A METAMORFOSE DO ESTADO: A TRANSIÇÃO DA LÓGICA SOCIAL PARA A PENAL EM LOÏC WACQUANT


LA METAMORFOSIS DEL ESTADO: LA TRANSICIÓN DE LA LÓGICA SOCIAL A LA PENAL EM LOÏC WACQUANT


THE METAMORPHOSIS OF THE STATE: THE TRANSITION FROM SOCIAL TO PENAL LOGIC IN LOÏC WACQUANT


Paulo José de Carvalho MOURA1 Mateus Tobias VIEIRA2


RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre o declínio do Estado- Providência e a emergência do Estado Penal a partir da revisão bibliográfica da tese desenvolvida por Loïc Wacquant (2001; 2003; 2008; 2015). Para tanto, primeiramente, apresentamos as inspirações teóricas na elaboração dessa tese central, que tem na sociologia relacional de Pierre Bourdieu sua origem; em seguida, contextualizamos o processo de metamorfose que teria ocorrido a partir de meados dos anos 1970 do século XX, marcado como uma ‘grande transformação’ nas estruturas do Estado-Providência (Welfare State), que vê sua lógica social ser substituída pela consolidação da lógica penal, caracterizada pela criminalização da pobreza e do encarceramento em massa.


PALAVRAS-CHAVE: Estado social. Estado penal. Campo burocrático. Loïc Wacquant. Pierre Bourdieu.


RESUMEN: El propósito de este artículo es discutir el declive del Estado de bienestar y el surgimiento del Estado penal a partir de la revisión bibliográfica de la tesis desarrollada por Loïc Wacquant (2001; 2003; 2008; 2015). Con este fin, en primer lugar, presentamos las inspiraciones teóricas en la elaboración de esta tesis central, que tiene su origen en la sociología relacional de Pierre Bourdieu; Luego, contextualizamos el proceso de metamorfosis que se habría ocurrido a partir de mediados de los años 70 del siglo XX, marcado como una 'gran transformación' en las estructuras del Estado de Bienestar (Welfare state), que ve sustituida su lógica social por la consolidación de la lógica penal, caracterizada por la criminalización de la pobreza y el encarcelamiento masivo.


PALABRAS CLAVE: Estado de bienestar. Estado penal. Campo burocrático. Loïc Wacquant. Pierre Bourdieu.


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1 Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara – SP – Brasil. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Pesquisador no Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Sociedade, Poder, Organização e Mercado (NESPOM). Bolsista FAPESP (Processo n. 2019/24480-8). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3120- 4105. E-mail: paulo.moura@unesp.br

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2 Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara – SP – Brasil. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNESP. Pesquisador no Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Sociedade, Poder, Organização e Mercado (NESPOM). Bolsista FAPESP (Processo n. 2019/08738-5). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6558-8779. E-mail: mateus.tobias@unesp.br

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ABSTRACT: This article aims to discuss the decline of the welfare State and the emergence of the penal state based on the bibliographic review of the thesis developed by Loïc Wacquant (2001; 2003; 2008; 2015). To do so, we first present the theoretical inspirations in the elaboration of this central thesis, which has Pierre Bourdieu's relational sociology as its origin; then we contextualize the process of metamorphosis that would have occurred from the mid-1970s onwards, marked as a 'great transformation' in the structures of the Welfare State, which sees its social logic being replaced by the consolidation of penal logic, characterized by the criminalization of poverty and mass incarceration.


KEYWORDS: Welfare state. Penal state. Bureaucratic field. Loïc Wacquant. Pierre Bourdieu.


Introdução


O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre o declínio do Estado-Providência e a emergência do Estado Penal a partir da revisão bibliográfica da tese desenvolvida por Loïc Wacquant (2001; 2003; 2008; 2015). Para tanto, primeiramente, apresentamos as inspirações teóricas na elaboração dessa tese central, que tem na sociologia relacional de Pierre Bourdieu sua origem; em seguida, contextualizamos o processo de metamorfose que teria ocorrido a partir de meados dos anos 70 do século XX, marcado como uma ‘grande transformação’ nas estruturas do Estado-Providência (Welfare State), que vê sua lógica social ser substituída pela consolidação da lógica penal, caracterizada pela criminalização da pobreza e do encarceramento em massa.

O sociólogo francês tece sua tese a partir do argumento central da emergência de um novo regime que conduz à punição da pobreza após uma transformação dos valores societários devido ao avanço do espírito liberal. Nesse processo histórico, o Estado- Providência, representado como o lado maternal, caritativo, assistencialista, tende a ser substituído por um Estado prisional, representado com o lado paternal, a face punitiva dessa instituição.

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A análise realizada tem os Estados Unidos da América (EUA) como lócus empírico das investigações. O autor enfatiza as particularidades do Estado americano em relação aos europeus e aos latino-americanos: se por um lado, cada um desses locais apresentaram uma face relativamente distinta e variada do chamado ‘Welfare State’, com políticas sociais mais tímidas em uns do que em outros; por outro, a face penal do Estado teria se mostrado em todos eles. Nesse aspecto, podemos afirmar que os esforços intelectuais empreendidos lançam luzes sobre um fenômeno social de complexidade e relevância crescente ao passo em que assumiria traços de ‘problema crônico’ em escala mundial.

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Conforme podemos observar, no caso do Brasil, a taxa de aprisionamento3 no ano de 1999 era de 118, enquanto no ano de 2019 a taxa subiu para 359,4, de modo que ocupamos a terceira colocação entre os países com maior número de pessoas presas, com um contingente de 773 mil pessoas encarceradas (BRASIL, 2020).

A velocidade do desdobramento desse duplo movimento social na vida cotidiana — a saber, o processo de disciplinarização das finanças do Estado e a expansão das forças políticas de encarceramento — se torna o lócus do projeto intelectual do autor. Em termos epistemológicos, Wacquant busca superar a dicotomia entre abordagens materialistas e simbólicas, com a finalidade de captar os elementos objetivos em cada contexto, e que contaram com uma dimensão simbólica particular em cada caso em que esse processo ocorreu.

Entretanto, antes de aprofundarmos a discussão acerca da tese desenvolvida por Wacquant, em relação à passagem do Estado Social para o Estado penal, se faz necessário compreender a noção de Estado a qual o autor recorre e que tem sua inspiração teórica no pensamento de Pierre Bourdieu.


Posicionando a noção de Estado no campo: o pensamento de Pierre Bourdieu


Pierre Bourdieu delineia seu conceito de Estado, de forma mais sistemática, a partir dos anos 1990 nos cursos que ministrou no Collège de France, onde o autor avança nas proposições de Max Weber ao postular o Estado como instância de monopolização não apenas do uso legítimo da violência física, mas também da violência simbólica (BOURDIEU, 2014) e o amalgamando sob a égide do conceito de campo burocrático.

Nessa concepção, o Estado engendra nos agentes sociais formas de pensamento, inclusive o pensamento sobre o próprio Estado (BOURDIEU, 2014), se consubstanciando, portanto, como uma forma de poder simbólico, pois é o espaço onde se produzem princípios de representação legítima do mundo. Bourdieu (2001; 2014) concebe o Estado como um espaço fragmentado (portanto, não como um conjunto monolítico e coordenado, conforme a visão convencional), alvo de disputas de diversas forças sociais que buscam deter o monopólio do poder simbólico legítimo desse campo burocrático (WACQUANT, 2015).

A constituição desse espaço é o resultado de um processo de longo prazo de concentração das diferentes modalidades de capitais que operam em uma dada formação


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3 Número calculado pela razão entre o número total de pessoas privadas de liberdade e a quantidade populacional do país, onde a razão obtida é multiplicada por 100 mil.

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social, especialmente o “capital jurídico como a forma objetificada e codificada de capital simbólico, que capacita o Estado a monopolizar a definição oficial de identidades, a promulgação de padrões de condutas e a administração da justiça” (BOURDIEU 1994, p. 4-9 apud WACQUANT, 2015, p. 7).

Assim, o Estado é pensado como um ‘metacampo’ que se encontra atravessado por lutas internas entre duas forças chamadas pelo autor de ‘mão esquerda’ e ‘mão direita’ do Estado. Em linhas bastante gerais, do lado direito, teríamos a concentração da força física e simbólica; enquanto do lado esquerdo, os mecanismos de redistribuição (BOURDIEU, 1998). Tais forças opostas estariam em constante luta simbólica e material pela capacidade de impor legitimamente categorias de agir e pensar sobre o mundo social.

Conforme define, a mão esquerda representa o lado feminino, maternal, sendo materializada pelos ditos ‘Ministérios dos desperdícios’, responsáveis pelas “funções sociais – educação pública, saúde, habitação, bem-estar social e legislação trabalhista – que oferecem proteção e amparo às categorias sociais desprovidas de capital econômico e cultural” (WACQUANT, 2015, p. 7). Do outro lado, a mão direita representa o lado masculino, paternal, sendo encarregada da tarefa de “reforçar a nova disciplina econômica via cortes no orçamento, incentivos fiscais e ‘desregulamentação’ econômica (ou regulamentação em favor das empresas)” (WACQUANT, 2015, p. 7).

Suas investigações, sobretudo as apontadas em “Punir os pobres” (2003), ampliam a concepção de ‘mão direita’ estabelecida por Bourdieu e realizam uma significativa contribuição suprindo uma lacuna importante ao inserir novos atores e instituições, a saber, a polícia, os tribunais e a prisão como elementos centrais da ‘mão direita’ do Estado, junto com os Ministérios das áreas econômicas e orçamentárias (WACQUANT, 2003; 2011; 2015).

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Compreender essa filiação teórica e as origens do conceito de Estado, que o autor se vale, se faz fundamental para pensar o processo de grande transformação no final da década de 1970 nos Estados Unidos, que ocasionou uma profunda alteração cognitiva, cultural, política e social nas relações estabelecidas pela presença do Estado na economia e na vida cotidiana. Entender esse jogo entre mão direita e mão esquerda possibilita compreender o papel do Estado na garantia do bem-estar e do pleno emprego e como essa função foi contraída ao máximo em favor da expansão descontrolada do regime prisional (prisonfare), do subemprego inescapável (workfare) e dos auxílios condicionais e formações obrigatórias e de baixas perspectivas (learnfare), elementos que resultam na prevalência do que se denomina Estado penal.

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A ‘grande transformação’: o declínio do Estado-Providência e a emergência do Estado Penal


Os Estados Unidos do pós-guerra, no final dos anos 1940, conheceu um período chamado por muitos de ‘anos dourados’, marcados pela regulação dos mercados financeiros, estabilidade financeira e de carreiras, elevadas taxas de crescimento econômico aliadas à manutenção do pleno de emprego, e redução das desigualdades (BRESSER-PEREIRA, 2010). Wacquant alerta que os Estados Unidos possui particularidades em relação a esse momento que ficou conhecido na Europa como ‘Estado-Providência’4, uma vez que as políticas sociais americanas foram bastante tímidas em relação aos Estados europeus, o que leva-o a denominar o Estado americano de ‘Estado-caritativo’ onde, em outras palavras, o princípio da ação pública “não é a solidariedade, mas a compaixão; seu objetivo não é fortalecer laços sociais (e ainda menos reduzir as desigualdades), mas no máximo aliviar a miséria mais gritante” (WACQUANT, 2003, p. 20).

Vale explicitar que esse contexto é apreendido como um período histórico no qual os valores democráticos pautados nas premissas de igualdade, justiça social, redistribuição de bens e direitos redesenham a configuração da política moderna (WACQUANT, 2015) onde a existência de uma rede de proteção se coloca como dever do Estado e direito dos indivíduos enquanto cidadãos (MARSHALL, 1950). Nessa ordem, o trabalho constitui-se na fonte de segurança e fiadora da proteção social (a ideia de garantia do pleno emprego se encontra enraizada no rol de funções do Estado, assim como objetivo-fim da ação econômica).

Esse movimento deriva de uma série de conquistas e avanços iniciados a partir do século XVIII, quando a conquista do direito de igualdade política perante o Estado ocasionou uma grande transformação nos valores morais da sociedade ocidental. Assim, a partir do século XX, ocorreria a legitimação da crença de que não bastava somente que o Estado assegurasse os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, mas deveria garantir também meios de proteção (caracterizada pela intervenção estatal nos setores econômicos, sociais e culturais visando a garantia do pleno emprego, lazer, educação e serviços públicos) para um novo e pujante segmento: a classe trabalhadora.

Alguns historiadores pontuam ainda o papel da oposição entre democracias liberais e Estados socialistas, baseados na oposição entre União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e EUA.



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4 Conhecido também como Estado de Bem-Estar Social, Estado-Previdência etc.

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Uma das ironias deste estranho século é que o resultado mais duradouro da Revolução de Outubro, cujo objetivo era a derrubada global do capitalismo, foi salvar seu antagonista, tanto na guerra quanto na paz, fornecendo-lhe o incentivo — o medo — para reformar-se após a Segunda Guerra Mundial e, ao estabelecer a popularidade do planejamento econômico, oferecendo-lhe alguns procedimentos para sua reforma (HOBSBAWN, 1995, p. 292).


A partir de meados da década de 1970 e início da década de 1980, com o avanço do processo de financeirização das forças produtivas, de deslocamento do capital e da força de trabalho, que estimularam a mobilidade social e a intensificação dos fluxos migratórios, houve uma transformação que impactou diretamente na ordem socioeconômica moderna. Esse processo ocorreu através da mudança radical dos valores morais, especificamente, por meio da supremacia da ideia de que o livre mercado geraria condições ilimitadas de competição ao desenvolvimento e à expansão do bem-estar social, colocando em xeque os valores e toda a ordem social dos ditos ‘anos dourados’.

Um duplo movimento ocorreu nessa ruptura com a lógica social, até então dominante no campo burocrático, e é nesse ponto que Wacquant salienta a necessidade de superação da “costumeira oposição entre as abordagens materialista e simbólica, derivadas das figuras emblemáticas de Karl Marx e Émile Durkheim” (WACQUANT, 2015, p. 6), já que esse processo se deu por uma mudança em elementos objetivos, marcadamente a diminuição do orçamento destinado à assistência social enquanto os gastos com o aparato penal subiam substancialmente, bem como uma mudança nos discursos, tendente a realocar a responsabilidade pela pobreza, dos desarranjos sociais, para desvios morais dos próprios afetados por ela.

Nesse contexto, diversos atores políticos assumiram importantes posições de governança como defensores (e produtos) desse movimento histórico, como arautos dessa visão disciplinadora. Como exemplos de maior relevância, podemos citar a eleição da primeira-ministra Margaret Thatcher, do Partido Conservador, no Reino Unido em 1979, e do republicano Ronald Reagan como presidente nos EUA em 1980.

Thatcher deu impulso ao credo liberal que tinha como projeto reduzir o papel do Estado na sociedade britânica. A primeira-ministra reduziu benefícios e apertou os gastos dos serviços públicos. Em gesto simbólico, a primeira linha de seu primeiro relatório oficial sobre gastos públicos declarava: “A despesa pública está no cerne das atuais dificuldades econômicas da Grã-Bretanha” (THE GUARDIAN, 2013, tradução nossa)5. Desde então, o


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5 Para maiores informações. THE GUARDIAN. Margaret Thatcher's policies hit the poor hardest – and it's happening again, 2013. Disponível em: https://www.theguardian.com/society/2013/apr/09/margaret-thatcher- policies-poor-society. Acesso em: 23 jun. 2017.

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questionamento colocado sobre o tamanho do Estado estaria expresso pela máxima utilizada pelas autoridades no mundo todo sob a pretensa ‘necessidade de cortar na carne’ do Estado- Nação, alegando ser este ‘obeso, improdutivo, ineficiente e corrupto’.

A dimensão moral dessa ‘nova’ visão de mundo (que viria a ser dominante e transformar toda a ordem de relações sociais) aparece também em frases célebres como a dita por Reagan em 1968, durante a nomeação de Richard Nixon como candidato à presidência pelo Partido Republicano: “Devemos rejeitar a ideia de que cada vez que a lei é quebrada a culpada é a sociedade, e não o transgressor da lei. É hora de restaurar o preceito de que cada indivíduo é responsável por seus atos” (REAGAN, 1968, online, tradução nossa)6, ou ainda a frase de Margaret Thatcher, quase 20 anos depois, dada como resposta em entrevista concedida à revista feminina Woman's Own em Downing Street (sede do governo britânico), em 1987, em que a primeira-ministra assevera: “Mas o que é a sociedade? Não existe tal coisa. O que existe são homens e mulheres, indivíduos e famílias” (THATCHER, 2013, online)7.

A consolidação de tais crenças no plano das políticas macroeconômicas se deu através do chamado ‘Consenso de Washington’8, alterando o escopo anteriormente focado no investimento em políticas de bem-estar social em favor de políticas de penalização da pobreza. Segundo Lebaron (2012), o Consenso de Washington foi a “ascensão incontestável das ‘soluções de mercado’, que vão de políticas orçamentárias e monetárias ‘ortodoxas’ à privatização massiva dos serviços públicos e à integração no mercado mundial dos capitais” (LEBARON, 2012, p. 54).

Desta feita, seguiu-se então uma onda de reformas e alterações institucionais que passaram a condicionar o acesso à assistência social à adoção de certas normas de conduta: “seja a obrigação de aceitar qualquer emprego (workfare), seja a que modula a assistência às famílias em função da assiduidade escolar de seus filhos (learnfare) ou da inscrição em pseudo-estágios de formação sem perspectivas” (WACQUANT, 2015, p. 10). A naturalização



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6 Para maiores informações: REAGAN, R. Ronald Reagan and Personal Responsibility. Reagan Group. 08, maio, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2V3NDGf. Acesso em: 23. jun. 2020. A frase foi proferida por Reagan durante a Convenção Republicana em 31 de julho de 1968 em Miami, momento em que Richard M. Nixon foi nomeado como candidato oficial do Partido contra o Democrata Hubert Humphrey Disponível em: http://voices.washingtonpost.com/fact-checker/2011/01/palins_use_of_blood_libel_and.html. Acesso em: 23. jun. 2020.

7 Para maiores informações: THATCHER, M. 'Essa coisa de sociedade não existe'. ESTADÃO, 2013. Disponível em: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,essa-coisa-de-sociedade-nao-existe- imp-,1019492. Acesso em: 23. jun. 2020.

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8 Um conjunto de propostas de políticas de liberalização dos mercados e reformas institucionais formulado por economistas de instituições financeiras situadas em Washington como, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial no ano de 1989.

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de postulados liberais tais como governança corporativa, necessidade de contenção das demandas sociais, estímulo da competitividade, concorrência, eficiência e, principalmente, na ideia de austeridade fiscal (representada pela crença de que o Estado não pode gastar mais do que arrecada), tornaram-se uma doxa9 econômica.

É importante enfatizar que a guinada em direção ao Estado penal, policialesco e encarcerador, traz consigo uma incongruência fundamental: se por um lado o discurso de ascetismo fiscal é empregado com ferocidade em relação às políticas assistenciais, por outro, os gastos com o sistema penal disparam. Nesse aspecto, Batista (2003) aponta que Wacquant evidência a ausência de uma racionalidade objetiva no discurso de enxugamento de custos públicos ao observar atentamente a “voracidade orçamentária do Estado penal” (BATISTA, 2003, p. 11).

Desse modo, se efetiva a substituição de um Estado social e assistencialista (maternalista) por um Estado penal e punitivo (paternalista), em que o deslocamento da atividade estatal do braço esquerdo (social) para o braço direito (penal) fazem parte da ‘remasculinização do Estado’, conforme destaca o autor:


Longe de contradizer o projeto neoliberal de desregulamentação e falência do setor público, a irresistível ascensão do Estado penal americano é como se fora o negativo disso no sentido de avesso mas também de revelador -, na medida em que traduz a implementação de uma política de criminalização da miséria que é complemento indispensável da impossibilidade do trabalho assalariado precário e sub-remunerado como a negação cívica, assim como o desdobramento dos programas sociais num sentido restritivo e punitivo que lhe é concomitante (WACQUANT, 2011, p. 62-63).


Assim, o que se pode aferir é a convergência de dois fenômenos reciprocamente explicáveis e dependentes, no caso, a dissolução do Estado Social excluindo verdadeiras multidões das garantias então observadas por um Estado matriarcal e, como consequência dessa exclusão, o superpovoamento da malha jurídico-criminal e carcerária do novo Estado Penal.


O reforço da ‘mão direita’ do Estado: uma nova ordem social baseada no Workfare e Prisonfare


O desmonte das estruturas do Estado-Providência, com a consequente redução de sua atuação na economia em temas como a garantia de acesso ao pleno emprego (ou seja, trabalho


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99 A doxa é “um ponto de vista particular, o ponto de vista dos dominantes, que se apresenta e se impõe como ponto de vista universal; o ponto de vista daqueles que dominam dominando o Estado e constituíram seu ponto de vista em ponto de vista universal ao criarem o Estado” (BOURDIEU, 1996, p. 120).

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de tempo integral, por período indeterminado e com salário adequado), a assistência social, a habitação e ao lazer, é acompanhado de uma alteração cognitiva e moral. Se anteriormente o acesso ao aparato social do Estado era visto como um “direito inquestionável” (WACQUANT, 2015, p. 5), após a transição para a nova ordem, o acesso a tais direitos passa a ter um caráter condicional em seus aspectos objetivos, e imoral em seu aspecto simbólico, sendo percebido como uma espécie de “dependência patológica” dos pobres em relação ao Estado (WACQUANT, 2003, p. 9).

Essa transição material e simbólica elege como principais culpados dos problemas sociais, a delinquência juvenil, os bairros sensíveis, os crimes de menor monta e, como sua solução óbvia e necessária, postula a penalização de todo aquele que seja pego na larga teia dos desviantes (WACQUANT, 2011), como já dito, o Estado não necessariamente torna-se menor quando globalmente considerado, mas remodela sua área de atuação prioritária, de modo que são redefinidas as “missões do Estado, que, em toda parte, se retira da arena econômica e afirma a necessidade de reduzir seu papel social e de ampliar, endurecendo-a, sua intervenção penal” (WACQUANT, 2011, p. 10).

Nessa lógica, o cidadão trabalhador e diligente, que busca pelo suor de suas mãos a colocação social e a conquista econômica se vê pilhado nas suas possibilidades, seja pelo perigo da violência urbana levada a cabo pelos criminosos, seja pelo pagamento de pesados impostos que atrasam a ascensão do contribuinte em favor do lasso e do desviante.

Nos Estados Unidos, um termo foi cunhado para designar o conjunto dessas pessoas: ‘underclass’. Não se trata propriamente de uma classe social nos termos marxistas, tampouco de genérica designação para pobres e desvalidos, mas designa antes os ‘maus pobres’ de bairros segregados, responsáveis pelo próprio destino pauperizado e catalizadores da crise social (WACQUANT, 2001), conforme descreve:


Podemos reagrupar sumariamente os diversos usos da ‘underclass’ em três grandes famílias, segundo eles que destaquem a estrutura do mercado de trabalho, a conduta e os traços pessoais dos indivíduos incriminados ou as características sociais do bairro e do seu hábitat (WACQUANT, 2001, p. 95).


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Essa ‘underclass’, responsável pela própria penúria, cliente diuturna das políticas sociais, deve ser estimulada ao trabalho (precário e sub-remunerado), já que a oferta de ajuda social torna o trabalho duro ‘opcional’. Em caso de insubordinação, o braço direito do Estado os tomará para si em suas crescentes e permanentemente superlotadas prisões.

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[...] o sistema penal contribui diretamente para regular os segmentos inferiores do mercado de trabalho - e isso de maneira infinitamente mais coercitiva do que todas as restrições sociais e regulamentos administrativos. Seu efeito aqui é duplo. Por um lado, ele comprime artificialmente o nível do desemprego ao subtrair à força milhões de homens da "população em busca de um emprego” e, secundariamente, ao produzir um aumento do emprego no setor de bens e serviços carcerários, setor fortemente caracterizado por postos de trabalho precários (e que continua se elevando mais ainda com a privatização da punição) [...] (WACQUANT, 2011, p. 63).


Percebe-se que o perfil sociológico dos indivíduos que acessam as políticas sociais é o mesmo dos que são alcançados pelos tentáculos penais, o que permite objetivar um fenômeno peculiar, no caso, a prisão como substituta do gueto (WACQUANT, 2003). Essa substituição se dará institucionalmente pela aplicação da chamada política de ‘Tolerância Zero’, que possui como mote o combate duro e frontal à pequena criminalidade, supostamente responsável e estimuladora de crimes mais graves. Assim, nessa nova configuração, teríamos o gueto como prisão social e a prisão como gueto judiciário, realizando uma homologia entre duas organizações que possuem uma função histórica estratégica (BATISTA, 2003).

A prisão torna-se a instituição especial capaz de confinar os membros mais problemáticos das ditas ‘multidões perigosas’. É por isto que, para Wacquant, o gueto "viu-se ligado ao sistema carcerário por uma tripla relação e equivalência funcional, de homologia estrutural e de sincretismo cultural, transformando-se gueto e prisão numa espécie de continuum como destino da população negra e jovem” (BATISTA, 2003, p. 13).

O que se verifica, portanto, é a consolidação de uma ‘vigilância permanente dos espaços públicos’ que se torna imprescindível para a nova ordem urbana, onde ocorre o “controle sistemático dos deslocamentos da juventude pobre” (BATISTA, 2003, p. 13). As investigações realizadas demonstram que a polícia, os tribunais e a prisão não constituem simples “apêndices técnicos, destinados ao cumprimento da ordem legal (como a criminologia afirmaria), mas sim veículos para a produção política da realidade e para a vigilância das categorias sociais desfavorecidas e difamadas e dos territórios que lhes são reservados” (WACQUANT, 2015, p. 17).

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Inspirado em Bourdieu, Wacquant (2003) afirma que nos Estados Unidos se assiste em um desdobramento de um ‘Estado-Centauro’, entendido como sendo, “de um lado, um Estado que mantém as garantias sociais, mas para os privilegiados, suficientemente cacifados para que possam dar segurança, garantias; de outro, um Estado repressor, policialesco, para o povo” (BOURDIEU, 1998, p. 29). Os negros, população particularmente atingida por esse fenômeno, se veem confinados no que concerne ao espaço social restrito e sempre alvos

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preferenciais do aparato penal do Estado, em situação descrita por Bourdieu como “uma espécie de realização dos sonhos dos dominantes” (BOURDIEU, 1998, p. 30), conforme pontua em outra passagem:


Os negros do gueto de Chicago só conhecem, do Estado, o policial, o juiz, o carcereiro e o parole officer, isto é o oficial que aplica as penas, diante de quem eles devem se apresentar regularmente, sob risco de voltar à prisão [...] Um Estado que, como mostrou Loïc Wacquant, se reduz cada vez mais à sua função policial (BOURDIEU, 1998, p. 29).


Ao cabo dessa transição, as manifestações efetuadas por grupos sociais marginalizados passaram a ser compreendidas pelo Estado Penal como “intoleráveis e destruidoras da governabilidade” (WACQUANT, 2015). Por fim, a alteração intrínseca realizada na dinâmica do campo burocrático estabelece nos atos de Estado uma “contração contínua do bem-estar e pela expansão descontrolada do regime prisional” (WACQUANT, 2015, p. 9).


Considerações finais


O ineditismo da obra de Loïc Wacquant, no que concerne ao escopo desse artigo, consiste em mobilizar conceitos centrais da obra de Bourdieu, em particular a noção de campo burocrático e operacionalizar a ideia de ‘mão esquerda’ e ‘mão direita’ para demonstrar a passagem do chamado Estado-Providência na Europa e, sobretudo, do Estado-caritativo nos Estados Unidos, para o Estado penal (salientando que os Estados europeus não completaram essa transição, de modo que, se por um lado a face social outrora foi mais forte é patente que a face penal é mais branda).

Nota-se que, a partir da intensificação do corte dos recursos para as áreas sociais em nome da austeridade fiscal e da ampliação das políticas de vigilância e criminalização da pobreza, temos como resultado de uma queda de braço operada no interior do campo burocrático e a derrocada da ‘mão esquerda do Estado’ (representação da lógica do dom e da distribuição) em favor da ‘mão direita’ (representação da força e da disciplinarização) na disputa pelo monopólio legítimo da violência material e simbólica e, em última instância, da capacidade de produção da realidade social.

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Ao seguir Bourdieu de forma engajada na construção de seu objeto e na concretização de uma ruptura da contraditória dicotomia entre as abordagens materialista e simbólica, Wacquant contribui para pensarmos a grande transformação, tratada no presente artigo, como um duplo movimento enraizado no tecido social e seu contexto histórico.

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A transição entre essas duas formatações de Estado não se deu desacompanhada de um discurso que lhes desse fundamento, mais que isso, sem uma percepção de mundo, enfim, sem uma reviravolta simbólica no modo de compreender a pobreza, o gueto, a necessidade, a rebeldia, as manifestações e as revoltas. Ao traçar a origem das ideias neoliberais que fundamentaram o hiperindividualismo justificador de uma moralidade que prevê a atrofiamento do Estado social e o fortalecimento do Estado Penal, o autor nos mostra que discurso é ação, é condição de possibilidade, sem o qual toda transição seria não só incompreensível, mas impensável.

Por fim, o que se consolida, então, é a criação de uma nova doxa punitiva que se coloca enquanto outra face da denúncia do contrato social fordista-keynesiano, aplicando na sociedade os princípios liberais da economia de mercado através de forte desregulamentação social e econômica (supostamente indispensável para a sobrevivência da economia). Nessa lógica, discursos de inevitabilidade das decisões econômicas, de contingência do gasto público, no mais das vezes desacompanhadas de uma elucidação acerca de outros gastos (como é o caso do próprio sistema penal), são reforçadas pela crença na desnecessidade da manutenção de um Estado-providência, posto que indutor da degeneração moral ao privilegiar a inatividade, a preguiça.

Em que pese o contexto empírico dos estudos de Wacquant levarem em consideração especialmente os Estados Unidos, muito dessa passagem pode ser aproveitada para leituras da realidade latino-americana, em particular o Brasil. Se por um lado não conhecemos, como na Europa, o Estado-providência, dado que o país oscila entre momentos de maior e menor engajamento com o Estado-caritativo, por outro, sob o aspecto penal, recortes populacionais como alvos preferenciais da política penal, caracterizados por segmentações geográficas, sociais e de pertencimento étnico são uma realidade aferível por estatísticas longevas e a ascensão de discursos penalmente dóxicos encontram nesse fim dos anos 10 e início dos anos 20 do século XXI um dos seus momentos mais frutíferos.


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AGRADECIMENTOS: Gostaríamos de agradecer à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por todo suporte concedido.

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REFERÊNCIAS


BARSIL. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/sisdepen. Acesso em: 02 de novembro de 2020.


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WACQUANT, L. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

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Como referenciar este artigo


MOURA, P. J. C.; VIEIRA, M. T. A metamorfose do estado: a transição da lógica social para a penal em Loïc Wacquant. Rev. Sem Aspas, Araraquara, v. 9, n. 2, p. 247-260, jul./dez. 2020. e-ISSN: 2358-4238. DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v9i2.14500


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Submetido em: 26/11/2020 Revisões requeridas: 10/12/2020 Aceito em: 10/02/2021 Publicado em: 01/03/2021

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THE METAMORPHOSIS OF THE STATE: THE TRANSITION FROM SOCIAL TO PENAL LOGIC IN LOÏC WACQUANT


A METAMORFOSE DO ESTADO: A TRANSIÇÃO DA LÓGICA SOCIAL PARA A PENAL EM LOÏC WACQUANT


LA METAMORFOSIS DEL ESTADO: LA TRANSICIÓN DE LA LÓGICA SOCIAL A LA PENAL EM LOÏC WACQUANT


Paulo José de Carvalho MOURA1 Mateus Tobias VIEIRA2


ABSTRACT: This article aims to discuss the decline of the welfare State and the emergence of the penal state based on the bibliographic review of the thesis developed by Loïc Wacquant (2001; 2003; 2008; 2015). To do so, we first present the theoretical inspirations in the elaboration of this central thesis, which has Pierre Bourdieu's relational sociology as its origin; then we contextualize the process of metamorphosis that would have occurred from the mid-1970s onwards, marked as a 'great transformation' in the structures of the Welfare State, which sees its social logic being replaced by the consolidation of penal logic, characterized by the criminalization of poverty and mass incarceration.


KEYWORDS: Welfare state. Penal state. Bureaucratic field. Loïc Wacquant. Pierre Bourdieu.


RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre o declínio do Estado- Providência e a emergência do Estado Penal a partir da revisão bibliográfica da tese desenvolvida por Loïc Wacquant (2001; 2003; 2008; 2015). Para tanto, primeiramente, apresentamos as inspirações teóricas na elaboração dessa tese central, que tem na sociologia relacional de Pierre Bourdieu sua origem; em seguida, contextualizamos o processo de metamorfose que teria ocorrido a partir de meados dos anos 1970 do século XX, marcado como uma ‘grande transformação’ nas estruturas do Estado-Providência (Welfare State), que vê sua lógica social ser substituída pela consolidação da lógica penal, caracterizada pela criminalização da pobreza e do encarceramento em massa.


PALAVRAS-CHAVE: Estado social. Estado penal. Campo burocrático. Loïc Wacquant. Pierre Bourdieu.


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1 São Paulo State University (UNESP), Araraquara – SP – Brazil. Master's student in the Postgraduate Program in Social Sciences. Researcher at the Center for Studies and Research on Society, Power, Organization and Market (NESPOM). FAPESP Scholarship Holder (Process n. 2019/24480-8). ORCID: https://orcid.org/0000- 0003-3120-4105. E-mail: paulo.moura@unesp.br

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2 São Paulo State University (UNESP), Araraquara – SP – Brazil. Master's student in the Postgraduate Program in Social Sciences at UNESP. Researcher at the Center for Studies and Research on Society, Power, Organization and Market (NESPOM). FAPESP Scholarship Holder (Process n. 2019/08738-5). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6558-8779. E-mail: mateus.tobias@unesp.br

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RESUMEN: El propósito de este artículo es discutir el declive del Estado de bienestar y el surgimiento del Estado penal a partir de la revisión bibliográfica de la tesis desarrollada por Loïc Wacquant (2001; 2003; 2008; 2015). Con este fin, en primer lugar, presentamos las inspiraciones teóricas en la elaboración de esta tesis central, que tiene su origen en la sociología relacional de Pierre Bourdieu; Luego, contextualizamos el proceso de metamorfosis que se habría ocurrido a partir de mediados de los años 70 del siglo XX, marcado como una 'gran transformación' en las estructuras del Estado de Bienestar (Welfare state), que ve sustituida su lógica social por la consolidación de la lógica penal, caracterizada por la criminalización de la pobreza y el encarcelamiento masivo.


PALABRAS CLAVE: Estado de bienestar. Estado penal. Campo burocrático. Loïc Wacquant. Pierre Bourdieu.


Introduction


This article aims to discuss the decline of the Welfare State and the emergence of the Penal State based on the bibliographic review of the thesis developed by Loïc Wacquant (2001; 2003; 2008; 2015). For that, first, we present the theoretical inspirations in the elaboration of this central thesis, which has its origin in Pierre Bourdieu's relational sociology; then, we contextualize the process of metamorphosis that would have occurred from the mid-70s of the twentieth century, marked as a 'great transformation' in the structures of the Welfare State, which sees its social logic replaced by the consolidation of penal logic, characterized by the criminalization of poverty and mass incarceration.

The French sociologist weaves his thesis based on the central argument of the emergence of a new regime that leads to the punishment of poverty after a transformation of corporate values due to the advance of the liberal spirit. In this historical process, the welfare state, represented as the maternal, charitable, welfare side, tends to be replaced by a prison state, represented with the paternal side, the punitive side of that institution.

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The analysis carried out has the United States of America (USA) as the empirical locus of the investigations. The author emphasizes the particularities of the American State in relation to Europeans and Latin Americans: if, on the one hand, each of these places presented a relatively distinct and varied face of the so-called 'Welfare State', with social policies that are more timid in some than in others; on the other hand, the penal face of the State would have shown itself in all of them. In this regard, we can affirm that the intellectual efforts undertaken shed light on a social phenomenon of increasing complexity and relevance while assuming traces of a 'chronic problem' on a global scale.

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As we can see, in the case of Brazil, the rate of imprisonment3 in 1999 was 118, while in 2019 the rate rose to 359.4, so that we occupy the third place among the countries with the largest number of prisoners, with a contingent of 773 thousand people incarcerated (BRASIL, 2020).

The speed of the unfolding of this double social movement in daily life - namely, the process of disciplining the State's finances and the expansion of the political forces of incarceration - becomes the locus of the author's intellectual project. In epistemological terms, Wacquant seeks to overcome the dichotomy between materialist and symbolic approaches, in order to capture the objective elements in each context, and which had a particular symbolic dimension in each case in which this process occurred.

However, before deepening the discussion about the thesis developed by Wacquant, in relation to the transition from the Social State to the penal State, it is necessary to understand the notion of State that the author resorts to and that has its theoretical inspiration in the thought of Pierre Bourdieu.


Positioning the notion of State in the countryside: Pierre Bourdieu's thinking


Pierre Bourdieu outlines his concept of the State, in a more systematic way, starting in the 1990s in the courses he taught at the Collège de France, where the author advances in Max Weber's propositions when postulating the State as an instance of monopolization not only of the legitimate use of physical violence, but also symbolic violence (BOURDIEU, 2014) and amalgamating it under the aegis of the concept of bureaucratic field.

In this conception, the State engenders forms of thought in the social agents, including the thought about the State itself (BOURDIEU, 2014), thus constituting itself as a form of symbolic power, as it is the space where principles of legitimate representation of the world are produced. Bourdieu (2001; 2014) conceives the State as a fragmented space (therefore, not as a monolithic and coordinated set, according to the conventional view), the target of disputes by various social forces that seek to stop the monopoly of the legitimate symbolic power of this bureaucratic field (WACQUANT, 2015).

The constitution of this space is the result of a long-term process of concentration of the different types of capital that operate in a given social formation, especially “legal capital as the objectified and codified form of symbolic capital, which enables the State to


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3 Number calculated by the ratio between the total number of persons deprived of their liberty and the population quantity of the country, where the ratio obtained is multiplied by 100 thousand.

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monopolize the official definition of identities, the promulgation of standards of conduct and the administration of justice” (BOURDIEU1994, 1994, p. 4-9 apud WACQUANT, 2015, p. 7, our translation).

Thus, the State is thought of as a ‘metacampus’ that is crossed by internal struggles between two forces called by the author ‘left hand’ and ‘right hand’ of the State. In very general lines, on the right side, we would have the concentration of physical and symbolic strength; while on the left, the redistribution mechanisms (BOURDIEU, 1998). Such opposing forces would be in constant symbolic and material struggle for the ability to legitimately impose categories of acting and thinking on the social world.

As defined, the left hand represents the feminine, maternal side, being materialized by the so-called 'Ministries of waste', responsible for the "social functions - public education, health, housing, social welfare and labor legislation - which offer protection and support to social categories without economic and cultural capital" (WACQUANT, 2015, p. 7, our translation). On the other hand, the right hand represents the masculine, paternal side, being charged with the task of “reinforcing the new economic discipline via budget cuts, tax incentives and economic 'deregulation' (or regulation in favor of companies)” (WACQUANT, 2015, p. 7, our translation).

His investigations, especially those pointed out in “Punishing the poor” (2003), expand the concept of 'right hand' established by Bourdieu and make a significant contribution by filling an important gap by inserting new actors and institutions, namely, the police, courts and prison as central elements of the 'right hand' of the State, together with the Ministries of the economic and budgetary areas (WACQUANT, 2003; 2011; 2015).

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Understanding this theoretical affiliation and the origins of the concept of State, which the author uses, is essential to think about the process of great transformation in the late 1970s in the United States, which caused a profound cognitive, cultural, political and social change in the relations established by the presence of the State in the economy and in daily life. Understanding this game between the right hand and the left hand makes it possible to understand the role of the State in guaranteeing well-being and full employment and how this function was contracted to the maximum in favor of the uncontrolled expansion of the prison regime (prisonfare), inescapable underemployment (workfare) and conditional aids and mandatory formation and low prospects (learnfare), elements that result in the prevalence of what is called the penal state.

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The ‘big transformation’: the decline of the welfare state and the emergence of the penal state


The post-war United States, in the late 1940s, experienced a period called for many 'golden years', marked by the regulation of financial markets, financial and career stability, high rates of economic growth coupled with the maintenance of the full employment, and reduction of inequalities (BRESSER-PEREIRA, 2010). Wacquant warns that the United States has particularities in relation to this moment that became known in Europe as a 'Welfare State'4, since American social policies were rather timid in relation to European States, which leads him to call the State American 'charitable state' where, in other words, the principle of public action “is not solidarity, but compassion; its objective is not to strengthen social ties (and even less to reduce inequalities), but at the most to alleviate the most glaring misery” (WACQUANT, 2003, p. 20, our translation).

It is worth mentioning that this context is perceived as a historical period in which democratic values based on the premises of equality, social justice, redistribution of assets and rights redraw the configuration of modern politics (WACQUANT, 2015) where the existence of a protection network is placed as a duty of the State and the right of individuals as citizens (MARSHALL, 1950). In that order, work is the source of security and guarantor of social protection (the idea of guaranteeing full employment is rooted in the role of the State, as well as the ultimate goal of economic action).

This movement derives from a series of conquests and advances that began in the 18th century, when the conquest of the right to political equality before the State caused a great transformation in the moral values of Western society. Thus, from the 20th century onwards, there would be a legitimation of the belief that it was not enough for the State to ensure the rights to life, freedom, property and equality before the law, but it should also guarantee means of protection (characterized by government intervention in the economic, social and cultural sectors aiming at guaranteeing full employment, leisure, education and public services) for a new and thriving segment: the working class.

Some historians also point out the role of the opposition between liberal democracies and socialist states, based on the opposition between the Union of Soviet Socialist Republics (USSR) and the USA.


One of the ironies of this strange century is that the most enduring result of the October Revolution, whose aim was the global overthrow of capitalism, was to save its antagonist, both in war and in peace, by providing it with the


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4 Also known as the Social Welfare State, Security-State etc.

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incentive - fear - to reform after World War II and, when establishing the popularity of economic planning, offering some procedures for its reform (HOBSBAWN, 1995, p. 292, our translation).


From the mid-1970s to the beginning of the 1980s, with the advancement of the process of financialization of the productive forces, the displacement of capital and the workforce, which stimulated social mobility and the intensification of migratory flows, there was a transformation that directly impacted the modern socioeconomic order. This process occurred through the radical change of moral values, specifically, through the supremacy of the idea that the free market would generate unlimited conditions of competition for the development and expansion of social well-being, putting in check the values and the whole social order of the so-called 'golden years'.

A double movement occurred in this rupture with the social logic, hitherto dominant in the bureaucratic field, and it is at this point that Wacquant stresses the need to overcome the “usual opposition between materialist and symbolic approaches, derived from the emblematic figures of Karl Marx and Émile Durkheim” (WACQUANT, 2015, p. 6, our translation), since this process took place due to a change in objective elements, markedly the decrease of the budget destined to social assistance while the expenses with the penal apparatus rose substantially, as well as a change in the speeches, tending to reallocate responsibility for poverty, from social breakdowns, to moral deviations of those affected by it.

In this context, several political actors took on important positions of governance as defenders (and products) of this historical movement, as heralds of this disciplinary vision. As examples of greater relevance, we can mention the election of Prime Minister Margaret Thatcher, of the Conservative Party, in the United Kingdom in 1979, and of the Republican Ronald Reagan as president in the USA in 1980.

Thatcher gave impetus to the liberal creed that aimed to reduce the role of the state in British society. The prime minister reduced benefits and tightened spending on public services. In a symbolic gesture, the first line of her first official report on public spending stated: “Public spending is at the heart of Britain's current economic difficulties” (THE GUARDIAN, 2013, our translation)5. Since then, the question posed about the size of the State would be expressed by the maxim used by authorities worldwide under the alleged ‘need to cut into the flesh’ of the Nation State, claiming that it is ‘obese, unproductive, inefficient and corrupt’.


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5 More information: THE GUARDIAN. Margaret Thatcher's policies hit the poor hardest – and it's happening again, 2013. Available: https://www.theguardian.com/society/2013/apr/09/margaret-thatcher-policies-poor- society. Access: 23 June 2017.

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The moral dimension of this 'new' worldview (which would become dominant and transform the entire order of social relations) also appears in famous phrases such as that spoken by Reagan in 1968, during the nomination of Richard Nixon as candidate for the presidency by the Party Republican: “We must reject the idea that every time the law is broken, society is the culprit, not the lawbreaker. It is time to restore the precept that each individual is responsible for their actions” (REAGAN, 1968, online, our translation)6, or Margaret Thatcher's phrase, almost 20 years later, given as an answer in an interview given to the women's magazine Woman's Own in Downing Street (British government headquarters), in 1987, in which the prime minister asserts: “But what is society? There is no such thing. What exists are men and women, individuals and families” (THATCHER, 2013, online)7.

The consolidation of such beliefs at the level of macroeconomic policies took place through the so-called ‘Washington Consensus’8, changing the scope previously focused on investing in social welfare policies in favor of policies to penalize poverty. According to Lebaron (2012), the Washington Consensus was the “indisputable rise of 'market solutions', ranging from 'orthodox' budgetary and monetary policies to the massive privatization of public services and integration into the world capital market” (LEBARON, 2012, p. 54, our translation).

This time, there followed a wave of reforms and institutional changes that started to condition access to social assistance to the adoption of certain rules of conduct: “whether it is the obligation to accept any job (workfare), or the one that modulates assistance to families according to their children's school attendance (learnfare) or enrollment in pseudo-stages of formation without perspectives” (WACQUANT, 2015, p. 10). The naturalization of liberal postulates such as corporate governance, the need to contain social demands, stimulating competitiveness, competition, efficiency and, above all, the idea of fiscal austerity


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6 More information: REAGAN, R. Ronald Reagan and Personal Responsibility. Reagan Group. 08, May, 2017. Available: https://bit.ly/2V3NDGf. Access: 23 June 2020. The phrase was uttered by Reagan during the Republican Convention on 31 July 1968 in Miami, when Richard M. Nixon was nominated as the official candidate for the Party against Democrat Hubert Humphrey. Available: http://voices.washingtonpost.com/fact- checker/2011/01/palins_use_of_blood_libel_and.html. Access: 23. jun. 2020.

7 More information: THATCHER, M. 'Essa coisa de sociedade não existe'. ESTADÃO, 2013. Available: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,essa-coisa-de-sociedade-nao-existe- imp-,1019492. Access: 23 June 2020.

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8 A set of policy proposals for market liberalization and institutional reforms formulated by economists from financial institutions located in Washington - such as the International Monetary Fund (IMF) and the World Bank - in 1989.

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(represented by the belief that the State cannot spend more than it collects), have become an economic doxa9.

It is important to emphasize that the shift towards the penal, police and prison state, brings with it a fundamental incongruity: if, on the one hand, the discourse of fiscal asceticism is used with ferocity in relation to assistance policies, on the other, expenditures with the penal system skyrocket. In this regard, Batista (2003) points out that Wacquant evidences the absence of an objective rationality in the discourse of reducing public costs by carefully observing the “budget voracity of the penal State” (BATISTA, 2003, p. 11).

Thus, the replacement of a social and welfare state (maternalistic) by a penal and punitive state (paternalistic), in which the displacement of state activity from the left (social) to the right (penal) arm is part of the 'remasculinization of the State', as the author points out:


Far from contradicting the neoliberal project of deregulation and bankruptcy in the public sector, the irresistible rise of the American penal state is as if it were the negative in the sense of being inverted but also revealing - insofar as it translates the implementation of a policy of criminalization of the misery that is an indispensable complement to the impossibility of precarious and underpaid wage labor such as civic denial, as well as the unfolding of social programs in a restrictive and punitive sense that is concomitant to it (WACQUANT, 2011, p. 62-63, our translation).


Thus, what can be gauged is the convergence of two mutually explainable and dependent phenomena, in this case, the dissolution of the Social State excluding true multitudes of the guarantees then observed by a matriarchal State and, as a consequence of this exclusion, the overpopulation of the legal- criminal and prison terms of the new Penal State.


The strengthening of the ‘right hand’ of the State: a new social order based on Workfare

and Prisonfare


The dismantling of the structures of the Welfare State, with the consequent reduction of its performance in the economy on issues such as guaranteeing access to full employment (that is, full-time work, for an indefinite period and with an adequate salary), social assistance, housing and leisure, is accompanied by a cognitive and moral alteration. If access to the state's social apparatus was previously seen as an “unquestionable right” (WACQUANT, 2015, p. 5), after the transition to the new order, access to such rights is


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99 The doxa is “a particular point of view, the point of view of the dominant, which presents and imposes itself as a universal point of view; the point of view of those who dominate dominating the State and constituted their point of view in a universal point of view when creating the State” (BOURDIEU, 1996, p. 120, our translation).

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conditional in its objective aspects, and immoral in its symbolic aspect, being perceived as a kind of “pathological dependence” of the poor in relation to the State (WACQUANT, 2003, p. 9).

This material and symbolic transition elects as the main culprits of social problems, juvenile delinquency, sensitive neighborhoods, minor crimes and, as its obvious and necessary solution, postulates the penalization of anyone caught in the wide web of deviants (WACQUANT, 2011), as already said, the State does not necessarily become smaller when globally considered, but remodels its priority area of action, so there is redefinition in the “missions of the State, which, everywhere, withdraws from the economic arena and affirms the need to reduce its social role and to expand, by hardening it, its criminal intervention” (WACQUANT, 2011, p. 10, our translation).

In this logic, the hardworking and diligent citizen, who seeks through the sweat of his hands the social placement and the economic conquest finds himself plundered in his possibilities, either by the danger of urban violence carried out by criminals, or by the payment of heavy taxes that delay the rise of the taxpayer in favor of lasso and the deviant.

In the United States, a term was coined to designate the group of these people: ‘underclass’. It is not exactly a social class in Marxist terms, nor is it a generic designation for the poor and disadvantaged, but rather it designates the 'bad poor' of segregated neighborhoods, responsible for their own destitute destiny and catalysts of the social crisis (WACQUANT, 2001), as describe:


We can summarize the various uses of ‘underclass’ in three large families, according to them that highlight the structure of the labor market, the conduct and the personal traits of the incriminated individuals or the social characteristics of the neighborhood and their habitat (WACQUANT, 2001,

p. 95, our translation).


This ‘underclass’, responsible for poverty itself, a day-to-day customer of social policies, should be encouraged to work (precarious and underpaid), as the provision of social assistance makes hard work ‘optional’. In the event of insubordination, the state's right-hand will take them in their growing and permanently overcrowded prisons.


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[...] the penal system contributes directly to regulating the lower segments of the labor market - and this is infinitely more coercive than all social restrictions and administrative regulations. Its effect here is twofold. On the one hand, it artificially compresses the level of unemployment by forcibly subtracting millions of men from the "population in search of a job" and, secondly, by producing an increase in employment in the sector of prison goods and services, a sector strongly characterized by precarious working

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conditions (and which continues to rise even more with the privatization of punishment) [...] (WACQUANT, 2011, p. 63, our translation).


It is noticed that the sociological profile of individuals who access social policies is the same as that reached by penal tentacles, which allows to objectify a peculiar phenomenon, in this case, prison as a substitute for the ghetto (WACQUANT, 2003). This replacement will take place institutionally through the application of the so-called 'Zero Tolerance' policy, which has as its motto the hard and frontal fight against small crime, supposedly responsible and stimulating more serious crimes. Thus, in this new configuration, we would have the ghetto as a social prison and the prison as a judicial ghetto, creating a homology between two organizations that have a strategic historical function (BATISTA, 2003).

The prison becomes the special institution capable of confining the most problematic members of the so-called ‘dangerous crowds’. That is why, for Wacquant, the ghetto "found itself linked to the prison system by a triple relation and functional equivalence, structural homology and cultural syncretism, turning ghetto and prison into a kind of continuum as a destination for the black and young population” (BATISTA, 2003, p. 13, our translation).

What is verified, therefore, is the consolidation of a 'permanent surveillance of public spaces' that becomes essential for the new urban order, where there is a “systematic control of the displacement of the poor youth” (BATISTA, 2003, p. 13, our translation). The investigations carried out show that the police, the courts and the prison are not simply “technical appendages, intended to comply with the legal order (as criminology would say), but vehicles for the political production of reality and for the surveillance of disadvantaged and defamed social categories and the territories that are reserved for them” (WACQUANT, 2015, p. 17, our translation).

Inspired by Bourdieu, Wacquant (2003) states that in the United States there is an unfolding of a 'Centaur State', understood to be, “on the one hand, a State that maintains social guarantees, but for the privileged, sufficiently rich so that they can provide security, guarantees; on the other, a repressive, police state for the people” (BOURDIEU, 1998, p. 29, our translation). Blacks, a population particularly affected by this phenomenon, find themselves confined regarding the restricted social space and always preferential targets of the State's criminal apparatus, in a situation described by Bourdieu as “a kind of realization of the dreams of the dominant” (BOURDIEU, 1998, p. 30, our translation), as noted in another passage:


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Blacks in the Chicago ghetto only know the police, the judge, the jailer and the parole officer from the state, that is, the officer who applies the

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sentences, to whom they must report regularly, at risk of returning to prison [...] A State that, as Loïc Wacquant has shown, is increasingly reduced to its police function (BOURDIEU, 1998, p. 29, our translation).


At the end of this transition, the manifestations made by marginalized social groups came to be understood by the Penal State as “intolerable and destructive of governance” (WACQUANT, 2015). Finally, the intrinsic change made in the dynamics of the bureaucratic field establishes in the acts of State a “continuous contraction of well-being and the uncontrolled expansion of the prison regime” (WACQUANT, 2015, p. 9, our translation).


Final considerations


The originality of Loïc Wacquant's work, regarding the scope of this article, consists of mobilizing central concepts of Bourdieu's work, in particular the notion of bureaucratic field and operationalizing the idea of 'left hand' and 'right hand' to demonstrate the transition from the so-called Welfare State in Europe and, above all, from the Charitable State in the United States, to the penal State (noting that European States have not completed this transition, so that, on the one hand, the social face was once stronger it is clear that the penal side is more lenient).

It is noted that, as a result of the intensification of the cut of resources for social areas in the name of fiscal austerity and the expansion of policies for the surveillance and criminalization of poverty, we have as a result of an arm wrestling operation within the bureaucratic field and the overthrow of the 'left hand of the State' (representation of the logic of gift and distribution) in favor of the 'right hand' (representation of force and disciplinarization) in the dispute for the legitimate monopoly of material and symbolic violence and, ultimately, of production capacity of social reality.

By following Bourdieu in an engaged way in the construction of his object and in the realization of a rupture of the contradictory dichotomy between the materialist and symbolic approaches, Wacquant contributes to think of the great transformation, treated in this article, as a double movement rooted in the social fabric and its historical context.

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The transition between these two formations of state did not happen without a discourse that would give them a foundation, more than that, without a perception of the world, in short, without a symbolic turn in the way of understanding poverty, the ghetto, the need, the rebellion, the manifestations and revolts. In tracing the origin of the neoliberal ideas that founded the hyperindividualism that justifies a morality that provides for the

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stunting of the social state and the strengthening of the penal state, the author shows us that discourse is action, it is a condition of possibility, without which any transition would be just incomprehensible, but unthinkable.

Finally, what is consolidated, then, is the creation of a new punitive doxa that is placed as another side of the denunciation of the Fordist-Keynesian social contract, applying in society the liberal principles of the market economy through strong social and economic deregulation (supposedly indispensable for the economy to survive). In this logic, speeches of the inevitability of economic decisions, of contingency of public spending, most often unaccompanied by an elucidation about other expenditures (as is the case with the penal system itself), are reinforced by the belief in the unnecessary maintenance of a welfare state, since it induces moral degeneration by privileging inactivity, laziness.

In spite of the empirical context of Wacquant's studies considering especially the United States, much of this passage can be used for readings of the Latin American reality, in particular Brazil. If, on the one hand, we do not know, as in Europe, the welfare state, given that the country oscillates between moments of greater and lesser engagement with the charitable state, on the other, under the penal aspect, population cuts as preferential targets of penal policy, characterized by geographic, social and ethnic segmentations are a reality that can be verified by long-lived statistics and the rise of criminally toxic speeches finds in its late 10s and early 20s of the 21st century one of its most fruitful moments.


ACKNOWLEDGMENTS: We would like to thank the São Paulo State Research Support Foundation (FAPESP) for all the support provided.


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How to reference this article


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Submitted: 26/11/2020 Required revisions: 10/12/2020 Accepted: 10/02/2021 Published: 01/03/2021

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