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Efeitos da BNC-Formação no curso de pedagogia: Em defesa da gestão escolar e das infâncias
RPGE
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Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022132, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v26i00.17222
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EFEITOS DA BNC-FORMAÇÃO NO CURSO DE PEDAGOGIA: EM DEFESA DA
GESTÃO ESCOLAR E DAS INFÂNCIAS
1
EFECTOS DE BNC-FORMACIÓN EN EL CURSO DE PEDAGOGÍA: EN DEFENSA
DE LA GESTIÓN ESCOLAR Y DE LA INFANCIA
EFFECTS OF BNC-TRAINING ON THE PEDAGOGY COURSE: IN DEFENSE OF
SCHOOL MANAGEMENT AND CHILDREN
Kallyne Kafuri ALVES
2
Ana Lucia Cunha DUARTE
3
RESUMO
:
No contexto de alteração na política da formação de professores(as), o artigo
focaliza aspectos da BNC-Formação no curso de Pedagogia. Com metodologia de análise
documental e pesquisa do tipo bibliográfica, analisa as Resoluções nº 2/2019 e n.1/2020 e
problematiza a formação de pedagogas(os) no contexto bibliográfico. Objetiva analisar como
se constitui a concepções de Gestão na Educação Infantil nas diretrizes para formação de
professores(as). Sustenta as análises com referencial teórico freireano e bakhtiniano a partir dos
conceitos de polissemia, historicidade, forças centrípetas e centrífugas. Os dados informam a
necessidade de defender a permanência do curso de formação inicial voltado para a formação
de pedagogos(as), realizado em instituições de educação superior. Conclui com o argumento de
manter com o caráter de formação plena dos(as) pedagogos(as), sem dissociar a concepção de
docência integral e articulada, conforme tratam as Resoluções de CNE/CP nº 01/2006 e nº
02/2015.
PALAVRAS-CHAVE
: Curso de pedagogia. BNC-formação. Gestão e infâncias.
RESUMEN
:
En el contexto de los cambios en la política de formación docente, el artículo se
centra en aspectos del curso BNC-Formación en Pedagogía. Con metodología de análisis
documental e investigación bibliográfica, analiza las Resoluciones Nº 2/2019 y n.1/2020 y
problematiza la formación de pedagogos en el contexto bibliográfico. Se pretende analizar
cómo se constituyen las concepciones de gestión en la Educación Infantil en los lineamientos
para la formación docente. Apoya los análisis con el marco teórico freiriano y bajtínico a partir
de los conceptos de polisemia, historicidad, fuerzas centrípetas y centrífugas. Los datos
informan la necesidad de defender la permanencia del curso de formación inicial dirigido a la
formación de pedagogos, realizado en instituciones de educación superior. Concluye con el
argumento de mantener con el carácter de plena formación de pedagogos, sin disociar la
1
Artigo com apoio aos Programas de Pós-graduação emergentes em consolidação em áreas prioritárias nos
estados, conforme Edital: Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação (PDPG) n. 18/2020/ PDPG-
Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAP) 2020. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-
de-conteudo/08092020_EDITAL182020PDPG.pdf
2
Faculdade de Música do Espírito Santo (FAMES), Vitória
–
ES
–
Brasil. Professora no Departamento de Música,
Educação e Humanas. Doutorado em Educação (UFES). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5075-0676. E-mail:
kallynekafuri@hotmail.com
3
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), São Luís
–
MA
–
Brasil. Professora no Centro de Educação,
Ciências Exatas e Naturais. Departamento de Educação e Filosofia. Doutorado em Educação (UnB). ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-6176-6750. E-mail: duart_ana@hotmail.com
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Ana Lucia Cunha DUARTE e Kallyne Kafuri ALVES
RPGE
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concepción de la enseñanza integral y articulada, tal como tratan las resoluciones CNE/CP nº
01/2006 y nº 02/2015.
PALABRAS CLAVE
: Curso de pedagogía. Formación en BNC. Gestión escolar y infancia.
ABSTRACT
:
In the context of changes in the teacher education policy, this article focuses on
aspects of BNC-training in the Pedagogy course. Using a documental analysis methodology
and bibliographic research, we studied the CNE/PC nº 2/2019 and nº 1/2020 Resolutions ,
problematizing the formation of Educators regarding educational, political and social aspects.
Specially, the analysis of the conceptions of school management and childhood determined in
the guidelines for teacher training. The analysis made is supported by Freirean and Bakhtinian
theoretical frameworks based on the concepts of polysemy, historicity, centripetal and
centrifugal forces. Data inform the need to defend the permanence of the initial training course
for the formation of Educators, held in institutions of higher education. Hence, it suggests the
argument of keeping with the character of full training of educators, without dissociating the
conception of comprehensive and articulated teaching, as dealt with Resolutions of CNE/CP nº
01/2006 and nº 02/2015.
PALAVRAS-CHAVE
: Pedagogy course. BNC-training. School management and childhoods.
Introdução
No contexto de desenvolvimento das políticas educacionais, destacamos alterações
importantes nas normativas para a formação inicial e continuada de professores para a Educação
Básica que fortalece um projeto de aligeiramento. Essas alterações impactam de forma negativa
na formação de pedagogos(as), pois a Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015 que
define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos
de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada. Isto, pois, aponta um conjunto de princípios que
possibilita a unidade consubstanciada da formação de professores, em especial, a formação de
pedagogos(as). As instituições que ofertam o curso de Pedagogia, em muitos casos, fizeram
alterações nos seus currículos contemplando componentes curriculares que agregaram
conteúdos formativos, tanto de formação docente, quanto de formação em gestão escolar. A
referida resolução foi revogada no final de dezembro de 2019, o que deixou a comunidade
acadêmica na condição de resistir ao modelo de formação imposto na nova Resolução.
O modelo de formação de professores imposto tem seu aparato legal na Resolução
CNE/CP nº 2, de dezembro de 2019, objeto deste estudo, que define as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base
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Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-
Formação). Esta Resolução precariza, especialmente, o curso de Pedagogia, pois fragiliza,
fragmenta e reduz o campo de atuação do pedagogo na Educação Básica.
A BCN-Formação altera, sobremaneira a forma, o conteúdo e as aprendizagem
essenciais para a formação de pedagogos(as). Estas interferências incidem na (re)organização
das disciplinas e saberes desenvolvidos ao longo do curso e produzem outros sentidos para a
formação de professores, como a desagregação da teoria e da prática, a homogeneização e
padronização dos trabalhos de professores. Diante dessas incertezas geradas pelo modelo de
formação de professores instituído pelo MEC com a BNC-Formação nº 2/2019, estabelecemos
como objetivo compreender como se constitui a concepção de gestão escolar e a concepção de
infâncias no contexto da Educação Infantil a partir da BNC-Formação.
No que se refere à retomada das habilitações que a Resolução CNE/CP nº 2/ 2019, há
resistência da comunidade acadêmica, como no art. 22 que traz como exigência de formação na
perspectiva das habilitações, a
saber: “A formação para atuar em Administração, Planejamento,
Inspeção e Orientação Educacional para a Educação Básica, nos termos do art. 64 da LDB,
[...]”.
Isto, pois, a ausência da gestão escolar na formação do pedagogo exige de nós
pesquisadores maiores estudos, pois a primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil,
é campo de pedagogos(as) e, nesse novo projeto, não está posto como conteúdo essencial a
gestão escolar na formação inicial para esta profissão.
Desta problemática, emerge a construção deste artigo, que se desenvolve a partir de três
movimentos, antecedidos pela introdução e sucedido pelas considerações finais. Com esta
estrutura, no primeiro capítulo concentramos os marcos históricos, tematizando a formação
inicial em Pedagogia a partir das evidências ocorridas nos atos normativos. No segundo,
tratamos das implicações do conceito gestão educacional e escolar em disputa no novo projeto
de formação inicial de professores. No terceiro, abordamos sobre o curso de Pedagogia e a
dicotomia entre formação para os Anos Iniciais e Educação Infantil. Focalizamos as alterações
relativas às habilitações de Administração, Inspeção, Planejamento e Orientação Educacional,
que alteram a concepção de Gestão Educacional, especialmente na Educação Infantil.
As análises são desenvolvidas a partir do referencial teórico inspirado no materialismo
histórico-dialético, com os conceitos de dialogia (FREIRE, 2001), forças centrípetas e
centrífugas (BAKHTIN, 2006, 2011). Ao fazer isso, buscamos a observação as forças
centrífugas e centrípetas, com identificação dos movimentos em curso que contribuem na
formação de seres humanos e que repercutem em alterações na sociedade. Ressaltamos a defesa
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da Gestão na Educação Infantil, com aspectos que reúnem concepções sobre o tema, que por
sua vez, dissociam-se das assertivas orientadas pelas Diretrizes de 2019. Nas considerações
finais, refletimos sobre a realidade no contexto educacional e seus retrocessos, especialmente,
a partir das leis que interferem na formação de professores. Com vistas a revisitar as normativas
para a formação de professores, demarcamos os movimentos importantes na história do Curso
de Pedagogia.
Iniciamos com a compreensão do processo que constitui as resoluções. Segundo Silva
(1999), existem quatro períodos marcantes nesta história, a saber: o primeiro ocorreu entre 1939
a 1972, com a constituição do curso de Pedagogia; o segundo entre 1973-1978, com as
licenciaturas das áreas pedagógicas; o terceiro, entre 1979-1998 com o período das propostas
e; o quarto, a partir de 1999 com definições e regulamentações. A partir deste contexto,
apresentamos na próxima seção, que reúne trata, em resumo, da constituição histórica do curso
de Pedagogia.
A formação de pedagogos(as) nas legislações brasileiras
Nesta seção fizemos uma breve retrospectiva da constituição histórica do curso de
Pedagogia. Para isso, recuperamos alguns pontos relevantes para o debate, que permitiu passar
pelos anos de 1939 até chegar nas BNC-Formação de 2019. Na tessitura das análises,
consideramos oportuna a retomada, para compreender o objeto de estudo e tecer análises.
O referido curso foi instituído no Brasil pelo Decreto-Lei nº 1.190, de 04 de abril de
1939. Segundo Romanelli (2005) esse Decreto instituiu o “padrão federal”, uma
vez que todos
os currículos do curso de Pedagogia do país tinham que se adaptar ao novo modelo instituído.
No que se refere à formação dos bacharéis, foi determinado um tempo de três anos de duração,
adicionado mais um ano do curso de didática, formava-se também o(a) licenciado(a). Essa
formação ficou conhecida como “três em um”. Quem cursasse o curso de
Pedagogia
Bacharelado e, o Curso de Didática recebia também o diploma de Licenciado(a) em Pedagogia.
Importante ressaltar que até 1930 no contexto brasileiro, os professores eram formados
na chamada Escola Normal (BRZEZINSKI, 1996). Este modelo inspirou a elaboração de cursos
de Pedagogia realizados em Institutos de Educação. Com marco em 1939 contamos com a
criação do curso de Pedagogia. Neste período tivemos o desenvolvimento de experiências
escolanovistas, que sempre contaram com disputas sobre a formação de professores. Estas
disputas figuravam tanto sobre o conteúdo do curso, quanto a natureza e função da profissão
(FERREIRA, 2012).
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Seguindo com alguns aspectos da trajetória do curso de Pedagogia, Duarte (2008)
acrescenta que após a aprovação da LDB nº 4.024/1961, o curso ganha uma nova
regulamentação decorrente do Parecer nº 251/1962, de autoria do, então, conselheiro Valnir
Chagas. A partir desse Parecer surgem várias interpretações sobre a continuidade ou não do
Curso de Pedagogia. Saviani (2007) analisa que a discussão sobre a manutenção ou a extinção,
nos remete a compreender o que se desenhava na época, que era a formação dos professores
primários em nível superior e a formação dos especialistas em nível de pós-graduação, hipótese,
confirmada, levaria à extinção do Curso de Pedagogia.
Com a promulgação da reforma universitária, Lei nº 5.540/1968, o Curso de Pedagogia
passa mais uma vez pela reforma do seu currículo, com as habilitações voltadas para a formação
de especialista em educação e planejamento. Em 1969 o Conselho Federal de Educação (CFE)
aprova o Parecer nº 252/1969 que introduz a formação do técnico em educação e do professor
de disciplinas pedagógicas, cursado concomitante, em quatro anos. A partir de daí, o curso:
passa a ser composto por duas partes: uma comum, constituída por matérias
básicas à formação de qualquer profissional na área, e uma diversificada, em
função de habilitações especificas. Assim, tanto as habilitações
regulamentadas pelo documento legal quanto as que podem ser acrescidas
pelas Universidades e estabelecimentos isolados fazem parte de um único
curso, com o título de curso de Pedagogia (DUARTE, 2008, p. 48).
Na década de 70, do século XX, com a Lei nº 5.692/1971, o curso de Pedagogia tem
exclusividade na formação do especialista e da docência no Curso Normal e a discussão sobre
a formação e campo de atuação do(a) pedagogo(a) continua. Em 1979, na Universidade de
Campinas (UNICAMP) realizou o I Seminário de Educação Brasileira, construindo em uma
reação aos estudos pedagógicos em nível superior e em 1980, na Pontifícia Universidade
Católica (PUC) São Paulo aconteceu a I Conferência Brasileira de Educação com o objetivo de
intervir nos rumos da formação pedagógica.
O curso de Pedagogia, por sua vez, passa a agregar uma identidade projetada (SILVA,
1999) e que, por volta dos anos 1980, passa a denunciar e elaborar frentes de luta em defesa da
formação dos cursos de Pedagogia, tendo como protagonismo os próprios professores. Neste
contexto, a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação (Anfope) passa
a construir um coletivo de resistência, buscando nutrir espaços de organização e
desenvolvimento da luta em de prol de profissionais da educação.
A partir do que entende Silva (1999), se descortina, nesta época, um movimento em
defesa “de base de estudo
s que conduzisse à compreensão da problemática educacional
brasileira”. O nome base, presente nesta década, dá partida a compreensões de docência e de
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formação de professores que buscam avançar com a concepção de trabalho técnico e docente.
Ao invés da red
ução do conceito ao exercício de exclusivamente uma “técnica para ensinar”
temos a dimensão política da profissão, com entidades e compreensões que vão desde a
centralidade na docência à centralidade em uma base nacional (SAVIANI, 2007).
Então, podemos analisar que nestes 82 anos do curso de Pedagogia, metade da trajetória
está associada a lutas e mobilizações, que têm a formação dos profissionais da educação como
elemento principal. Nesta metade de vida do curso, destaca-se além da Anfope outras entidades
de fortalecimento da concepção de docência, como a Associação Nacional de Política e
Administração da Educação (ANPAE) em 1968 e a Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd) em 1976.
Desde então, as legislações passam a considerar as preocupações e emergências
refletidas no âmbito das entidades, sendo pauta de movimentos em defesa dos Cursos de
Pedagogia (LIBÂNEO, 1998; SAVIANI, 2008, 2007). Discute-se, portanto, sobre a identidade,
a natureza e a finalidade do curso. Podemos citar, por exemplo, a reforma universitária de 1968,
com um marco que define o curso de Pedagogia como responsável para formar técnicos
gestores. Este, seguido de outro marco também muito importante, com a conquista, em 1996,
expressada na Lei de Diretrizes e Bases da educação, com a exigência do ensino superior para
exercer a profissão docente na Educação Infantil em cursos normais.
Nesse processo, observamos avanços na constituição da profissão e é possível encontrar
a definição do termo pedagogo(a) com um perfil de atuação amplo, que abarca a docência, a
organização e a gestão dos processos pedagógicos (COMISSÃO DE ESPECIALISTAS DO
CURSO DE PEDAGOGIA, 1999). No que se refere à formação para exercício na Educação
Infantil, em 2000, por meio do Decreto n. 3.276/99, também contamos, na própria Lei, com a
alteração do termo “exclusivamente” para o termo “preferencialmente”, referindo à habilitação
dos professores. Isso gerou mais um impacto na formação dos profissionais, o que mobilizou
avanços no alcance das conquistas do curso de Pedagogia (BRASIL, 2001). Assim, a formação
para Educação Infantil e a habilitação para gestores passam a compor frentes do curso em uma
dimensão importante de articulação entre as disciplinas.
Em 2006, na esteira dos esforços pela afirmação do curso de Pedagogia, são aprovadas
as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso. As diretrizes orientam "[...] para o curso de
Pedagogia um currículo de formação do pedagogo bacharel e, ao mesmo tempo, licenciado para
a docência da Educação Infantil e os anos iniciais do ensino fundamental" (SCHEIBE, 2010, p.
553). Neste impacto, até sua promulgação, enfrentaram debates compostos por longas e
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profundas reflexões e aproximações com as instituições formadoras. Junto a isso, também
contou com o amparo em vivências e formulações de teorias da profissão (ARANHA, 1996;
BRZEZINSKI, 1996), o que contribuiu para encontrar o desenvolvimento de orientações cada
vez mais consistentes. Mesmo com disputas e discussões, as legislações já estavam mais
próximas à ideia de uma profissionalidade e afirmação de uma formação plena.
O debate gerado até a aprovação da Resolução CNE/CP nº 01/2006 que institui
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia Licenciatura foi
muito importante, isto, pois, fortaleceu a concepção da Pedagogia como Licenciatura Plena, o
que move o conceito tão necessário e fundamental para o desenvolvimento da profissão. Este
conceito refere-se à defesa da concepção de docência e pontua o desenvolvimento da
habilitação docente para diferentes áreas de trabalho (CARDOSO; FARIAS, 2020).
Considerando a literatura apresentada, podemos entender que a partir da Resolução de
2006, a profissão docente e, em especial, o curso de Pedagogia, passou a expressar conquistas,
em que a gestão, valorização e formação inicial se desenvolvem de maneira articulada. Desta
forma, o curso se funda numa compreensão de formação inicial indissociada da formação
continuada, com uma perspectiva de docência que defende a articulação entre as disciplinas e,
ainda, entre o que se estuda durante e após a graduação. Além disso, vincula a perspectiva de
formação com a Educação Básica, com concepção de docência relevante para a sociedade
quando delimita a especificidade da profissão, na medida em que conta com o direito à
formação de profissionais habilitados para o exercício em diferentes áreas, fundamentados em
princípios científicos e que não abandona o campo de trabalho. Esta, que é a profissão de
pedagogos, oportunizou desenvolver, na esteira das discussões realizadas, a Resolução CNE/CP
nº 02/2015 (BRASIL, 2015), que expressa conquistas de valorização ética, estética e política,
que espelham a construção coletiva da profissão.
Imbuída de aspectos de valorização e reconhecimento da profissão docente, a Resolução
de 2015 impulsiona movimentos de fortalecimento da indissociabilidade entre teoria e prática,
de maneira articulada. Assim, a gestão e a Educação Infantil, envolvem, por exemplo, os
componentes curriculares como: a prática investigativa, estágio supervisionado, disciplinas de
fundamentos, metodologias e de políticas educacionais e, também, as atividades teórico-
práticas, sem dicotomizar ou privilegiar uma em detrimento de outra. De forma articulada,
envolvem os saberes estudados, o que oportuniza o desenvolvimento do conhecimento.
Desse modo, compreendemos que a concepção de docência está envolvida em disputas
que ocupam o debate das políticas educacionais. Com ameaças e ataques às conquistas obtidas
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ao longo dos anos, encontramos tentativas de fragilizar e formatar a concepção de docência e
gestão no novo projeto de formação de professores instituído em 2019. Em uma conjuntura de
recorrentes abalos ao estado de direito, conforme aponta Galvão
et al.
(2019), as raízes de
desigualdades que assolam o Brasil reverberam nas legislações, com impactos na formação de
professores para a Educação Básica.
O conteúdo do projeto de educação desenvolvido pelo Ministério da Educação (MEC)
com a reformulação dos currículos, desde a Educação Básica, expressa desmontes contínuos à
profissão. São coroados, no campo da formação de professores, com a Resolução CNE/CP nº
01/0219 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores
para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de
Professores da Educação Básica (BNC-Formação) (BRASIL, 2019). Esta resolução, instituída
no final do ano de 2019, apresenta um currículo como eixo central, este articulado com a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC). Isto difere da resolução aprovada em 2015, cuja
articulação era à formação docente. Com isso, a intenção de centralizar a qualidade na formação
de professores da rede pública é ignorada, abrindo espaços para a educação privada e para a
descaracterização da dimensão plena da profissão.
A BNC-Formação estabelece que os cursos de graduação para formação de professores
devem ter no mínimo 3.200 horas no total. Esta carga horária compreende 400 horas para
práticas pedagógicas e 400 horas de estágio supervisionado. A outra parte da carga horária é
dedicada para o conteúdo geral e específico, sendo 800 horas concluídas no geral (até o 1º ano
de curso) e, 1.600 horas concluídas no conteúdo específico, com temas relativos à BNCC (do
2º até o 4º ano do curso).
Ou seja, o currículo para formação inicial, a partir da BNC-Formação, compreende uma
carga horária que valoriza a prática e a homogeneização, bem como conteúdo para atender às
demandas do mercado de trabalho. Diante disso, indagamos em que momento se desenvolvem
os fundamentos teórico-práticos, que constituem a consistência da formação juntamente com a
carga horária para atividades culturais, tão necessárias à formação humana no escopo da
educação. Neste primeiro movimento do texto, reunimos a formação do pedagogo a partir das
legislações, demarcando a especificidade da gestão escolar e da Educação Infantil.
No âmbito da formação e do trabalho docente há uma aproximação com a lógica de uma
formação desigual, que dificulta a expressão de demandas locais e autonomia dos currículos de
formação, com alterações consubstanciais para a Gestão e a Educação Infantil, que demanda
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conhecimentos próprios articulados entre as disciplinas do curso, como fundamentos teóricos,
avaliação, práticas pedagógicas, estágio supervisionado e pesquisa.
Nesse contexto, indagamos sobre a perspectiva de formação plena em Pedagogia,
desenvolvida e amplamente fundamentada por pesquisadores em educação. Além de ameaçar
a formação plena e ampla dos profissionais, segmentando em áreas de atuação, a proposta de
uma política centralizadora no conteúdo, move a problematização dos elementos pedagógicos
relativos à gestão, orientação e supervisão, fortemente ameaçados nas novas diretrizes. Nesse
ínterim, com a herança e modelos ditatoriais, o novo modelo técnico de formação de professores
está impregnado de velhos sentidos.
Neste modelo técnico de formação, podemos acompanhar políticas de descontinuidade,
com projetos de articulação imperiosos, que envolvem aberturas à terceirização. Estes
mecanismos estão imbuídos de sentidos mercadocêntricos, que envolvem disparadores de
controle de todo o processo de formação, de currículo e de avaliação. Indo contra a trajetória
da legislação, observamos um envolvimento de alteração dos cursos de graduação
4
, que
implicou numa configuração maior nos cursos de licenciatura.
Em especial, no campo da Pedagogia, observamos alterações consubstanciais com
desvalorização do curso e, consequentemente com impacto na formação e atuação profissional
de egressos. Por exemplo, os(as) licenciandos(as) e professores do Curso de Pedagogia também
são afetados, na medida que a fragmentação é uma característica enfatizada, o que faz retornar,
o Curso de Pedagogia com habilitações e divisões. Ao lê-las a partir da história de formulação
das resoluções, podemos observar que as políticas da formação de professores e as concepções
de gestão em 2006, 2015 e 2019 demonstram concepções dissonantes, que evidenciam a
necessidade de alerta, aspectos estes que buscarmos desenvolver na seção seguinte, com foto
na área da gestão educacional e escolar.
BNC- Formação: Implicações na concepção de gestão educacional e escolar
Como vimos, a formação de professores sempre foi um campo de disputa e a gestão
sempre foi alvo primário dos ataques à organização educacional. Podemos citar isso a partir da
ideia de dicotomização do trabalho educativo e trabalho técnico nas instituições. Com isso,
4
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/escola-de-gestores-da-educacao-basica/323-secretarias-
112877938/orgaos-vinculados-82187207/12991-diretrizes-curriculares-cursos-de-graduacao. Acesso em: 08 jun.
2021.
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10
observamos um reducionismo do processo formativo, ratificado a partir da defesa de um
discurso centrado em competências e habilidades (DOURADO; SIQUEIRA, 2019).
Como dito, Resolução nº 2/2019, também chamada BNC-Formação, retrocede as
concepções de gestão trabalhadas até então, pois inaugura uma concepção de fragmentação da
formação inicial docente. Esta concepção aparta a perspectiva de formação crítico-reflexiva, de
habilitação e formação plena. Isto, pois, ao invés da formação integral pela via da práxis, busca
o desenvolvimento de competências e habilidades, o que reduz as possibilidades da formação.
Dessa forma, como também aprendemos com Freire (2006), não há docência sem
discência (aspecto fundamentado a partir da Pedagogia da Autonomia), então, indagamos nesse
sentido, como podemos pensar em currículos que transportam a responsabilidade ao professor.
Ou seja, o que prevalece na BNC-Formação vai de encontro aos princípios de valorização das
relações. Como já citamos, ao invés disso, busca atender e se desenvolver a partir de um projeto
de reformulação da formação humana, cujo horizonte está na BNCC para a Educação Básica.
Como demonstra a trajetória de pesquisas e estudos, o eixo central da nova resolução
aproxima-se à docência por competências. Isto, pois, observamos a valorização da ideia de
gestão não mais atrelada à formação da docência. Esta concepção difere da concepção de
formação plena, realizada em cursos no ensino superior, especialmente em universidades, cuja
base de trabalho é realizada no espaço do ensino, pesquisa e extensão, articuladora de diferentes
saberes e campos do conhecimento, pautadas pelas dimensões de pesquisa, reflexão e criação
de conhecimento e de valorização de professores.
À exemplo desta descaracterização, podemos observar o projeto educacional brasileiro
que se alinha a partir de três documentos articulados: a Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de
dezembro de 2017, que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a
ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no âmbito da
Educação Básica, a Resolução CNE/CP nº 2/2019, que institui a BNC-Formação e a Portaria
nº 412, que institui o Programa Institucional de Fomento e Indução da Inovação da Formação
Inicial Continuada de Professores e Diretores Escolares (BRASIL, 2021). Ao captar as
problemáticas apresentadas, observamos que os três documentos alinhados demonstram o
modelo de gestão empresarial e de responsabilização individual dos sujeitos frente aos
processos de aprendizagem e apropriação do conhecimento. Nesse contexto, é possível observar
que, tanto a BNC-Formação de 2019, quanto a Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada) de
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Efeitos da BNC-Formação no curso de pedagogia: Em defesa da gestão escolar e das infâncias
RPGE
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Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022132, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
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2020, a BNCC e a Portaria n. 412 de 2020
, são exemplos de “produtos” que fazem parte da
perspectiva de gerencialismo (ZANOTTO; SANDRI, 2018).
Portanto, a partir da compreensão de polissemia (multiplicidade de sentidos) e
considerando os estudos do Ciclo de Bakhtin (2011), filósofo da linguagem, podemos analisar
que isto se dá por meio de um movimento articulado, que define “centralização curricular e
adoção de um modelo de aprendizag
em cognitivista”, fundamentado pelo controle e
homogeneização das ações. Este modelo de formação centrada em competências. Este
movimento, por sua vez, faz coro ao controle das massas, se vinculando às demandas
empresariais. Com isso, é possível compreender, que do âmbito das políticas educacionais, a
escola se fundamenta como um espaço de fortalecimento da padronização curricular, o que
retoma a noção de currículo difundida no início do século XX, a exemplo dos sentidos de
acirramento do controle sobre o trabalho do professor.
As pistas que podemos encontrar na literatura, evidenciam, por sua vez, a configuração
de um projeto de governo e de poder que toma, pelo conhecimento, novas formas de conhecer,
organizar, regular, avaliar e controlar os processos formativos, especialmente nas escolas.
Nesse sentido, é possível observar a construção de movimentos e mecanismos de regulação,
organização e gestão, que expressam um novo tipo de gerencialismo na educação em que a
gestão do currículo se configura como objeto central das Políticas de Governo (DOURADO;
SIQUEIRA, 2019).
Este processo nos leva a retomar os estudos de Freire (2006) para afirmar a aposta nas
instituições públicas, que refletem sobre a importância das instituições educativas como
parceiras do trabalho. Então, quando se faz o movimento centrípeto, se fecha o currículo da
formação de professores e aparta a gestão deste currículo. Ou seja, busca-se apagar a construção
de projetos com formação ampla, em que se valorize o sistema de articulação com as famílias
e a comunidade, descentralizando as discussões por meio de forças centrífugas. É contra este
direcionamento centrípeto que precisamos lutar, pois ele desconstrói possibilidades de ampliar
as discussões da educação, bem como elaborar a conscientização e a participação.
Portanto, a força centrífuga expressa neste texto nos leva a indagar qual sistema de
gestão se pretende realizar. Haja vista que a centralidade das discussões próximas aos
mecanismos de exercício do gerencialismo. Ao fazermos as reflexões sobre a trajetória da
educação e encontrar tantos desmontes seguidos na educação, indagamos em que momento a
descentralização, autonomia e participação são incentivados na BNC-Formação.
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Ana Lucia Cunha DUARTE e Kallyne Kafuri ALVES
RPGE
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Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022132, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
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Assim, faz-se necessário defender as forças centrífugas a partir do incentivo à leitura do mundo
e à participação, que geram a heterogeneidade do pensamento e que abrem diversos espaços de
discussão (BAKHTIN, 2011). Isso contribui para a defesa da concepção de gestão democrática,
desde o interior do curso. Esses saberes constituem-se como elementos de articulação do
conhecimento, ao invés, de fortalecer o cenário de retrocesso e de centralidade no conteúdo.
Nesse ínterim, a defesa pela relação das disciplinas com a Educação Básica e as famílias
(instâncias de representação da comunidade e acompanhamento de estudantes de 0 a 6 anos)
são princípios elementares da Gestão e da Educação Infantil. Ambas envolvem a criação de
espaços de debate, que preconizem a dimensão política com uma metodologia de participação
e escuta da realidade dos estudantes. Isso é uma forma de fortalecer as práticas de produção de
conhecimento, mediadas por professores devidamente formados em instituições de educação
superior e, só é possível tendo forças centrífugas atuando conjuntamente às forças centrípetas.
Esta defesa de conhecimento erguido a muitas mãos, por sua vez, se constitui como uma
forma de enfrentamento os desmontes da educação. Diante a teorização sobre como as forças
centrípetas e centrífugas contribuem para entendermos os retrocessos, também é possível
firmarmos trocas de saberes, pois, ainda que as forças centrípetas ajam de maneira
centralizadora, a produção de conhecimento e o protagonismo de um currículo não cessam
esforços de mover o pensamento. Estes, encontrados nos diversos eventos e produções
desenvolvidos pelos profissionais da educação, mesmo em meio à pandemia (ALVES;
VIEIRA, 2021) revelam que o movimento de forças é contínuo e não cessa o processo
dialógico, sempre inacabado e atento às questões sociais, aspecto que buscamos tratar na
próxima seção.
O curso de Pedagogia na BNC-Formação: dicotomia entre formação anos iniciais e
Educação Infantil
Reiteramos a descontinuidade das políticas públicas, tratadas com as concepções
epistemológicas nas resoluções para a formação de professores, em especial, para a formação
do(a) Pedagogo(a). Estas indicam a necessidade de rever aspectos fundamentais para a
educação, retomando conceitos consolidados ao longo da trajetória de educação. Podemos citar
como exemplo a alteração na concepção de infância de 0 a 2 anos, de alfabetização e letramento,
de concepção de infância e de docência.
Esta concepção epistemológica, alcançadas na Resolução de 2006 e 2015, definem a
Pedagogia como licenciatura plena, já a resolução de 2019 institui na formação de professores
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Efeitos da BNC-Formação no curso de pedagogia: Em defesa da gestão escolar e das infâncias
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a concepção de competência e habilidades, um retrocesso na formação do(a) pedagogo(a), com
alterações na concepção de infância e temas essenciais na gestão, como podemos observar nesta
tabela:
Tabela 1
–
Comparativo das concepções de infâncias nas legislações que habilitam
pedagogos(as)
RESOLUÇÃO DE 2006
RESOLUÇÃO DE 2015
RESOLUÇÃO DE 2019
Art. 4º O curso de Licenciatura em
Pedagogia destina-se à formação de
professores
para exercer funções de magistério na
Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino
Médio, na modalidade Normal, de
Educação Profissional
na área de serviços e apoio escolar e em
outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos
pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes
também compreendem participação na
organização e gestão de sistemas e
instituições de ensino, englobando:
I - planejamento, execução,
coordenação, acompanhamento e
avaliação de tarefas
próprias do setor da Educação;
II - planejamento, execução,
coordenação, acompanhamento e
avaliação de projetos e
experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do
conhecimento científico-tecnológico do
campo
educacional, em contextos escolares e
não-escolares.
Art. 3º A formação inicial e a
formação continuada destinam-se,
respectivamente, à preparação e ao
desenvolvimento de profissionais
para funções de magistério na
educação básica em suas etapas
–
educação infantil, ensino
fundamental, ensino médio
–
e
modalidades
–
educação de jovens
e adultos, educação especial,
educação profissional e técnica de
nível médio, educação escolar
indígena, educação do campo,
educação escolar quilombola e
educação a distância
–
a partir de
compreensão ampla e
contextualizada de educação e
educação escolar, visando
assegurar a produção e difusão de
conhecimentos de determinada
área e a participação na elaboração
e implementação do projeto
político-pedagógico da instituição,
na perspectiva de garantir, com
qualidade, os 4 direitos e objetivos
de aprendizagem e o seu
desenvolvimento, a gestão
democrática e a avaliação
institucional.
Art. 3º Com base nos mesmos
princípios das competências
gerais estabelecidas pela
BNCC, é requerido do
licenciando o desenvolvimento
das correspondentes
competências gerais docentes.
Parágrafo único. As
competências gerais docentes,
bem como as competências
específicas e as habilidades
correspondentes a elas,
indicadas no Anexo que
integra esta Resolução,
compõem a BNC-Formação.
Fonte: Elaborado pelas autoras
A partir do comparativo que buscamos demonstrar na tabela, é possível analisar
retrocessos quanto às dimensões de fundamentação, exercício e profissionalidade para o
exercício da docência na primeira etapa da Educação Básica. Isto, pois, a Resolução de 2019 se
articula a partir de conceitos de competência, também alicerçados na BNCC. Dessa forma,
como podemos analisar ao longo deste artigo e na culminância do quadro comparativo, a BNC-
Formação rompe com a concepção de infância e de gestão baseada na formação integral, já
exemplificadas neste texto, e se constitui como um grande retrocesso no lócus de habilitação
para o exercício da profissão.
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Ana Lucia Cunha DUARTE e Kallyne Kafuri ALVES
RPGE
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Assim, podemos compreender que a Resolução de 2019 sugere a produção de outro
currículo e outro projeto de nação. Nela, é fortalecida uma redução da profissão, além de um
alargamento da formação, abrindo o campo da docência a diferentes profissões. A indignação
pela condição de opressão (FREIRE, 2006) disposta na legislação, é fortalecida com as
legislações que não param de se atualizar, requerendo dos pesquisadores em educação constante
vigília em defesa dos direitos garantidos na profissão.
Como podemos analisar, esta resolução de 2019, diferente das resoluções de 2006 e
2015, coloca em evidência de redução da pesquisa e da dimensão das infâncias. Isso pode ser
visto se analisada as tentativas de desvalorização e desqualificação da concepção de docência
integral. Ao invés da tríade proposta pelo campo científico, a nova resolução dilui a suposta
concepção de docência em competências (conhecimento, prática e engajamento). E, com isso,
estringem as ações dos professores e das unidades de ensino, justamente por não darem conta
das demandas da profissão.
Isso, pois, além da Resolução de 2019, agrega-se ao sentido de precarização da profissão
com a Portaria n. 412 de 2021, que impulsiona e atribui responsabilizações para a técnica e para
o exercício da prática, em detrimento da teoria, além de abafar perspectivas de autonomia das
instituições formadoras de ensino superior. Isto pode significar um sentido de permanência de
postura, reiterando o projeto da BNCC e da BNC-Formação, além de fechamento à escuta da
produção científica da área, com a atuação de força centrípeta que se fortalece. Dessa forma, se
faz necessário resistir, persistindo na concepção de formação em sua inteireza, zelando pelas
ações de participação, tão fundamentadas nos documentos e legislações da Educação Infantil e
gestão, conforme buscamos demonstrar ao longo deste texto.
No contexto dos diferentes sentidos produzidos, observamos também iniciativas de
resistência, a exemplo do Movimento em defesa do curso de Pedagogia
5
, que provoca reflexões
e fundamentações sobre o aspecto reducionista, apresentado nas novas diretrizes. Podemos
observar elementos de fortalecimento das Universidades públicas, que mesmo com recursos
escassos, tem se empenhado na formulação de reflexões e enfrentamentos em defesa da
formação plena em pedagogia.
Com empreendimento de estudos para o desenvolvimento da pesquisa que embasa este
estudo, observamos a partir da literatura a demanda por reconhecer a autonomia didático-
científica das instituições públicas de ensino superior, sendo a graduação e pós-graduação os
5
Como um elemento de resistência às novas diretrizes para a formação de professores, fazemos referência ao
Movimento em defesa do Curso de Pedagogia, com Reunião dos Fóruns estaduais em defesa do curso de
Pedagogia: RJ, MS, GO, PB e RN. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6MsrtWpxTmM
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Efeitos da BNC-Formação no curso de pedagogia: Em defesa da gestão escolar e das infâncias
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espaços ideais para discussão sobre princípios básicos à formação de professores. As pesquisas
consultadas evidenciam que a BNC-Formação pode esvaziar o curso, com disciplinas sem
fundamento, apenas baseadas nos princípios de competências. Além disso, pelo volume de
análises empreendidas nas pesquisas consultadas (ALBINO; SILVA, 2019; CARDOSO;
PIRES, 2020; GONÇALVES; MOTA; ANADON, 2020; SAITO
et al
., 2021; NOGUEIRA
et.
al
, 2021; MARQUES, 2021; COSTA
et al.
, 2021; FREITAS, 2021), parece ser pertinente
revisitar as novas diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores.
Ao analisar a produção do conhecimento, reconhecemos que a polissemia sempre irá
existir, afinal vivemos em constantes disputas. Mas, é urgente dedicar atenção para as ameaças
ao curso. Podemos citar como exemplo a relação entre teoria e prática e a redução da profissão,
inclusive a partir dos estágios em gestão, com foco específico na primeira etapa da Educação
Básica. Logo, se é reduzida a carga horária, também se reduz as possibilidades de inserção no
campo. Dessa forma, reiteramos o sentido de compromisso com trabalhadores, pois
compreendemos que o compromisso com a formação de pessoas passa pela profissão docente
e, por conseguinte, não podemos esgarçá-la até levá-la à inutilidade.
Importante ressaltar que esta fragilidade no âmbito dos conhecimentos pedagógicos e
da profissão docente, como demonstrado neste artigo, informam desmontes do Curso de
Pedagogia. Isto porque, passam a ser disputadas e, cada vez mais, intensificadas as perspectivas
de mecanização, regulação e segmentação da prática docente. Dessa forma, além do
desmantelamento da concepção de infância, encontramos a fragilização da formação do gestor,
que passa a ocupar, a carga horária opcional e ao fim do curso. E, é sobre estas fragilidades, na
nova resolução, que concentramos os argumentos teóricos a seguir.
Podemos analisar isto levando em considerando o avanço do (neo)fascismo e das
políticas educacionais de controle (REBUÁ, 2020). Os conceitos primordiais, alcançados com
as diretrizes de 2006 e 2015, são ressignificados quando também retirados. E, em decorrência
disto, podemos teorizar sobre as forças centrípetas e centrífugas, que fundamentadas na leitura
bakhtiniana, podem ser compreendidas como forças que atuam nas relações sociais. Neste caso
sendo a força centrípeta aquela que desenvolve o engessamento e a homogeneidade em
contraposição à força centrífuga, aberta à diversidade e movida a partir das diferenças e que
vincula e conecta diferentes saberes (FIORIN, 2006).
E, assim, tanto a elaboração das políticas como nos diálogos e nas relações, as forças
podem ser observadas na análise desta conjuntura. Diante disso, compreendemos que as forças
de movimento centrípeto, convergem para uma homogeneidade do currículo, dificultando a
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Ana Lucia Cunha DUARTE e Kallyne Kafuri ALVES
RPGE
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Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022132, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
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elaboração da dimensão de diversidade, com saberes articulados e voltados à práxis (FREIRE,
2006). Por isso, o novo projeto de educação expresso com as novas diretrizes, dificultam a
relação dos estudos pedagógicos com o mundo, marcada e traçada pela dimensão cultural
(FREIRE, 1987). As forças centrípetas, que avançam no campo da educação, ameaçam o campo
da formação de professores com impactos que podem levar à precarização e a descaracterização
da profissão.
Como aprendemos com Freire, este processo pedagógico formativo, presente na
formação humana, é movido pela perspectiva de práxis, em que mediadas pela pesquisa,
envolvem o ensino e a extensão. Não é possível dissociar os conhecimentos, tampouco separar
os saberes. Dessa maneira, estamos caminhando para homogeneização do currículo (tanto da
Educação Básica quanto do ensino superior). Isso converge para formar estudantes e
professores a partir das competências, reduzidos à
fazedores de horas
, sem o necessário
processo de interrelação entre as diferentes áreas de conhecimento.
Então, se o conhecimento é fomentado por todas as pessoas e é em diálogo que
aprendemos, como é possível desconsiderar a relação entre vida, profissão e contexto social?
Podemos observar isso se analisada as quatro características da ação dialógica, expressadas por
Freire ao teorizar sobre a Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1987). A primeira refere-se à
colaboração, que é o movimento de acreditar e apostar na relação entre as pessoas. A segunda
característica é a união, sendo a relação entre pessoas uma aposta de fortalecimento e
mobilização de formação. A terceira, que é a organização pela via da composição de saberes a
partir de horizontes comuns, com objetivos e perspectivas a favor da valorização do
conhecimento. A quarta, também expressa nos estudos da Pedagogia da Autonomia,
compreende que é a síntese cultural que fomenta elementos de articulação dos hábitos,
costumes, histórias e formas de viver de cada membro ou grupo da sociedade (FREIRE, 1987;
FREIRE, 2006).
Estas quatro características vão fundamentar a proposta de que as forças centrífugas
precisam ocupar nossas análises sobre as políticas educacionais provocando diferentes espaços
de escuta e de interferência no processo de desestabilizar e apoiar a heterogeneidade
(BAKHTIN, 2011). Assim, acreditamos que estas novas resoluções convidam a ler o mundo
para pontuar as palavras de análise e elaboração da educação brasileira. Ou seja, pela via das
quatro características político pedagógicas, desenvolvidas por Freire (1987), associadas às
forças centrífugas (BAKHTIN, 2011), que nos inspirarmos a contar com o outro para combater
a homogeneização para dominação do povo. Dessa forma, talvez seja possível nos
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Efeitos da BNC-Formação no curso de pedagogia: Em defesa da gestão escolar e das infâncias
RPGE
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organizarmos em defesa dos aspectos educacionais e do acúmulo de conhecimento e pesquisa,
conforme detalhamos em seguida em nossas considerações finais.
Considerações finais
Na proposta de compreender as forças centrífugas como elemento de homogeneização
e padronização dos currículos, provocado principalmente pela oposição ou dominação de
saberes, observamos como a BNC-formação (BRASIL, 2019) dificulta o exercício da
articulação de saberes. Por isso, insistimos em uma leitura de mundo pela via da relação
dialógica, que valoriza a importância do ato de ler (FREIRE, 1986). A leitura, por sua vez, é
uma forma de compreender as evidências de retrocesso expressadas com a nova resolução e é
um exemplo de movimento que desestabiliza e oportuniza diferentes formas de pensar.
Com apontamentos de descontinuidade entre formação inicial e formação continuada,
já citadas neste artigo, observamos evidências acerca do discurso de responsabilização
individual, sobretudo dos professores. Este processo mapeia, inclusive, o sucesso ou fracasso
da educação (DOURADO; SIQUEIRA, 2019, p. 05) com base na responsabilização dos
trabalhadores da educação. Sendo assim, analisamos que a BNC-Formação está bem próxima
ao que vivemos na trajetória em educação, com a reedição do curso normal superior. Esta
política, desenvolvida por volta do final dos anos 90, tem como estratégia segmentar a
formação, com práticas de homogeneização dos currículos.
Esta centralidade em um conteúdo comum move uma força centrífuga que leva todos os
outros currículos para um mesmo caminho, com processos de focar em competências e técnicas
de saber-fazer. Neste projeto de educação, a nova resolução se descortina como uma maneira
de separar e apartar os conhecimentos. No que se refere à Gestão e à Educação Infantil,
observamos a fragmentação da formação, a partir de três cursos independentes de formação de
professores (multidisciplinar para Educação Infantil, multidisciplinar Ensino Fundamental e
anos iniciais e multidisciplinar Ensino Fundamental).
Considerando a problemática e o contexto de desenvolvimento das políticas para a
formação de professores, concentramos este artigo na análise da concepção de gestão na
Educação Infantil. Nas considerações deste texto, compreendemos os objetivos específicos de
rememorar a trajetória do Curso de Pedagogia, evidenciar as ameaças e retrocessos e projetar
perspectivas em defesa da formação plena na graduação. Para isso, nos atemos a evidências da
literatura do campo da educação, com pesquisas cuja temática tem expressado resultados e
apontamentos sobre as novas reformulações.
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Ana Lucia Cunha DUARTE e Kallyne Kafuri ALVES
RPGE
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Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 26, n. 00, e022132, jan./dez. 2022. e-ISSN: 1519-9029
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Foi possível observar que à medida em as alterações são reformuladas, se percebe
ameaças ao Curso de Pedagogia. Sendo a formação de professores elemento basilar na formação
da sociedade. Compreendemos que os sentidos atribuídos à Gestão e à Educação Infantil nas
novas diretrizes para formação de professores são preocupantes. Como vimos, os dados indicam
que a formação passa por ameaças desde a fundamentação até as práticas de estágio.
Nesse sentido, afirmamos a defesa dos cursos de graduação, realizados no interior de
instituições de ensino superior pela via do ensino, pesquisa e extensão. Acreditamos que a
formação de pedagogos(as) não pode ser fragmentada, tampouco indissociável em suas
disciplinas. Por isso, não se sustenta a ideia de uma formação segmentada, que desarticula as
infâncias e que dissocia a gestão educacional e escolar de todas as disciplinas.
Assim, compreendemos que a luta pela especificidade do trabalho docente, envolve lutar
pela práxis, ou seja, pela articulação entre teoria e prática fundamentadas em princípios de
conscientização. E, nesse sentido, não podemos perder a dimensão de interligação entre as
diferentes áreas do saber com o curso de pedagogia. A ideia de uma formação interdisciplinar
e com as diferentes áreas em diálogo, se fortalece a partir da concepção de polissemia, em que
diferentes sentidos se encontram e potencializam, inclusive com dissonâncias.
A gestão democrática, avaliação e regulação também são aspectos que se despontaram
nas análises da literatura. Esta, a partir de nossa leitura, sugere que a BNC-Formação ignora os
princípios das legislações, dos fundamentos da profissão, das metas e estratégias dos planos de
educação e dos movimentos sociais. Também, afirma a ideia de gestão articulada com docência,
respeitosa do Plano Nacional de Educação, cuja valorização do trabalhador e os mecanismos
de participação são uma das metas estabelecidas. Com isso, reforça a necessidade das
Conferências Populares Nacionais de Educação, cuja afirmação é de uma formação que não
retroceda em seus direitos e garantias básicas. Por isso, contra a visão reducionista de trabalho,
se faz necessário resistir à dicotomia entre pensar e fazer, sendo a polissemia e as forças tratadas
por Bakhtin, um importante ponto de partida para se repensar isto.
REFERÊNCIAS
ALBINO, Â. C. A.; SILVA, A. F. BNCC e BNC da formação de professores: Repensando a
formação por competências.
Revista Retratos da Escola
, Brasília, v. 13, n. 25, p. 137-153,
jan./maio 2019. Disponível em: http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/view/966.
Acesso em: 27 set. 2021.
ARANHA, M. L. A.
História da Educação
. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.
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