
O currículo de formação de professores de línguas: Entre o prescrito e o realizado
RPGE – Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 27, n. esp. 1, e023019, 2023. e-ISSN: 1519-9029
DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v27iesp.1.17924 20
representadas: 40% discutiram aspectos metalinguísticos e que priorizam a norma padrão
contra 36% que defenderam questões epilinguísticas. Ao contrário, os respondentes do curso
de Letras/Inglês se distanciaram consideravelmente nas opiniões: 41% se posicionaram a
favor de atividades metalinguísticas, enquanto 20%, apenas, trouxeram referências a
atividades epilinguísticas, culturais e dialógicas. Nota-se que o percentual não foi atingido em
sua totalidade, o que significa que parte dos colaboradores não se manifestou de maneira clara
ou, em alguns casos, não entendeu a pergunta, o que corrobora a ideia de que
milhares de estudantes saem da universidade sem sequer ter ouvido falar (ou
tendo ouvido falar muito vagamente) de gramaticalização, pragmática,
discurso, letramento, gênero textual, enunciação, sociocognitivismo,
sociointeracionismo, sociologia da linguagem, políticas linguísticas,
crioulização, diglossia, teorias da leitura, relações fala/escrita... áreas de
pesquisa e de ação fundamentais para que se tenha uma visão coerente do
que é uma língua e do que significa ensinar língua. Para piorar, essas
mesmas pessoas também saem acreditando que existe “oração sem sujeito” e
“sujeito oculto” [...] e outros mitos e superstições que nossa tradição
gramatical insiste em preservar e que os cursos de Letras não se empenham,
como deveriam, em criticar e substituir por conceitos mais afinados com a
teorização e com a pesquisa científica contemporâneas. [...] Na grande
maioria dos cursos, o único contato que o estudante tem com a ciência da
linguagem e sua história se dá através de uma disciplina chamada
“Introdução à Linguística” ou coisa parecida, muitas vezes num único
semestre (BAGNO, 2017, online, grifos do autor).
Com efeito, a compreensão de gramática trazida pelos representantes dos Grupos A e
B apresentou perspectivas distintas a partir da visão que esses estudantes demonstram ter
sobre a língua. Irandé Antunes (2007, p. 22, grifos da autora) explica “o caráter da gramática
como uma área de grandes conflitos”, de ordem interna, dada a complexidade dos fenômenos
linguísticos, e de ordem externa, uma vez que a língua é um dos fatos sociais resultantes de
fatores históricos, pois como afirmara o primeiro gramático das línguas românicas, no século
XV,
de uma coisa tenho certeza: a língua sempre foi companheira do Império, e
de tal maneira o acompanhou que juntamente começaram, cresceram e
floresceram, e depois, simultaneamente, se deu a queda de ambas8
(NEBRIJA, [1492]1992, tradução nossa).
Assim, na tentativa de “reprogramar a mente de professores, pais e alunos”, Antunes
(2007, p. 23, grifo da autora) esclarece que o termo ‘gramática’ possui uma polissemia que
8 “[...] uma cosa hállo y: sáco por conclusión mui certa: qui siempre la lengua fue compañera del império; y de
tal manera lo siguió, que junta mente començaron, crecieron y florecieron e después junta fu ela caída de
entrambos” (Prólogo da Gramática de la lengua castellana, dedicada à Rainha Isabel, de Antonio de Nebrija, em
1492, tradução nossa).