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Fri, 30 Sep 2022 in RPGE – Revista on line de Política e Gestão Educacional
A POTENCIALIDADE EDUCATIVA DA “AUTO-ORGANIZAÇÃO DE MULHERES NEGRAS DE SERGIPE REJANE MARIA”
RESUMO:
Este texto empreende uma reflexão teórica-conceitual sobre a potência educativa da “Auto-organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria”, criada em Aracaju-Sergipe em 2014, a partir do referencial do Feminismo Negro e da Pesquisa Ativista Feminista Negra. Nesta análise, consideramos que as mulheres negras historicamente questionam e apontam soluções com relação às desigualdades raciais, sociais, de gênero e sexualidade, organizadas em movimentos sociais. Movimentos sociais que compreendemos como espaços educativos e de formação política dos seus membros, nos quais a educação está associada a uma práxis pautada em sua insurgência propositiva. Insurgência que está associada à construção de novas epistemologias e políticas públicas que tensionam a estrutura racista, sexista, classista e heteronormativa estruturantes da sociedade brasileira. Nesse sentido, consideramos a potencialidade educativa dos trabalhos de base desenvolvidos pela “Auto-Organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria”, como movimentos educativos em que se produzem saberes e pedagogias emancipatórios que questionam a sociedade, ao mesmo tempo em que criam estratégias educativas de combate ao racismo, classismo, sexismo e a heteronormatividade.
Main Text
Caminhos que nos levaram ao quilombo Rejane Maria
A pandemia da COVID-19 e o isolamento social decorrente da incontrolável proliferação do vírus se apresentou como um desafio e, no caso de muitos pós-graduandos, gerou a necessidade de repensar objetos e metodologias de pesquisa. Esse foi o caso de nossa pesquisa, que teria como temática central a análise de práticas pedagógicas antirracistas em uma escola quilombola. Sendo assim, um trabalho que havia, a priori, sido pensado para desenvolvimento em ambiente escolar teve que ser modificado para que fosse possível realizar atividades de campo na forma remota. No processo de modificação da temática de pesquisa, e inspirada por encontros e reencontros com produções de intelectuais negras iniciado em 2020, ainda antes da pandemia, com a leitura do livro “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, o tema de pesquisa foi repensado no sentido de dar protagonismo a escrevivências de mulheres negras.
O termo quilombo, utilizado no título desta seção, e a partir do qual compreendemos esta Auto-Organização de Mulheres Negras, está relacionado ao pensamento da historiadora e ativista sergipana Beatriz Nascimento (2018), para quem o quilombo se constitui a partir da necessidade humana de se organizar de uma forma específica diferente da que fora estabelecida de forma arbitrária pelo colonizador e se torna uma possibilidade de existência e (re)existência em tempos de destruição.
Assim, nos encontros possibilitados pelas leituras e pelo acesso a publicações nas redes sociais, nos aproximamos das experiências da “Auto-organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria” em diálogo com as pedagogias de (re)existência construídas nesta coletividade. A pesquisa em andamento está fundamentada no Feminismo Negro e nos estudos decoloniais, tendo como referencial metodológico a Pesquisa Ativista Feminista Negra (LEMOS, 2016a). A partir de nossa inserção efetiva nas atividades da Auto-Organização e das narrativas das mulheres negras ativistas, identificamos o ativismo das mulheres negras sergipanas e sua contribuição na construção de epistemologias que questionam a estrutura colonial do conhecimento. Neste texto, apresentamos os caminhos teórico-metodológicos que tem nos auxiliado na observação e análise das pedagogias de (re)existência produzidas por estas mulheres no contexto de enfrentamento ao racismo, classismo, sexismo e lgbtfobia.
A leitura da obra “O movimento negro educador: Saberes construídos nas lutas por emancipação” de Gomes (2017) foi ponto crucial no desenho da pesquisa. A autora aponta o Movimento Negro como protagonista no que se refere à relação entre o povo preto e o Estado, organizando e sistematizando saberes específicos construídos dentro do ativismo e que não são reconhecidos pelo campo da Educação e de outras ciências que, por sua vez, transformam esses saberes em ausências ou inexistência através do epistemicídio. A defesa da importância do movimento negro enquanto ator político “que constrói, sistematiza, articula saberes emancipatórios produzidos pela população negra ao longo da história social, política, cultural e educacional brasileira” (GOMES, 2017, p. 24) foi uma importante inspiração para que pudéssemos pensar em atividades do movimento de mulheres negras em Sergipe, de forma geral, e da Auto-Organização Rejane Maria, em específico, como um campo de pesquisa possível. Gomes (2017, p. 23-24) define o Movimento Negro como:
[...] as mais diversas formas de organização e articulação das negras e dos negros politicamente posicionados na luta contra o racismo e que visam à superação desse perverso fenômeno na sociedade. Participam dessa definição os grupos políticos, acadêmicos, culturais, religiosos e artísticos com o objetivo explícito de superação do racismo e da discriminação racial, de valorização e afirmação da história e da cultura negras no Brasil, de rompimento com as barreiras racistas impostas aos negros e às negras na ocupação dos diferentes espaços e lugares na sociedade. Trata-se de um movimento que não se reporta de forma romântica à relação entre os negros brasileiros, a ancestralidade africana e o continente africano da atualidade, mas reconhece os vínculos históricos, políticos e culturais dessa relação, compreendendo-a como integrante da complexa diáspora africana. Portanto, não basta apenas valorizar a presença e a participação dos negros na história, na cultura e louvar a ancestralidade negra e africana para que um coletivo seja considerado como movimento negro. É preciso que nas ações desse coletivo se faça presente e de forma explícita uma postura política de combate ao racismo. Postura essa, que não nega os possíveis enfrentamentos no contexto de uma sociedade hierarquizada, patriarcal, capitalista, LGBTfóbica e racista.
O Movimento Negro, portanto, contribui na produção de um conhecimento que emerge de sua luta por reconhecimento do povo preto como sujeito de direitos, pautando discussões sobre racismo e superação do mito da democracia racial, desigualdade socioeconômica, violência, políticas públicas em saúde e educação, intolerância religiosa, questões quilombolas, dentre outras temáticas e, além de educar seus ativistas, educa também a sociedade no caminho do antirracismo. Os saberes emancipatórios produzidos pelo Movimento Negro estão, portanto, relacionados à vivência da raça numa sociedade que estabeleceu a hierarquização racial como eixo fundante. Com relação ao Movimento de Mulheres Negras, do qual a Auto-Organização Rejane Maria faz parte, Gomes (2020, p. 36-37) afirma que:
[...] merece destaque quando refletimos sobre os saberes políticos. A ação das ativistas negras constrói saberes e aprendizados políticos, identitários e estéticos-corpóreos específicos. As ativistas negras indagam o machismo dentro do próprio Movimento Negro e desafiam os homens ativistas a repensarem, mudarem de postura e de atitude nas suas relações políticas e pessoais com as mulheres. Denunciam a violência machista dentro do próprio Movimento Negro e demais movimentos sociais, nas relações domésticas, nas disputas internas quer sejam no emprego, nos movimentos, nos sindicatos e nos partidos. Elas reeducam o próprio feminismo, aos homens e mulheres brancos, de outros pertencimentos étnico-raciais e a elas mesmas.
Além da contribuição teórica de Nilma Lino Gomes, a pesquisa que estamos desenvolvendo, está vinculada ao Pensamento Feminista Negro e aos Estudos Decoloniais. O Pensamento Feminista Negro, surgido a partir de experiências e do ponto de vista de mulheres negras, é definido por Collins (2019) como um conjunto de tradições intelectuais feministas negras específicas, embora heterogêneas, criadas através do lugar social que as mulheres negras ocupam enquanto coletividade. Trata-se de um conjunto de tradições que nasce da tensão dialética entre a opressão sofrida pelas mulheres negras e seu ativismo (COLLINS, 2019). O Pensamento Feminista Negro atua no sentido de produzir soluções para os problemas enfrentados pela população negra, servindo como uma possibilidade de emancipação e promoção da justiça social. No campo da Educação, o Pensamento Feminista Negro pode ser percebido como um mote de resistência que surge nas margens da educação colonizadora, se constituindo em uma práxis que visa intervir na realidade social.
Compreendemos que o Feminismo Negro é educador e atua no sentido de reeducar o feminismo hegemônico e o movimento negro, a fim de que estes contemplem as diversas formas de ser mulher e o peso das opressões de raça, classe, gênero e sexualidade na vida de todas as mulheres, reconhecendo as especificidades das mulheres negras. Nesse sentido, o Feminismo Negro contribui tanto no que se refere às discussões sobre racismo quanto aos estudos feministas, sendo importante para tensionar categorias até então tidas como universais e desafiando ambos os campos do conhecimento a incluir em suas produções as especificidades que permeiam as escrevivências de mulheres negras. Atravessadas por questões, como o genocídio negro, o feminicídio e dificuldades pertinentes à escolarização e inserção no mercado de trabalho, além do epistemicídio e toda a histórica desumanização que atinge os povos racializados, intelectuais negras passaram a publicar estudos relacionados a raça, gênero e classe como pilares para a efetivação do pensamento feminista negro no espaço acadêmico.
O Feminismo Negro e o Feminismo Decolonial são importantes aportes teórico-metodológicos que nos auxiliam a compreender as escrevivências de mulheres negras ativistas sergipanas, considerando a existência de um sistema moderno/colonial de gênero (LUGONES, 2008) que inferioriza, violenta e invisibiliza as mulheres racializadas e que produz desigualdades que se refletem nos índices socioeconômicos do país e colocam as mulheres negras em posição de vulnerabilidade. Tanto o Feminismo Negro quanto o Feminismo decolonial são alternativas para romper os silêncios epistêmicos que foram produzidos pela ciência moderna colonial que inferiorizou, estereotipou e ignorou muitas vozes, inclusive as vozes das mulheres negras em luta. Além disso, ambos os movimentos epistemológicos denunciam limitações existentes no feminismo hegemônico e possuem uma dimensão prática, voltada para a transformação social.
Miñoso (2020), ao denunciar o compromisso do feminismo hegemônico com a modernidade, afirma que a prática feminista subalterna aponta o dispositivo da colonialidade como estruturante daquilo que ela denomina de razão feminista e propõe um conhecimento situado que parte da experiência, algo que é bastante evidenciado nos estudos que abordam trajetórias de mulheres negras. Esse contraponto também é trazido por Bairros (1995), ao pontuar que existem vertentes do feminismo que tentam definir o sujeito mulher com base em experiências tidas como universais e sinalizar que o Feminismo Negro se mostra como um interessante aporte epistemológico para se pensar no conjunto de experiências e ideias compartilhadas por mulheres negras tanto afro-americanas como brasileiras, cujas existências são marcadas por uma matriz de dominação onde raça, gênero e classe se interceptam em diferentes pontos (BAIRROS, 1995, p. 46).
Do ponto de vista dos estudos que abordam as escrevivências de mulheres negras, destacamos a importância da interseccionalidade (CRENSHAW, 2002) como conceito e ferramenta metodológica que permite a articulação entre as categorias de raça, gênero, classe e sexualidade como formas de opressão que atingem as existências de negras, negros e negres, bem como a importância da decolonialidade como aporte epistemológico possível pra se pensar as existências dos corpos historicamente subalternizados pelo colonialismo, capitalismo, racismo e sexismo.
Dito isto, importa indicar que nossa pesquisa tem como objetivo compreender o processo de formação política de mulheres negras ativistas do Estado de Sergipe, tendo como espaço de convivência e afeto, a “Auto-organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria”, criada em 2014 na cidade de Aracaju. Nesse sentido, consideramos como ponto de partida o movimento de mulheres negras como sujeito político produtor e produto de experiências que ressignificam a questão étnico-racial (GOMES, 2017), de gênero, classe e sexualidade. Os caminhos da pesquisa estão seguindo a perspectiva de identificar como se dão os processos formativos que unem e mobilizam mulheres negras com vistas a questionar estruturas racistas, sexistas, classistas e heteronormativas presentes em nossa sociedade. A reflexão sobre práticas educativas geradas e experenciadas no movimento de mulheres negras tem mobilizado a construção desta pesquisa. Estamos observando experiências educativas envolvidas no processo de formação política de mulheres negras que vislumbram a militância como uma alternativa de sobrevivência em meio a uma realidade que historicamente discrimina, marginaliza e oprime pessoas negras, reproduzindo práticas racistas e sexistas iniciadas no período colonial brasileiro.
No campo metodológico, a pesquisa que estamos desenvolvendo segue a perspectiva da Pesquisa Ativista Feminista Negra, classificada por Lemos (2020, p. 29) como uma metodologia que:
[...] prima pelo registro do protagonismo de ativistas no desenvolvimento de suas ações, cujo objeto investigado emerge das trocas de saberes e da ação no ativismo feminista negro, no ativismo no movimento de mulheres negras que tem se configurado, ao longo dos anos, como a seara da disputa por justiça de gênero, de raça, de classe, de identidade sexual, justiça distributiva, dentre outras.
A Pesquisa Ativista Feminista Negra é uma “metodologia de pesquisa centrada no ativismo do feminismo negro” (LEMOS, 2020, p. 19), que “tem o compromisso político em registrar, coletivamente, transformações locais e as intervenções radicais na sociedade realizadas por, para e com mulheres negras visando transformações e erradicação das opressões, e em busca do Bem Viver” (LEMOS, 2020, p. 28). Rosália Lemos define que a Pesquisa Ativista Feminista Negra reúne vários recursos metodológicos, com vistas a produzir um determinado tipo de conhecimento, surgido dentro do feminismo negro, em que o processo de construção dos saberes ocorre através da parceria com as colaboradoras da pesquisa, viabilizando o encontro entre a pesquisadora ativista com o ativismo das colaboradoras, num processo de retroalimentação. Esta metodologia tem como foco “registrar, coletivamente, transformações locais e as intervenções radicais na sociedade realizadas por, para e com mulheres negras visando a erradicação das opressões” (LEMOS, 2020, p. 29). Tal viés de pesquisa demanda contínuo processo de “observação, participação, implicação, imersão, interação, e vivência intensa antes, durante e depois do estudo de campo.” (LEMOS, 2020, p. 29).
Compreendemos a “Auto-Organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria” como um quilombo, pois nesta coletividade existe uma união entre iguais que estão constituindo formas de resistência cultural e racial, que vem possibilitando a criação de uma comunidade que se fortalece internamente e, ao mesmo tempo, atua dentro da sociedade que oprime os corpos negros. Nossa pesquisa, construída com as ativistas da “Auto-Organização de Mulheres Negras Rejane Maria”, se articula em torno do ativismo político de mulheres negras e seus anseios por políticas públicas que as alcancem e promovam justiça social, intencionando também visibilizar as potencialidades educativas existentes nas articulações empreendidas por mulheres negras com vistas a combater as desigualdades raciais, sociais e de gênero que circundam suas escrevivências.
A “Auto-Organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria”
A “Auto-organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria” surgiu em outubro de 2014, reunindo diversas mulheres negras, com realidades distintas e com o objetivo de construir uma frente de luta para reivindicar as demandas de mulheres negras de Sergipe, considerando os diversos marcadores sociais - classe, raça, gênero e sexualidade - que atravessam suas escrevivências. Nesse contexto, se pensou em articular mulheres negras da cidade e do campo, num estado em que cerca de 80% da população é negra, a fim de visibilizar demandas especificas e pleitear direitos da comunidade negra, em especial às mulheres, dentro de uma perspectiva interseccional.
Antes da criação da Rejane Maria, havia em Sergipe outra organização de mulheres negras em Sergipe, a OMIN (Organização de Mulheres Negras Maria do Egito). Esta foi fundada no ano de 2001, a partir da identificação, por parte de algumas ativistas negras, da necessidade de incluir o recorte racial e de gênero nas discussões sobre políticas públicas para a população negra. De acordo com Souza (2012), a OMIN tinha como objetivo prestar assessoria a mulheres negras, além de atuar em eventos educativos e culturais e atualmente encontra-se inativada. Domingues e Oliveira (2021) mencionam que a referida organização tinha ligações com os Fóruns Estadual e Nacional de Mulheres Negras, este último inserido na Articulação de Mulheres Brasileiras (AMNB).
Além da OMIN, outras organizações inseridas no contexto do movimento negro sergipano contemplam em suas pautas o recorte racial de gênero, a exemplo da “Sociedade de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais Omolàiyé”, que busca contribuir para o empoderamento das comunidades tradicionais de matrizes africanas em Sergipe, desenvolvendo estudos sobre tradição e cultura afrodescendente, além de prestar assessoria e realizar ações educativas e políticas direcionadas à defesa dos direitos humanos, combate ao racismo e à intolerância religiosa, promovendo o fortalecimento da identidade e autoestima dessas comunidades negras; da “Comunidade Oju Ifá”, que realiza projetos e atividades em prol do enfrentamento dos problemas que atingem a juventude negra, além de atuar na promoção de atividades sociais, culturais e educativas voltadas para as comunidades e aos povos tradicionais de matriz africana visando o combate ao racismo religioso e outras formas de preconceito; da “Casa de Mar”, cujos trabalhos estão voltados para a interação com a comunidade do seu entorno - mulheres, Crianças e pescadores - desenvolvendo projetos nas áreas de cultura, educação, ecologia, sustentabilidade e cidadania; da “Frente Estadual pelo Desencarceramento de Sergipe”, ligada à “Agenda Nacional pelo Desencarceramento e da Rede de Mulheres Negras de Sergipe”, que busca articular e fortalecer coletivos de mulheres negras do Estado e reivindicar políticas públicas de combate ao racismo, sexismo e lesbofobia.
Constituído atualmente por 13 integrantes, o coletivo de mulheres negras em questão homenageia a trajetória de luta da militante negra Rejane Maria Pureza do Rosário, uma mulher de axé, filha do Ilê Axé Opô Oxogunladê, falecida no ano de 2012 e que, durante sua vida, dedicou-se à defesa dos direitos das pessoas negras, da causa feminista, difundindo a capoeira angola e a participação das mulheres nesse esporte, e sendo também grande incentivadora da cultura e da religiosidade afro-brasileiras. Rejane Maria foi uma das fundadoras do Grupo ABAÔ de Capoeira Angola (Associação Abaô de Arte, Educação e Cultura Negra), além de ter participado do SACI (Sociedade Afro-Sergipana de Estudos e Cidadania), da Unegro (União dos Negros pela Igualdade) e da Sociedade de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais Omolàiyé.
Reunidas a partir de um chamamento público realizado através das redes sociais, algumas mulheres negras compuseram a fase inicial da organização, cuja definição do nome ocorreu posteriormente. Pautada pela Dororidade, definida por Piedade (2017) como a união das mulheres negras a partir da dor causada pelo racismo, e que carrega em si também a dor causada pelo machismo, as mulheres negras ativistas da “Auto-Organização Rejane Maria” realizam trabalhos de base em comunidades periféricas e ações com a juventude nas escolas, estando articuladas com outros movimentos sociais, e dialogando com as instituições sobre a condição das mulheres negras sergipanas, com vistas a garantir políticas públicas voltadas para o combate às desigualdades sociais, raciais e de gênero no Estado de Sergipe.
A ideia de Auto-Organização, na perspectiva em que a Rejane Maria se constitui, está presente no feminismo contra hegemônico, no qual os grupos se constituem em espaços onde as mulheres podem refletir, dialogar e, a partir dos saberes produzidos nesses encontros, construir alternativas que possam ser postas em práticas no decorrer da luta por justiça social, combate ao racismo, sexismo e lgbtfobia. Tem como base a aprendizagem por meio da coletividade, e representa uma alternativa que visa o empoderamento e o protagonismo feminismo nas lutas sociais.
Conforme indicado em sua Carta de Princípios, a Rejane Maria não é constituída de forma hierarquizada, por isso não apresenta uma direção ou coordenação. Todas as decisões tomadas no âmbito da Auto-Organização são aprovadas coletivamente, havendo ampla discussão entre as integrantes do grupo. Os eixos nos quais a Auto-Organização atua são: Educação, Saúde, Pobreza, Mercado de trabalho e Desigualdade social, Direitos Humanos, Violência, Formação política, Mídia e Cultura. A partir desses pilares são organizadas as mobilizações em comunidades periféricas, com vistas a promover discussões sobre a posição da mulher negra dentro da sociedade racista, sexista, classista e cisheteronormativa em que estamos inseridas, e formular proposituras que possam ser apresentadas em momentos de diálogo com instituições públicas e privadas.
Dentre os objetivos da Auto-Organização, dispostos em sua Carta de Princípios estão:
1) Organizar as mulheres negras da cidade e do campo, do Estado de Sergipe, de modo a visibilizar suas demandas específicas e pleitear seus direitos;
2) Realizar trabalhos de base em comunidades periféricas;
3) Promover ações com a juventude nas escolas;
4) Estabelecer a articulação com outros movimentos sociais;
5) Dialogar com órgãos e instituições sobre a condição das mulheres negras sergipanas;
6) Desenvolver atividades que demarquem datas históricas relacionadas a luta das mulheres negras (Carta de Princípios da AUTO-ORGANIZAÇÃO DE MULHERES NEGRAS DE SERGIPE REJANE MARIA, 2014)
A referida Auto-organização promove trabalhos de base em comunidades periféricas, ações com crianças e com a juventude em escolas, atua em Conselhos municipais e estaduais voltados para políticas públicas de igualdade racial e de gênero, além de estar articulada com outros movimentos sociais, pontuando demandas das mulheres negras sergipanas e pleiteando políticas públicas que rompam com as desigualdades racial, de classe e de gênero presentes no Estado.
Espaços educativos da Auto-organização de Mulheres Negras Rejane Maria
Neste tópico demarcamos nosso reconhecimento dos espaços educacionais dos movimentos sociais como diferentes da aprendizagem escolar e da produção de conhecimento acadêmico, pois, assim como nos ensina Brandão (2007, p. 9), “Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante”. Para Gohn (2009), falar de processos educativos dentro dos movimentos sociais implica, portanto, em ter uma concepção de educação divergente daquela que remete ao aprendizado de “conteúdos específicos transmitidos através de técnicas e instrumentos do processo pedagógico” (p. 17). Nesse sentido, compreendemos os movimentos sociais de uma forma geral, e o movimento de mulheres negras, em específico, como ambientes educativos marcados pela mobilização em torno da luta pela sobrevivência e por direitos cujo papel pedagógico está articulado à descoberta e aprendizagem dos grupos como sujeitos de direito. Para Arroyo (2003, p. 42):
A maioria dos coletivos que se agregam e organizam na luta pela terra, o espaço, os serviços públicos...carregam uma esperança espontânea em um mundo de justiça, de liberdade, igualdade e dignidade. Uma esperança de uma outra ordem no campo e na cidade, na saúde e na educação, nas relações sociais e inter-raciais... Uma ordem regida por outros princípios, outros valores, mais generosos, mais igualitários. Os confrontos no campo da ética tocam em cheio a teoria pedagógica.
Arroyo (2003) aponta que os movimentos sociais desempenham o papel pedagógico de formar lideranças, além de contribuir para a educação das camadas populares da sociedade. São espaços onde os seus integrantes aprendem e constituem novas maneiras de lidar com as condições socioeconômicas, raciais, culturais e políticas com vistas a promover transformações sociais no sentido da igualdade de direitos. Para Gomes (2017), os movimentos sociais são protagonistas da emancipação social, produzindo e articulando saberes que emergem de grupos contra hegemônicos da sociedade, atuando pedagogicamente na construção das relações sociais e políticas a partir da indagação do que é tido como hegemônico.
O Movimento de Mulheres Negras atua no sentido da reeducação da sociedade no que se refere à intersecção de raça e gênero. Ele surge a partir da percepção das limitações existentes dentro do Movimento Negro e do Movimento Feminista, no que se refere à invisibilização de suas experiências atravessadas pelas opressões interseccionais. Sendo assim, as mulheres negras passaram a atuar como sujeitos coletivos, demarcando suas experiências e reivindicando políticas públicas que considerem suas demandas. Para Barbosa (2019), a luta das mulheres negras está relacionada tanto às suas especificidades de raça e gênero visando o rompimento da condição de subalternidade que lhes é imposta, quanto à reivindicação por igualdade no que se refere às condições materiais, uma vez que esta coletividade identifica a relação existente entre subalternização e injusta distribuição de renda.
Barbosa (2019) aponta que a participação política das mulheres negras ocorre em duas vertentes: os movimentos específicos de mulheres negras, em que se discutem as matrizes de opressão que atravessam suas experiências, e os movimentos populares, em que a participação de mulheres negras é significativa, tendo na periferia um importante campo de atuação. Os coletivos de mulheres negras instrumentalizam as participantes para combater o racismo, o machismo, a lgbtfobia e o preconceito de classe, auxiliando suas integrantes e a sociedade no resgate da dignidade do povo preto mediante as relações estabelecidas com o lugar, o corpo, a cultura, a raça e o gênero.
Nesse contexto, estes coletivos trazem para o centro da discussão os elementos constituintes da cultura, da história, da religiosidade e das potencialidades da população negra de forma a ressignificá-los e torná-los relevantes nas trajetórias de quem deles participam. Esse movimento de desconstrução e construção visa suscitar a autoconfiança, a partir da derrubada de estereótipos negativos, subalternizantes e desumanizantes historicamente atribuídos à população negra de uma forma geral, e às mulheres negras, em específico, e possibilitar a valorização do pertencimento étnico-racial e de gênero. Observa-se, portanto, nestas coletividades, o interesse em conscientização sobre a formação histórica, social do país, com vistas a reexaminar a trajetória do povo negro, tratando como um elemento fundante da história nacional e vislumbrando erradicar o complexo de inferioridade introjetado em seu imaginário.
Organizadas em Movimentos, as mulheres negras revertem os determinismos sociais de cunho racial e machista e, aos poucos, conseguem romper com as posições subalternas e inferiores a elas impostas. Quebram as imagens negativas acerca das mulheres negras comumente difundidas em uma sociedade desigual, marcada pelo racismo e pelo machismo. Assim, criam e se recriam, estabelecem novos rumos e elevam sua auto-estima e a de outras mulheres negras por meio de suas ações e intervenções sociais e políticas (SILVA, 2007, p. 196)
O Movimento de Mulheres Negras tem na educação um importante caminho na construção e afirmação identitária e na reivindicação de direitos. A articulação coletiva é uma das formas de resistência que estas mulheres utilizam para enfrentar a estrutura da sociedade brasileira, marcada pela colonialidade, da qual decorrem o racismo, o sexismo, as desigualdades socioeconômicas, o patriarcado e a heteronormatividade. Assim como Silva (2007), compreendemos que as organizações de mulheres negras têm como uma das mais importantes estratégias formativas a reconstituição da identidade e da autoestima e, nesse sentido, ao longo de seu processo formativo, as mulheres negras buscam se reconstruir individual e coletivamente, ressignificando suas relações sociais a partir das categorias de raça, gênero, classe e sexualidade. Para Miranda (2018), as mulheres negras, movidas por uma perspectiva emancipatória, de autoproteção e cuidado mútuo, se organizam em coletivos e organizações para resistir coletivamente às opressões e vislumbrar possibilidades de mudança de sua condição.
Pereira (2016) compreende que o movimento de mulheres negras contribui para a geração de perspectivas analíticas e concepções de justiça social, edificando um pensamento social e político que se organiza a partir das interseções de gênero e raça. Para a autora, as ativistas negras apontam as hierarquias de gênero, raça e classe como injustas, uma vez que estas dificultam o acesso a direitos básicos pelos grupos racializados.
As práticas pedagógicas realizadas no âmbito dos coletivos de mulheres negras se relacionam às escrevivências de suas participantes frente as discriminações interseccionais e a consequente condição de marginalização a qual são submetidas. De acordo com Silva (2018), estas práticas são pautadas na ancestralidade, solidariedade, acolhimento, reflexão e sensibilidade e, além disso, contribuem para mudanças comportamentais, no que se refere a autoaceitação e empoderamento de suas frequentadoras, auxiliando no rompimento do lugar social subalterno e no enfrentamento do racismo, sexismo, lgbtfobia e preconceito de classe. Lima (2014) afirma que essas mulheres utilizam os marcadores de opressão para reconstruir de forma positiva as representações de si, e isso constitui uma das estratégias mais relevantes de luta contra as discriminações que as atravessam. Os coletivos de mulheres negras produzem discursos para se contrapor aos discursos hegemônicos, sugerindo alternativas de resistência em busca da extinção das desigualdades simultâneas (ou interseccionais) que as atravessam. Para Cardoso (2012), este pensamento feminista se orienta a partir de referenciais negro-africanos sendo classificado como decolonial, e visa transformar a sociedade através do enfrentamento a diversas formas de opressão.
No caso da Auto-Organização Rejane Maria, os espaços educativos estão relacionados à formação política e identitária de suas ativistas, seguindo a perspectiva feminista negra interseccional, articulando as categorias de raça, gênero, classe e sexualidade. A partir de nossa inserção nas atividades do grupo, e da análise das redes sociais da Auto-Organização, conseguimos identificar os seguintes momentos educativos:
As Reuniões fechadas (ou internas) são os momentos em que são planejadas e refletidas as atividades da Auto-Organização, fornecendo subsídio para a atuação das ativistas em diferentes espaços institucionais e de convivência social. Nestas reuniões, as ativistas realizam estudo e discussão de textos, tiram dúvidas, dividem tarefas, fazem repasses das atividades que realizaram em outros campos de atuação ao qual foram designadas para representar o grupo, constroem documentos de interesse do grupo (cartas e projetos, por exemplo), realizam avaliação das reuniões abertas, pontuando fragilidades, acertos e potencialidades e apresentam ideias para organização de eventos, divulgam eventos para participação e/ou contribuição do grupo.
As Reuniões abertas são os momentos organizados pelas ativistas para realizar discussões ampliadas com o público externo sobre temas pertinentes às escrevivências de mulheres negras dentro de uma perspectiva interseccional. Estas reuniões também servem para atrair e/ou recepcionar mulheres interessadas em integrar o grupo. O tema de cada reunião aberta é definido nas reuniões fechadas e algumas ativistas são designadas para providenciar a logística da atividade no que se refere a divulgação, espaço físico, acolhimento, convidados. Conforme verificado nas redes sociais da Auto-Organização, ao longo desses quase oito anos de existência, foram organizados vários eventos pelas ativistas, com o intuito de debater temáticas de interesse do povo preto com o destaque para as especificidades das mulheres negras, respeitando sua condição de classe, sexualidade e identidade de gênero. Nas reuniões presenciais, as ativistas buscam considerar as demandas das participantes que são mães. Para isto, priorizam promover os eventos em locais onde haja espaço para as mulheres que queiram ou precisem levar seus filhos, além de providenciarem atividades lúdicas, a exemplo do Cineclubismo, priorizando a exibição de filmes com protagonistas negros.
Além dos eventos realizados pelo próprio grupo, as ativistas participam de eventos organizados por outras entidades, sejam elas do movimento negro, do movimento feminista, escolas, instituições públicas e privadas, dentre outras, com vistas a abordar temas pertinentes às escrevivências de mulheres negras como: racismo, sexismo, feminismo negro, mulheres negras na política, maternidade, violências, infância e racismo, estética negra, autocuidado, ancestralidade, direitos sociais, dentre outros temas, além de relatar experiências exitosas ocorridas dentro da Auto-Organização nos espaços onde são convidadas.
Os projetos são atividades realizadas pelas ativistas em instituições de ensino e em comunidades periféricas. São idealizados como espaços informativos e formativos onde ocorre partilha de experiências, acolhimento e capacitação profissional, tendo como público-alvo, crianças, jovens e mulheres negras, considerando a situação de fragilidade social experimentada amplamente por mulheres negras na sociedade sergipana, em que muitas dessas mulheres são chefes de família. Por meio dos projetos são realizadas rodas de conversa, divulgação da produção científicas de mulheres negras sergipanas e de outras localidades, oficinas lúdicas, de autocuidado, educativas e profissionalizantes, pautadas pelas necessidades das comunidades onde ocorrerá o desenvolvimento dos projetos.
As ativistas também auxiliam na organização e participam de marchas de protesto e reivindicação relacionadas à condição da população negra de uma forma geral e da mulher negra em específico, e se somam na publicação de notas de repúdio e divulgação de atividades de outras organizações. Os eventos que as Rejanes organizam e participam podem ser classificados em: Rodas de Conversa, Cineclube, Oficinas e Marchas.
A “Auto-Organização Rejane Maria” se vincula a diversas entidades negras no âmbito local, regional e nacional, tanto para discutir com outras mulheres negras em rede sobre as especificidades que atravessam as suas existências, quanto para pressionar entidades do Movimento Negro e Feminista por um olhar mais atento às questões pertinentes à intersecção de opressões que atingem as mulheres negras e as colocam em grande desvantagem no que diz respeito aos índices socioeconômicos e da violência no país. Além disso, no âmbito do Estado de Sergipe, as ativistas da Rejane Maria têm buscado ocupar assentos em Conselhos Estaduais e Municipais que versam sobre igualdade racial ou de gênero, levando para esses espaços a discussão do recorte interseccional que deve ser considerado na elaboração de políticas públicas, e que é defendido pelas feministas negras no Brasil e em outras partes do mundo.
No âmbito pedagógico, observamos, nas atividades da “Auto-Organização Rejane Maria”, a ancoragem no Pensamento Feminista Negro (COLLINS, 2019), por observarmos que há uma articulação entre teoria e prática, além da valorização da experiência vivida como um ponto de partida para a mobilização. Em consonância com o pensamento de Collins (2019), Hooks (2019) define que a experiência vivida pelas mulheres negras “[...]desafia diretamente a estrutura social vigente e sua ideologia sexista, racista e classista. Essa experiência vivida é capaz de moldar nossa consciência de modo a diferenciar daqueles que gozam de privilégios (ainda que relativos, dentro do sistema vigente” (HOOKS, 2019, p. 46). Além da valorização da experiência, percebemos a afirmação da necessidade de falar por si e se compreender como sujeito o que, por sua vez, leva ao senso de coletividade e potencializa a importância da articulação, percebendo o empoderamento como um ato político coletivo. Além disso, as ativistas têm buscado estabelecer um paralelo entre suas escrevivências e as produções de intelectuais negras, num movimento de reconexão com as tradições intelectuais subjugadas como base para refletir sobre suas escrevivências. As ativistas compartilham e constroem outras formas de ser mulher negra frente aos estereótipos negativos e a subalternização histórica a que são submetidas, apontam as fragilidades dos movimentos negro e feminista, e estabelecem a periferia como lugar prioritário de ação.
A perspectiva interseccional é evidente nas articulações do grupo, que é formado por mulheres plurais que entendem que não é preciso eliminar as diferenças entre elas para que se criem vínculos de solidariedade em torno da luta para acabar com as opressões que as atingem (HOOKS, 2019). A interseccionalidade, no contexto de ação da Rejane Maria, é vista como a percepção da “[...] forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras” (CRENSHAW, 2002, p. 177), o que, no Estado de Sergipe, representa a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que as mulheres negras estão submetidas.
As mulheres negras ativistas da “Auto-Organização Rejane Maria”, constroem saberes políticos, identitários e estético-corpóreos específicos. Os saberes políticos estão relacionados ao questionamento do sexismo existente dentro do movimento negro e em outros movimentos sociais, e do racismo existente dentro do movimento de mulheres (GOMES, 2017). Os saberes identitários estão relacionados ao debate da questão racial e da identidade negra com um posicionamento de afirmação e valorização da identidade negra. Os saberes estético-corpóreos estão ligados à valorização e politização da estética negra, historicamente inferiorizada e associada à hiperssexualização. Além disso, as mulheres negras da Rejane Maria introduzem em suas reuniões de aquilombamento, debates em torno de questões relacionadas às comunidades quilombolas, a intolerância religiosa praticada contra as religiões de matriz africana, o genocídio da juventude negra, a necessidade de maior participação das mulheres negras na política e a experiências das pessoas negras LGBTQIA+.
Considerações finais
Na esteira de Barbosa (2019), acreditamos que as construções identitárias das mulheres negras são permeadas por uma confluência de opressões que, por sua vez, implicam na constituição de um lugar social específico para as mulheres negras, marcado pela desumanização e pela desigualdade, que estas mulheres buscam subverter a partir de uma articulação coletiva em torno de direitos.
No período no qual nos inserimos nas atividades da “Auto-Organização Rejane Maria”, estas aconteceram de forma remota, em virtude da pandemia da COVID-19. Nesse período de observação participativa, verificamos que as reuniões se dividiram em internas e externas, sendo que as reuniões internas são realizadas para planejamento, formação política interna e avaliação de atividades, e as reuniões externas são realizadas com vistas a discutir com pessoas externas à Auto-Organização, temas pertinentes à população negra, para atrair mulheres negras a integrar o grupo, ou mesmo visibilizar pesquisas acadêmicas que versam sobre temas de interesse da população negra.
Ao abordar as práticas educativas presentes no movimento de mulheres negras nos aproximamos do que Scott (2005) denomina de enigma da igualdade, tendo em vista que esta coletividade estudada se vale de uma identidade coletiva - de ser mulher negra e vítima de uma matriz de opressões que lhes retiram direitos básicos, encontrando apoio e solidariedade para se unir e reivindicar a sua inclusão de forma equânime, tencionando o status quo vigente e desestabilizando estruturas estabelecidas há séculos, buscando políticas públicas que contemplem as especificidades desse grupo.
Compreendemos o espaço da Auto-Organização de Mulheres Negras Rejane Maria como produtor de uma pedagogia de (re)existência que emerge das escrevivências das mulheres negras ativistas, representando um espaço marcado por práticas pedagógicas emancipatórias inseridas na perspectiva da Pedagogia Feminista Negra, empreendendo resistência à colonialidade do poder, do ser e do saber, e, sobretudo, de combate às opressões interseccionais de raça, gênero, classe e sexualidade.
Nos aquilombamentos com as Rejanes está sendo possível refletir sobre como as experiências constitutivas de ser mulher, presente nas práticas pedagógicas da Auto-Organização, expressam características do Feminismo Negro, ao passo que percebemos que estas práticas podem suscitar (e suscitam) desdobramentos, a exemplo da execução de outras ações educativas para além do ambiente restrito de convivência das ativistas no grupo. Sendo assim, compreendemos a “Auto-Organização Rejane Maria” como proponente de alternativas ao projeto educacional brasileiro, se pautando na Pedagogia Feminista Negra para combater o racismo, o sexismo, a misoginia, a homofobia, a transfobia e o preconceito social e apontar possibilidades de transformação direcionadas para a justiça social. Compreendemos que a Pedagogia Feminista Negra se constitui na resistência e na construção de novas possibilidades de existir e resistir, se apresentando como instrumento de emancipação ao pensar a sociedade a partir de uma perspectiva interseccional, representando um avanço teórico, racial, social e de gênero.
RESUMO:
Main Text
Caminhos que nos levaram ao quilombo Rejane Maria
A “Auto-Organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria”
Espaços educativos da Auto-organização de Mulheres Negras Rejane Maria
Considerações finais