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Mon, 22 May 2023 in Revista on line de Política e Gestão Educacional
ATUAÇÃO DOS ORGANISMOS MULTILATERAIS PARA A GOVERNANÇA GLOBAL: DIFUSÃO E TRANSFERÊNCIA DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS
RESUMO:
Objetiva-se analisar formas de atuação dos Organismos Multilaterais (OM) no contexto governança educacional global. A base metodológica se sustenta pela abordagem qualitativa a partir da pesquisa bibliográfica e documental. Os dados apresentados permitem identificar um modus operandi de OM, como UNESCO, UNICEF e Banco Mundial, aperfeiçoado de forma a corroborar com a interdependência produzida na Governança Global, estabelecida pelos acordos da política internacional, envolvendo redes internacionais e domésticas. Nesse cenário, os OM vêm atuando como difusores e mediadores no processo de transferência de políticas, o que permite integrar redes híbridas de governança. Incidentemente, a transferência ocorre mediante a recontextualização e adaptação de políticas, de forma não linear, para a legitimação e o encaminhamento de agendas globais, sob a ostentação da ideia ilusória de que houve trocas, partilhas e negociações, mas que, em sua maior parte, corroborou para a transnacionalização da educação.
Main Text
Introdução
O debate sobre a qualidade da educação ocupa o epicentro das pautas ao redor do mundo e atores diversos vêm difundindo formas padronizadas de pensar problemas e soluções. Um movimento de ideias, políticas e práticas de educação de um local para outro, normalmente, entre fronteiras nacionais, vem sendo disseminado e, por vezes, tal fenômeno decorre de programas de cooperação multilateral estabelecidos entre Governos, produzindo travelling reforms4 que, segundo Shiroma (2020), conforme seus interesses, patrocinam e aceleram sua difusão.
A crescente participação de organizações multilaterais (OM) na formulação de políticas demonstra que o seu papel de indutor de reformas não se restringe apenas em influenciador de políticas nos contextos domésticos nacionais. Isso significa que, no contexto de governança global, além de fornecerem aporte financeiro, abrangem assessorias, concertação de agendas comuns e movem a política do internacional que impacta nas políticas nacionais dos países. Trata-se de um jogo permanente de interações e em constante processo de ajuste e/ou imposição do global ao local, em que não há assunto político que se discuta internamente que não seja tratado, simultaneamente, em algum organismo internacional ou em algum relacionamento estabelecido para a cooperação internacional.
A presença de OM em mudanças políticas nacionais altera a configuração do Estado, enquanto a participação de organizações da Sociedade Civil nos processos de definição e execução de políticas públicas tem impacto sobre a construção da hegemonia necessária para governar, se utiliza de redes sociais internacionais, regionais e nacionais (SHIROMA; EVANGELISTA, 2015).
Nesse sentido, esse artigo busca analisar as formas de atuação dos Organismos Multilaterais (OM) no contexto de governança educacional global entre 1990-2020. O interesse pela temática advém por considerarmos que estudos sobre transferência, difusão e circulação de políticas, que são formas de atuação de sujeitos internacionais, são uma área fértil para a inovação no campo da análise de políticas públicas (OLIVEIRA; PAL, 2018), cujas políticas sociais de corte educacional constituem-se como um terreno substancial e profícuo para tanto.
Dessa forma, recorreu-se a pesquisa bibliográfica e documental em uma perspectiva analítico-descritiva, com o enfoque qualitativo, articulando o campo da Ciência Política e da Educação. O artigo, então, está dividido em dois momentos: primeiramente, apresenta-se a discussão do conceito de Governança Global e da Educação; em seguida, realiza-se a análise da Difusão e da Transferência de Políticas Educacionais como mecanismos da materialização da governança global.
O conceito contemporâneo de Governança Global e suas influências na educação
As bases para a constituição do conceito contemporâneo de governança remetem ao momento fortemente marcado pela crise de legitimidade em relação aos Estados de bem-estar social (ANSELL; TORFING, 2016), nas últimas décadas do século XX. Esse período foi profícuo em reformas estruturais nos mais diversos países do mundo para superação da crise, cuja concertação de uma agenda compartilhada via acordos globais, alavancada pelo processo de intensificação da integração econômica, se constituiu como mecanismo de consolidação da interdependência na sociedade internacional, da intensificação de movimentos dos capitais e do conhecimento e informação (BORTOT, 2022).
O período posterior ao movimento de globalização desenvolveu políticas transnacionais com autoridade dispersada além do Estado-nação e legitimou conhecimentos políticos e interesses não, necessariamente, localizados dentro do Estado-Nação ou da comunidade local. As crises do capitalismo derivam tanto do regime de acumulação - que comporta as fases constituintes do capitalismo -, como, também, do modo de regulação estatal, ou seja, os mecanismos políticos e jurídicos que instrumentalizam a acumulação. O estado regulatório é, nesse passo, uma forma haurida da própria estruturação social e se faz presente mesmo no estado liberal: “O neoliberalismo não é uma retirada do Estado da economia, mas um específico modo de presença do Estado na economia” (MASCARO, 2013, p. 118).
Dardot e Laval (2016) consideram que o neoliberalismo desenvolveu a ideologia de como fazer do mercado, tanto como princípio de governo dos homens, quanto do governo em si, via uma refundação intelectual e a nova racionalidade, um elemento que combina a reabilitação da intervenção pública com uma concepção de mercado centrada na concorrência. O período instaura a fase do trabalho flexível e das relações econômicas e sociais, desencadeando numa política de consenso (MÉSZÁROS, 2005). Na América Latina, a primeira grande experiência neoliberal, após suas teorizações, ocorreu com Augusto Pinochet no Chile, que esteve à frente do governo entre os anos de 1973 a 1990 e concedeu bases para tal concepção ser disseminada em outros países. Logo, o neoliberalismo foi adotado como resposta à crise da dívida externa sentida em diferentes países da América Latina no contexto da moratória mexicana de 1982.
Inaugura-se, assim, um cenário de maior interdependência e mundialização das relações internacionais, com deslocamento parcial da autoridade dos Estados nacionais para organizações internacionais e transnacionais, bem como aos agentes de mercado e da sociedade civil. O conceito de Estado é ampliado de forma a incorporar esses novos agentes, o que traz desafios para os mecanismos tradicionais de governo e a legitimidade da autoridade política.
Igualmente acentuada nesse período foi a expansão além-fronteiras de firmas e o crescimento de organizações internacionais, para as quais os conceitos de internacionalização5 e globalização se impuseram. Esses processos provocam uma superação das fronteiras nacionais e uma transnacionalização das políticas públicas6. A consequência é que as estruturas de dependência do Estado em relação a atores sociais são sobrepostas agora por estruturas internacionais de interdependência, nas quais a soberania dos Estados nacionais também é desafiada em nível internacional (SCHNEIDER, 2005).
O Estado nacional isolado pode, cada vez menos, conduzir e controlar sozinho tanto dentro do seu território, quanto também no sistema global de Estados. E, nessa direção, é compelido à negociação, ao intercâmbio, à coordenação e à cooperação com os agentes de Governança Global, advindos de estruturas internacionais de interdependência via transnacionalização das políticas. Logo, criam-se novos arranjos de poder e uma diversificação (orientada e acordada) das agendas de relações internacionais e do imperativo da troca e partilha de ideias, recursos e competências para a produção dos resultados desejáveis, diga-se de passagem, à ordem capitalista.
Nesse contexto, a Governança Global pode ser definida como um sistema de valores, políticas e instituições que possibilitam às sociedades se organizarem para tomar decisões coletivas e exercerem ações de ordem política, econômica, sociocultural e ambiental por meio da interação entre Estado, sociedade civil e setor privado. Tal processo pode ser realizado de diferentes formas: ações estatais unilaterais no próprio território; ações unilaterais fora dos Estados; cooperação regional e multilateral por meio da criação de regimes internacionais; e cooperação transnacional e transgovernamental, reconhecendo que a conexão entre o Estado e a sociedade importa (RHODES, 2012).
As transformações nas relações entre Estado e sociedade civil são, para Harvey (2005), uma manifestação de tendências convergentes na escala global no processo de neoliberalização, que podem ser compreendidas por meio das alterações do governo do Estado de bem-estar para os modos neoliberais de governança, também conhecidos como a transição “do governo para a governança” (RHODES, 2012). A passagem do governo (poder do Estado por si mesmo) à governança (uma configuração mais ampla que contém os Estados e elementos-chave da sociedade civil) significa para Harvey (2008), “uma ampla convergência das práticas do Estado neoliberal e do Estado desenvolvimentista” (p. 87), que contempla a construção de alianças e redes, táticas, estratégias e consenso entre atores e interesses diversos, como o multilateralismo.
Finkelstein (1995) observa que a governança corresponde à amplitude da agenda internacional contemporânea numa época de interdependência e de dissolução progressiva dos limites entre política interna e internacional. No caso da governança global, essa atividade compreende: criação e disseminação de conhecimento; formulação e promulgação de princípios e promoção do consenso acerca da ordem internacional ou regional, além de questões específicas da agenda internacional; esforços para influenciar a conduta interna dos Estados; resolução ou mediação de conflitos; formação e aplicação de regimes; regulação; alocação de recursos; provisão de programas de assistência humanitária e de ajuda ao desenvolvimento; manutenção da paz e da segurança internacionais.
Essa interdependência, estabelecida pelos acordos da política internacional, é resultado de um processo complexo, envolvendo redes internacionais e domésticas. Essa moldura de dependência advinda da transnacionalização das políticas em “formas híbridas de governança”, composta tanto pelo Estado, quanto por atores não-estatais. Assim, formas híbridas de governança são constituídas e influenciadas por um fluxo de ideias que circulam nas redes políticas e sociais (circulação internacional de ideias; o processo de empréstimo de políticas; a venda de soluções, realizada por grupos ou indivíduos) ou, ainda, pelo patrocínio destas políticas ou a imposição de suas medidas pelas agências internacionais (BALL, 2016).
Na educação, OM influenciam reformas por meio da elaboração da hegemonia discursiva de consensos e agendas, dentre elas, as educacionais. Essas organizações são conceituadas como transmissoras-chave de pontos de vista particulares da educação e da reforma educacional que, basicamente, são instrumentalizadas e orientadas para o mercado nos contextos nacionais (VERGER, 2019), devido ao seu papel mais explícito e determinado em termos de lobbying e advocacy internacional. Para tanto, os eventos transnacionais se tornaram um espaço importante para que os agentes de transferência pudessem ampliar sua atuação aspirando alcançar impacto global (OLIVEIRA; PAL, 2017).
Estudo recente de Shiroma (2020) demonstrou que a governança transnacional na educação promove a regulação de programas e políticas, intermediada para atender redes, com ampla permeabilidade público-privada. Essas experiências reguladoras, nas quais buscam difundir ações, são norteadas por programas exitosos, com visões de eficiência e eficácia como, por exemplo, do professor que se quer formar em plena coerência com o currículo que enfatiza o trabalho prático na preparação do bom docente.
Nesse sentido, a Governança Global é apreendida como um mecanismo multilateral, coordenador das relações de interdependência entre todos os atores do Sistema Internacional e das relações entre Estado, Organismos Internacionais, Sociedade Civil e a Educação. Essas relações provocadas pela Governança Global e vinculadas ao projeto de novo associativismo é que resultam na assimilação da Agenda Globalmente Estruturada para a Educação. Nesse ínterim, as organizações multilaterais não operam somente como indutoras ou financiadoras, mas, também, como difusoras, por meio de assessorias para implantação, mensuração, aconselhamento, dados e informações estatísticas, bem como, transferidores de políticas, atuando na mediação do movimento de ideias, políticas e práticas de educação de um local para outro, normalmente, entre fronteiras nacionais.
Mecanismos de incorporação da Governança Global: OM na Difusão e na Transferência de Políticas Educacionais
Na Governança Global, muitas são as formas de atuação de organizações diversas. Nesse contexto, os OM vêm a ser importantes formuladores de políticas a articular especialistas em educação, intelectuais e organizações não governamentais na acomodação de ideias e práticas. Atuam, portanto, como forte articulador de “redes de políticas públicas e novas formas de governança” (SHIROMA; EVANGELISTA, 2015, p. 3) com uma “malha de agentes envolvidos na construção e difusão de uma visão de mundo” (PRONKO, 2015, p. 11), articulando coalizões domésticas, atores privados, arenas transnacionais, dinâmicas de resistência e tradução de políticas públicas.
São importantes formas de atuação dos OM para a governança global a difusão e a transferência de políticas. A teoria sobre a difusão de políticas demonstra que a propagação de ideias, princípios e políticas é consequência da crescente interdependência entre os Estados. No mundo globalizado, onde as fronteiras do Estado são permeáveis e a política pública viaja transnacionalmente, a difusão de políticas é o que conecta, naturalmente, a política doméstica à internacional, ou a outros locais, tornando-se políticas aprendidas e transferidas.
Vale pontuar que o processo de transferência e difusão não é sempre linear, podendo envolver diferentes elementos, agentes e se dando em tempos variados, bem como, em diferentes contextos, como os nacionais, regionais ou globais (OLIVEIRA, 2013). Além disso, nos processos regionais, são criadas redes para encorajar a transferência das melhores políticas, mas, também, com o objetivo de “[...] desafiar as estruturas de poder das redes pré-existentes” (DOLOWITZ; MARSH, 2016, p. 346). Difundir e transferir, em linhas gerais, referem-se:
[...] tanto à importação de ideias desenvolvidas em outros lugares pelas elites de elaboração de políticas nacionais, como à imposição e negociação de políticas pelos organismos multilaterais e a processos de convergência estrutural. Ao difundir discursos, orientações e acordos entre os contextos global e local, via tratados e pactos internacionais, o Estado ratifica o discurso global importando as políticas e programas sugeridos pelos organismos internacionais, submetendo-as, no entanto, a outras redes de relações existentes na região, na qual forças políticas e econômicas operam tanto entre países quanto mediadas por organismos multilaterais. Destaca-se na agenda de difusão e transferência o papel dos policy makers, especialistas em educação, intelectuais, agências internacionais e de organizações não governamentais, entre outros, na acomodação de ideias e práticas sugeridas pela rede (BORTOT, 2022, p. 23).
Barnett e Finnemore (2004) categorizam em três os tipos de ações dos OM em políticas e técnicas na organização da agenda global, quais sejam: primeiro, classificar o mundo, por exemplo, estratificar países de acordo com seu nível de desempenho em avaliações internacionais, e, assim, coloca-se os governos sob pressão para introduzir reformas educacionais; em segundo lugar, corrigir significados no mundo social, por exemplo, definir qualidade educacional e qualidade sob a forma de indicadores e referenciais; e, finalmente, articular e divulgar novas normas, princípios e crenças, por exemplo, espalhando o que consideram “boas” ou “melhores” práticas no desenvolvimento educacional. Em geral, o poder dos OM envolve a sua capacidade de definir as prioridades e objetivos da mudança educacional, bem como de delimitar quais os principais problemas que os sistemas educacionais devem tentar abordar.
Além disso, Shiroma (2020) demonstrou que práticas são difundidas em acordos de cooperação e em espaços de “[...] circulação de conhecimento potencializado pela internet, mídia e redes sociais, eventos políticos e científicos, as ideias têm portadores de diferentes calibres que, conforme seus interesses, patrocinam e aceleram sua difusão” (SHIROMA, 2020, p. 2). Por meio desses acordos e eventos, há a crescente participação de OM na formulação de políticas nacionais, o que muda o seu papel indutor de reformas, os colocando como operacionalizadores da política junto aos países, por meio de aporte financeiro, de assessorias para implantação, de mensuração, de compartilhamento de dados e informações estatísticas e, também, de serviços de comparações, por meio dos quais essas agências tentam mostrar sua expertise, se constituindo em importantes atores na Governança Global na transferência e aprendizagem de políticas, em que “as transferências de ideias ou programas são sustentadas por processos de aprendizagem anteriores e mais profundos” (STONE, 2000, p. 9).
Bortot e Scaff (2020, p. 40) sinalizam que “[...] a transferência deve ser entendida dentro do conceito de recontextualização, pois, em cada país, intervêm mecanismos de conformação com diferenças contextuais”. Assim, a política é incorporada a partir de um modelo exitoso, que pode se moldar tanto o conteúdo, quanto a forma do conhecimento compartilhado, mas não modifica a essência ou o propósito da política transferida. Segundo as referidas autoras, para que isso ocorra, há um movimento de definir prioridades de reformas e ações a partir de uma agenda educacional global no qual incide em mobilizar e divulgar dados cotejados a partir da expertise e, também, de: produzir advocacy por meio de boas práticas ou práticas de êxito, difundir ideias e enquadramentos possíveis e, portanto, transferir a política e a recontextualizar, enquadrando-as aos objetivos produzidos.
Em relação as agendas, podemos citar como exemplos fundamentais três grandes eventos de organização de prioridades educacionais: Conferência Mundial de Educação para Todos, Jomtien (UNESCO, 1990), e Fórum Mundial de Educação, Dakar (UNESCO, 2000) e Fórum Mundial de Educação, Incheon (UNESCO, 2015), os quais são referências no movimento de transferência e mobilidade transnacional de políticas educacionais, capitaneado por agências internacionais como o Banco Mundial, a UNESCO e a UNICEF, além de outras organizações internacionais e multilaterais. Esses eventos, tal qual os documentos deles decorrentes, inauguraram a conectividade discursiva e epistêmica das redes de políticas globais que favorece o fluxo de ideias, pessoas e valores. Nessa confluência de ideias e ações evidencia-se a atuação de uma rede de mediações, na qual estão envolvidos agentes, processos e relações de poder. Os OM não são apenas agentes (via de autoridade legítima) nesses processos, mas, também, em arenas (política horizontal e voluntária de difusão) onde diferentes sujeitos se encontram e legitimam o que transferir, como boas práticas.
Empiricamente, podemos citar programas considerados exitosos pela Unicef, pelo Banco Mundial e pelo BID que são recomendados a serem replicados em outros países: programas de educação não-formal domiciliares, Educa a tu Hijo (Cuba), Chile Crece Contigo (Chile), Urugay Crece Contigo (Uruguai) e Cunas Más (Perú); e programas de transferência de renda, que afetam o desenvolvimento da educação, o Programa Progresa/Oportunidade (México) e o Programa Bolsa Família (Brasil). Esses programas têm a mesma linha tênue de agenda política de desenvolvimento econômico por meio do social, ou seja, o combate à pobreza e à desigualdade como pré-requisito para o desenvolvimento econômico e social dos países. Logo, possuem, portanto, engrenagem mais ampla, consubstanciada na estratégia de combate à pobreza pela educação, no crescimento econômico e desenvolvimento social, tornando-se modelos de êxito a serem seguidos e convergindo com a pauta de educação traçada no século XXI (UNESCO, 2000; 2010; 2015).
Para tanto, na combinação de boas práticas de gestão pública, junto as redes híbridas de governança educacional global, a transferência pode se dar, segundo Bortot (2022) pela: transferência de ideia ou prática ou instituição educacionais que se move de um lugar para outro, além dos limites internacionais legais; tradução/recontextualização do problema duplamente osmótico da inclusão de ideias, princípios e práticas educacionais em um lugar e de inseri-los/ajustá-los em outro contexto social; transformação do fenômeno educacional, à medida que cresce socialmente, osmoticamente nesse novo contexto social.
A transferência do programa Educa a Tu Hijo é um exemplo importante do movimento de recontextualização de programas educacionais mediados por agências internacionais, centros de pesquisa, consultores e Estados na região latino-americana. O programa de atendimento socioeducativo Educa a tu hijo, modelo educacional não institucional em Cuba para o atendimento às crianças de 0-6 anos, tornou o atendimento da Educação Infantil no país praticamente universalizado (UNESCO, 2015), envolvendo os eixos da saúde, educação e nutrição numa perspectiva integradora da “familia, la comunidad y el enfoque intersectorial” (GÓMEZ, 2011, p. 18).
UNICEF e UNESCO, junto ao Centro de Referência Latino-americano para a Educação Pré-escolar (Celep)7, divulgaram e recontextualizaram o programa, tomando-o como referência e ponto de partida para a implementação de programas intersetoriais de base comunitária para a Educação da Infância na América Latina. Tal processo iniciou-se na apresentação do programa cubano em fóruns nacionais e internacionais, pelo documento do escritório cubano do UNICEF "La experiencia cubana en la atención integral a desarrollo infantil en edades tempranas” (2002), bem como, pelo estudo de caso “Estudio nacional sobre la coordinación nacional de políticas y programas para la primera infancia” (2004), desenvolvido pelo Escritório da UNESCO de Paris. Dessa forma, o programa atraiu a atenção de especialistas de países da América Latina, que buscaram junto ao CELEP as informações sobre o programa (GOMÉZ, 2011).
Os agentes da transferência recontextualizada do programa cubano foram o Centro de Referência Latino-americana para a Educação Pré escolar (CELEP) e a UNESCO, por meio de assistência técnica, e com fomento do UNICEF. Teve sua metodologia de atendimento “replicada no Equador, Brasil, México, Colômbia e Guatemala” (TINAJERO, 2010, p. 12) em programas para integrar saúde, educação e nutrição, tomado como importante estratégia de combate à pobreza e articulação de crescimento econômico por meio do social. Embora o programa cubano faça parte da educação infantil no país, ele foi recontextualizado como prática focalizada no atendimento da pauta global de educação e cuidados da primeira infância (ECPI) (UNESCO, 2015), conforme é evidenciado nos dados apresentados no Quadro 1, além de envolver parceiros públicos e privados nos países em desenvolvimento.
Em todos os programas, os OM atuaram como agentes de transferências e mediadores. Registra-se, também, a colaboração sistemática do UNICEF na edição de materiais, na garantia de treinamento de pessoal e no apoio à pesquisa. Equador, Guatemala e Brasil contaram com a edição da bibliografia vinculada aos seus Programas, com o apoio financeiro dos Escritórios do UNICEF ali localizados, além da assessoria cubana, por meio do CELEP, financiada pelo UNICEF. Além disso, nos casos brasileiro e colombiano, são orientadas alianças com o setor privado como eixos centrais em sua implementação, demarcando a adaptação do atendimento por meio da descentralização a partir de parcerias público-privadas.
A transferência de políticas ocorreu, assim, pela articulação em rede da governança global, assegurada pela governança facilitada e negociada, uma vez que os Estados estabelecem a troca de informações e conhecimentos em políticas aprendidas e flexibilizadas, mas, que, buscam a atender uma agenda globalmente estruturada. Registra-se, também, nos casos analisados, a flexibilização da política, pela qual o objetivo é mantido, assim como os principais eixos. Contudo, evidencia-se que as estratégias de ação são alteradas. Na Colômbia, o Programa, assim como toda a política para primeira infância, são orientados para alianças com o setor privado. No Equador, o modelo foi implementado por uma agência privada mantida com financiamento público, o Instituto Nacional del Niño y la Familia (INNFA), já extinto e hoje transformado em entidade de direito público. Atualmente, nesses países, a coparticipação e corresponsabilidade do Estado e da sociedade civil repousam sobre as políticas de atendimento à infância em diferentes setores e associações civis (TINAJERO, 2010).
No caso brevemente ilustrado, na difusão e na transferência de políticas, os OM atuaram, em todos os países, na cooperação técnica, no planejamento, na organização de material, no treinamento, na assessoria e avaliação. Dessa forma, suas ações envolvem uma estrutura ampliada de governança. Além disso, colaboraram com o intermédio de diversos arranjos educativos, como ONGs, Terceiro Setor e instituições de base comunitária com caráter filantrópico dentro dos programas recontextualizados.
Bortot (2022) assevera que, nesses casos, a mediação se faz de um tipo novo, pelo qual a política vai do local ao global e, posteriormente, do global, pelos agentes de mediação, a outros locais, tornando-se práticas domésticas transferidas. Portanto, os OM são facilitadores de transferências de “boas práticas” - consideradas exemplos para atingir os objetivos transnacionais que envolvem a governança global e que podem ser reproduzidas em qualquer tempo e espaço entre Estados, mobilizando uma rede de sujeitos e, ao mesmo tempo, são produtores da política recontextualizada.
O processo de difusão e transferência de políticas atravessa as arenas interativas (PROCOPIUCK; FREY, 2009) e provoca o alinhamento das agendas internacionais com as locais (SHIROMA, 2020) aos auspícios da base econômica partilhada desde os anos 1980. Portanto, os OM atuaram na Governança Global distribuindo funções e permitindo uma maior integração entre ideias, normas e procedimentos, organizando, em um primeiro momento a agenda global e, sequencialmente, a sua legitimação de políticas recontextualizadas, atuando, assim, como importante mediador e interlocutor de redes hibridas de governança e formas hegemônicas de educação para a governança global.
Considerações finais
A atuação dos OM por meio da difusão e transferência de políticas exitosas integra a pauta transnacional de governança em rede, cuja capacidade de influência dessas organizações junto aos países é uma variável contingente não somente às condições de financiamento das políticas, mas às condições de expertise, advocacy e transferência adaptada. Portanto, atuam por meio da cooperação regional e multilateral a partir da criação de regimes internacionais; e cooperação transnacional e transgovernamental direta nas políticas e programas exitosos com ações meditativas (GONNET, 2012), nas quais contam com experts para oferecer este tipo de assessoramento em nível nacional e internacional ou mediando outras comunidades epistêmicas a participarem das transferências de políticas.
A seleção de experiências exitosas pelos experts nos parece bastante elucidativa do significado de governança em diferentes frentes para a Educação, pois se refere à junção incomum de diferentes representações de entes públicos e privados, que têm um desfecho político claro: a legitimação e o encaminhamento de pautas e demandas pré-definidas, sob a ostentação da ideia ilusória de que houve trocas, partilhas e negociações, mas, que, em sua maior parte, corroborou para a transnacionalização da educação aos ditames econômicos hegemônicos globais.
RESUMO:
Main Text
Introdução
O conceito contemporâneo de Governança Global e suas influências na educação
Mecanismos de incorporação da Governança Global: OM na Difusão e na Transferência de Políticas Educacionais
Considerações finais