Mon, 15 May 2023 in Revista on line de Política e Gestão Educacional
POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO INTEGRADO: UMA ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES CURRICULARES PROPOSTAS A PARTIR DE 2017
RESUMO:
Este artigo objetiva discutir as políticas educacionais voltadas para o currículo do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, especialmente a partir das principais alterações contidas na Base Nacional Comum Curricular - BNCC, aprovada pela Portaria n° 1.570 em 21/12/2017 e, nas Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, aprovadas pela resolução CNE/CP nº 1, em 05 de janeiro de 2021. As reflexões apresentadas neste estudo têm como base uma pesquisa bibliográfica centrada nas regulamentações curriculares e nos estudiosos que discutem Currículo, Políticas Públicas, Educação Profissional e a Relação entre Trabalho e Educação. Com o desenvolvimento do estudo verificou-se que as propostas de alterações curriculares empreendidas a partir de 2017 evidenciam celeridade em contemplar e em ceder às pressões externas, sobretudo as ditadas pelas mudanças no modo de produção capitalista, que tem como marca o pragmatismo formativo e a visão utilitarista da educação.
Main Text
Introdução
Pode-se pensar que todas as modalidades de educação profissional estejam atreladas a uma formação com o objetivo de atender às exigências da força de trabalho, determinadas pelo modo de produção capitalista. Se entendido dessa forma, estaríamos direcionando a análise para uma compreensão pragmática e utilitarista da escolarização. A centralidade desse tipo de análise reside na discussão de aspectos que favorecem a manutenção e a reprodução das desigualdades nas condições de escolarização dos jovens, que constituem o público do ensino médio. A articulação da educação profissional com o ensino médio deve ser concebida como uma síntese formativa para o desenvolvimento de um indivíduo emancipado, e não como uma formação unilateral que visa atender, sobretudo, às demandas do sistema produtivo.
Ao propor uma discussão sobre os percursos formativos planejados para os cursos integrados, é necessário incluir dimensões como a regulamentação do currículo escolar, formalizada por meio das políticas públicas educacionais. As políticas públicas curriculares devem ser compreendidas como referenciais básicos e essenciais no âmbito educacional, uma vez que orientam os procedimentos para a organização estrutural e conceitual dos cursos em qualquer nível e modalidade de ensino. Contudo, também devem ser compreendidas como reflexo de interesses contraditórios, especialmente como ferramenta de poder e de manutenção dos interesses hegemônicos.
Nesse sentido, a intenção deste artigo é responder à seguinte questão: as alterações curriculares propostas a partir de 2017 para o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional - EMIEP implicam em favorecer os processos formativos numa perspectiva de emancipação do indivíduo ou se norteiam para uma adequação às demandas do mundo produtivo?
Com o objetivo de responder à questão proposta, busca-se tecer considerações acerca da dinâmica que envolve as proposições de alterações das políticas educacionais, centradas em dois documentos principais: a Base Nacional Comum Curricular - BNCC e as Diretrizes Curriculares Gerais da Educação Profissional e Tecnológica. Pretende-se compreender de que forma essas políticas educacionais curriculares, ao serem implementadas, podem favorecer a adaptação, a conservação ou a transformação do ensino integrado, entendido aqui como uma etapa fundamental da escolarização dos jovens.
O objetivo deste estudo é promover uma discussão preliminar acerca das alterações que influenciam o currículo do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional a partir de 2017. Como essas mudanças curriculares são relativamente recentes e ainda estão em processo de implementação nos âmbitos institucionais, optou-se por uma pesquisa bibliográfica. O aporte teórico-bibliográfico baseia-se em referências que abordam temas como Currículo, Políticas Públicas, Educação Profissional e a relação entre trabalho e educação numa perspectiva crítica.
Relação trabalho e educação e políticas públicas curriculares para o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional - EMIEP
Adentrar a discussão sobre políticas públicas que orientam a construção do currículo para o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional implica na necessidade de compreender as relações estabelecidas entre trabalho e educação, uma vez que o currículo propõe unir a formação profissional e o ensino médio.
Quando abordamos a formação profissional integrada ao nível médio, estamos falando de uma modalidade destinada a jovens que concluíram o Ensino Fundamental, os quais, em sua maioria, têm entre quatorze e dezoito anos de idade. A profissionalização nessa etapa da educação básica deve ser compreendida como parte do “projeto hegemônico [...], que é um projeto social centrado na primazia do mercado, nos valores puramente econômicos, nos interesses dos grandes grupos industriais e financeiros” (SILVA, 2010, p. 28). A partir dessa perspectiva, pode-se compreender que as reformulações curriculares, que perpassam pela política curricular, se mobilizam com vistas a atender, especialmente, às necessidades do mercado de trabalho, que está em constante modificação e é impulsionado pelo desenvolvimento tecnológico e pelo desemprego estrutural, tornando-se cada vez mais dinâmico e volátil.
O que se espera para o EMIEP é uma formação que relacione trabalho e educação e que considere a emancipação do sujeito, articulando, assim, instrução intelectual, física e tecnológica, resultando em uma totalidade formativa (MARX; ENGELS, 2011). Espera-se uma escolarização que busque potencializar todas as habilidades do sujeito, conduzindo-o à construção de sua existência de forma emancipada, livre de limitações alienantes (DUARTE; OLIVEIRA; KOGA, 2016).
Com isso, as políticas públicas educacionais seguem em curso com alterações que nem sequer se consolidam no âmbito do currículo em ação, passando por novas reformulações, muitas vezes por conta da própria racionalidade neoliberal, que tem como “característica principal a generalização da concorrência como norma de conduta e da empresa como modelo de subjetivação” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 17).
A escola, ao adotar o modelo empresarial como referência para sua gestão administrativa e didático-pedagógica, considera o aluno como um cliente, mas não um cliente que deva receber uma formação ampla e emancipadora. A formação é direcionada, sobretudo, para atender o perfil profissional exigido pelo mercado de trabalho, que posteriormente não garante a absorção da força de trabalho desses jovens, os quais frequentemente precisam buscar novas qualificações ou se sujeitar a empregos nos quais sua formação não é aproveitada.
Nesse contexto, é compreensível que as discussões em torno das políticas educacionais curriculares propostas para a educação básica e o ensino profissional devam ser abordadas considerando as interações estabelecidas entre trabalho e educação. Isso se faz necessário com o objetivo de atender aos propósitos de uma escolarização que garanta o acesso dos descendentes da classe trabalhadora aos saberes produzidos ao longo da história. Além disso, ao tratar do ensino integrado, o trabalho deve ser compreendido como um princípio educativo. Com base nesse princípio, de origem marxista, o trabalho é considerado uma categoria fundante do ser social e, por isso, faz parte da humanização do homem.
Para compreender melhor o processo que culminou nas alterações curriculares para o EMIEP, é importante fazer um breve resgate histórico, iniciando pelo final dos anos 1990. Após o processo de redemocratização do país e com a promulgação da Constituição Federal de 1988, muitas discussões foram fomentadas no campo educacional. Nesse período, a educação formal foi considerada como uma dimensão crucial para o avanço dos padrões de emprego, de saúde e da construção de uma sociedade mais democrática e com maior justiça social, o que influenciou na maneira como as políticas educacionais eram vistas, uma vez que a educação, constitucionalmente tornou-se um direito humano básico.
Neste contexto, houve a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN n.º 9.394 em 1996. Na LDB, a modalidade da educação profissional passa a contemplar dimensões como trabalho, ciência e tecnologia (BRASIL, 1996). Contudo, as proposições em questão parecem apontar para uma ruptura entre a educação profissional de nível médio e o ensino médio, contrariando os princípios de uma educação emancipadora. Há uma tendência crescente em ampliar os cursos na modalidade de concomitância, que fragmenta a formação do aluno, visto que este cursa o ensino médio regular em uma escola e o ensino técnico em uma instituição dedicada exclusivamente ao ensino profissionalizante.
Do ponto de vista das políticas educacionais, esse cenário ganha outros contornos a partir da mudança de governo em 2002. Há uma retomada da discussão sobre a ampliação da formação profissional de nível médio, numa perspectiva de integração e articulação. Foi aprovado, então, o Decreto n.º 5.154/2004, que prevê a oferta de cursos integrados, baseados na articulação entre o ensino médio e o ensino técnico em uma mesma instituição, com um Projeto Pedagógico de Curso unificado (BRASIL, 2004).
Nesse contexto, o ensino profissional público federal ganhou espaço no campo político, culminando na aprovação da Lei n.º 11.892/2008, que teve como finalidade a reorganização e criação, no âmbito do Ministério da Educação [MEC], de um novo formato de instituição de educação profissional e tecnológica (BRASIL, 2008). Estruturado a partir do potencial instalado nos Centros Federais de Educação Tecnológica [CEFETs], Escolas Técnicas Federais [ETFs], Escolas Agrotécnicas Federais [EAFs] e escolas vinculadas às Universidades Federais (PACHECO; SILVA, 2009, p. 08), o plano de expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica teve como uma de suas finalidades a oferta prioritária de formação profissional de nível médio, por meio de cursos com currículos integrados.
Diante dessas mudanças, tornou-se necessário estabelecer e propor novas Diretrizes Curriculares que auxiliassem as instituições que compõem a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Essa rede é composta pelas novas instituições que surgiram a partir da adesão à Lei n.º 11.892 de 29 de dezembro de 2008, bem como pelas demais instituições que não aderiram a essa lei. O objetivo era pensar o formato dos cursos integrados, delineados a partir do texto da Resolução n.º 06 de 2012, que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2012).
Gimeno Sacristán (2017, p. 107) define a política curricular como “[...] um campo ordenador decisivo, com repercussões muito diretas sobre a prática educacional e sobre o papel e a margem de atuação que os professores e os alunos têm nela”. Por ser um referencial basilar para o planejamento dos currículos dos cursos organizados integradamente, as diretrizes em articulação com os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 2000) e com o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos - CNCTs (BRASIL, 2012) tornam-se fios condutores no processo de reelaboração dos currículos dos cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio integrada.
Decorridos cinco anos desde a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, é possível observar que a política educacional curricular vem sendo objeto de novas alterações. Essas mudanças são impulsionadas por um pressuposto fundamentado em argumentos que enfatizam a importância da flexibilidade no percurso formativo do aluno, a necessidade de ampliar o tempo de permanência dos jovens na escola como forma de torná-la mais atraente, dentre outros aspectos relevantes.
O projeto, que está consubstanciado na Lei n.º 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, estabelece, entre outras medidas, a formação técnica e profissional como um dos itinerários formativos do ensino médio, expressas no artigo 36 desta lei, normatiza que:
O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional (BRASIL, 2017).
A ampliação e a inclusão da formação técnica profissional como uma das possibilidades formativas para os alunos do ensino médio favorecem a expansão da oferta de cursos técnicos no formato de concomitância, especialmente em instituições de ensino profissional. Isso ocorre porque a maioria das escolas públicas de ensino médio não possui estrutura física e humana para oferecer cursos profissionalizantes. Dessa forma, as proposições expressas na lei 13415/2017 resultam na necessidade de readequação das Diretrizes Curriculares da Educação Profissional vigente, a Resolução n.º 06 de 2012.
Além das alterações impostas à organização curricular do Ensino Médio, incluindo o EMIEP, é importante considerar a orientação trazida pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). As discussões sobre uma Base Curricular Nacional foram formalizadas por meio da Portaria Ministerial n.º 592, de 17 de junho de 2015, na qual se instituiu a Comissão de Especialistas para a Elaboração da Proposta da Base Nacional Comum Curricular, com a participação de profissionais de todas as unidades da federação indicados pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) (Art 1º e 2º).
Segundo o histórico publicado no site do BNCC/MEC, em 2015 a primeira versão do documento passou por consulta pública, e houve uma mobilização das escolas de todo o Brasil para discutir o documento preliminar. Com base nas análises realizadas nesta etapa, foi lançada a segunda versão em 2016, a qual foi objeto de discussão em 27 Seminários Estaduais com a participação de professores, gestores e especialistas no tema. Em 2017, houve a sistematização das proposições e a terceira versão foi encaminhada ao Conselho Nacional de Educação - CNE. Em dezembro de 2017, a BNCC foi aprovada e homologada por meio da portaria n° 1.570, publicada no D.O.U. de 21/12/2017. É importante ressaltar que o CNE aprovou a BNCC do Ensino Médio somente em 04 de dezembro de 2018.
Com a aprovação da BNCC e da lei 13.415, iniciam-se as propostas de alteração das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Técnico e Tecnológico. Parte do texto do parecer CNE/CP n.º 17/2020 apresenta as seguintes justificativas para as alterações necessárias das diretrizes curriculares:
As mudanças trazidas pela Lei nº 13.415/2017, por meio do art. 36, ao flexibilizar a organização curricular do ensino médio “por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino”, inclusive por meio de um itinerário dedicado à “Formação Técnica e Profissional”, exigem que as atuais Diretrizes Curriculares da Educação Profissional Técnica de Nível Médio se alinhem às demandas dos setores produtivos e que sejam capazes de responder adequadamente aos atuais desafios apresentados às instituições e sistemas de ensino do país, em especial, quanto à oferta de novas alternativas de profissionalização dos novos trabalhadores, de forma a ampliar significativamente a formação de técnicos de nível médio, contribuindo com a aceleração do desenvolvimento socioeconômico do país e rompendo com o imobilismo que compromete a produtividade do trabalhador brasileiro, sobretudo, quando comparado aos trabalhadores dos países desenvolvidos (BRASIL, 2017, p. 3, grifo meu).
A argumentação apresentada no próprio parecer evidencia que o objetivo principal, que se refere ao texto das novas diretrizes, está alinhado com dimensões relacionadas às demandas dos setores produtivos e a uma agenda liberal. As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para Educação Profissional e Tecnológica foram homologadas por meio da resolução CNE/CP n.º 01, de 5 de janeiro de 2021 (BRASIL, 2021).
Cabe ressaltar que o contexto de discussão e aprovação das diretrizes ocorreu num momento em que todas as instituições de ensino estavam com parte de suas atividades didático-pedagógicas e administrativas paralisadas devido à pandemia de COVID-19. E, segundo as circunstâncias, o processo aconteceu de maneira célere, sem as necessárias discussões. Isso nos leva a inferir que as diretrizes em questão representam um retrocesso em relação ao avanço rumo a uma escolarização mais igualitária, que busca superar o dualismo educacional existente.
Essa preocupação tão presente entre os estudiosos das políticas educacionais para a educação profissional resultou na divulgação de uma Nota de Repúdio da Associação Nacional da Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED, 2021) em que demonstram, dentre outras fragilidades, que o texto das diretrizes carece de consistência teórica, ao ser marcado por indefinição ou oscilação em relação às concepções educacionais apresentadas, situando-o no âmbito das críticas acadêmicas dirigidas a documentos oficiais relativos às reformas da década de 1990, como o Decreto 2208/1997, que já havia sido revogado pelo decreto n.º 5.154 de 2004 (BRASIL, 2004).
Em relação à implementação e reorganização do currículo dos cursos integrados, o artigo 24 do texto das Diretrizes Nacionais Gerais da Educação Profissional Técnica e Tecnológica (Resolução nº 01/2021) orienta que o planejamento do curso, deve apresentar:
I - adequação e coerência do curso com o PPP e com o regimento escolar da instituição de ensino, especialmente com sua missão e objetivos; II - articulação com o mundo do trabalho, com as tecnologias e com os avanços dos setores produtivos pertinentes, de forma a responder às demandas de profissionalização do mercado de trabalho; III - definição do perfil profissional de conclusão do curso, projetado na identificação do itinerário formativo planejado pela instituição educacional, com base nos itinerários de profissionalização claramente identificados no mundo do trabalho, indicando as efetivas possibilidades de contínuo e articulado aproveitamento de estudos; IV - identificação dos saberes compreendidos nas competências profissionais definidoras do perfil profissional de conclusão proposto para o curso; V - organização curricular por áreas de estudos, projetos, núcleos temáticos ou outros critérios ou formas de organização, desde que compatíveis com os princípios da interdisciplinaridade, da contextualização e da integração permanente entre teoria e prática ao longo de todo o processo de ensino e aprendizagem; VI - definição de critérios e procedimentos de avaliação da aprendizagem; VII - identificação das reais condições técnicas, tecnológicas, físicas, financeiras e de pessoal habilitado para implantar o curso proposto; VIII - elaboração do PPC a ser submetido à aprovação dos órgãos competentes, no âmbito do respectivo sistema de ensino; IX - avaliação da execução do respectivo PPC; e X - incentivo à inovação por meio de metodologias que estimulem o protagonismo do estudante na área de atuação profissional. grifo da autora (BRASIL, 2021, p. 9).
A consideração sobre a constituição dos cursos integrados, conforme as orientações descritas nas diretrizes, implica em priorizar uma formação voltada para a empregabilidade e para a articulação com os setores produtivos e as demandas do mercado de trabalho.
No entanto, a centralidade dessa questão vai além de uma proposta de política pública, pois há um processo complexo que envolve a materialização de uma política pública no campo da ação, por isso é importante salientar que:
A ordenação do currículo faz parte da intervenção do Estado na organização da vida social. Ordenar a distribuição do conhecimento através do Sistema Educativo é um modo não só de influir na cultura, mas também em toda a ordenação social e econômica da sociedade (GIMENO SACRISTÁN, 2017, p. 108).
Para avançar na compreensão acerca das alterações curriculares ditadas para o EMIEP, a partir do ano de 2017, é preciso retomar a seguinte questão: por que defender a integração curricular no âmbito da educação profissional de nível médio básico?
A questão em pauta nos leva a refletir sobre as intenções e tensões subjacentes aos processos de elaboração de políticas curriculares para o Ensino Profissional. Conforme afirmado no escopo deste artigo, o ensino profissional tem uma relação direta com as categorias trabalho e educação. No entanto, a compreensão dessa formação para o trabalho vai além da natureza da empregabilidade ou mesmo de uma formação meramente instrumental. Em uma análise realizada por Frigotto e Araújo (2018, p. 249), o percurso formativo proposto para o ensino integrado deve ter como pressupostos uma escolarização que compreenda o trabalho como um princípio educativo. Em outras palavras, a formação dos jovens deve progredir rumo à construção de um projeto societário genuinamente democrático, o qual pressupõe uma proposição pedagógica comprometida com o ideal de uma formação integral do aluno e que almeje a emancipação do indivíduo.
Enfim, algo primordial a ser considerado a respeito do currículo em todas as suas trajetórias - currículo oficial, currículo prescrito e currículo ativo - é que devemos fazer uma pergunta essencial: “O conhecimento de quais grupos é ensinado na escola?” Esse tipo de pergunta, proposto pelo estudioso crítico do currículo, Apple (2006), adquire relevância, uma vez que, no contexto social, o currículo é visto como um espaço em que grupos dominantes trabalham constantemente para exercer a persuasão ideológica, a fim de manter a sua posição de dominação. As políticas públicas e a dimensão relacional que se desenvolvem no âmbito escolar nas discussões e implementações dessas políticas também servem a esses grupos hegemônicos, conforme destacado nas etapas de construção de referenciais tão importantes como a BNCC.
Considerações finais
Abordar as principais políticas curriculares direcionadas para a educação profissional de nível médio, consubstanciadas principalmente na BNCC-EM aprovada em 2018 e nas Diretrizes Curriculares para a Educação Técnica e Tecnológica aprovadas em 2021, requer que compreendamos que a escolarização dos jovens é um campo de disputa. O Ensino Médio, em particular, aquele que integra a educação profissional, tem como finalidade preparar os jovens para duas opções imediatas: ingressar no mercado de trabalho e/ou prosseguir seus estudos em cursos de qualificação profissional, ou mesmo nível superior.
A constituição do currículo do Ensino Médio, seja ele regular ou integrado, a partir da Lei 13.415/2017 e, por conseguinte, da BNCC/2018, prevê a inserção da formação profissional como um dos itinerários formativos dos alunos do Ensino Médio da rede pública. Conforme a lei, os itinerários formativos têm a possibilidade de aprofundar conhecimentos em uma ou mais áreas do conhecimento (Matemática e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) e na Formação Técnica e Profissional (FTP).
A proposta, em teoria, é “libertadora”, por dar ao estudante a escolha do seu caminho formativo, especialmente em relação à formação técnica profissional, que permite a entrada no mercado de trabalho após a conclusão do ensino médio. Mas que tipo de formação seria essa?
Ao considerar os princípios defendidos pela educação como uma ferramenta de emancipação do sujeito, a decisão de flexibilizar a oferta de algumas áreas de conhecimento, notadamente aquelas voltadas para a formação crítica - uma das vias da formação emancipadora - pode levar a uma escolarização superficial. Isso porque todas as áreas das ciências são fundamentais para a construção de um sujeito crítico.
Os princípios contidos nas diretrizes, inclusive na mais recente, a Resolução nº 01 de 2021, revelam uma prioridade formativa para o atendimento às demandas do mercado. A questão central é que são cursos profissionalizantes e de educação básica, por isso a urgência em compreender o que de fato isso significa.
A problematização inicial era de responder, a partir de uma pesquisa bibliográfica, de que maneira as alterações curriculares propostas a partir de 2017 para o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional - EMIEP implicam num favorecimento dos processos formativos numa perspectiva de emancipação do sujeito ou norteiam-se para uma adequação às demandas do mundo produtivo?
Voltando o olhar para as Diretrizes Curriculares Gerais para Educação Técnica e Tecnológica (Resolução 01/2021) no que se refere à construção e à reformulação dos Projetos Pedagógicos de Curso há no texto um apelo à necessidade de articulação com os setores produtivos. A formação básica parece ser um apêndice no processo formativo.
As propostas empreendidas a partir de 2017, no campo das políticas curriculares, revelam uma urgência em atender às pressões externas, especialmente oriundas das acelerações produzidas pelas mudanças do modo de produção, marcadas por um pragmatismo que visa essencialmente, atender de forma prioritária as demandas de formação para o mercado. Finalmente, entendendo o currículo, numa perspectiva crítica, como uma ferramenta de manutenção do poder hegemônico, parece-nos salutar afirmar que essa análise exige, além de pesquisas epistemológicas aprofundadas, uma investigação empírica abrangente, buscando compreender e discutir como esses currículos serão, de fato, concretizados no interior das Instituições que oferecem Ensino Profissional integrado ao Ensino Médio.
RESUMO:
Main Text
Introdução
Relação trabalho e educação e políticas públicas curriculares para o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional - EMIEP
Considerações finais