vizinhos imaginários. Ela imaginava mundos. No mundo fictício imaginado por ela, não havia espaço para o ódio, ela não era vista a partir de uma única e limitada lente. Nesse mundo multicolor, ela performava feminilidades plurais ao som de Anitta e Pabllo Vittar. Quicava alegremente, embalada pelas batidas do som e pelo movimento leve do sorriso. Tímida nas cenas do mundo, sonhava, assim como muites jovens sonham, em ser influenciadora digital. Keron sonhava. A Cena 2é parcialmente fictícia, criação livre feita por nós em memória de Keron Ravach, uma adolescente trans de 13 anos, assassinada em janeiro de 2021 em uma cidade do interior do Ceará. No mês da visibilidade trans, Keron se tornou a mais jovem trans nas estatísticas de assassinatos do Brasil. Aos 13 anos, vivia o início de seu processo de transição, o início de sua travessia subitamente interrompida. 17 anos. Essa era a idade do jovem identificado como responsável pela morte de Keron. Duas vidas cujas rotas seguiram sentidos outros ou deixaram de seguir seu curso. Travessias interrompidas. Nesse caso, o preceito de que haveria uma retaguarda institucional e legal, seja de dimensão estatal ou não, que minimamente protegesse us sujeites, e lhes assegurasse direitos básicos como o de ir e vir e seguirem vivos, cai por terra, sucumbe perante o conjunto de normas impostas pelo regime da diferença sexual (PRECIADO, 2020b). A Cena 1foi escrita em memória de Alex, um menino de 8 anos morto após ser espancado pelo pai. A criança viajou do Rio Grande do Norte para o Rio de Janeiro para viver
image/svg+xmlNarrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172005com ele em 2013. A mãe, que vivenciava sua quarta gestação, pediu ao pai que cuidasse do filho por um tempo até que ela se estabilizasse novamente e pudesse levá-lo de volta. Alexandre Soeiro admitiu que batia no filho cotidianamente. De acordo com ele, “era para ensiná-lo a ser homem”. O menino era “acusado” de ser muito afeminado, por isso apanhava. Um crime brutal. Uma narrativa bastante difícil de ser escrita e uma história que reaviva muita dor ao ser contada. As duas cenas, como já mencionado acima, expõem o quão violento é o aparato de normas impostas pelo regime da diferença sexual frente às dissidências de gênero e sexualidades. Por regime da diferença sexual, a partir do diálogo com o pensamento do filósofo Paul B. Preciado (2020b), compreendemos esse conjunto de normas e regras sociais e epistemológicas de doutrinação dos corpos vivos dentro dos limites da binariedade ou, como metaforicamente sugere o autor, dentro da jaula da binariedade. Falamos de um conjunto de representações que, principalmente ao longo do século XIX, vêm agindo e definindo aquilo que é tomado como legítimo/verdadeiro ou falso. O regime da diferença sexual aparece também como uma epistemologia, baseada nos preceitos e códigos sociais binários que dividem o mundo dos viventes entre masculino e feminino (no singular mesmo). Para Preciado (2020b) este regime entra em crise a partir do momento em que os corpos e existências dissidentes passam a existir e reivindicar statusde humanos. Viveríamos, portanto, em uma espécie de contexto de colapso de um regime político-social-epistemológico patriarcal-colonial que, como sugere Deborah Britzman, luta para assegurar “[...] la estabilidad y la base fundamentalista de categorías como masculinidad, feminidad, sexualidad, ciudadanía, nación, cultura, alfabetismo, consentimento, legalidade”, dentre outras categorias que são importantes para a sua manutenção (BRITZMAN, 2018, p. 11). Ao desafiar os binarismos, ao ousar mirar bonitezas para além das regulações impostas pela norma, algumas subjetividades são apagadas, retiradas da cena pública, eliminadas. Esses processos reguladores do gênero são, portanto, todos esses aparatos, as leis, normativas, regras sociais e políticas públicas oficiais que vão tentar garantir que todas as pessoas estejam na norma. Toda essa série de códigos vai assegurar que homens sejam homens e mulheres sejam mulheres, dentro daquilo que é esperado. Atuarão nesse processo de regulação, instituições e campos de conhecimentos variados: a pedagogia, a escola, a medicina/psiquiatria, a psicologia, os setores militares, as famílias etc. (BUTLER, 2014). Essa possível crise do sistema da diferença sexual apontada por Preciado (2020b) pode ser facilmente compreendida quando analisamos o nosso contexto social e político atual. Nos últimos anos, gênero e sexualidades vêm ocupando a cena pública, têm feito parte dos discursos
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA e Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172006 no contexto dos espaços oficiais de decisões políticas como Câmaras Municipais, Congresso Nacional, Conselhos, Ministérios. O atual governo, eleito em 2018, se apropriou do conceito de gênero e o deturpou e criminalizou a fim de fortalecer suas pautas conservadoras e angariar mais eleitores. No campo das artes, acompanhamos uma sequência de movimentos de censura que atuaram no sentido de proibir e impedir que produções dissidentes aparecessem, como exemplo dessas investidas podemos citar o fechamento da exposição Queermuseuem 2017 na cidade de Porto Alegre; a exposição foi fechada após a disseminação de notícias falsas que diziam que algumas obras do catálogo faziam apologia à zoofilia e pedofilia. Além disso, no cenário da educação, acompanhamos uma série de movimentos que levaram à retirada do termo gênero do Plano Nacional de Educação aprovado em 2014. Temos sido testemunhas do efeito que essas investidas e políticas antigênero tiveram e têm em nossas vidas cotidianas. Umas das principais estratégias dos setores mais conservadores tem sido a afirmação de defesa de crianças e da família (tradicional) como argumento para legitimar suas investidas em favor da norma e, em casos mais extremos, como justificativas para as sentenças e execuções das pessoas dissidentes. Como apontam Souza, Salgado e Mattos (2022, p. 4): A infância, como temporalidade da vida humana e categoria histórica que demarca e diferencia a existência social das crianças, aparece e funciona, no auge da modernidade do Ocidente, a partir do século XVII, como um dos mais importantes dispositivos de poder dessa sociedade. Com o expurgo da sexualidade dos corpos infantis e das relações das crianças com o mundo, a inocência consagra-se como uma pedra angular que sela o nascimento da infância nas sociedades modernas ocidentais. Nesse contexto, portanto, a possível inocência das crianças é apresentada como algo que estaria sob ameaça. E no jogo binário de ser ou não ser (homem/mulher, heterossexual/homossexual etc.), as pessoas autodenominadas “de bem” têm se baseado na “[...] vantagem de a criança não ser considerada capaz de rebelar-se politicamente contra o discurso dos adultos”, para garantir a manutenção do governo sobre elas, seja por meio das ações do Estado, das família ou das igrejas (PRECIADO, 2019, p. 70). Destituídas de qualquer direito sobre si e sobre seus corpos, raramente é dada às crianças a chance de falarem sobre si, sobre seus corpos, seus sentimentos, suas percepções, seus desejos. Na maioria das vezes, “a criança é dita [ou maldita] pelo adulto”, (SOUZA; SALGADO; MATTOS, 2022, p. 6, grifo nosso). Preciado problematiza o papel do Estado na garantia das condições de exercício da cidadania e proteção dus sujeites (DELUCA; PASSOS, 2021); para o autor, muitas vezes,
image/svg+xmlNarrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172007quando o Estado se apresenta como nosso defensor, ele pode estar nos oprimindo e violentando. As Cenas 1 e 2,apresentadas no início, falam sobre isso, sobre a incapacidade dos aparelhos institucionais do regime da diferença sexual binário, de cumprirem preceitos constitucionais de defesa da vida. Nas palavras de Preciado “[...] viver além da lei patriarco-colonial, viver fora da lei da diferença sexual, viver fora da violência sexual e de gênero” deveria ser um direito assegurado a qualquer pessoa, mas isso não está previsto nas leis de sobrevivência do heteropatricarcado colonial (PRECIADO, 2020b). Desrespeitar os códigos da masculinidade cisheteropatriarcal e colonial pode ser passível de punição letal. É o que nos mostra a Cena 1. Quando nos deparamos com essa trágica notícia nos indagamos: por que uma criança tem sua vida interrompida? Por que alguém morre em decorrência do modo que anda, ou por lavar a louça, ou por não querer cortar os cabelos? Por que foi necessário para esse pai acionar a violência até seu limite máximo na tentativa de defender uma ideia de verdade sobre sujeites, corpos e subjetividades tidas como normais? Talvez porque o modelo de pedagogia normativa vigente, baseado na imposição de hierarquias identitárias, fundamentado em relações binárias, regulador e apagador dos corpos e corporeidades plurais, tenha conseguido retirar desse sujeito, o pai, qualquer possibilidade de imaginação que o permitisse avistar um mundo com uma ética baseada nas diferenças. O aparato pedagógico que sustenta as ações de extermínio das dissidências nas duas cenas, nos leva a pensar que uma pedagogia antinormativa (FLORES, 2018), que esteja atenta as reiterações cotidianas de produção e reiteração de normas e pensamentos binários de existência e convívio, deve ser uma preocupação central em nossas práticas educativas. Quando mobilizamos a teoria queer como tecnologia para ampliar nossos olhares e sensibilidades para as cenas cotidianas, conseguimos estar mais atentas a essas movimentações reguladoras. Como aponta Britzman (2018, p. 15) “La teoría queer ofrece a la educación técnicas para dar sentido y remarcar lo que descarta o lo que no puede soportar conocer”. Para crianças e jovens dissidentes de gênero e/ou sexualidades, o contexto disciplinar da educação pode atuar como um instrumento de regulação e apagamento de singularidades, mais do que isso, as ações disciplinares cotidianas, que buscam colocar todos os corpos, desejos e estéticas nas formatações binárias já conhecidas e aceitas, podem fazer emergir vulnerabilidades; muitas vezes, a negação e o silêncio diante das diferenças, podem ser cúmplices da morte. Por mais fatal que possa soar tal afirmação, essa é uma das leituras possíveis para as cenas mobilizadas nesse diálogo.
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA e Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172008 Imaginar uma pedagogia antinormativa nos desloca para muitos campos de reflexões no cenário da educação e da vida. As problematizações que emergem no presente texto, no entanto, produzem ressonâncias diretas produção de conhecimento sobre currículo. Quando falamos em currículo buscamos por modelos que nos afastem da ideia de ensinar a ser algo, de buscar formatações e construções identitárias essencialistas. Em diálogo com Paraíso (2010, p. 602) imaginamos os currículos como territórios “[...] que desterritorializam, contagiam e provocam sensações”, que produzem e estão abertos aos acontecimentos, que não se deixem capturar totalmente pela norma, como espaços de recriações e movências constantes. Como enfatiza Ranniery (2017, p. 60), nos cabe o exercício e esforço cotidianos de tentarmos “descer o currículo ao mundo [...], suspender a determinação e não lhe roubar a multiplicidade [...]”. Ainda segundo o autor, “[...] enviar o currículo ao mundo é insistir que não se existe nele sem torcê-lo para, ao dar suporte a modos de vida, enviesá-lo, enviar-descer”. Enviar o currículo ao mundo, torcer o currículo, “[...] tornar o currículo mais desfigurado, menos sufocante e sufocado” (RANNIERY, 2017, p. 62), deixar que ele se manifeste como organismo vivo e instável, eis alguns dos compromissos que seguimos buscando estabelecer. Infâncias purpurinadas (Cena 3). Titiritesa sonhava explorar o mundo num cavalo azul, contrariava muito os desejos da mãe, a rainha Mandolina, que sonhava ver a filha casada. Ervilinha não queria ser casada, não queria ser princesa, desejava mesmo era seguir camponesa, cuidando de seu rebanho. No meio da travessia mesclada de realidade e sonho, uma princesa se apaixonava pela costureira e abria pequenas fissuras que ampliavam as possibilidades de ser e estar no mundo. Soninha, a Pior Princesa do Mundo, abandonava o castelo montada no dorso de seu novo amigo dragão. Na espontaneidade de quem vive o que sente, elas criavam um lugar seguro para existir. Entre os reinos de Hoje e de Anteontem, a princesa Joana se apresentava ao mundo como mulher. Viajando na companhia do burro Bufaldino, o príncipe Cinderelo encontrava possibilidades de performar uma masculinidade queer, estranha, magrela, uma masculinidade inspirada na potência do sensível que há em cada um/uma/ume de nós. Correndo livremente avistamos o pequeno Julián, Julián é uma sereia, passa por nós dançando e sorri3. 3Os livros mobilizados foram: Titiritesa, de Xerado Quintiá; Príncipe cinderelo, de Babette Cole; Julián é uma sereia, de Jéssica Love; A pior princesa do mundo, de Anna Kemp; Ervilina e o Princês, de Sylvia Orthof e A princesa e a costureira, de Janaína Leslão.
image/svg+xmlNarrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172009Atos e performances desobedientes. A cena acima, é um pot-pourride histórias infantojuvenis, nela várias personagens de contos infantis se cruzam. O que há em comum entre elas é o exercício de outras performatividades de gênero. Todas elas propõem e praticam um deslocamento de lugar de existência. Em alguma medida, recusam a subjugação às normas e regulações de gênero, são desobedientes. O ato de desobedecer a política normativa hegemônica dá a elas algo potente, uma celebração das vidas em sentido plural. Obviamente que elas gozam de algo bastante significativo: liberdade. Um tipo de liberdade que só tem quem habita esse outro mundo, o da imaginação, um cenário de possibilidades e aberto à construção coletiva dos pensamentos e dos sentimentos, um espaço aberto às incertezas. Princesas, príncipes, bruxas, dragões, monstros que tocam flautas, personagens que contam com recursos que nós, pobres mortais, não contamos. Infelizmente não podemos acionar uma fada que cai direto da chaminé para agilizar nossos desejos, infelizmente não podemos fugir e viajar pelo mundo no dorso de um dragão, não conseguimos desfazer opressões apenas no ato de desmanchar um bordado. Nosso desafio é mais complexo, porque diferente desses mundos encantados da ficção, são cheios de verdades fabricadas e endurecidas. Em um dos contos trazidos nesse pot-pourri de histórias, a personagem central é a princesa Joana, a narrativa é de autoria da escritora Janaína Leslão. De maneira encantada, adentramos à narrativa exatamente na ocasião do nascimento do primeiro filho do rei e da rainha do Reino de IlhaAnã, a criança chega ao mundo e logo é identificada como menino devido a marca vermelha que trazia no alto da testa. Ela tinha a mesma marca que o pai e todos os meninos do Reino. A mãe e as meninas traziam uma marca marrom nas mãos. O bebê então recebeu o nome de João e, tempos depois, conforme ia se percebendo no mundo, pediu aos pais que a chamassem de Joana, era assim que ela gostaria de ser chamada, afinal, seu nome havia crescido de tamanho, assim como seu corpo. A aventura vivida por Joana Princesa é atravessada por intervenções reguladoras de sua existência; no meio do caminho ela encontra personagens que tentam a todo custo impedi-la de ser quem ela é - colegas de escola, a própria família. Mas no meio do caminho também aparecem alguns aliades como seu melhor amigo Pedro e a feiticeira Valderez. Juntes, Joana e Pedro partem em busca de um arco-íris mágico que, segundo uma lenda, teria o poder de transformar rapazes em garotas e, depois de vivenciarem muitas intempéries pelo caminho, os dois vão compreendendo as dimensões dos laços de afeto, da amizade entre eles, e vão se dando conta que Joana não precisava de nenhum ritual mágico para ser quem ela era. De acordo com a sabedoria da feiticeira Valderez, não era a existência de uma marca impressa no corpo que dizia se alguém era menino ou menina. Joana sabia quem era.
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA e Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1720010 Caberia ao Rei, à Rainha e a todo o povoado, acolherem Joana. E assim aconteceu. Rei e Rainha organizaram uma cerimônia e apresentaram ao povo sua filha, Joana Princesa. O desfecho do conto traz a princesa bastante segura e alegre, compartilhando sua história com toda a comunidade escolar (LESLÃO, 2016). Diferentemente da narrativa construída pela autora de Joana Princesa, no texto Uma escola para Alan, Paul Preciado (2020a) nos conta uma história cujo final é outro. O autor problematiza e tece uma crítica à instituição escolar, instituição esta que, muitas vezes, atua como aliada no processo de doutrinação de sujeites e subjetividades. Nas palavras do autor “[...] a escola é um espaço de controle e domínio, de escrutínio, diagnóstico e sanção, que pressupõe um sujeito unitário e monolítico que deve aprender, mas não pode nem deve mudar” (PRECIADO, 2020a, p. 197). No texto, o autor traz a história de Alan, o primeiro adolescente trans a mudar de nome na Espanha, um adolescente de dezessete anos. Alan vivenciou os três anos de sua transição em alguns espaços escolares que foram cenários de opressões, violências e negação cotidiana de sua existência. Ao fim desses três anos, um dia depois do Natal, ele cometeu suicídio. Na análise de Preciado (2020a) a escola falhou ao não conseguir proteger a vida de Alan, falhou ao não se configurar como espaço seguro para ele, para o seu trânsito e, ao falhar, a instituição acabou por converter-se em cúmplice de sua morte. Quando somente acompanhamos caladas as diversas manifestações de preconceitos, opressões e violências ao nosso redor, talvez, em alguma medida, nos tornemos também cúmplices de muitas atrocidades. Trazemos esta crítica à escola não porque acreditamos que somente ela é responsável por proteger pessoas como Karen, Alan e Alex ou porque acreditamos que somente ela seja responsável por tanta opressão. A escola é apresentada aqui como um espaço complexo, porque, ao mesmo tempo que ela se apresenta como “uma fábrica de subjetivação”, “uma fábrica de produção de identidade de gênero e sexual” (PRECIADO, 2020a, p. 196), ela poderia ser subvertida, transformada em espaço que atua em favor da valorização das diferenças, em espaço aberto ao exercício de identidades abertas, e não de identidades binárias e essencializadas. Essa escola a favor da vida que Preciado tenta imaginar, seria um espaço trans-feminista-queer. Seria um espaço que oferecesse uma prática pedagógica que atuasse como espécies de “ilhas reparadoras” que os protegessem da morte (PRECIADO, 2020a, p.196). Como sugere Butler (2014, p. 253): [...] gênero é o mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas, mas gênero pode muito bem ser o aparato através do qual esses termos podem ser desconstruídos e desnaturalizados.
image/svg+xmlNarrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1720011A feitura de uma pedagogia antinormativa passa pelo movimento de esperançar, assim mesmo, como verbo, como ação, mas para fazê-la acontecer, também precisamos de movência, de mobilização. Mobilizações que promovam desaprendizagens das programações de gêneros e sexualidades. Se os portões das instituições hegemônicas como a escola e alguns espaços como galerias tradicionais de artes não são facilmente abertos às personagens dissidentes de gênero e sexualidades, que possamos criar outras veredas para que elas possam se manifestar. Preciado (2020b) acredita que “[...] os processos que levam à mudança epistemológica envolvem profundas mudanças tecnológicas, sociais, visuais, sensoriais” (PRECIADO, 2020b), essas narrativas outras lançam essa possibilidade. Para o autor: Nos próximos anos teremos que desenvolver coletivamente uma epistemologia capaz de responder pela multiplicidade radical dos vivos e que não reduza o corpo à sua força reprodutiva heterossexual, que não legitime a violência heteropatriarcal e colonial (PRECIADO, 2020b). A literatura e as artes, de maneira geral, nos conduzem a deslocamentos, nos atravessam de maneira diferente, com elas conseguimos perceber o mundo para além dos recursos da nossa racionalidade, podemos olhar e perceber com a pele, com o sorriso, com a emoção, corazonando, como sugere Patricio Guerrero Árias (ano). Modos de existências ancorados em sentimentos como medo, repulsa, discriminação, violência, são produções do sistema sexo-gênero e, precisam ser desafiados, deslocados, desuniversalizados. Para Preciado (2019), uma transformação desse sistema somente poderia ser possível se levarmos em conta a dimensão da imaginação, a dimensão poética da existência. Essas narrativas desbocadas poderiam ser lidas como rotas possíveis nos percursos de mudanças de imaginários. Por mais espantos e encantamentos Recentemente acompanhando uma fala da pesquisadora Megg Rayara durante o “Seminário Infâncias e pós-colonialismo”4, nos conectamos bastante com as reflexões trazidas por ela. Rayara compartilhou fragmentos de uma entrevista realizada com uma jovem trans, na qual ela relatava as inúmeras violências sofridas na infância: aos 9 anos de idade, ela se recordava de apanhar tanto de sua mãe, que aquilo se tornava insuportável. Essa narrativa nos convidava a pensar sobre as infâncias dissidentes, sobre as infâncias que não são reconhecidas como universais, ou seja, as infâncias trans, pobres, pretas, das pessoas com deficiência, das 4Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UQ9_fYFWRnI. Acesso em: 12 out. 2021.
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA e Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1720012 pessoas LGBTI+ etc. Nem todas as infâncias são acolhidas e protegidas nos terrenos das famílias. Algumas delas e, especificamente as infâncias das pessoas trans, são interditadas pela violência produzida no ambiente doméstico e também fora dele. Para Rayara, nas vidas das pessoas trans, principalmente daquelas de sua geração, a infância é uma temporalidade cheia de lacunas, de interdições, de negações. Nem todo mundo tem ou teve o mesmo acesso e direito à infância. Rayara relata que, muitas pessoas trans e travestis de sua geração, têm feito movimentos de busca pelas memórias das infâncias, têm buscado relatar, escrever e publicizar aquelas experiências e vivências muitas vezes proibidas, vetadas. Vivências que se deram nas famílias, nas escolas e naqueles bastidores de fuga dos cotidianos vigiados. Trouxemos relatos duros ao longo do texto, falamos sobre abusos, interdições, violências, morte, e o fizemos porque não nos cabe mais o silêncio. A relação entre crianças, adolescentes e adultos é permeada por hierarquias de poder que levam à negação de direitos básicos, como por exemplo, o direito de dizerem quem são. As infâncias e as adolescências são malditaspelos adultos, como já dissemos anteriormente. Por meio das narrativas literárias mobilizadas ao longo do texto, sugerimos um alargamento da ideia de infância, uma desuniversalização, uma descolonização do conceito, da experiência. As personagens dissidentes e os recursos mágicos acionados por elas no decorrer dos enredos, nos provocam a imaginar as crianças e adolescentes como sujeitas de si, como capazes de opinar sobre quem são, sobre como se sentem e percebem. Nosso sonho é que possamos habitar um mundo sem violências e, mais especificamente, sem violências sexuais e de gênero, um mundo no qual essas práticas causem espantos e os percursos agreguem mais cores e encantamentos. REFERÊNCIAS BRITZMAN, D. P. Existe una pedagogía cuír? O, no leas tan hétero. In: BRITZMAN, D. et al. Pedagogías transgresoras II.Argentina: Bocavulvaria Ediciones, 2018. Disponível em: https://bocavulvariaediciones.blogspot.com/2018/12/pedagogias-transgresoras-ii.html. Acesso em: 10 jun. 2022. BUTLER, J. Regulações de gênero. Cadernos Pagu,Campinas, n. 42, p. 249-274, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/Tp6y8yyyGcpfdbzYmrc4cZs/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 02 jun. 2022.
image/svg+xmlNarrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1720013COLLING, L. A emergência do artivismo da dissidência sexual e de gênero no Brasil da atualidade. Revista Sala Preta, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 152-167, 2018. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/125684. Acesso em: 03 jun. 2022. COLE, B. Princípe Cinderelo. São Paulo: Martins Fontes, 2000. DELUCA, N.; PASSOS, Ú. Regime heteronormativo e patriarcal vai colapsar com revolução em curso, diz Paul Preciado. Folha de São Paulo, São Paulo, jan. 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2021/01/regime-heteronormativo-e-patriarcal-vai-colapsar-com-revolucao-em-curso-diz-paul-preciado.shtml. Acesso em: 02 jun. 2022. FLORES, V. Esporas de indisciplina: Pedagogías trastornadas y metodologías queer. In: BRITZMAN, D. et al. Pedagogías transgresoras II. Argentina: Bocavulvaria Ediciones, 2018. Disponível em: https://bocavulvariaediciones.blogspot.com/2018/12/pedagogias-transgresoras-ii.html. Acesso em: 02 jun. 2022. LESLÃO, J. Joana Princesa. Rio de Janeiro: Metanóia, 2016. LESSA, P. Visibilidades y ocupaciones artísticas en territorios físicos y digitales. In: PADRÓS, N.; COLLELLDEMONT, E.; SOLER, J. Actas del XVIII Coloquio de Historia de la educación: Arte, literatura y educación. Espanha: Editora da UniVic, 2015. v. 1. LOVE, J. Julián é uma sereia. São Paulo: Boitatá, 2021. KEMP, A. A pior princesa do mundo. São Paulo: Paz & Terra, 2012. ORTHOF, S. Ervilina e o princês ou Deu a louca em Ervilina. Porto alegre: Editora Projeto, 2009. PARAÍSO, M. A. Diferença no currículo. Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 140, p. 587-604, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/MnrBfYmbrZ4zfVqD3C5qkYp/?lang=pt. Acesso em: 20 jun. 2022. PRECIADO, P. B. Um apartamento em Urano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020a. PRECIADO, P. B. Eu sou o monstro que vos fala: Relatório para uma academia de psicanalistas. Revista A Palavra Solta, nov. 2020b. Disponível em: https://www.revistaapalavrasolta.com/post/eu-sou-o-monstro-que-vos-fala. Acesso em: 07 jun. 2022. PRECIADO, P. B. Entrevista concedida ao Canal betevé. Barcelona: Betevé, 2019. 1 vídeo (18 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Aa-RiOuYiE4. Acesso em: 03 jun. 2022. QUINTIÁ, X. Titiritesa. Pontevedra: OQO Editora, 2008. RANNIERY, T. Currículo, sociedade queer e política da imaginação. Revista Teias, v. 18, n. 51, p. 52-67, 2017. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/30593. Acesso em: 10 jun. 2022.
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA e Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1720014 RAPOSO, P. "Artivismos": Articulando dissidências, criando insurgências. Cadernos de Arte e Antropologia, v. 4, n. 2, p. 3-12, 2015. Disponível em: https://journals.openedition.org/cadernosaa/909. Acesso em: 12 jun. 2022. SOUZA, L. L.; SALGADO, R. G.; MATTOS, A. R. Infâncias, gêneros e sexualidades: Implicações ético-políticas das parentalidades.Psicologia em Estudo, v. 27, e58910, 2022. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/PsicolEstud/article/view/58910. Acesso em: 12 jun. 2022Como referenciar este artigo ROCHA, K. A.; DIAS, A. F. Narrativas literárias desbocadas: Inspirações para (des)fazeres educativos e metodologias queer. Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029. DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.17200 Submetido em: 17/03/2022Revisões requeridas em: 09/05/2022 Aprovado em: 21/07/2022 Publicado em: 30/09/2022 Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.Revisão, formatação, normalização e tradução.
image/svg+xmlOutstanding literary narratives: Inspirations for educational (un)doings and queer methodologiesRPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172001OUTSTANDING LITERARY NARRATIVES: INSPIRATIONS FOR EDUCATIONAL (UN)DOINGS AND QUEER METHODOLOGIES NARRATIVAS LITERÁRIAS DESBOCADAS: INSPIRAÇÕES PARA (DES)FAZERES EDUCATIVOS E METODOLOGIAS QUEER NARRATIVAS LITERARIAS DESTACADAS: INSPIRACIONES PARA (DES)HACER EDUCATIVOS Y METODOLOGÍAS QUEER Késia dos Anjos ROCHA1Alfrancio Ferreira DIAS2ABSTRACT: In the present text we seek to reflect on the potential that literary narratives that address gender and sexual dissidences can bring to education and curricula. Foul-mouthed, misguided, lewd, strange, queer narratives, works of literature that enchant and (dis)enchant as they circulate through the imaginations of children and young people, plural characters. We establish a parallel between a 'real world', the one in which we live, crossed by polarizations in the political field, by regulations and censorship in the field of arts and education and an 'imagined world', a scenario open to the possibilities of being, being and feel life, beyond the impositions of patriarchal and colonial cisheteronorma. In this journey, we dialogue with the theoretical productions arising from feminist and queer studies in interface with education and we bet on alliances with these dissident characters to inspire educational (un)doings. KEYWORDS: Sexual and gender dissidence. Children's literature. Queer curriculum. Queer methodology. Feminisms. RESUMO: No presente texto buscamos refletir sobre as potencialidades que narrativas literárias que abordam as dissidências de gênero e sexualidades podem trazer para a educação e para os currículos. Narrativas desbocadas, transviadas, sapatonas, estranhas, queer, obras de literatura que encantam e (des)encantam ao fazerem circular pelos imaginários de crianças e jovens, personagens plurais. Estabelecemos um paralelo entre um ‘mundo real’, esse no qual vivemos, atravessado por polarizações no campo político, por regulações e censuras no campo das artes e da educação e um ‘mundo imaginado’, um cenário aberto às possibilidades de ser, estar e sentir a vida, para além das imposições da cisheteronorma patriarcal e colonial. Nessa jornada, dialogamos com as produções teóricas advindas dos estudos feministas e queer em interface com a educação e apostamos nas alianças com essas personagens dissidentes para inspirar (des)fazeres educativos. 1Federal University of Sergipe (UFS), São Cristóvão SE Brazil. PhD student at the Graduate Program in Education, with a CAPES scholarship, works and dedicates herself to reflections in the field of Education, with emphasis on the following themes: Gender, sexualities, race, and writing policies in dialogue with the referential of feminist studies, queer studies, and countercolonial studies. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1707-6007. E-mail: kesiaanjos@gmail.com 2Federal University of Sergipe (UFS), São Cristóvão SE Brazil. Professor at the Department of Education and at the Graduate Program in Education. PhD in Sociology (UFS). Scholarship in Research Productivity 2 from CNPq. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5562-0085. E-mail: diasalfrancio@academico.ufs.br
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA and Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172002 PALAVRAS-CHAVE: Dissidências sexuais e de gênero. Literatura infantojuvenil. Currículo queer. Metodologia queer. Feminismos. RESUMEN: En el presente texto buscamos reflexionar sobre el potencial que las narrativas literarias que abordan las disidencias sexuales y de género pueden traer a la educación y los currículos. Narrativas malhabladas, desorientadas, lascivas, extrañas, queer, obras literarias que encantan y (des)encantan alcircular por el imaginario de niños y jóvenes, personajes plurales. Establecemos un paralelismo entre un 'mundo real', aquel en el que vivimos, atravesado por polarizaciones en el campo político, por regulaciones y censuras en el campo de las artes y la educación y un 'mundo imaginado', escenario abierto a las posibilidades de ser, estar y sentir la vida, más allá de las imposiciones de la cisheteronorma patriarcal y colonial. En este recorrido dialogamos con las producciones teóricas surgidas de los estudios feministas y queer en interfaz con la educación y apostamos por alianzas con estos personajes disidentes para inspirar (des)haceres educativos. PALABRAS CLAVE:Disidencia sexual y de género. Literatura infantil. Currículum queer. Metodología extraña. Feminismos. Educational (Un)doing Bringing to us and to our work literature and, more specifically, literature designed to dialogue with children and adolescents, has been one of the inspirations and motivations to think about educational experiences and curricular practices based on a queer educational methodology. The thinker val flores (2018) by implicating herself in what she calls transtornada pedagogy, or queer methodology, proposes a way of doing pedagogy that interconnects "[...] bodies, knowledge, spaces, affections, desires, memories, eroticisms, sensibilities, writings, and so on" (FLORES, 2018, p. 143, our translation). Flores develops her political and pedagogical thinking independently, in a kind of "queer wandering", as she herself names it. Since she does not have her practices and theoretical productions linked to a specific institution, she does not propose us, as we are used to in academia, a theory of how to do something, a step by step of how to apply a method, more than that, her work proposes an "educational (un)doing " (FLORES, 2018, p. 146, our translation) that, in the activities and workshops she develops, has as a proposal a doing/thinking/writing together, a collective creation process. This idea of collective making, to some extent, opposes the modes of academic making that are based on a more individualized conception of authorship. It also promotes a displacement beyond the truth that there would be more legitimate places for the production of knowledge; we leave aside this way of thinking to invest in a range of spaces, subjects,
image/svg+xmlOutstanding literary narratives: Inspirations for educational (un)doings and queer methodologiesRPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172003doings, territories that act in the expansion and creation of ways of life. With this, we are defending that the knowledge, the ways of doing, or even a queer educational method cannot be presented as a script or step by step and distributed for all interested to replicate. Thinking about a queer educational methodology would have more to do with something unfinished, something that happens in the daily educational (dis)doing, in our meetings, in our classes, in the teachers' meetings, in the collectives, in the streets, in dealing with relatives on a Sunday afternoon, and also in the conflicts that arise from these meetings. It also has to do with an ethic that foresees the breaking of the silences that act daily to maintain the norm, hiding countless forms of violence. There is not, necessarily, a single path to be offered, because it can happen as a shortcut, a gap, from a foolishness of the hegemonic norm, if it makes a mistake we arrive as a princess, or as a made-up monster, or as a misbegotten butterfly. That's a little of it. Dissident characters lead us to different paths. It is not a matter of believing that from the encounter with these characters a new world will be magically born, but of betting on them as partners in this making together, in this daily educational (un)making. In this text, we invite you to imagine with us possibilities of spaces of escape from the normatizations of gender and sexuality. To do so, we set in motion children's stories, literary productions that present narratives and characters that are out of the norm, sassy texts, artivist productions that somehow contribute to the fight for life and preservation of singularities in counterpoint to the forces that fight for the preservation of cisheteropatriarchal and colonial society. There are many different forces at work, we do not believe that we are facing a good and bad binary; more than that, we live in the midst of disputes, and in these in-betweens, we find places in which the splashes or torrents of dissident lives can emerge, erupt, flourish, survive, and recreate themselves. We understand literature as an important artifact in the processes of meaning production, since it acts politically and culturally and is socially and historically situated. The characters in the stories talk about us, talk about ways of being, being, living, and, therefore, perform genders and sexualities. Exactly because of this, they open paths for the invention of other political and social imaginaries in the field of education and gender and sexuality studies. We also understand these writings as artivist productions, artistic productions that, from a political engagement, question the hegemonic forms of organizations and social relations and seek to create other spaces for knowledge sharing and dissemination (COLLING, 2018; LESSA, 2015; RAPOSO, 2015). As Raposo (2015, p. 5, our translation)
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA and Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172004 points out "[...] its aesthetic and symbolic nature amplifies, sensitizes, reflects and interrogates themes and situations in a given historical and social context, aiming at change or resistance". Faggot children, damned, innocent (Scene 1). February 2014. Alex, 8 years old, walked and ran loose around the house, liked to play with makeup, liked to wash the dishes, he was a very delicate boy, they said...Alex had traveled from Rio Grande do Norte to Rio de Janeiro to live with his father, one of his dreams was to meet him, to know if they were alike. Alex played, ran, jumped. Alex washed the dishes. Alex was an 8-year-old child. Alex was a very delicate boy, they said. (Scene 2). January 2021. Keron walked the streets as one who floated, as one who shared dreams with imaginary neighbors. She imagined worlds. In the fictional world she imagined, there was no room for hate, she was not seen from a single, limited lens. In this multicolored world, she performed plural femininities to the sound of Anitta and PablloVittar. She bounced happily, rocked by the beats of the sound and the light movement of the smile. Shy in the scenes of the world, she dreamed, as many young people do, of being a digital influencer.Keron dreamed. Scene 2 is partially fictional, a free creation made by us in memory of Keron Ravach, a 13-year-old trans teenager murdered in January 2021 in a countryside town in Ceará. In the month of trans visibility, Keron became the youngest trans girl in Brazil's murder statistics. At 13, she was living the beginning of her transition process, the beginning of her crossing suddenly interrupted. 17 years old. This was the age of the young man identified as responsible for Keron's death. Two lives whose routes followed other directions or stopped following their course. Interrupted crossings. In this case, the precept that there would be an institutional and legal backstop, whether of state dimension or not, that would minimally protect us subjects, and assure them basic rights such as the right to come and go and stay alive, falls to the ground, succumbs before the set of norms imposed by the regime of sexual difference (PRECIADO, 2020b). Scene 1 was written in memory of Alex, an 8-year-old boy who died after being beaten by his father. The child traveled from Rio Grande do Norte to Rio de Janeiro to live with him in 2013. The mother, who was experiencing her fourth pregnancy, asked the father to take care of her son for a while until she was stabilized again and could take him back. Alexandre Soeiro admitted that he beat his son on a daily basis. According to him, "it was to
image/svg+xmlOutstanding literary narratives: Inspirations for educational (un)doings and queer methodologiesRPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172005teach him how to be a man." The boy was "accused" of being too effeminate, so he was beaten. A brutal crime. A very difficult narrative to write, and a story that revives a lot of pain when told. The two scenes, as mentioned above, expose how violent is the apparatus of norms imposed by the regime of sexual difference in the face of gender dissent and sexualities. By regime of sexual difference, from the dialogue with the thought of philosopher Paul B. Preciado (2020b), we understand this set of norms and social and epistemological rules of indoctrination of living bodies within the limits of binarity or, as the author metaphorically suggests, within the cage of binarity. We speak of a set of representations that, especially throughout the 19th century, have been acting and defining what is taken as legitimate/true or false. The regime of sexual difference also appears as an epistemology, based on the binary social precepts and codes that divide the world of the living into male and female (in the singular itself). For Preciado (2020b) this regime enters in crisis from the moment in which dissident bodies and existences start to exist and claim human status. We would live, therefore, in a kind of context of collapse of a patriarchal-colonial political-social-epistemological regime that, as Deborah Britzman suggests, struggles to ensure "[...] the stability and the fundamentalist basis of categories such as masculinity, femininity, sexuality, citizenship, nation, culture, literacy, consent, legality", among other categories that are important for its maintenance (BRITZMAN, 2018, p. 11, our translation). By challenging the binarisms, by daring to aim bonites beyond the regulations imposed by the norm, some subjectivities are erased, removed from the public scene, eliminated. These regulatory processes of gender are, therefore, all these apparatuses, the laws, norms, social rules, and official public policies that will try to ensure that all people are in the norm. This whole series of codes will ensure that men are men and women are women, within what is expected. Various institutions and fields of knowledge will be involved in this process of regulation: pedagogy, school, medicine/psychiatry, psychology, the military, families, etc. (BUTLER, 2014). This possible crisis of the system of sexual difference pointed out by Preciado (2020b) can be easily understood when we analyze our current social and political context. In recent years, gender and sexualities have been occupying the public scene, have been part of the discourses in the context of official spaces of political decisions such as City Councils, National Congress, Councils, Ministries. The current government, elected in 2018, has appropriated the concept of gender and distorted and criminalized it in order to strengthen its
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA and Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172006 conservative agendas and gain more voters. In the field of arts, we followed a sequence of censorship movements that acted to prohibit and prevent dissident productions from appearing, as an example of these onslaughts we can cite the closure of the Queermuseu exhibition in 2017 in the city of Porto Alegre; the exhibition was closed after the dissemination of false news that said that some works of the catalog made apology for zoophilia and pedophilia. In addition, on the education scene, we have followed a series of movements that led to the removal of the term gender from the National Education Plan approved in 2014.We have been witness to the effect that these anti-gender onslaughts and policies have had and have on our daily lives. One of the main strategies of the most conservative sectors has been the assertion of defense of children and the (traditional) family as an argument to legitimize their onslaughts in favor of the norm and, in more extreme cases, as justifications for the sentences and executions of dissident people. As Souza, Salgado and Mattos point out (2022, p. 4, our translation): Childhood, as a temporality of human life and a historical category that demarcates and differentiates the social existence of children, appears and functions, at the height of Western modernity, from the seventeenth century on, as one of the most important power devices of this society. With the purging of sexuality from children's bodies and from children's relations with the world, innocence is consecrated as a cornerstone that seals the birth of childhood in modern Western societies. In this context, therefore, the possible innocence of children is presented as something that would be under threat. And in the binary game of being or not being (male/female, heterosexual/homosexual, etc.), the self-styled "good" people have relied on the "[...] advantage of the child not being considered capable of rebelling politically against the discourse of adults," to ensure the maintenance of government over them, whether through the actions of the state, the family, or the churches (PRECIADO, 2019, p. 70, our translation). Stripped of any rights over themselves and their bodies, children are rarely given the chance to talk about themselves, their bodies, their feelings, their perceptions, their desires. Most of the time, "the child is told [or cursed] by the adult," (SOUZA; SALGADO; MATTOS, 2022, p. 6, emphasis added, our translation). Preciado problematizes the role of the State in ensuring the conditions for the exercise of citizenship and protection of the subjects (DELUCA; PASSOS, 2021); for the author, many times, when the State presents itself as our defender, it may be oppressing and violating
image/svg+xmlOutstanding literary narratives: Inspirations for educational (un)doings and queer methodologiesRPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172007us. Scenes 1 and 2, presented at the beginning, talk about this, about the inability of the institutional apparatuses of the binary sexual difference regime, to fulfill constitutional precepts of defense of life. In Preciado's words "[...] living beyond the patriarchal-colonial law, living outside the law of sexual difference, living outside sexual and gender violence" should be a right assured to anyone, but this is not provided for in the survival laws of the colonial heteropatricarchy (PRECIADO, 2020b). Disrespecting the codes of cisheteropatriarchal and colonial masculinity can be liable to lethal punishment. This is what Scene 1 shows us. When we are confronted with this tragic news, we ask ourselves: why does a child have his life interrupted? Why does someone die because of the way they walk, or because they wash the dishes, or because they don't want to cut their hair? Why was it necessary for this father to use violence to its utmost limit in an attempt to defend an idea of truth about subjects, bodies and subjectivities considered to be normal? Perhaps because the model of normative pedagogy in force, based on the imposition of identity hierarchies, founded on binary relations, regulator and eraser of plural bodies and corporeities, has managed to remove from this subject, the father, any possibility of imagination that would allow him to envision a world with ethics based on differences. The pedagogical apparatus that sustains the actions of extermination of dissent in both scenes leads us to think that an antinormative pedagogy (FLORES, 2018), which is attentive to the daily reiterations of production and reiteration of binary norms and thoughts of existence and coexistence, should be a central concern in our educational practices. When we mobilize queer theory as a technology to broaden our gazes and sensitivities to everyday scenes, we are able to be more attentive to these regulatory moves. As Britzman (2018, p. 15, our translation) points out "Queer theory offers education techniques to make sense of and highlight what it dismisses or cannot bear to know.". For children and young people dissident of gender and/or sexualities, the disciplinary context of education can act as an instrument of regulation and erasure of singularities, more than that, the daily disciplinary actions, which seek to put all bodies, desires and aesthetics in the binary formatting already known and accepted, can bring out vulnerabilities; often, the denial and silence in the face of differences, can be accomplices of death. As fatal as this statement may sound, this is one of the possible readings for the scenes mobilized in this dialog. Imagining an anti-normative pedagogy moves us into many fields of reflection in the scenario of education and life. The problematizations that emerge in the present text, however, produce direct resonances in the production of knowledge about curriculum. When
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA and Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172008 we talk about curriculum, we search for models that move us away from the idea of teaching to be something, of searching for formatting and essentialist identity constructions. In dialogue with Paradise (2010, p. 602, our translation) we imagine the curricula as territories "[...] that deterritorialize, contaminate, and provoke sensations", that produce and are open to events, that do not let themselves be totally captured by the norm, as spaces of constant recreation and movement. As Ranniery (2017, p. 60, our translation) emphasizes, it is up to us the daily exercise and effort of trying to "lower the curriculum to the world [...], to suspend determination and not rob it of its multiplicity [...]". Still according to the author, "[...] to send the curriculum to the world is to insist that one cannot exist in it without twisting it in order to, by supporting ways of life, skew it, send it-descend. Send the curriculum to the world, twist the curriculum, "[...] make the curriculum more disfigured, less suffocating and suffocated" (RANNIERY, 2017, p. 62, our translation), let it manifest itself as a living and unstable organism, these are some of the commitments that we continue to seek to establish. Glittered Childhoods (Scene 3). Titiritesa dreamed of exploring the world on a blue horse, going against the wishes of her mother, Queen Mandolina, who dreamed of seeing her daughter married. Ervilinha didn't want to be married, she didn't want to be a princess, she really wanted to remain a peasant, taking care of her herd. In the middle of the mixed crossing of reality and dream, a princess fell in love with the seamstress and opened small fissures that expanded the possibilities of being and being in the world. Soninha, the Worst Princess in the World, left the castle riding on the back of her new dragon friend. In the spontaneity of those who live what they feel, they created a safe place to exist. Between the kingdoms of Today and Yesterday, Princess Joan introduced herself to the world as a woman. Traveling in the company of the donkey Bufaldino, Prince Cinderello found possibilities to perform a queer, strange, thin masculinity, a masculinity inspired in the power of the sensitive that is in each one of us. Running freely we see little Julián, Julián is a mermaid, he dances past us and smiles 3. Disobedient acts and performances. The scene above is a pot-pourri of children's stories, in which several characters from children's tales cross paths. What they have in 3The books mobilized were: Titiritesa by Xerado Quintiá; Prince Cinderello by Babette Cole; Julián é uma sereia by Jéssica Love; The Worst Princess in the World by Anna Kemp; Ervilina e o Princês by Sylvia Orthof and The Princess and the Seamstress by Janaína Leslão.
image/svg+xmlOutstanding literary narratives: Inspirations for educational (un)doings and queer methodologiesRPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.172009common is the exercise of other gender performativities. They all propose and practice a displacement of the place of existence. To some extent, they refuse subjugation to gender norms and regulations, they are disobedient. The act of disobeying hegemonic normative politics gives them something potent, a celebration of lives in a plural sense. Obviously, they enjoy something quite significant: freedom. A kind of freedom that only those who inhabit this other world, that of imagination, a scenario of possibilities and open to the collective construction of thoughts and feelings, a space open to uncertainties, have. Princesses, princes, witches, dragons, monsters that play the flute, characters that count on resources that we, poor mortals, don't have. Unfortunately, we cannot trigger a fairy that falls straight from the chimney to speed up our wishes, unfortunately we cannot escape and travel around the world on the back of a dragon, we cannot undo oppressions just in the act of unraveling an embroidery. Our challenge is more complex, because different from these enchanted worlds of fiction, they are full of fabricated and hardened truths. In one of the tales brought in this pot-pourri of stories, the central character is Princess Joana, and the narrative is written by the writer Janaína Leslão. In an enchanted way, we enter the narrative exactly at the birth of the first child of the king and queen of the Kingdom of IlhaAnã, the child comes into the world and is soon identified as a boy due to the red mark he had on the top of his forehead. He had the same mark as his father and all the boys of the kingdom. The mother and the girls had a brown mark on their hands. The baby was then given the name John, and some time later, as she came to understand herself in the world, she asked her parents to call her Jeanne; this was how she would like to be called, after all, her name had grown in size, as had her body. The adventure lived by Joana Princesa is crossed by regulatory interventions of her existence; in the middle of the way she meets characters who try at all costs to stop her from being who she is - schoolmates, her own family. But along the way also appear some allies such as her best friend Pedro and the sorceress Valderez. Together, Joana and Pedro go in search of a magic rainbow that, according to a legend, has the power to turn boys into girls, and after experiencing many inclement weather along the way, the two begin to understand the dimensions of the bonds of affection and friendship between them, and realize that Joana didn't need any magic ritual to be who she is. According to the wisdom of the sorceress Valderez, it was not the existence of a mark printed on the body that told whether someone was a boy or a girl. Joana knew who she was. It was up to the King, the Queen and the entire village to welcome Joana. And so it happened. King and Queen organized a ceremony and presented their daughter, Joan the Princess, to the people.
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA and Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1720010 The end of the story has the princess feeling very secure and happy, sharing her story with the whole school community (LESLÃO, 2016). Different from the narrative constructed by the author of Joana Princesa, in the text Uma escola para Alan, Paul Preciado (2020a) tells us a story whose ending is another. The author problematizes and weaves a criticism to the school institution, an institution that often acts as an ally in the indoctrination process of subjects and subjectivities. In the words of the author, "[...] school is a space of control and domination, of scrutiny, diagnosis and sanction, which presupposes a unitary and monolithic subject that must learn, but cannot and should not change" (PRECIADO, 2020a, p. 197, our translation). In the text, the author brings the story of Alan, the first trans teenager to change his name in Spain, a seventeen-year-old. Alan experienced the three years of his transition in some school spaces that were scenarios of oppression, violence and daily denial of his existence. At the end of those three years, one day after Christmas, he committed suicide. In Preciado's (2020a) analysis, the school failed to protect Alan's life, failed to configure itself as a safe space for him, for his transit, and, by failing, the institution became an accomplice to his death. When we only quietly follow the various manifestations of prejudice, oppression, and violence around us, perhaps, to some extent, we also become accomplices to many atrocities. We bring this criticism to the school not because we believe that only the school is responsible for protecting people like Karen, Alan, and Alex, or because we believe that only the school is responsible for so much oppression. The school is presented here as a complex space because, at the same time that it presents itself as "a factory of subjectivation," "a factory of production of gender and sexual identity" (PRECIADO, 2020a, p. 196, our translation), it could be subverted, transformed into a space that acts in favor of valuing differences, in a space open to the exercise of open identities, and not of binary and essentialized identities. This pro-life school that Preciado tries to imagine would be a trans-feminist-queer space. It would be a space that offered a pedagogical practice that acted as species of "repair islands" that protected them from death (PRECIADO, 2020a, p. 196, our translation). As Butler suggests (2014, p. 253, our translation): [...]gender is the mechanism by which notions of masculine and feminine are produced and naturalized, but gender may well be the apparatus through which these terms can be deconstructed and denaturalized.
image/svg+xmlOutstanding literary narratives: Inspirations for educational (un)doings and queer methodologiesRPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1720011The making of an antinormative pedagogy goes through the movement of hope, just like that, as a verb, as an action, but to make it happen, we also need movement, mobilization. Mobilizations that promote unlearning of the programming of genders and sexualities. If the gates of hegemonic institutions like the school and some spaces like traditional art galleries are not easily opened to dissident characters of gender and sexualities, may we create other paths for them to manifest themselves. Preciado (2020b) believes that "[...] the processes that lead to epistemological change involve profound technological, social, visual, sensory changes" (PRECIADO, 2020b), these other narratives throw this possibility. For the author: In the coming years we will have to collectively develop an epistemology that can account for the radical multiplicity of the living and that does not reduce the body to its heterosexual reproductive force, that does not legitimize heteropatriarchal and colonial violence (PRECIADO, 2020b). Literature and the arts, in general, lead us to dislocations, they cross us in a different way, with them we can perceive the world beyond the resources of our rationality, we can look and perceive with our skin, with our smile, with our emotion, corazoning, as Patricio Guerrero Arias (year) suggests. Modes of existences anchored in feelings such as fear, repulsion, discrimination, violence, are productions of the sex-gender system and, need to be challenged, displaced, de-universalized. For Preciado (2019), a transformation of this system could only be possible if we take into account the dimension of imagination, the poetic dimension of existence. These debunked narratives could be read as possible routes in the paths of changing imaginaries. For more wonder and enchantment Recently following a speech by the researcher Megg Rayara during the "Childhood and Postcolonialism Seminar4, we connected a lot with the reflections she brought. Rayara shared fragments of an interview she conducted with a young trans woman, in which she recounted the numerous violent experiences she suffered in her childhood: at the age of 9, she remembered being beaten so much by her mother that it became unbearable. This narrative invited us to think about dissident childhoods, about childhoods that are not recognized as universal, that is, the trans, poor, black, disabled, LGBTI+ childhoods, etc. Not all childhoods are welcomed and protected on the grounds of families. Some of them, and specifically the 4Available at: https://www.youtube.com/watch?v=UQ9_fYFWRnI. Access on: 12 Oct. 2021.
image/svg+xmlKésia dos Anjos ROCHA and Alfrancio Ferreira DIAS RPGERevista online de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022138, Jan./Dec. 2022. e-ISSN: 1519-9029 DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.1720012 childhoods of trans people, are interdicted by the violence produced in the domestic environment and also outside of it. For Rayara, in the lives of trans people, especially those of her generation, childhood is a temporality full of gaps, of interdictions, of denials. Not everyone has or had the same access and right to childhood. Rayara reports that many transgender and transvestite people of her generation have made movements in search of childhood memories, have sought to report, write, and publicize those experiences and experiences that are often forbidden, vetoed. Experiences that took place in families, in schools, and in those backstage escapes from the watched daily lives. We brought hard accounts throughout the text, we talked about abuse, interdictions, violence, death, and we did it because silence is no longer enough for us. The relationship between children, adolescents, and adults is permeated by power hierarchies that lead to the denial of basic rights, such as the right to say who they are. Children and adolescents are cursed by adults, as we said before. Through the literary narratives mobilized throughout the text, we suggest an enlargement of the idea of childhood, a de-universalization, a decolonization of the concept, of the experience. The dissident characters and the magical resources they use in the course of the plots provoke us to imagine children and adolescents as subjects of themselves, as able to have an opinion about who they are, about how they feel and perceive themselves. Our dream is that we can inhabit a world without violence and, more specifically, without sexual and gender violence, a world in which these practices cause astonishment and the paths add more colors and enchantment. REFERENCES BRITZMAN, D. P. Existe una pedagogía cuír? O, no leas tan hétero. In: BRITZMAN, D. et al. Pedagogíastransgresoras II.Argentina: BocavulvariaEdiciones, 2018. Available at: https://bocavulvariaediciones.blogspot.com/2018/12/pedagogias-transgresoras-ii.html. Access on: 10 June 2022. BUTLER, J. Regulações de gênero. Cadernos Pagu,Campinas, n. 42, p. 249-274, 2014. Available at: https://www.scielo.br/j/cpa/a/Tp6y8yyyGcpfdbzYmrc4cZs/?format=pdf&lang=pt. Access on: 02 June 2022. COLLING, L. A emergência do artivismo da dissidência sexual e de gênero no Brasil da atualidade. Revista Sala Preta, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 152-167, 2018. Available at: https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/125684. Access on: 03 June 2022.
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