O PROCESSO DE DESUMANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEO E SUA RELAÇÃO COM A HIPERINDIVIDUALIZAÇÃO


EL PROCESO DE DESHUMANIZACIÓN CONTEMPORÁNEO Y SU RELACIÓN CON LA HIPERINDIVIDUALIZACIÓN


THE CONTEMPORARY DEHUMANIZATION PROCESS AND ITS RELATIONSHIP WITH HYPERINDIVIDUALIZATION


Talic Jaber SLEMAN1


RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo estabelecer um paralelo entre o processo de hiperindividualização da sociedade capitalista contemporânea e a desumanização do outro, sendo este representado pela figura do imigrante, do estrangeiro ou do diferente. Marcado pelos interesses particulares e por um concorrencialismo desmedido, esse processo instiga os indivíduos a desumanizarem uns aos outros, devido aos seus medos e inseguranças, seus objetivos são aqueles de cunho essencialmente particular, sem compromisso com a sociedade e com o público, acarretando a construção do outro como concorrente e potencialmente inimigo. Todo esse processo transforma o espaço social em “ilhas” isoladas de forma voluntária e involuntária, onde o primeiro diz respeito ao indivíduo atomizado e o segundo, ao indivíduo desumanizado.


PALAVRAS-CHAVE: Hiperindividualismo. Interesse particular. Desumanização. Sociedade contemporânea.


RESUMEN: Este trabajo pretende establecer un paralelismo entre el proceso de hiperindividualización de la sociedad capitalista contemporánea y la deshumanización del otro, que está representado por la figura del inmigrante, el extranjero o el diferente. Marcado por intereses privados y competitividad desenfrenada, este proceso incita a los individuos a deshumanizarse entre sí, por sus miedos e inseguridades, sus objetivos son los de carácter esencialmente privado, sin compromiso con la sociedad y el público, lo que lleva a la construcción del otro como competidor y potencialmente enemigo. Todo este proceso transforma el espacio social en “islas” aisladas voluntaria e involuntariamente, donde la primera concierne al individuo atomizado y la segunda, al individuo deshumanizado.


PALABLAS CLAVE: Hiperindividualismo. Interese privado. Deshumanización. Sociedad contemporánea.


ABSTRACT: This work aims to establish a parallel between the hyper individualization process of the contemporary society and the dehumanization of the other, which is represented by the figure of the immigrant, the foreigner or the different. Marked by private interests and unrestrained competition, this process instigates individuals to dehumanize the other due to


1 Universidade Estadual Paulista (UNESP), Araraquara – SP – Brasil. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8780-990X. E-mail: talic.jaber@unesp.br



their own fears and insecurities, their goals are essentially private, without commitment to society and the public, leading to the construction of the other as a competitor and potentially enemy. This entire process transforms the social space into a series of isolated islands in a voluntary and involuntary way, where the first concerns the atomized individual and the second, the dehumanized individual.


KEYWORDS: Hyper individualism. Particular interest. Dehumanization. Contemporary society.


Introdução


Com a queda do Muro de Berlim e, posteriormente, o fim da URSS, as sociedades capitalistas contemporâneas foram tomadas por uma nova racionalidade voltada estritamente para o econômico, para o particular, para o livre mercado e para a satisfação pessoal. Era a representação da vitória capitalista sobre as formas de vida e de convivência social. A racionalização econômica da vida, junto da liberdade individual propagada por essa nova dinâmica, instigou os indivíduos a buscarem maior obtenção de riquezas, de progresso e de realização pessoal, mas também gerou medos, inseguranças e incertezas devido às instabilidades e constantes crises sistêmicas derivadas da globalização e também pelo processo de imigração.

Os objetivos traçados por essa racionalidade implicam na realização pessoal, na maximização da vida e na competição generalizada. O econômico tendo dominado a maioria, se não todas as esferas da vida, acarretou a transformação do indivíduo em uma empresa de si mesmo, que bastando a não interferência de agentes externos, tais como o Estado, teria seu sucesso garantido. A autoconfiança gerou um indivíduo que se sentia capaz de ser aquilo que desejasse. No entanto, a desindustrialização, a precariedade gerada no mundo do trabalho e a flexibilização das leis trabalhistas fizeram com que surgisse nesse indivíduo, uma série de incertezas de seu futuro que não é mais seguro, não é planejável, é incerto.

Há com esse processo, a culpabilização do outro por suas aflições. Entretanto, esse outro não é configurado com base na dominação econômica capitalista, isto é, não são as elites detentoras do grande capital, as culpadas pelo futuro incerto desse indivíduo, mas os imigrantes, os estrangeiros e os cidadãos de segunda classe. São aqueles que estão à margem do tecido social e que também sofrem as consequências desse processo de deslocamento do público para o privado, da racionalização econômica da vida, da flexibilização das leis trabalhistas e da globalização.



O interesse particular, que agora se tornou uma das normas sociais, estabeleceu vínculos precários entre os indivíduos. Se antes faziam parte de uma mesma comunidade política e dividiam seus deveres, agora se tornaram concorrentes na disputa pela sobrevivência. Quando há frustração nessa concorrência hiper estimulada, e isso não é raro devido a fatores diversos como a desindustrialização, a culpabilização do outro também se torna norma. Ora são os imigrantes que saem de seu território para tomar os empregos dos autóctones, ora são os marginalizados que reivindicam salários igualitários aos dos demais.

Isso tudo torna o processo de desumanização interligado ao hiperindividualismo, que não corresponde mais ao individualismo da primeira modernidade, mas a uma configuração social que estimula a concorrência, a liberdade, o não reconhecimento do público e de suas instituições políticas. É uma conduta que se orienta inteiramente pelo interesse particular e pela satisfação pessoal, que quando não alcançadas, desencadeiam o processo de retirada da humanidade do outro, que o animaliza, criminaliza e o violenta, propiciando uma sociedade dividida a partir de espaços físicos baseados em diferenças.

Esses “guetos” são consequência direta do processo de hiperindividualização e de desumanização. O primeiro gera o indivíduo inseguro, incerto de seu futuro que, observando as mudanças sociais, não consegue dar sentido a sua vida e se isola do corpo social por medo. A desumanização ocorre na medida em que os guetos proporcionam a segregação do diferente, algo que é observado nas grandes cidades globais e reflete parte da constituição da sociedade moderna. O medo e a insegurança que criam tanto o isolamento volutuário, como o involuntário, são os objetos de reflexão deste trabalho.


O hiperindividualismo e o processo de desumanização


Para a compreensão do fenômeno do hiperindividualismo, a mudança estrutural da sociedade capitalista é substancialmente importante. É com o fim da era bipolar entre comunismo e capitalismo, que a sociedade contemporânea neoliberal e a nova racionalidade do mundo (DARDOT; LAVAL, 2016) se tornam hegemônicas. Apesar de maior expressão nesse período, é na década de 1970, com a falência do Estado de bem-estar social, que essa nova racionalidade começa a se desenhar. Os governos de Margaret Thatcher na Inglaterra e de Ronald Reagan nos Estados Unidos já salientavam as virtudes do indivíduo isolado do corpo social, da atenção a vida privada em detrimento da vida pública e da busca pela satisfação pessoal sem intervencionismos ou restrições.



É essa mudança na valorização do indivíduo sobre a coletividade que estabelece novos laços sociais e desempenha o sentimento negativo de inadequação, insegurança e fragilidade desse mesmo indivíduo. A exacerbação da vida privada propagada por esse movimento na busca de novos arranjos para uma sociedade inadimplente e possuidora de altos índices de desemprego na década de 1970, concretizou a dinâmica social do indivíduo sem compromissos sociais e não detentor de escrúpulos na busca de sucesso. Todavia, é esse mesmo movimento que reproduz a geometria política do indivíduo que é livre, ao mesmo tempo que se torna precário e passa por um processo de desenraizamento.

Tal desenraizamento não pode ser entendido pelo abandono de antigos valores e tradições, pois os mesmos estão presentes nos discursos desumanizantes, mas sim pelo processo de não identificação com o coletivo e com uma sociedade que outrora era vista como uma rede de proteção. O indivíduo não mais se move na busca por um futuro certo, ele é orientado pelo presente e pela aceleração social (ROSA, 2019). Seja pelos direitos trabalhistas assegurados, pelo pleno emprego ou ainda pelo assistencialismo e medidas de seguridade social para com aqueles que não possuíam boa condição de vida, era a sociedade e o Estado que cooperavam para que todos fossem cidadãos.

Portanto, é a ofensiva do neoliberalismo sobre o Estado de bem-estar social que causa o desenraizamento do indivíduo, na medida em que se estabelece como hegemônico e permite a criação de uma nova era baseada na liberdade negativa (BERLIN,1958). Fundamentada no direito privado, a liberdade negativa se manifesta na passagem do universal para o particular, do público para o privado e do nós para o eu. É também no indivíduo soberano que ela se manifesta, em sua maximização e liberdade ilimitada, assim como na crença de que tudo é possível, desde que se empenhe e não seja restringindo pela coletividade ou pelo Estado. Essa passagem de era delega ao público a razão da não satisfação pessoal dos indivíduos.

A crença nas infinitas possibilidades geradas com o fim do sistema de proteção social transforma o indivíduo em uma espécie de empresa. Sua tendência agora é a maximização dos lucros, das satisfações pessoais e na competição com outros indivíduos-empresas. A dinâmica não se distingue da competição do mercado entre empresas rivais que oferecem os mesmos produtos. Parâmetros de avaliação através de benchmarks revelam que a competição entre os indivíduos é medida de acordo com seus resultados obtidos e aqueles que tiverem menos rendimento serão demitidos. A competição integra também a subjetividade. O desejo de maximização ao infinito parte dessa premissa. Ser o melhor, o mais rápido, o mais completo que puder e medir isso a partir do desempenho do outro.



Devido a esse processo, a desconfiança pelo outro tende a aumentar. O cidadão com quem outrora houve relações cidadãs e consensuais é agora um concorrente em potencial, um indivíduo que deseja conquistar seu espaço e que, por essa razão, também tende a maximizar- se. A insegurança aumenta e com isso traz o declínio da solidariedade. Essa combinação de insegurança e desconfiança pelo outro gera consequências desastrosas, na medida em que não são todos que poderão atingir esse aprimoramento obrigatório para conquistar seu espaço na sociedade. A consequência é um medo constante do outro e de não se adequar aos novos padrões, que por sua vez, desenvolvem doenças psicológicas nos indivíduos, tais como a Depressão e a Síndrome de Burnout.


Poderíamos dizer que a insegurança moderna, em suas várias manifestações, é caracterizada pelo medo dos crimes e dos criminosos. Suspeitamos dos outros e de suas intenções, nos recusamos a confiar (ou não conseguimos fazê- lo) na constância e na regularidade da solidariedade humana. Castel atribui a culpa por esse estado de coisas ao individualismo moderno. Segundo ele, a sociedade moderna – substituindo as comunidades solidamente unidas e as corporações (que outrora definiam as regras de proteção e controlavam a aplicação dessas regras) pelo dever individual de cuidar de si próprio e de fazer por si mesmo – foi construída sobre a areia movediça da contingência: a insegurança e a idéia de que o perigo está em toda parte são inerentes a essa sociedade.

Como nas outras transformações da Era Moderna, também nesta a Europa desempenhou o papel precursor. Foi a primeira a ter de enfrentar as imprevistas e perniciosas conseqüências regulares da mudança: a estressante sensação de insegurança que, como se dizia, não teria existido sem a ocorrência simultânea de duas “reviravoltas” que se manifestaram na Europa

– para em seguida se disseminar, mais ou menos rapidamente, pelos outros lugares do planeta. A primeira, sempre segundo a terminologia de Castel, consiste na “supervalorização” (survalorisation 4) do indivíduo, liberado das restrições impostas pela densa rede de vínculos sociais. A segunda, que vem logo depois da primeira, consiste na fragilidade e vulnerabilidade sem precedentes desse mesmo indivíduo, agora desprovido da proteção que os antigos vínculos lhe garantiam.

Se a primeira revelou aos indivíduos a estimulante e sedutora existência de grandes espaços nos quais implementar a construção e o aprimoramento de si mesmo, a segunda tornou a primeira inacessível para a maior parte dos indivíduos. O resultado da ação combinada dessas duas novas tendências foi como aplicar o sal do sentimento de culpa sobre a ferida da impotência, infeccionando-a. Derivou disso uma doença que poderíamos chamar de medo de ser inadequado (BAUMAN, 2009, s/p).


É nesse duplo movimento de queda da rede de proteção social, ocorrida com a passagem do Estado de bem-estar social para a sociedade neoliberal e hiper individualizada, que o processo de desumanização, por meio do medo e da desconfiança, ganha contornos mais robustos e se projeta nas ações individuais e políticas. O processo de desumanização contemporâneo é decorrente do medo moderno. No que lhe concerne, é fundamentado na



desregulamentação da sociedade (BAUMAN, 2009) e no individualismo cada vez fragmentado e atomizado.

O sentimento de ameaça, medo e desconfiança conduz para ataques xenofóbicos e formas de culpabilização do outro, do estrangeiro e do diferente. A resistência para aceitar as novas formas de vida social e a tentativa de preservar os vínculos que a modernidade sólida estabeleceu, criam, da mesma forma, o sentimento de aversão ao diferente. A sociedade projetada como uma fortaleza, se vê agora diante de um perigo iminente, invadida e com valores, tais como, solidariedade, segurança e identidade ameaçados.

Invasão, atualmente, não diz mais respeito as grandes invasões bárbaras contra o Império Romano ou às invasões coloniais no período das grandes navegações. Com invasão, entende-se a presença daquele que não é natural do território, que ali não nasceu ou cresceu, que não estabeleceu sua vida sob os valores daquela região, cidade ou país. A invasão contemporânea é fruto da globalização e diz respeito a imigração de pessoas para os centros globais em busca de oportunidades, empregos e uma vida longe dos conflitos e da miséria. Não se estabelece como uma invasão para a conquista e sim uma invasão por melhores condições de vida. A composição de estrangeiros nas cidades cria um ambiente de aversão, de preocupação e inquietação sobre suas intenções. Se já havia preocupação, desconfiança e competição com o “semelhante”, a aversão ao estrangeiro é agora potencializada, torna-se uma guerra de valores, de culturas, mas sobretudo, uma suposta guerra “econômica” pela sobrevivência. A presença do imigrante na vida urbana concedeu novas inquietações nos habitantes da cidade.


Componente fixo da vida urbana, a onipresença de estrangeiros, tão visíveis e tão próximos, acrescenta uma notável dose de inquietação às aspirações e ocupações dos habitantes da cidade. Essa presença, que só se consegue evitar por um período bastante curto de tempo, é uma fonte inexaurível de ansiedade e agressividade latente – e muitas vezes manifesta (BAUMAN, 2009, s/p).


Desse modo, o medo moderno ganha um novo componente já conhecido das sociedades ocidentais: o medo do desconhecido. Esse medo projetado nas ações individuais, revela que as expulsões dos estrangeiros de ambientes sociais, a retórica contra a imigração e a pressão política para que leis mais rígidas sejam protocoladas sobre o tema, seriam de cunho estritamente econômico, e são, mas revelam também, o temor da integração ao diferente (mixofobia). Mais que a insegurança econômica causada pelos estrangeiros, a insegurança no ambiente da competição por espaços é parte da instabilidade vivenciada hoje. Esses espaços podem se configurar no ambiente de trabalho, no bairro, na área de lazer e nos espaços culturais.



A causa é a mudança econômica da sociedade rumo a atomização do indivíduo que por se sentir deslocado e não se identificar com os valores outrora postos, projeta no estrangeiro a causa de sua frustração e de seu descontentamento. Já a consequência é o fim da era dos direitos e do reconhecimento de todos que pertencem ao gênero humano. É o fim do universalismo.

A distinção entre estrangeiros e autóctones, no processo de falência do Estado de bem- estar, resulta no estabelecimento de medidas para sua separação nos espaços sociais, como o cercamento de determinadas regiões. O processo de delimitação física de um território remete ao século XIX, quando os espanhóis cercavam seus territórios colonizados para conter revoltas e controlar a população. Dito isso, o método de exclusão física do diferente ou daquele que ameaça o logos social não é novo na sociedade ocidental moderna, ao contrário, representa parte importante de sua constituição. Esses espaços de concentração negam a autonomia do indivíduo, o segregando do resto do corpo social e impondo-lhe regras de conduta e comportamento.

Para Bauman (2009) as cidades globais são belos exemplos dessa nova forma de constituição do espaço público e urbano. Os guetos formados nas grandes cidades demonstram às duas faces do capitalismo neoliberal. Existem aqueles espaços de extrema segurança, com cercas elétricas, muros extremamente altos e seguranças armados, os “condomínios fechados”

- e fechado denomina também sua relação com o mundo exterior - que reúnem as classes mais altas e fazem com que essas não tenham relação com o mundo a sua volta, pois esse é composto pela criminalidade e pela insegurança constante. Entende-se esses espaços como “guetos voluntários”. Os “guetos involuntários”, onde as pessoas ali reunidas não podem sair, seja pela sua condição financeira ou por não serem permitidas, compõem a outra face da sociedade contemporânea. Esses espaços representam a exclusão do outro, daquele visto como ameaça, ou daquele que não pertence a mesma categoria dos que estão no cume da sociedade. A exclusão é também o modo de demarcar fronteiras entre as diferenças, contra supostas ameaças e, principalmente, pelo medo de perder posições sociais e acabar nas mesmas condições precárias do outro e do imigrante.


Definitivamente, ao impor a rápida modernização de lugares muito distantes, o grande mundo do livre mercado, da livre circulação financeira, criou uma enorme quantidade de gente “supérflua”, que perdeu todos os meios de sustento e não pode continuar a viver como seus antepassados. São indivíduos obrigados a deslocar-se, a deixar os lugares onde são considerados refugiados para se transformar em imigrantes econômicos, imigrantes que, em seguida, vão para outra cidade. Mais uma vez são os recursos locais que têm de resolver como acomodá-los.

Eles vêm para a cidade e transformam-se em símbolos dessas misteriosas – e por isso mesmo inquietantes – forças da globalização. Vêm sabe-se lá de onde


Rev. Sem Aspas, Araraquara, v. 10, n.00, e021014, jan./dez. 2021. e-ISSN: 2358-4238



e são – como diz Bertold Brecht – “ein Bote des Unglücks”, mensageiros de desventuras. Trazem consigo o horror de guerras distantes, de fome, de escassez, e representam nosso pior pesadelo: o pesadelo de que nós mesmos, em virtude das pressões desse novo e misterioso equilíbrio econômico, possamos perder nossos meios de sobrevivência e nossa posição social. Eles representam a fragilidade e a precariedade da condição humana, e ninguém quer se lembrar dessas coisas horríveis todos os dias, coisas que preferiríamos esquecer. Assim, por inúmeros motivos, os imigrantes tornaram-se os principais portadores das diferenças que nos provocam medo e contra as quais demarcamos fronteiras (BAUMAN, 2009, s/p).


Essa exclusão do outro, do estrangeiro, por meio do segregacionismo espacial, como já apontado, não é sintoma novo na sociedade, é parte de sua estrutura e engenharia social. Primo Levi (1988) discorre sobre a questão da desumanização a partir dos campos de concentração dos regimes fascista e nazista. Os indivíduos podem pensar, conscientemente ou não, que o estrangeiro é um inimigo, no mesmo modelo de Carl Schmitt (2009), e a partir dessa construção, a desumanização torna-se norma. Os campos concentracionários são as medidas extremas contra o estrangeiro e contra o outro, representando o ápice da exclusão física dos demais e da retirada de sua humanidade. Na contemporaneidade, os condomínios representam parte da construção dos meios de exclusão física.


Esses condomínios, as gated communities, em que não se pode entrar sem ter sido previamente convidado, que têm guardas armados 24 horas do dia, circuito interno de televisão etc., não passam de um reflexo dos guetos involuntários nos quais os underclass, os refugiados e os recentes imigrantes foram atirados. Os nossos guetos voluntários – sim, voluntários – são resultado da vontade de defender a própria segurança procurando somente a companhia dos semelhantes e afastando os estrangeiros (BAUMAN, 2009, s/p).


Compreende-se que o processo de desumanização na sociedade contemporânea está diretamente ligado com a hiperindividualização provocada pela nova expressão do capitalismo. Aquele indivíduo que esteve outrora sob leis de proteção social e convive agora com a constante ameaça de perder seu emprego ou de não se adequar, projeta na segurança, em todos os seus sentidos, a forma de se proteger dos perigos externos. Seja pelos guetos voluntários ou medidas cada vez mais extremas de segregacionismo espacial e social, é a insegurança que determina a construção do estrangeiro como inimigo e como não humano, desprovido de racionalidade, animalesco, que traz consigo a miséria e usurpa os empregos da população local.

O sentimento de medo e de insegurança corrobora para a afirmação da identidade nacional (BURGIO, 2010), sendo essencialmente excludente devido à afirmação de valores e tradições restritas a um território geograficamente delimitado. Os constantes discursos acerca da afirmação de uma “identidade pura”, que agora é corrompida pelo imigrante, com a ameaça



da vida segura quem vem perdendo espaço, criam formas de desumanização, produzindo medo, raiva e frustração. Desses sentimentos, a procura por culpados é naturalmente exercida e recai para a figura do estrangeiro.

É a própria crise da modernidade expressada no hiperindividualismo, que concebe o medo, a insegurança e a incerteza do futuro, pois esse não pode mais ser previsto, planejado e pensado. É a crise dos valores, da economia e da identidade que traz essa procura pela segurança e pela estabilidade. Desse processo, os estrangeiros são os mais afetados, tendo que sair de seus países ou cidades pelos mesmos motivos e ao chegar em território desconhecido são malvistos, mal-encarados e representados como uma ameaça à sociedade e causa de suas crises. São os estrangeiros e imigrantes os desumanizados. Os que procurando construir uma nova vida são desprovidos de viver.


Considerações finais


A partir da reflexão sobre o processo de hiperindividualização causado pela queda do Estado de bem-estar social e sua relação com a desumanização do estrangeiro, buscou-se trazer para o centro da discussão a questão do medo, da insegurança e da delimitação do espaço para proteção. Mesmo que todos esses aspectos tenham estado presentes na sociedade moderna desde sua gênese, é na sociedade contemporânea que ganham novos contornos e se estabelecem como norma para, supostamente, estabelecer uma nova ordem das coisas.

Essa nova ordem criada resulta no estabelecimento de diferentes espaços delimitados de modo a segregar os grupos, que vistos como inimigos ou potencialmente perigosos, são desumanizados, na medida em que não são vistos como pertencentes ao gênero humano. Se no século XIX os campos concentracionários eram tidos como método extremo e emergencial para conter revoltas, na contemporaneidade se estabeleceram como norma para a segurança social, se desenvolvem tendo em vista a organização de um espaço público e urbano condescendente. Entretanto, é nesse modo de arranjar a sociedade, por meio de atitudes segregacionistas,

que a construção do outro como não-humano pode ser naturalizada no imaginário popular e existindo essa forma de pensar, a falência não é somente da proteção social, da solidariedade e das formas de convivência, mas também da universalidade e do gênero humano. A hierarquia na sociedade contemporânea, entre autóctones e estrangeiros, cidadãos de primeira e segunda classe, estabelece preceitos para que os horrores do passado voltem a acontecer no presente, vide a segregação dos espaços urbanos, a divisão entre amigos e inimigos construída a partir de



uma identidade nacional e a mixofobia. São essas questões que configuram o dilema da sociedade contemporânea.

Para além dessas questões, o fim da política também é decretado na medida em que as ordenações societárias não mais se orientarão pela cooperação, mas sim pela competição e pelo medo constante. O indivíduo atomizado e sem compromisso social e o indivíduo desumanizado representam a falência da democracia, da política e da justiça social. Se por um lado há aquele sem vínculos sociais e que enxerga na coletividade uma limitação para suas satisfações, por outro há aquele que buscando melhores condições de vida, é levado a uma posição inferior dos demais, tendo seus direitos e sua humanidade retirados. Ambos são derivados do esvaziamento da coletividade e da solidariedade, e com isso, a própria ideia de sociedade deixa de fazer sentido.

Diante disso, pode-se concluir que a sociedade contemporânea, calcada na liberdade negativa e produtora da normatividade da desumanização, não representa progresso humano, mas sim retrocesso. Tal termo não se refere a condições de tecnologia, arte ou conhecimento, é relativo ao arranjo societário que se aproxima mais de uma guerra de todos contra todos, do que a uma organização social estável e cooperativa. Retrocesso, como colocado, diz respeito ao fim do consenso político inclusivo emancipatório universal e na guerra como método para a resolução de conflitos sociais.


REFERÊNCIAS


BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. BERLIN, I. Quanto ensaios sobre a liberdade. Brasília, DF: Editora UNB, 1958.

BURGIO, A. Nonostante Auschwitz. Il “ritorno” del razzismo in Europa. DeriveApprodi, 2010.


DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.


LEVI, P. É isto um homem? Trad. Luigi Dei Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.


ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019.


SCHMITT, C. O conceito do político. Belo Horizonte, MG: Delrey, 2009.



Como referenciar este artigo


SLEMAN, T. J. O processo de desumanização contemporâneo e sua relação com a hiperindividualização. Rev. Sem Aspas, Araraquara, v. 10, n. 00, e021014, jan./dez. 2021. e- ISSN: 2358-4238. DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v10i00.15724


Submetido em: 20/09/2021 Revisões requeridas: 15/10/2021 Aprovado em: 19/11/2021 Publicado em: 29/12/2021



THE CONTEMPORARY DEHUMANIZATION PROCESS AND ITS RELATIONSHIP WITH HYPERINDIVIDUALIZATION


O PROCESSO DE DESUMANIZAÇÃO CONTEMPORÂNEO E SUA RELAÇÃO COM A HIPERINDIVIDUALIZAÇÃO


EL PROCESO DE DESHUMANIZACIÓN CONTEMPORÁNEO Y SU RELACIÓN CON LA HIPERINDIVIDUALIZACIÓN


Talic Jaber SLEMAN1


ABSTRACT: This work aims to establish a parallel between the hyper individualization process of the contemporary society and the dehumanization of the other, which is represented by the figure of the immigrant, the foreigner or the different. Marked by private interests and unrestrained competition, this process instigates individuals to dehumanize the other due to their own fears and insecurities, their goals are essentially private, without commitment to society and the public, leading to the construction of the other as a competitor and potentially enemy. This entire process transforms the social space into a series of isolated islands in a voluntary and involuntary way, where the first concerns the atomized individual and the second, the dehumanized individual.


KEYWORDS: Hyper individualism. Particular interest. Dehumanization. Contemporary society.


RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo estabelecer um paralelo entre o processo de hiperindividualização da sociedade capitalista contemporânea e a desumanização do outro, sendo este representado pela figura do imigrante, do estrangeiro ou do diferente. Marcado pelos interesses particulares e por um concorrencialismo desmedido, esse processo instiga os indivíduos a desumanizarem uns aos outros, devido aos seus medos e inseguranças, seus objetivos são aqueles de cunho essencialmente particular, sem compromisso com a sociedade e com o público, acarretando a construção do outro como concorrente e potencialmente inimigo. Todo esse processo transforma o espaço social em “ilhas” isoladas de forma voluntária e involuntária, onde o primeiro diz respeito ao indivíduo atomizado e o segundo, ao indivíduo desumanizado.


PALAVRAS-CHAVE: Hiperindividualismo. Interesse particular. Desumanização. Sociedade contemporânea.


RESUMEN: Este trabajo pretende establecer un paralelismo entre el proceso de hiperindividualización de la sociedad capitalista contemporánea y la deshumanización del otro, que está representado por la figura del inmigrante, el extranjero o el diferente. Marcado por intereses privados y competitividad desenfrenada, este proceso incita a los individuos a


1 São Paulo State University (UNESP), Araraquara – SP – Brazil. Master's student in the Postgraduate Program in Social Sciences. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8780-990X. E-mail: talic.jaber@unesp.br



deshumanizarse entre sí, por sus miedos e inseguridades, sus objetivos son los de carácter esencialmente privado, sin compromiso con la sociedad y el público, lo que lleva a la construcción del otro como competidor y potencialmente enemigo. Todo este proceso transforma el espacio social en “islas” aisladas voluntaria e involuntariamente, donde la primera concierne al individuo atomizado y la segunda, al individuo deshumanizado.


PALABLAS CLAVE: Hiperindividualismo. Interese privado. Deshumanización. Sociedad contemporánea.


Introduction


With the fall of the Berlin Wall and, later, the end of the USSR, contemporary capitalist societies were taken over by a new rationality focused strictly on the economic, the private, the free market and personal satisfaction. It was the representation of the capitalist victory over the forms of life and social coexistence. The economic rationalization of life, together with the individual freedom propagated by this new dynamics, instigated individuals to seek greater attainment of wealth, progress and personal fulfillment, but also generated fears, insecurities and uncertainties due to instabilities and constant systemic crises derived from the globalization and also by the immigration process.

The objectives outlined by this rationality imply personal fulfillment, the maximization of life and generalized competition. The economic sector, having dominated most, if not all spheres of life, led to the transformation of the individual into a company of himself, which, if only the non-interference of external agents, such as the State, would have its success guaranteed. Self-confidence generated an individual who felt capable of being whatever he wanted to be. However, the deindustrialization, the precariousness generated in the world of work and the flexibilization of the labor laws have given rise to this individual, a series of uncertainties of his future that is no longer secure, is not possible to plan ahead, is uncertain.

With this process, there is the blaming of the other for their afflictions. However, this other is not configured based on capitalist economic domination, that is, it is not the elites who own big capital who are to blame for the uncertain future of this individual, but immigrants, foreigners and second-class citizens. They are those who are on the margins of the social fabric and who also suffer the consequences of this process of shifting from the public to the private, the economic rationalization of life, the flexibilization of labor laws and globalization.

Private interest, which has now become one of the social norms, has established precarious bonds between individuals. If before they were part of the same political community and shared their duties, now they have become competitors in the struggle for survival. When



there is frustration in this hyper-stimulated competition, and this is not uncommon due to various factors such as de-industrialization, blaming others also becomes the norm. Sometimes it is the immigrants who leave their territory to take the jobs of the natives, sometimes they are the marginalized who demand equal wages to those of others.

All this makes the process of dehumanization linked to hyper-individualism, which no longer corresponds to the individualism of the first modernity, but to a social configuration that encourages competition, freedom, the non-recognition of the public and its political institutions. It is a behavior that is entirely guided by private interest and personal satisfaction, which, when not achieved, trigger the process of withdrawing humanity from the other, which animalizes, criminalizes and attacks them, providing a society divided from physical spaces based on differences.

These “ghettos” are a direct consequence of the process of hyper-individualization and dehumanization. The first generates the insecure individual, uncertain of his future who, observing social changes, cannot give meaning to his life and isolates himself from the social body out of fear. Dehumanization occurs to the extent that ghettos provide the segregation of the different, something that is observed in large global cities and reflects part of the constitution of modern society. The fear and insecurity that create both voluntary and involuntary isolation are the objects of reflection in this work.


Hyperindividualism and the process of dehumanization


For the understanding of the phenomenon of hyperindividualism, the structural change of capitalist society is substantially important. It is with the end of the bipolar era between communism and capitalism that contemporary neoliberal society and the new rationality of the world (DARDOT; LAVAL, 2016) become hegemonic. Despite its greater expression in this period, it was in the 1970s, with the failure of the welfare state, that this new rationality began to take shape. The governments of Margaret Thatcher in England and Ronald Reagan in the United States already highlighted the virtues of the individual isolated from the social body, of attention to private life at the expense of public life and the search for personal satisfaction without interventionism or restrictions.

It is this change in the valuation of the individual over the collectivity that establishes new social bonds and plays out the negative feeling of inadequacy, insecurity and fragility of that same individual. The exacerbation of private life propagated by this movement in the search for new arrangements for a delinquent society with high unemployment rates in the 1970s,



materialized the social dynamics of the individual without social commitments and without scruples in the search for success. However, it is this same movement that reproduces the political geometry of the individual who is free, while he becomes precarious and goes through a process of uprooting.

Such uprooting cannot be understood by the abandonment of old values and traditions, as they are present in dehumanizing discourses, but by the process of non-identification with the collective and with a society that was once seen as a protection network. The individual no longer moves in search of a certain future, he is guided by the present and social acceleration (ROSA, 2019). Whether for guaranteed labor rights, full employment or even assistance and social security measures for those who did not have a good living condition, it was society and the State that cooperated so that everyone could be citizens.

Therefore, it is neoliberalism's offensive on the welfare state that causes the uprooting of the individual, as it establishes itself as hegemonic and allows the creation of a new era based on negative freedom (BERLIN, 1958). Based on private law, negative freedom manifests itself in the passage from the universal to the particular, from the public to the private and from the we to the I. It is also in the sovereign individual that it manifests itself, in its maximization and unlimited freedom, as well as in the belief that everything is possible, as long as it is committed and not restricted by the collectivity or the State. This passage of the era delegates to the public the reason for the non-satisfaction of individuals.

The belief in the infinite possibilities generated by the end of the social protection system transforms the individual into a kind of company. Its tendency now is to maximize profits, personal satisfaction and competition with other companies-individuals. Dynamics are indistinguishable from market competition between rival companies offering the same products. Evaluation parameters through benchmarks reveal that the competition between individuals is measured according to their obtained results and those who have less income will be fired. Competition also integrates subjectivity. The desire to infinitely maximize starts from this premise. Be the best, the fastest, the most complete you can and measure that from the performance of the other.

Due to this process, distrust of the other tends to increase. The citizen with whom there were once citizen and consensual relations is now a potential competitor, an individual who wants to conquer his space and who, for that reason, also tends to maximize himself. Insecurity increases and with it, solidarity declines. This combination of insecurity and distrust of others generates disastrous consequences, as not everyone will be able to achieve this mandatory improvement to conquer their space in society. The consequence is a constant fear of the other



and of not adapting to new patterns, which in turn, develop psychological diseases in individuals, such as Depression and Burnout Syndrome.


We could say that modern insecurity, in its various manifestations, is characterized by the fear of crimes and criminals. We are suspicious of others and their intentions, we refuse to trust (or fail to do so) in the constancy and regularity of human solidarity. Castel blames this state of affairs on modern individualism. According to him, modern society – replacing solidly united communities and corporations (which once defined the rules of protection and controlled the application of those rules) with the individual duty to take care of himself and to do for himself – was built on the shifting sand of contingency: insecurity and the idea that danger is everywhere are inherent to this society.

As in the other transformations of the Modern Era, in this one too Europe played a pioneering role. It was the first to have to face the unforeseen and pernicious regular consequences of change: the stressful feeling of insecurity that, as it was said, would not have existed without the simultaneous occurrence of two "turns" that manifested themselves in Europe - to then spread, more or less quickly, to other places on the planet. The first, according to Castel's terminology, consists in the “overvaluation” (survalorization 4) of the individual, freed from the restrictions imposed by the dense network of social bonds. The second, which comes right after the first, consists of the unprecedented fragility and vulnerability of this same individual, now deprived of the protection that the old bonds guaranteed him.

If the first revealed to individuals the stimulating and seductive existence of large spaces in which to implement the construction and improvement of themselves, the second made the first inaccessible to most individuals. The result of the combined action of these two new trends was how to apply the salt of the feeling of guilt on the wound of impotence, infecting it. This resulted in a disease that we could call the fear of being inadequate (BAUMAN, 2009, s/p, our translation).


It is in this double movement of the fall of the social protection network, which occurred with the transition from the welfare state to the neoliberal and hyper-individualized society, that the process of dehumanization, through fear and mistrust, gains more robust and is projected in individual and political actions. The contemporary dehumanization process is a result of modern fear. As far as it is concerned, it is based on the deregulation of society (BAUMAN, 2009) and on the increasingly fragmented and atomized individualism.

The feeling of threat, fear and mistrust leads to xenophobic attacks and forms of blaming the other, the foreigner and the different. The resistance to accept the new forms of social life and the attempt to preserve the bonds that solid modernity established, create, in the same way, the feeling of aversion to the different. The society projected as a fortress, is now faced with an imminent danger, invaded and with values such as solidarity, security and identity threatened.

Invasion, nowadays, no longer concerns the great barbarian invasions against the Roman Empire or the colonial invasions in the period of the great navigations. By invasion, we



understand the presence of someone who is not a native of the territory, who was not born or raised there, who did not establish his life under the values of that region, city or country. The contemporary invasion is the result of globalization and concerns the immigration of people to global centers in search of opportunities, jobs and a life far from conflict and misery. It is not established as an invasion for conquest, but an invasion for better living conditions. The composition of foreigners in cities creates an atmosphere of aversion, concern and disquiet about their intentions. If there was already concern, distrust and competition with the “similar”, the aversion to foreigners is now potentiated, it becomes a war of values, of cultures, but above all, a supposed “economic” war for survival. The immigrant's presence in urban life gave new concerns to the city's inhabitants.


A fixed component of urban life, the ubiquity of foreigners, so visible and so close, adds a notable dose of disquiet to the aspirations and occupations of the city's inhabitants. This presence, which can only be avoided for a very short period of time, is an inexhaustible source of latent – and often manifest – anxiety and aggressiveness (BAUMAN, 2009, s/p, our translation).


In this way, modern fear gains a new component already known to Western societies: the fear of the unknown. This fear projected on individual actions reveals that the expulsions of foreigners from social environments, the rhetoric against immigration and the political pressure for stricter laws to be enacted on the subject, would be of a strictly economic nature, and are, but also reveal, the fear of integration with the different (myxophobia). More than the economic insecurity caused by foreigners, the insecurity in the environment of competition for spaces is part of the instability experienced today. These spaces can be configured in the work environment, in the neighborhood, in the leisure area and in cultural spaces. The cause is the economic change of society towards the atomization of the individual who, because he feels out of place and does not identify with the values formerly placed, projects abroad the cause of his frustration and discontent. The consequence is the end of the era of rights and the recognition of all who belong to the human race. It is the end of universalism.

The distinction between foreigners and natives, in the process of bankruptcy of the Welfare State, results in the establishment of measures for their separation in social spaces, such as the enclosure of certain regions. The process of physical delimitation of a territory goes back to the 19th century, when the Spaniards surrounded their colonized territories to contain revolts and control the population. That said, the method of physically excluding the different or the one who threatens the social logos is not new in modern Western society, on the contrary, it represents an important part of its constitution. These spaces of concentration deny the



individual's autonomy, segregating him from the rest of the social body and imposing rules of conduct and behavior on him.

For Bauman (2009) global cities are beautiful examples of this new form of constitution of public and urban space. The ghettos formed in the big cities demonstrate the two faces of neoliberal capitalism. There are those spaces of extreme security, with electric fences, extremely high walls and armed guards, the “closed communities” - and closed condominiums also call their relationship with the outside world - that bring together the upper classes and make them have no relationship with the world around them, as it is composed of criminality and constant insecurity. These spaces are understood as “voluntary ghettos”. The “involuntary ghettos”, where the people gathered there cannot leave, either because of their financial condition or because they are not allowed, make up the other face of contemporary society. These spaces represent the exclusion of the other, the one seen as a threat, or the one who does not belong to the same category as those at the top of society. Exclusion is also the way to demarcate borders between differences, against supposed threats and, mainly, for the fear of losing social positions and ending up in the same precarious conditions as the other and the immigrant.


Definitely, by imposing the rapid modernization of very distant places, the great world of the free market, of free financial circulation, has created a huge amount of “superfluous” people, who have lost all means of livelihood and cannot continue to live like their ancestors. They are individuals forced to move, to leave the places where they are considered refugees to become economic immigrants, immigrants who then go to another city. Once again it is the local resources that have to figure out how to accommodate them.

They come to the city and become symbols of these mysterious – and therefore unsettling – forces of globalization. They come from who knows where and are – as Bertold Brecht says – “ein Bote des Unglücks”, messengers of misfortunes. They bring with them the horror of distant wars, of famine, of scarcity, and they represent our worst nightmare: the nightmare that we ourselves, due to the pressures of this new and mysterious economic equilibrium, may lose our means of survival and our social position. They represent the fragility and precariousness of the human condition, and no one wants to be reminded of these horrible things every day, things we would rather forget. Thus, for numerous reasons, immigrants have become the main bearers of differences that cause us fear and against which we demarcate borders (BAUMAN, 2009, s/p, our translation).


This exclusion of the other, the foreigner, through spatial segregationism, as already pointed out, is not a new symptom in society, it is part of its structure and social engineering. Primo Levi (1988) discusses the issue of dehumanization from the concentration camps of the fascist and Nazi regimes. Individuals may think, consciously or not, that the foreigner is an enemy, in the same model as Carl Schmitt (2009), and from this construction, dehumanization



becomes the norm. Concentration camps are the extreme measures against the foreigner and against the other, representing the apex of the physical exclusion of others and the withdrawal of their humanity. In contemporary times, condominiums represent part of the construction of means of physical exclusion.


These condominiums, the gated communities, which cannot be entered without being previously invited, which have armed guards 24 hours a day, closed circuit television, etc., are nothing more than a reflection of the involuntary ghettos in which the underclass, the refugees and recent immigrants were thrown. Our voluntary ghettos – yes, voluntary ones – are the result of the will to defend their own security, seeking only the company of their peers and pushing away foreigners (BAUMAN, 2009, s/p, our translation).


It is understood that the process of dehumanization in contemporary society is directly linked to the hyper-individualization caused by the new expression of capitalism. That individual who was once under social protection laws and now lives with the constant threat of losing his job or not adapting, projects in security, in all its senses, the way to protect himself from external dangers. Whether through voluntary ghettos or increasingly extreme measures of spatial and social segregationism, it is insecurity that determines the construction of the foreigner as an enemy and as non-human, devoid of rationality, animalistic, which brings with it misery and usurps the jobs of the local population.

The feeling of fear and insecurity corroborates the affirmation of national identity (BURGIO, 2010), being essentially excluding due to the affirmation of values and traditions restricted to a geographically delimited territory. The constant speeches about the affirmation of a “pure identity”, which is now corrupted by the immigrant, with the threat of a safe life who has been losing ground, create forms of dehumanization, producing fear, anger and frustration. From these feelings, the search for culprits is naturally exercised and falls back to the figure of the foreigner.

It is the very crisis of modernity expressed in hyper-individualism, which conceives fear, insecurity and uncertainty of the future, as it can no longer be predicted, planned and thought about. It is the crisis of values, economy and identity that brings this search for security and stability. In this process, foreigners are the most affected, having to leave their countries or cities for the same reasons and, when they arrive in unknown territory, they are frowned upon, poorly regarded and represented as a threat to society and the cause of its crises. It is the foreigners and immigrants who are dehumanized. Those who are trying to build a new life are deprived of living.



Final considerations


From the reflection on the process of hyper-individualization caused by the fall of the welfare state and its relationship with the dehumanization of foreigners, we sought to bring to the center of the discussion the issue of fear, insecurity and the delimitation of space for protection. Even though all these aspects have been present in modern society since its genesis, it is in contemporary society that they gain new contours and establish themselves as the norm to, supposedly, establish a new order of things.

This new created order results in the establishment of different delimited spaces in order to segregate groups, which seen as enemies or potentially dangerous, are dehumanized, insofar as they are not seen as belonging to the human race. If in the 19th century concentration camps were seen as an extreme and emergency method to contain revolts, in contemporary times they have established themselves as a norm for social security, they are developed with a view to organizing a public and condescending urban space.

However, it is in this way of arranging society, through segregationist attitudes, that the construction of the other as non-human can be naturalized in the popular imagination and, with this way of thinking, the bankruptcy is not only of social protection, solidarity and of forms of coexistence, but also of universality and the human race. The hierarchy in contemporary society, between natives and foreigners, first and second class citizens, establishes precepts for the horrors of the past to happen again in the present, see the segregation of urban spaces, the division between friends and enemies built from a national identity and mixophobia. These are the questions that shape the dilemma of contemporary society.

In addition to these issues, the end of politics is also decreed to the extent that societal ordinances will no longer be guided by cooperation, but by competition and constant fear. The atomized individual without social commitment and the dehumanized individual represents the failure of democracy, politics and social justice. If, on the one hand, there are those without social ties and who see the community as a limitation for their satisfaction, on the other hand, there are those who, seeking better living conditions, are taken to an inferior position compared to others, having their rights and humanity withdrawn. Both are derived from the emptying of collectivity and solidarity, and with that, the very idea of society ceases to make sense.

Given this, it can be concluded that contemporary society, based on negative freedom and producer of the normativity of dehumanization, does not represent human progress, but setback. This term does not refer to conditions of technology, art or knowledge, it is related to the societal arrangement that is closer to a war of all against all, than to a stable and cooperative



social organization. Setback, as stated, concerns the end of universal emancipatory inclusive political consensus and war as a method for resolving social conflicts.


REFERENCES


BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. BERLIN, I. Quanto ensaios sobre a liberdade. Brasília, DF: Editora UNB, 1958.

BURGIO, A. Nonostante Auschwitz. Il “ritorno” del razzismo in Europa. DeriveApprodi,

2010.


DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.


LEVI, P. É isto um homem? Trad. Luigi Dei Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.


ROSA, H. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019.


SCHMITT, C. O conceito do político. Belo Horizonte, MG: Delrey, 2009.


How to reference this article


SLEMAN, T. J. The contemporary dehumanization process and its relationship with hyperindividualization. Rev. Sem Aspas, Araraquara, v. 10, n. 00, e021014, Jan./Dec. 2021. e- ISSN: 2358-4238. DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v10i00.15724


Submitted: 20/09/2021 Required revisions: 15/10/2021 Approved: 19/11/2021 Published: 29/12/2021