AUGUSTO COMTE REVISITADO: POSITIVISMO, TEORIA SOCIOLÓGICA E INTERVENÇÃO SOCIAL


AUGUSTE COMTE RECORDADO: POSITIVISMO, TEORÍA SOCIOLÓGICA E INTERVENCIÓN SOCIAL


AUGUSTE COMTE REVISITED: POSITIVISM, SOCIOLOGICAL THEORY AND SOCIAL INTERVENTION


Renato CANCIAN1


RESUMO: Nas ciências sociais uma obra clássica é uma referência para as gerações futuras de especialistas que usufruem de suas contribuições teóricas, conceituais, analíticas e metodológicas no desenvolvimento de novas pesquisas e permanente aperfeiçoamento do conhecimento. Entre os clássicos da sociologia, em particular os teóricos da fase de surgimento desta ciência social, o pensamento sociológico de Augusto Comte é considerado de menor relevância comparado a Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber. Todavia, ao analisar a trajetória intelectual de Augusto Comte este artigo sustenta que suas teorias e análises foram fundamentais para a constituição e o desenvolvimento ulterior da sociologia.


PALAVRAS-CHAVE: Ciência. Positivismo. Sociologia. Capitalismo. Conflito social.


RESUMEN: Em las ciencias sociales uma obra clásica es uma referencia para las futuras genereciones de especialistas que se benefician de sus aportes teóricas, conceptuales, analiticas y metodológicas em el desarrollo de nuevas investigaciones y mejora del conocimiento. Entre los clásicos de la sociología, em particular los teóricos de la fase de surgimiento de esta ciencia social, el pensamiento sociológico de Auguste Comte tiene menos relevancia em comparación com Karl Marx, Emile Durkheim y Max Weber. Sin embargo, al analizar la trayectoria intelectual de Auguste Comte este artículo sostiene que sus teorías y análisis fueron fundamentales para la constitución y posterior desarrollo de la sociologia.


PALABRAS CLAVE: Ciencia. Positivismo. Sociología. Capitalismo. Conflicto social.


ABSTRACT: In the social sciences, a classic work is a reference for future generations of specialists who enjoy from its theoretical, analytical and methodological contributions in the development of new research and permanent improvement of knowledge. Among the classics of sociology, in particular the theorists of the emergence phase of this social science, the sociological thought of Auguste Comte is considered of less relevance compared to Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber. However, when analyzing the intellectual trajectory of Auguste Comte, this article argues that his theories and analyses were fundamental for the constitution and further development of sociology.


KEYWORDS: Science. Positivism. Sociology. Capitalism. Social conflict.


1 Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos – SP – Brasil. Doutorado em Ciências Sociais. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1481-5449. E-mail: rcancian@hotmail.com



Introdução


A sociologia pode ser concebida como um projeto científico da modernidade orientado para o estudo sistemático da vida social. A história de sua gênese recai sobre a obra de pensadores que criaram conceitos, métodos e teorias fornecendo as condições para que a sociologia se tornasse uma ciência genuinamente autônoma perante outras áreas do conhecimento científico. A proposta deste artigo é analisar a trajetória intelectual do filósofo e teórico social Augusto Comte que cunhou o termo “sociologia” e desenvolveu as primeiras teorias sociológicas consistentes alicerçadas na definição do objeto de pesquisa e em procedimentos metodológicos que permitiram analisar cientificamente a sociedade contemporânea de sua época. De modo geral, a referência ao pensamento sociológico clássico relega Augusto Comte a uma condição subalterna em relação a Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber, mas é importante destacar que Comte foi pioneiro na construção de um quadro teórico-conceitual e na realização de pesquisas sociais que favoreceram o reconhecimento, aceitação e prestígio da sociologia enquanto que sua vasta obra, composta de estudos filosóficos e sociológicos converteu-se em estímulo ao avanço do pensamento social além de forneceu inestimáveis contribuições ao desenvolvimento de novas teorias sociais.


O capitalismo industrial


O projeto científico que deu origem à sociologia não foi refratário às concepções filosóficas e ideais políticos de seus fundadores, visto que importantes eventos históricos que ocorreram ao longo do século 19 impactaram nos estudos que foram sendo elaborados, servindo como esteio para formulação de problemas de pesquisa além de influir no debate intelectual sobre o papel ou contribuição da ciência social nascente para a sociedade da época2. Não há dúvida que a força motriz desses eventos é o desenvolvimento do capitalismo que se tornou o sistema econômico e social hegemônico soterrando, definitivamente, o antigo modo de produção feudal e a ordem social que o representava. A transição do feudalismo para o capitalismo foi um evento histórico de longa duração que atravessou séculos, mas seu desenvolvimento não foi simultâneo no âmbito do continente europeu, alguns países se adiantaram. A Inglaterra presenciou a ascensão da burguesia ao poder após a eclosão da

2 Em realidade, o debate intelectual sobre a relevância da sociologia é parte constitutiva de seu desenvolvimento, abrangendo suas fases de fundação e consolidação com sua inserção no âmbito acadêmico e no sistema educacional como disciplina escolar. No Brasil, onde o ensino de sociologia tem uma trajetória histórica precária em razão da inconstância de sua presença na grade curricular da educação de nível básico, o debate sobre a importância desta disciplina permanece sendo tarefa imprescindível para o fortalecimento da identidade institucional e da carreira profissional dos sociólogos.



Revolução de 1640 que assegurou o pleno desenvolvimento do capitalismo naquele país insular; e foi também na Inglaterra que outro evento importante teve início a partir da segunda metade do século 18; a revolução industrial que associou trabalho e ciência deflagrando um boom de invenções e aperfeiçoamentos técnicos principalmente nos setores de metalurgia e mineração, motores a vapor e maquinário fabril, que resultaram numa expansão vertiginosa da produção industrial (IGLÉSIAS, 1986).

Enquanto a Inglaterra estava na vanguarda da modernidade alguns países do continente resistiam às mudanças; de modo geral desejavam desenvolver a indústria desde que não provocasse abalos na ordem social tradicional; o caso mais emblemático é da França que representava a mais poderosa monarquia absolutista do continente e um baluarte do Antigo Regime no Ocidente, porém em franca decadência no final do século 18. A Revolução Francesa deflagrada no ano de 1789 marcou a derrota da nobreza feudal naquele país, mas o domínio da burguesia tardou a se consolidar em razão da radicalização entre as facções políticas revolucionárias e o movimento de restauração. Mesmo os países que não enfrentaram guerras civis e revoluções não tiveram condições de impedir o avanço do sistema capitalista; nestes casos, porém, a transição ocorreu lentamente por meio de alianças entre estratos da burguesia comercial e industrial e as classes fundiárias ligadas organicamente à antiga ordem social; este tipo de transição conciliadora, também chamada de via conservadora, tornou possível acomodar os interesses divergentes das classes dirigentes e conduzir esses países à modernidade (MOORE, 1967).

Seja pela via revolucionária ou conservadora a transformação estrutural dos países de economias predominantemente agrárias em sociedades urbano industriais sob a égide do sistema capitalista abalou os ideais políticos-filosóficos basilares do projeto revolucionário burguês de coesão e harmonia social diante dos antagonismos sociais que se manifestaram em constantes crises e conflitos sociais cujas raízes radicavam na contradição envolvendo a relação capital-trabalho. As relações capitalistas de produção haviam penetrado no campo bem antes do desenvolvimento urbano industrial, mas ganhou forte impulso após o avanço do sistema fabril resultando em mudanças na estrutura fundiária e alterando de forma gradual o funcionamento das propriedades agrárias. Depois de adaptarem ao sistema capitalista e aos métodos empresariais a produção agrícola se tornou mais racional, ganhou em produtividade e em rentabilidade e passou a exigir menos mão de obra. O campo se submeteu aos interesses da cidade e pouco a pouco a produção agrícola, que era rudimentar e estava baseada no autoconsumo, se adequou às crescentes necessidades de consumo das populações urbanas provocando a diminuição drástica das lavouras de subsistência e das pequenas propriedades



agrícolas, desalojamento, expropriação e; por fim, a expulsão dos camponeses que tiveram como única alternativa migrarem para as cidades. O êxodo migratório provocou o crescimento populacional desordenado das cidades ocasionando fome, pobreza, delinquência e criminalidade fazendo com que as regiões urbanas densamente povoadas apresentassem um quadro permanente de tensões e conflitos sociais. A indústria era incapaz de absorver tanta mão de obra à disposição e aqueles que encontravam trabalho nas fábricas eram obrigados a enfrentar extenuantes e longas jornadas de trabalho, condições extremas de insalubridade e salários aviltantes. Orientado pelos princípios do liberalismo do laissez-faire3 o capitalismo revelava sua lógica excludente: neste sistema, os laços de servidão haviam desaparecido e o servo converteu-se num trabalhador legalmente livre, mas sua força de trabalho era considerada uma mercadoria e a classe trabalhadora, o operariado, vivenciava nas fábricas a fase de superexploração do capital que gerava condições desumanas de existência.

No ano de 1848 a Europa continental foi sacudida por uma onda de revolta dos trabalhadores que rapidamente ganhou força adquirindo um potencial político desestabilizador. Um renomado historiador do período denominou a fase de sublevação das massas oprimidas como a primavera dos povos; o ápice de um momento histórico marcante de protagonismo político da classe trabalhadora que lutou contra a opressão do capital (HOBSBAWM, 1982). Em poucos meses a revolta das classes trabalhadoras irradiou-se afetando tanto as regiões desenvolvidas como as atrasadas; embora tenha sido efêmera pela sua duração os trabalhadores organizados conseguiram derrubar vários governos locais até as revoltas serem sufocadas pela repressão estatal. No ano seguinte as lutas populares contra o sistema capitalista se esgotaram; em alguns países a ameaça de revolução proletária manteve- se viva por alguns anos; porém, no âmbito continental, sobretudo nas sociedades mais industrializadas, os movimentos dos trabalhadores organizados abandonaram o radicalismo. O capitalismo triunfou e a ameaça de revolução social desapareceu do cenário político após 1850.

Foi neste contexto histórico caracterizado por profundas transformações de escopo continental, descritas de forma sintética nos parágrafos precedentes, que se delinearam os eixos que orientaram os primeiros estudos científicos da sociedade. O primeiro eixo, sem dúvida o mais importante, está baseado nas mudanças sociais decorrentes da transição, consolidação e crise da sociedade capitalista e industrial que marcou a história do século 19. É um aspecto comum compartilhado pelos teóricos sociais da época o interesse por interpretar


3 Termo que significa “deixar fazer” e se refere à ideologia política do liberalismo que defende o princípio da livre concorrência e da não intervenção estatal.

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globalmente aquele momento histórico tensionado pelas forças do progresso; de um lado, e pela violência e conflito social, de outro. O segundo eixo está baseado numa determinada concepção de conhecimento científico que norteou boa parte das pesquisas sociológicas, basicamente envolveu um esforço para determinar o objeto de estudo e também os métodos de investigação que seriam empregados pela nova ciência. O terceiro eixo sustenta o debate em torno das contribuições da sociologia à sociedade moderna e envolveu a discussão sobre o papel ou função que a nova ciência teria a desempenhar naquele mundo novo que despertava fascínio e perturbação.


A trajetória intelectual de Augusto Comte


Isidore Áuguste Marie François Xavier Comte, conhecido como Auguste Comte, nasceu em Montpellier, França, em 19 de janeiro de 1798 e faleceu em 5 de setembro de 1857. Em 1814, aos 16 anos de idade, Augusto Comte ingressou na Escola Politécnica de Paris, antiga Escola Central de Obras Públicas; instituição educacional pública de grande prestígio fundada no ano de 1794 pelo governo revolucionário da época e dedicada à formação científica de excelência voltada para formação de quadros técnicos para atender a crescente demanda da administração pública e da indústria. Comte permaneceu dois anos na instituição e neste breve período desfrutou de um ambiente científico e intelectual estimulante que exerceu decisiva influência em sua formação e no seu trabalho intelectual. No convívio com cientistas e colegas da Politécnica cultivou enorme interesse pelas ciências naturais e pelas mudanças sociais que estavam ocorrendo em sua época e almejou estudar a sociedade para compreender os fenômenos e os problemas sociais, sobretudo no âmbito da sociedade francesa que atravessava um momento crítico de desordem e anarquia sociais após a eclosão da grande revolução.

Apesar de várias tentativas Comte não conseguiu obter uma cátedra por meio de concursos públicos, por isso levou uma vida de “intelligentsia sans attaches”4 enfrentando penúria e dificuldades materiais durante toda sua vida. Trabalhou por um breve período na Escola Politécnica como examinador de admissão e depois passou a ministrar aulas particulares, palestras e cursos oferecidos à comunidade como um meio de obter rendimentos financeiros além de retribuições por colaborar com jornais e doações de colaboradores; foi desse modo que conseguiu difundir suas ideias e elaborar seus estudos (TACUSSEL, 1999).


4 A expressão “intelligentsia sans attachés” significa intelectual independente e tem um sentido pejorativo ao indicar o intelectual que não tem condições materiais.


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Suas obras têm amplitude enciclopédica sendo formado pelos seguintes estudos: “Plano de trabalho científico para reorganizar a sociedade”5 , “Opúsculos de filosofia social”, “Curso de filosofia positiva”6 , “Discurso sobre o espírito positivo”, “Discurso sobre o conjunto do positivismo”, “Catecismo positivista”7 , “Sistema de política positiva”, “Apelo aos conservadores”, e “Síntese subjetiva”.


Positivismo e física social


As ideias centrais que forneceram a base para o pensamento sociológico de Augusto Comte são oriundas do contato com obras de intelectuais e cientistas abrangendo as áreas de política, economia, história, medicina, astronomia, biologia, física e matemática; alinhadas à tradição iluminista, movimento intelectual surgido no século 18 que exaltou e difundiu os princípios do racionalismo e a supremacia da ciência como base para o progresso da humanidade. O prestígio do racionalismo e do conhecimento científico foi tão dominante naquela época que subordinou o pensamento filosófico à ciência, a filosofia pura perdeu adeptos e importância ficando restrita a poucos e inexpressivos círculos acadêmicos e as únicas obras filosóficas que se tornaram influentes foram aquelas que estavam alicerçadas no conhecimento científico. Foi neste contexto intelectual que Comte desenvolveu um sistema filosófico chamado positivismo que, juntamente com o empirismo que se originou na Inglaterra por iniciativa do filósofo e economista britânico John Stuart Mill, formaram as correntes filosóficas dominantes na Europa Ocidental do século 19.

O positivismo tinha por objetivo estimular o progresso geral e universal da humanidade mediante intervenção em todas as esferas da vida social a partir de um projeto de gestão científica da sociedade, mas antes seria necessário criar uma ciência dedicada ao estudo da sociedade. Comte constatou que os ramos do conhecimento científico que constituíam as ciências da natureza haviam alcançado o estágio que ele conceituou de positivo, entretanto havia uma lacuna que deveria ser preenchida por uma nova ciência que se ocuparia do estudo da sociedade, essa ciência recebeu duas denominações: Sociologia e Física



5 Publicada na época em que Comte trabalhava como secretário do filósofo Claude-Henry Rouvroy, o conde Saint Simon. Por discordar da proposta de reforma social idealizada por Saint Simon Comte se afastou dele e reeditou a referida obra em 1824 com algumas mudanças e novo título: Sistema de Política Positiva.

6 Considerada a obra mais importante porque apresenta os fundamentos teórico-filosóficos do positivismo, foi publicada em seis volumes a partir de 1830.

7 Publicada em 1852, detalha os fundamentos do projeto de uma religião renovada sob os princípios da razão, como parte do projeto positivista de reconstrução do consenso coletivo para a consolidação da ordem social.

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Social8. A física social se encarregaria do estudo dos fenômenos sociais adotando os mesmos procedimentos metodológicos das ciências naturais que estudam seus respectivos objetos de pesquisa com objetividade por meio da observação, experimentação e comparação para desvelar às leis gerais que governam tais fenômenos.

A objetividade é elemento central do debate intelectual da fase de constituição da sociologia porque tem relação com a questão da neutralidade científica. Comte receava que interferências de juízos de valor por parte daqueles que se dedicam ao estudo dos fenômenos sociais prejudicaria a cientificidade da pesquisa sociológica, ressaltou que as análises realizadas pelos diversos ramos do conhecimento científico que integram as ciências naturais não sofrem interferência da consciência e das convicções pessoais dos cientistas, pois as pesquisas no campo da física, da astronomia, da biologia, da química; entre outros, se baseiam na observação factual de fenômenos que existem independentemente de opiniões e julgamento de valor dos pesquisadores. Afirmou também que o pesquisador que estuda os fenômenos sociais não deve considerá-los como objetos de admiração ou crítica e deve afastar-se de qualquer noção absoluta de bem ou de mal. Comte considerava a sociologia uma ciência natural, então a tese da unidade analítica e metodológica tinha coerência; ele assimilou o paradigma científico predominante porque as ciências naturais estavam progredindo de tal maneira que seria inconcebível para um intelectual imerso naquela cultura científica propor a criação de uma ciência que desprezasse o esquema metodológico das ciências naturais, considerado o único método científico válido9 (COMTE, 1978, p. 73-103). A influência das ciências naturais sobre a sociologia não se restringiu à metodologia, o quadro conceitual que compõem os escritos filosóficos e teóricos de Comte está baseado num padrão de linguagem e no uso de vocábulos extraídos da física, química, biologia, astronomia; termos como dinâmica, estática, evolução, leis gerais, anatomia e fisiologia exemplificam a notável força e prestígio das ciências naturais.


Paradigma evolucionista e a lei dos três estados


No bojo das orientações filosóficas que nortearam o pensamento sociológico de Augusto Comte destacam-se as contribuições do filósofo e matemático francês Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat (1743-1794), conhecido como Marquês de Condorcet. Em sua


8 Comte deixou de usar o termo “física social” depois que tomou conhecimento que o estatístico belga, Adolphe Quételet fazia uso dele, embora com significado diferente.

9 O método histórico foi incorporado à sociologia porque determinados fenômenos sociais só podem ser devidamente estudados observando o movimento histórico das sociedades.


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célebre obra “Esboço de um quadro histórico do espírito humano”, publicada postumamente em 1795, Condorcet explanou uma teoria do progresso da humanidade a partir de uma perspectiva evolucionista considerando três premissas fundamentais: a) o progresso decorria do aperfeiçoamento e acúmulo do conhecimento humano ao longo da história; b) o progresso é um fenômeno histórico linear, inexorável e espontâneo regido por leis da evolução; e por fim, c) o progresso é prenuncio de um futuro melhor. Comte aprofundou a análise dessas premissas na chamada Lei dos Três Estados ao elaborar uma tipologia das capacidades cognitivas do intelecto humano ao longo da história destacando três estágios sequenciais: teológico, metafísico e positivo (COMTE, 1830-42, p. 16-21).

O estágio teológico explica os fenômenos da realidade pelas ações de entidades místicas personificadas em seres e objetos da natureza e divindades para compreender as causas e finalidades dos fenômenos. O estágio metafísico explica os fenômenos da realidade pela ação de forças ocultas da natureza e entidades abstratas para compreender a essência intrínseca dos fenômenos. No estado positivo predomina a racionalidade e as análises dos fenômenos da realidade física ou social estão baseadas em observações, comparações e experimentos. O estado positivo reconhece que o conhecimento científico é incapaz de explicar as causas, as finalidades e a essência dos fenômenos estudados e como alternativa a essas restrições, consideradas intransponíveis, a ciência se limita a desvelar as leis subjacentes aos fenômenos para explicar como eles ocorrem e como se encadeiam uns aos outros. O estágio positivo é considerado a etapa superior da evolução do intelecto, da inteligência e do espírito humano.


Quadro 1 – Taxonomia da Lei dos Três Estados


Fases do pensamento

Formas distintas

Características básicas

Pensamento prevalecente

Domínio Intelectual

Estrutura Social

Base da integração social


Teológico [Fictício- Imaginativo]

Fetichismo


Fenômenos da

realidade são explicados pela ação de seres personificados em objetos da natureza ou divindades religiosas.


Reivindica o conhecimento absoluto [essência e

causa dos fenômenos]


Sacerdotes


Parentesco


Poder teocrático- militar coercitivo para manter a ordem social

Politeísmo

Monoteísmo


Metafísico [Abstrato- Argumentativo]



Fenômenos da

realidade são explicados pela ação de forças


Filósofos


Sociedade


Autoridade civil e

sistema jurídico para


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ocultas da

natureza ou entidades

abstratas.




as funções de controle social.


Positivo [Científico- Observacional]



Fenômenos da realidade física e social são

explicados por

meio da

observação empírica e

realização de experimentos.

Reivindica o conhecimento relativo [como os fenômenos ocorrem, suas leis uniformes, invariáveis, gerais e

particulares]


Cientistas


Sociedade Industrial


Estado burocrático, autoridade civil e as leis regulam as relações sociais.

Fonte: Elaborado pelo autor


A lei dos três estados não se resume à classificação do conhecimento e descrição dos atributos da ciência moderna; é considerada a lei mais básica da organização das sociedades humanas e revela a correspondência intrínseca entre cada fase do conhecimento humano e os arranjos sociais que lhe são característicos; isto significa que cada fase evolutiva do intelecto humano se ajusta a um determinado tipo de organização social. Cada estágio evolutivo da sociedade cria condições para o próximo estágio, mas para que isso aconteça é necessário que cada estágio atinja seu pleno desenvolvimento; sendo assim, a evolução depende de um processo cumulativo; os três estágios sucessivos explicam as etapas naturais e tendências evolutivas da humanidade.

Os pressupostos teóricos da lei dos três estados forneceram amparo à concepção positivista de que a sociedade industrial e científica era consequência natural da evolução social e havia alcançado o primado do estágio positivo. O estágio positivo apareceu a cerca de dois séculos de modo incipiente e foi aperfeiçoando as ciências gradualmente, essas se tornaram positivas seguindo a sequência de uma ordem natural que dependeu da complexidade dos fenômenos estudados por cada ramo do conhecimento científico, partindo dos fenômenos mais simples para os fenômenos mais complexos (COMTE, 1978, p. 57-60); desse modo, a sociologia só teve condições de se constituir como ciência no século 19 em razão do aparecimento de um tipo novo e mais complexo de organização social10.


10 A evolução da inteligência humana é um processo cumulativo baseado no empenho permanente da mente em explicar os fenômenos da realidade. Quando aplicada a evolução do conhecimento científico está perspectiva teórica estabelece uma classificação entre os progressos alcançados a partir dos critérios de generalidade decrescente e complexidade crescente dos fenômenos observados. As ciências inorgânicas, como a astronomia, física e química, atingiram o estágio positivo primeiro e só então as ciências orgânicas puderam se tornar positivas, primeiramente a biologia e depois a fisiologia, porque os fenômenos orgânicos são considerados mais complexos que os inorgânicos. Essa tese sustenta que a sociologia surgiu por último porque os fenômenos sociais são mais complexos para serem analisados.


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Estática e dinâmica Social


A teoria sociológica desenvolvida por Augusto Comte tinha como foco de análise as leis gerais que regem os fenômenos sociais e esses fenômenos foram classificados com base em suas funções sociais de maneira que puderam ser agrupados em duas categorias básicas: estática social e dinâmica social (COMTE, 1978, p. 104-140). A estática e a dinâmica representavam as forças sociais que asseguram a existência da sociedade fornecendo estabilidade ao conjunto das relações sociais e estimulam a transformação evolutiva da organização social. A estática espelha a ordem social e é comandada pelas leis da coexistência, a dinâmica representa o progresso e é comandada pelas leis da sucessão. A estática social mantém a sociedade íntegra e coesa ao fornecer a base de sustentação para a sociabilidade e a reprodução das relações sociais, isso ocorre pela existência das instituições tais como a família, as leis, os costumes, a atividade econômica, o governo. As forças da estática social são subjetivas e cristalizam-se nos laços morais, nos sentimentos de solidariedade e cooperação e nas crenças compartilhadas formando um consenso coletivo. A maior diferenciação interna de uma organização social implica num crescente aumento das instituições sociais; por conseguinte, maiores serão também os desafios concernentes à integração, pois o enfraquecimento do senso de interdependência funcional e da visão de conjunto pode provocar afrouxamento dos laços e vínculos morais comprometendo o que Comte chama de espírito agregado ou geral11.

A dinâmica social, por outro lado, se dedica a análise da transformação evolutiva da sociedade; ou seja, é o estudo das leis que regem a transição entre as etapas evolutivas. Para desvelar e compreender essas leis Comte empregou o método histórico e acompanhou o movimento das sociedades observando as tendências de mudanças e transformações sociais operadas num determinado período. Conforme estabelecido pela lei dos três estados a evolução da sociedade foi considerada um processo espontâneo e inevitável que se realizaria por si mesmo; porém, o estudo da dinâmica social não é capaz de explicar a força ou impulso inicial que desencadearia mudanças e a transformação evolutiva da sociedade. Comte apresenta uma hipótese associada com o surgimento de contradições sociais envolvendo divergências de pensamento, de ideias e de valores básicos que acabariam por abalar o consenso coletivo e a própria unidade orgânica da sociedade. Então, o fator principal da desagregação social estaria relacionado com as divergências de pensamentos que abalariam a


11 Comte sustentou a tese de que um sistema social que é incapaz de realizar as tarefas essenciais de integração entre as partes componentes que formam a estrutura da sociedade se torna suscetível ao surgimento de estados patológicos de crises que podem ameaçar à estabilidade da ordem social.

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unidade da sociedade. Embora essa hipótese tenha contribuído para a compreensão das mudanças sociais não foi suficiente para a formulação de uma teoria sociológica geral da revolução; ainda assim a teoria da dinâmica social lançou luz sobre os processos de transição da ordem social que acabaria se convertendo num importante objeto de estudo para a sociologia (TARDEL, 1990).


Sociologia e intervenção social


À medida que o século 19 avança cresce a inquietude da intelectualidade europeia diante da conjuntura de crise e conflitos societários que afetavam os países que estavam se modernizando e para os adeptos do positivismo essa situação precisava ser compreendida sociologicamente, pois se o progresso era prenúncio inequívoco de um futuro melhor as crises pareciam contrariar essa previdência. No âmbito da sociedade industrial a ciência tinha adquirido a capacidade de fomentar o desenvolvimento e o progresso porque os avanços tecnológicos estavam sendo aplicados a todas as áreas de atividade laboral; essa concepção pragmática de ciência pressupunha uma articulação entre teoria e prática; desse modo, é perfeitamente compreensível que a sociologia não deveria ser uma ciência puramente analítica guiada pela curiosidade de compreender os fenômenos sociais limitando-se ao acúmulo indefinido de conhecimento teórico; sua tarefa era colaborar com o aperfeiçoamento da sociedade industrial e científica por meio de reformas sociais capazes de abreviar a crise e pacificar a sociedade; nas palavras de Comte “era necessário conhecer para agir; compreender para reorganizar” (COMTE,1978, p. 64).

A ideia de intervenção social preconizada por Comte não é originalidade do seu pensamento sociológico porque naquele contexto histórico outros pensadores sociais tinham a mesma intenção, a diferença fundamental é que o projeto positivista de reorganização da sociedade tinha bases científicas e envolvia um amplo conjunto de reformas sociais. A França foi colocada no centro das preocupações dos positivistas porque a crise daquela sociedade foi considerada patológica e de longa duração em decorrência da continuidade dos conflitos societários que prejudicavam os esforços de consolidação do novo sistema social. Comte afirmou que havia uma situação estacionária de desgoverno (COMTE, 1844, p. 168) e fez uma distinção entre “direção crítica” e “direção orgânica” da sociedade, a primeira seria a tendência da formação de oposições políticas hostis que confrontaria de forma direta e permanentemente à nova ordem social e o governo estabelecido; a segunda seria a ação direcionada à reorganização da sociedade visando o pleno estabelecimento da ordem



positivista (COMTE, 1978, p. 63). Na obra intitulada Apelo aos Conservadores, publicada no ano de 1855, Comte observa que a direção orgânica da sociedade francesa poderia ser viabilizada se o partido governista12 firmasse uma aliança política com os partidos moderados de esquerda e de direita em prol de um pacto político de desenvolvimento da nação; entretanto, a necessidade de reorganização da sociedade francesa ia muito além dessa tarefa. A crise tinha dimensões mais amplas, pois era consequência de um processo de transição incompleta com prevalência de um período de desorganização-reorganização que Comte previu que seria momentâneo porque as antigas instituições sociais que mantinham a coesão social tinham desaparecido e novas instituições sociais ainda não haviam surgido para substituí-las; com base neste diagnóstico o projeto de reorganização social tinha por objetivo acelerar a transição para o mundo moderno a fim de consolidar a nova organização social.

Era uma tarefa ambiciosa, mas antes de concretizá-la os positivistas precisaram enfrentar os desafios teóricos impostos pelas correntes ideológicas que viam na ruptura da ordem social burguesa a solução para crise geral da sociedade capitalista e industrial. Naquele contexto o núcleo do conflito político-ideológico gravitava em torno da atividade da indústria capitalista que havia modificado substancialmente às formas da organização produtiva do trabalho por meio do uso intensivo do conhecimento técnico-científico fazendo com que a produção industrial gerasse enormes excedentes que contribuíram para o crescimento da riqueza material das sociedades europeias; entretanto, as contradições relacionadas à produção dessa riqueza e sua distribuição tornaram essas sociedades extremamente conflitivas (FORTE, 2008).

Na França as lutas políticas-ideológicas eram mais intensas e envolviam três forças políticas divergentes: os radicais de esquerda, os conservadores de direita e os liberais. Os conservadores de direita eram retrógrados, representavam o antigo regime e a sociedade organizada sobre os princípios hierárquicos dos estamentos e das tradições pré-1789; estavam em franco declínio, pois o pensamento teológico e as formas de organizações sociais alicerçadas na ordem feudal e no regime monárquico haviam sido solapados pela grande revolução; no entanto, os grupos remanescentes resistiam à nascente sociedade industrial. Comte considerou nula a possibilidade de um retorno ao passado conforme preconizava os retrógrados já que esse objetivo contrariava a tendência evolutiva da sociedade científico- industrial em curso; sendo assim essa alternativa política era inviável; entretanto, ele



12 Comte considerava todo e qualquer governo como conservador pelo fato de todos os grupos políticos que conquistam o poder do Estado se tornam defensores do status quo; neste sentido, o título de referida obra refere- se ao partido político governista.

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reconhece que os intelectuais alinhados a essa corrente ideológica tinham razão ao afirmarem que o rápido avanço da secularização destruiu importantes instituições sociais que davam suporte à ordem e coesão social fazendo com que a sociedade moderna se tornasse mais propensa à instabilidade política e anomia social. A crítica contra a modernidade tinha estreita relação com a teoria da estática social e colocou em relevo a problemática da integração social diante das dificuldades de adaptação e ajustamento dos indivíduos à nova ordem social e os elementos que davam suporte básico à vida coletiva e algum sentido à existência humana em sociedade, como a moral e a religião sobre as quais se assentavam a hierarquia, a solidariedade e o consenso social nas organizações sociais que precederam à sociedade industrial.

Os positivistas dispunham de solução para o problema da ausência de unidade moral e consenso coletivo e a resposta incluía uma reforma intelectual capaz de modificar crenças e mentalidades. Dessa engenharia social se baseiam as interpretações de que Comte foi um intelectual progressista-conservador, admirador do progresso social científico-industrial e simpático à coesão social orgânica característica das sociedades medievais. Contudo, Comte jamais propôs a reabilitação das antigas instituições sociais medievais para edificar uma ordem social simbiótica articulando o moderno e o arcaico; pois ele compreendia que essa solução seria inviável no contexto da modernidade porque o predomínio do pensamento racional tendia a destruir as formas metafísicas e teológicas de estruturação do consenso coletivo; como alternativa propôs o estabelecimento de uma moral e de uma religião universais, apoiadas na ciência e capazes de se sobreporem aos particularismos éticos e morais onde se enraizavam os conflitos político-ideológicos e a anarquia intelectual.

Os radicais de esquerda eram adeptos do socialismo, sustentavam a tese de que a economia capitalista era baseada na lógica da obtenção do lucro e acumulação permanentes da riqueza por parte dos proprietários dos meios de produção mediante exploração crescente dos trabalhadores assalariados; avaliaram que o sistema capitalista era gerador de pobreza e desigualdades sociais mesmo sendo capaz de produzir abundância material em níveis jamais vistos na história da humanidade; viam a conciliação de interesses entre os trabalhadores e os industriais como algo improvável e a abolição da propriedade privada e das diferenças de classes como único caminho para a construção de uma sociedade igualitária e socialmente justa. Comte se opôs categoricamente as ideologias que estes grupos defendiam considerando- as utópicas e irrealizáveis porque contrariavam as leis naturais que governam a evolução social. Com relação à propriedade privada dos meios de produção, Comte ressaltou que o acúmulo de capitais e sua capacidade de gerar excedentes tornaram possível a existência e o



desenvolvimento da civilização material beneficiando toda coletividade de modo que às gerações futuras puderam usufruir de uma base material sem necessidade de um constante recomeço. Não obstante, assinalou que a riqueza concentrada sob a forma de capitais ou propriedade não poderia ser irrestrita havendo necessidades de limites socialmente estabelecidos pelo fato dessa riqueza ser produto de esforços coletivos; portanto, seu uso deveria ter um sentido social (TARDEL, 1990).

Os liberais, ao contrário dos radicais e conservadores, eram situacionistas e se alinhavam à defesa do status quo e da ordem burguesa, defendiam a inviolabilidade da propriedade privada dos meios de produção e a liberdade irrestrita dos agentes econômicos como modus operandi das atividades produtivas industriais e comerciais, sustentavam a tese de que a geração de riqueza dependia essencialmente das forças de mercado baseadas na livre concorrência entre os produtores e comerciantes e na obtenção do lucro como incentivo fundamental à atividade empreendedora; princípios que foram unificados na doutrina do liberalismo econômico e nas teses hegemônicas da economia política. Comte aceitou alguns aspectos da doutrina do liberalismo econômico por considerá-los essenciais à atividade industrial, mas acreditava que racionalidade econômica subjacente às relações de produção e reprodução do capital era resultado de um desvirtuamento moral do sistema econômico e como solução propunha a edificação de uma moral humanista que aboliria os conflitos e egoísmos de classe.


Considerações finais


A constituição da sociologia foi influenciada pelo processo histórico mais amplo de transição para o mundo moderno com o desenvolvimento da sociedade industrial capitalista. As primeiras décadas do século 19 na Europa foram marcadas por crises sociais, instabilidade política e ameaças de revolução; fenômenos que influíram no debate intelectual estimulando a elaboração das primeiras teorias sociais. Augusto Comte dedicou sua vida ao trabalho intelectual e concretizou o ideal de ser um pensador e reformador social unindo teoria e prática de modo que seus estudos sociológicos serviram de orientação geral para um projeto político-ideológico de reorganização da sociedade. A problemática da moralidade percorre o pensamento sociológico de Augusto Comte de modo que o progresso social dependia da execução de um projeto de reorganização da sociedade que tinha como elemento basilar a edificação de novos valores morais e de uma religião positiva que substituiria Deus pela noção de humanidade e serviria para fomentar sentimentos de fraternidade e compreensão



entre os homens. Comte constatou que no âmbito da sociedade moderna, acentuadamente racional e secular, o respeito às normas de convivência e adesão aos preceitos e valores morais compartilhados dependeriam de mecanismos institucionais de socialização capazes de reorganizar crenças e costumes e transmitir novos valores; daí sua confiança em ações pedagógicas como instrumentos de conscientização dos indivíduos. Ele criou associações de adesão voluntária que oferecia cursos livres para instrução popular visando à mudança de mentalidades; e os adeptos do positivismo seguiram o mesmo caminho fundando associações similares em vários países ocidentais sob a denominação de “sociedades positivistas” com a finalidade de divulgar aos povos a filosofia positivista e as propostas de reforma e reorganização social.

As teorias sociais em geral possuem limitações e fragilidades, mas essas deficiências se convertem em estímulo para aperfeiçoamento contínuo do conhecimento sociológico. Na fase de constituição da sociologia não havia conhecimento teórico acumulado, consequentemente as primeiras análises da sociedade e dos fenômenos sociais foram mais suscetíveis a inconsistências. Talvez um dos aspectos mais desconcertante da teoria social de Augusto Comte tenha relação com sua concepção de objetividade do conhecimento sociológico que, por estar alicerçada nas ciências naturais, resultou numa noção precária de neutralidade ideológica; sobretudo em torno das formulações teóricas sobre a ordem e o progresso, elementos centrais da filosofia positivista e base do projeto político de reorganização da sociedade. Para os positivistas ordem e progresso precisavam se conciliar para que a sociedade moderna alcançasse a harmonia e a estabilidade; a ordem social repousa na existência de um consenso coletivo que se manifesta na aceitação de certas normas de caráter geral sem as quais a sociedade não pode existir; o progresso é o aperfeiçoamento da ordem. Tal pressuposto foi objeto de muitas críticas por ser ambivalente e teleológico e por ter servido como justificativa à concepção positivista da necessidade de conformidade e consenso por considerar qualquer forma de conflito social um fenômeno deletério à sociedade.


REFERÊNCIAS


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FORTE, M. A. Comte: La utopia del orden. Revista Conflito Social, Buenos Aires, v. 1 n. 00, p. 7-23, nov. 2008.



HOBSBAWM, E. A Era do Capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. IGLÉSIAS, F. A revolução industrial. São Paulo: Brasiliense, 1986.

MOORE, B. As origens sociais da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno. Lisboa: Edições Cosmos, 1967.


TACUSSEL, P. Augusto Comte: a obra vivida. Revista Logos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 16-21, nov. 1999.


TARDEL, M. I. Recordando a Comte. Revista de Sociologia, Santiago de Chile, n. 5, p. 9- 18, jan. 1990.


TORRES, M. A. El orden social in el pensamiento de Comte. Em Tese, Florianópolis, v. 7, n. 2, p. 259-279, jul./dez. 2020.


VEGA, M. L. La filosofia politica de Comte y su proyeto social. Ideas y Valores, Bogota, v. 40, n. 85, p. 71-90, ago. 1991.


Como referenciar este artigo


CANCIAN, R. Augusto Comte revisitado: positivismo, teoria sociológica e intervenção social. Rev. Sem Aspas, Araraquara, v. 10, n. 00, e021015, jan./dez. 2021. e-ISSN: 2358- 4238. DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v10i00.15744


Submetido em: 27/09/2021 Revisões requeridas: 20/10/11 Aprovado em: 18/11/2021 Publicado em: 29/12/2021



AUGUSTE COMTE REVISITED: POSITIVISM, SOCIOLOGICAL THEORY AND SOCIAL INTERVENTION


AUGUSTO COMTE REVISITADO: POSITIVISMO, TEORIA SOCIOLÓGICA E INTERVENÇÃO SOCIAL


AUGUSTE COMTE RECORDADO: POSITIVISMO, TEORÍA SOCIOLÓGICA E INTERVENCIÓN SOCIAL


Renato CANCIAN1


ABSTRACT: In the social sciences, a classic work is a reference for future generations of specialists who make use of its theoretical, analytical and methodological contributions in the development of new research and permanent improvement of knowledge. Among the classics of sociology, in particular the theorists of the emergence phase of this social science, the sociological thought of Auguste Comte is considered of less relevance compared to Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber. However, when analyzing the intellectual trajectory of Auguste Comte, this article argues that his theories and analyses were fundamental for the constitution and further development of sociology.


KEYWORDS: Science. Positivism. Sociology. Capitalism. Social conflict.


RESUMO: Nas ciências sociais uma obra clássica é uma referência para as gerações futuras de especialistas que usufruem de suas contribuições teóricas, conceituais, analíticas e metodológicas no desenvolvimento de novas pesquisas e permanente aperfeiçoamento do conhecimento. Entre os clássicos da sociologia, em particular os teóricos da fase de surgimento desta ciência social, o pensamento sociológico de Augusto Comte é considerado de menor relevância comparado a Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber. Todavia, ao analisar a trajetória intelectual de Augusto Comte este artigo sustenta que suas teorias e análises foram fundamentais para a constituição e o desenvolvimento ulterior da sociologia.


PALAVRAS-CHAVE: Ciência. Positivismo. Sociologia. Capitalismo. Conflito social.


RESUMEN: Em las ciencias sociales uma obra clásica es uma referencia para las futuras genereciones de especialistas que se benefician de sus aportes teóricas, conceptuales, analiticas y metodológicas em el desarrollo de nuevas investigaciones y mejora del conocimiento. Entre los clásicos de la sociología, em particular los teóricos de la fase de surgimiento de esta ciencia social, el pensamiento sociológico de Auguste Comte tiene menos relevancia em comparación com Karl Marx, Emile Durkheim y Max Weber. Sin embargo, al analizar la trayectoria intelectual de Auguste Comte este artículo sostiene que sus teorías y análisis fueron fundamentales para la constitución y posterior desarrollo de la sociologia.


1 Federal University of São Carlos (UFSCAR), São Carlos – SP – Brazil. Doctorate in Social Sciences. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1481-5449. E-mail: rcancian@hotmail.com



PALABRAS CLAVE: Ciencia. Positivismo. Sociología. Capitalismo. Conflicto social.


Introduction


Sociology can be conceived as a scientific project of modernity oriented towards the systematic study of social life. The story of its genesis lies in the work of thinkers who created concepts, methods and theories providing the conditions for sociology to become a genuinely autonomous science vis-a-vis other areas of scientific knowledge. The purpose of this article is to analyze the intellectual trajectory of the philosopher and social theorist Augusto Comte, who coined the term “sociology” and developed the first consistent sociological theories based on the definition of the research object and on methodological procedures that allowed the scientific analysis of the contemporary society of its era. In general, the reference to classical sociological thought relegates Augusto Comte to a subordinate condition in relation to Karl Marx, Emile Durkheim and Max Weber, but it is important to highlight that Comte was a pioneer in the construction of a theoretical-conceptual framework and in conducting research that favored the recognition, acceptance and prestige of sociology, while his vast work, composed of philosophical and sociological studies, became a stimulus for the advancement of social thought, in addition to providing invaluable contributions to the development of new social theories.


Industrial capitalism


The scientific project that gave rise to sociology was not refractory to the philosophical conceptions and political ideals of its founders, since important historical events that occurred throughout the 19th century had an impact on the studies that were being elaborated, serving as a mainstay for the formulation of research problems. in addition to influencing the intellectual debate on the role or contribution of the nascent social science to the society of the time2. There is no doubt that the driving force of these events is the development of capitalism that has become the hegemonic economic and social system, definitively burying the old feudal mode of production and the social order that represented it. The transition from feudalism to capitalism was a long-term historical event that spanned

2 In fact, the intellectual debate on the relevance of sociology is a constitutive part of its development, covering its foundation and consolidation phases with its insertion in the academic sphere and in the educational system as a school subject. In Brazil, where the teaching of sociology has a precarious historical trajectory due to the inconsistency of its presence in the curriculum of basic education, the debate on the importance of this discipline remains an essential task for the strengthening of institutional identity and professional career. of sociologists.

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centuries, but its development was not simultaneous within the European continent, some countries were ahead. England witnessed the rise of the bourgeoisie to power after the outbreak of the 1640 Revolution that ensured the full development of capitalism in that island country; and it was also in England that another important event began in the second half of the 18th century; the industrial revolution that associated work and science, triggering a boom of inventions and technical improvements, mainly in the sectors of metallurgy and mining, steam engines and factory machinery, which resulted in a vertiginous expansion of industrial production (IGLÉSIAS, 1986).

While England was at the forefront of modernity, some countries on the continent resisted change; in general they wanted to develop the industry as long as it did not shake up the traditional social order; the most emblematic case is that of France, which represented the most powerful absolutist monarchy on the continent and a stronghold of the Ancien Régime in the West, but in frank decline at the end of the 18th century. The French Revolution that broke out in 1789 marked the defeat of the feudal nobility in that country, but the dominance of the bourgeoisie took a long time to consolidate due to the radicalization between the revolutionary political factions and the restoration movement. Even countries that did not face civil wars and revolutions were not able to prevent the advance of the capitalist system; in these cases, however, the transition took place slowly through alliances between strata of the commercial and industrial bourgeoisie and the landed classes organically linked to the old social order; this type of conciliatory transition, also called the conservative path, made it possible to accommodate the divergent interests of the ruling classes and lead these countries towards modernity (MOORE, 1967).

Whether by revolutionary or conservative means, the structural transformation of countries from predominantly agrarian economies into urban industrial societies under the aegis of the capitalist system shook the basic political-philosophical ideals of the bourgeois revolutionary project of cohesion and social harmony in the face of social antagonisms that manifested themselves in constant crises and social conflicts whose roots were rooted in the contradiction involving the capital-labor relationship. Capitalist relations of production had penetrated the countryside well before industrial urban development but gained strong momentum after the advance of the factory system, resulting in changes in the land tenure structure and gradually altering the functioning of agrarian properties. After adapting to the capitalist system and business methods, agricultural production became more rational, gained in productivity and profitability and began to require less manpower. The countryside was submitted to the interests of the city and little by little agricultural production, which was



rudimentary and based on self-consumption, adapted to the growing consumption needs of urban populations, causing a drastic decrease in subsistence crops and small farms, displacement, expropriation and; finally, the expulsion of the peasants who had the only alternative to migrate to the cities. The migratory exodus caused the disordered population growth of cities, causing hunger, poverty, delinquency and criminality, making densely populated urban regions present a permanent picture of tensions and social conflicts. The industry was unable to absorb as much labor at its disposal and those who found work in the factories were forced to face grueling and long working hours, extreme unhealthy conditions and degrading wages. Guided by the principles of laissez-faire3 liberalism, capitalism revealed its exclusionary logic: in this system, ties of servitude had disappeared and the serf had become a legally free worker, but his labor power was considered a commodity and the working class, the working class, experienced in the factories the phase of overexploitation of capital that generated inhumane conditions of existence.

In the year 1848 continental Europe was shaken by a wave of workers' revolt that quickly gained strength acquiring a destabilizing political potential. A renowned historian of the period called the uprising of the oppressed masses the spring of the peoples; the apex of a remarkable historical moment of political protagonism of the working class that fought against the oppression of capital (HOBSBAWM, 1982). In a few months the revolt of the working classes spread, affecting both developed and backward regions; although it was ephemeral for its duration, organized workers managed to overthrow several local governments until the revolts were quelled by state repression. The following year the popular struggles against the capitalist system were exhausted; in some countries the threat of proletarian revolution remained alive for some years; however, at the continental level, especially in more industrialized societies, organized workers' movements abandoned radicalism. Capitalism triumphed and the threat of social revolution disappeared from the political scene after 1850.

It was in this historical context characterized by profound transformations of continental scope, described in a synthetic way in the preceding paragraphs, that the axes that guided the first scientific studies of society were outlined. The first axis, undoubtedly the most important, is based on the social changes resulting from the transition, consolidation and crisis of the capitalist and industrial society that marked the history of the 19th century. A common aspect shared by social theorists of the time was the interest in globally interpreting


3 Term that means “let it be done” and refers to the political ideology of liberalism that defends the principle of

free competition and non-state intervention..

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that historical moment strained by the forces of progress; on the one hand, and by violence and social conflict, on the other. The second axis is based on a certain conception of scientific knowledge that guided a good part of sociological research, basically involved an effort to determine the object of study and also the investigation methods that would be used by the new science. The third axis sustains the debate around the contributions of sociology to modern society and involved the discussion about the role or function that the new science would have to play in that new world that aroused fascination and disturbance.


The intellectual trajectory of Augusto Comte


Isidore Áuguste Marie François Xavier Comte, known as Auguste Comte, was born in Montpellier, France, on 19 January 19 1798 and died on 5 September 1857. In 1814, at the age of 16, Auguste Comte entered the Polytechnic School of Paris, former Central School of Public Works; prestigious public educational institution founded in 1794 by the revolutionary government of the time and dedicated to scientific formation of excellence aimed at the formation of technical staff to meet the growing demand of public administration and industry. Comte spent two years at the institution and in this short period he enjoyed a stimulating scientific and intellectual environment that had a decisive influence on his education and intellectual work. In contact with scientists and colleagues from the Polytechnic, he cultivated an enormous interest in the natural sciences and in the social changes that were taking place in his time and sought to study society in order to understand social phenomena and problems, especially in the context of French society, which was going through a critical moment of social disorder and anarchy after the outbreak of the great revolution.

Despite several attempts, Comte was unable to obtain a professorship through public competitions, so he led a life of “intelligentsia sans attaches4 facing penury and material difficulties throughout his life. He worked for a brief period at the Polytechnic School as an admissions examiner and then went on to teach private classes, lectures and courses offered to the community as a means of obtaining financial income in addition to retributions for collaborating with newspapers and donations from collaborators; it was in this way that he managed to spread his ideas and elaborate his studies (TACUSSEL, 1999). His works are encyclopedic in scope, being formed by the following studies: “Scientific work plan to


4 The expression “intelligentsia sans attachés” means independent intellectual and has a pejorative meaning

when indicating the intellectual who does not have material conditions..


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reorganize society”5, “Social philosophy booklets”, “Positive philosophy course”6, “Discourse on the positive spirit”, “Discourse on the whole of positivism”, “Positivist Catechism”7, “System of Positive Politics”, “Appeal to Conservatives”, and “Subjective Synthesis”.


Positivism and social physics


The central ideas that provided the basis for Auguste Comte's sociological thought come from his contact with works by intellectuals and scientists covering the areas of politics, economics, history, medicine, astronomy, biology, physics and mathematics; aligned with the Enlightenment tradition, an intellectual movement that emerged in the 18th century that exalted and spread the principles of rationalism and the supremacy of science as the basis for the progress of humanity. The prestige of rationalism and scientific knowledge was so dominant at that time that it subordinated philosophical thought to science, pure philosophy lost supporters and importance being restricted to a few and unimpressive academic circles and the only philosophical works that became influential were those that were based on in scientific knowledge. It was in this intellectual context that Comte developed a philosophical system called positivism which, together with empiricism that originated in England at the initiative of the British philosopher and economist John Stuart Mill, formed the dominant philosophical currents in 19th century Western Europe.

Positivism aimed to stimulate the general and universal progress of humanity through intervention in all spheres of social life from a project of scientific management of society, but before that it would be necessary to create a science dedicated to the study of society. Comte found that the branches of scientific knowledge that constituted the natural sciences had reached the stage that he conceptualized as positive, however there was a gap that should be filled by a new science that would deal with the study of society, this science received two names: Sociology and Social Physics. Social physics would be in charge of the study of social phenomena, adopting the same methodological procedures of the natural sciences that study their respective research objects with objectivity through observation, experimentation and comparison to reveal the general laws that govern such phenomena.


5 Published at the time when Comte was working as secretary to the philosopher Claude-Henry Rouvroy, Count Saint Simon. As he disagreed with the proposal for social reform devised by Saint Simon, Comte moved away from him and re-edited the aforementioned work in 1824 with some changes and a new title: Positive Policy System.

6 Considered the most important work because it presents the theoretical-philosophical foundations of positivism, it was published in six volumes from 1830 onwards.

7 Published in 1852, it details the foundations of the project of a religion renewed under the principles of reason, as part of the positivist project of rebuilding the collective consensus for the consolidation of the social order..

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Objectivity is a central element of the intellectual debate in the constitution phase of sociology because it is related to the issue of scientific neutrality. Comte feared that interference with value judgments on the part of those dedicated to the study of social phenomena would harm the scientificity of sociological research, he stressed that the analyzes carried out by the various branches of scientific knowledge that make up the natural sciences do not suffer interference from conscience and convictions scientists, because research in the field of physics, astronomy, biology, chemistry; among others, they are based on the factual observation of phenomena that exist independently of the opinions and value judgments of researchers. He also stated that the researcher who studies social phenomena should not regard them as objects of admiration or criticism and should move away from any absolute notion of good or evil. Comte considered sociology a natural science, so the thesis of analytical and methodological unity had coherence; he assimilated the prevailing scientific paradigm because the natural sciences were progressing in such a way that it would be inconceivable for an intellectual immersed in that scientific culture to propose the creation of a science that would despise the methodological scheme of the natural sciences, considered the only valid scientific method8 (COMTE, 1978, p. 73-103). The influence of the natural sciences on sociology was not restricted to methodology, the conceptual framework that make up Comte's philosophical and theoretical writings is based on a pattern of language and the use of words extracted from physics, chemistry, biology, astronomy; terms such as dynamics, statics, evolution, general laws, anatomy, and physiology exemplify the remarkable strength and prestige of the natural sciences.


Evolutionary paradigm and the law of the three states


In the midst of the philosophical orientations that guided the sociological thought of Auguste Comte, the contributions of the French philosopher and mathematician Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat (1743-1794), known as Marquis de Condorcet, stand out. In his famous work “Esboço de um quadro histórico do espírito humano” (Sketch of a historical picture of the human spirit), published posthumously in 1795, Condorcet explained a theory of human progress from an evolutionary perspective considering three fundamental premises:

a) progress resulted from the improvement and accumulation of knowledge human throughout history; b) progress is a linear, inexorable and spontaneous historical phenomenon governed


8 The historical method was incorporated into sociology because certain social phenomena can only be properly studied by observing the historical movement of societies..


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by laws of evolution; and finally, c) progress is a harbinger of a better future. Comte deepened the analysis of these premises in the so-called Law of the Three States by elaborating a typology of the cognitive capacities of the human intellect throughout history, highlighting three sequential stages: theological, metaphysical and positive (COMTE, 1830-42, p. 16-21).

The theological stage explains the phenomena of reality through the actions of mystical entities personified in beings and objects of nature and deities to understand the causes and purposes of the phenomena. The metaphysical stage explains the phenomena of reality by the action of hidden forces of nature and abstract entities to understand the intrinsic essence of the phenomena. In the positive state, rationality predominates and the analyzes of the phenomena of physical or social reality are based on observations, comparisons and experiments. The positive state recognizes that scientific knowledge is incapable of explaining the causes, purposes and essence of the phenomena studied and as an alternative to these restrictions, considered insurmountable, science limits itself to unveiling the laws underlying the phenomena to explain how they occur and how they link to each other. The positive stage is considered the highest stage in the evolution of intellect, intelligence and the human spirit.


Table 1 – Taxonomy of the Law of Three States


Stages of thought

Different shapes

Basic characteristics

Prevailing thought

Intellectual Domain

Social Structure

Basis of social integration


Theological [Fictitious- Imaginative]

Fetishism

Phenomena of reality are explained by the action of beings personified in objects of nature

or religious deities.


Claims absolute knowledge [essence and

cause of

phenomena]


Priests


Kinship


Coercive theocratic- military power to maintain social order

Polytheism


Monotheism


Metaphysical [Abstract- Argumentative

]


Phenomena of reality are explained by the action of occult forces of nature

or abstract entities.


Philosophers


Society

Civil authority and legal

system for social control functions.


Positive [Scientific- Observational]


Phenomena of physical and social reality are explained through empirical observation and experiments.

Claims relative knowledge [how phenomena occur, their uniform, invariable,

general and particular laws]


Scientists


Industrial Society


Bureaucratic state, civil authority and laws regulate social relations.

Source: Devised by the authror

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The law of three states is not just about classifying knowledge and describing the attributes of modern science; it is considered the most basic law of the organization of human societies and reveals the intrinsic correspondence between each phase of human knowledge and the social arrangements that are characteristic of it; this means that each evolutionary phase of the human intellect is adjusted to a certain type of social organization. Each evolutionary stage of society creates conditions for the next stage, but for this to happen it is necessary that each stage reaches its full development; therefore, evolution depends on a cumulative process; the three successive stages explain the natural stages and evolutionary tendencies of humanity.

The theoretical assumptions of the law of the three states provided support for the positivist conception that industrial and scientific society was a natural consequence of social evolution and had reached the primacy of the positive stage. The positive stage appeared about two centuries ago in an incipient way and the sciences gradually improved, these became positive following the sequence of a natural order that depended on the complexity of the phenomena studied by each branch of scientific knowledge, starting from the simplest phenomena to the most complex phenomena (COMTE, 1978, p. 57-60); Thus, sociology was only able to establish itself as a science in the 19th century due to the emergence of a new and more complex type of social organization9.


Social statics and dynamics


The sociological theory developed by Auguste Comte focused on the analysis of the general laws that govern social phenomena and these phenomena were classified based on their social functions so that they could be grouped into two basic categories: social statics and social dynamics (COMTE, 1978, pp. 104-140). Statics and dynamics represented the social forces that ensure the existence of society, providing stability to the set of social relations and stimulating the evolutionary transformation of social organization. Statics mirrors the social order and is governed by the laws of coexistence, dynamics represents progress and is governed by the laws of succession. Social statics keep society intact and


9 The evolution of human intelligence is a cumulative process based on the permanent effort of the mind to explain the phenomena of reality. When applied to the evolution of scientific knowledge, this theoretical perspective establishes a classification between the progress achieved based on the criteria of decreasing generality and increasing complexity of the observed phenomena. Inorganic sciences such as astronomy, physics and chemistry reached the positive stage first and only then could the organic sciences become positive, first biology and then physiology, because organic phenomena are considered more complex than inorganic ones. This thesis argues that sociology emerged last because social phenomena are more complex to be analyzed..


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cohesive by providing the support base for sociability and the reproduction of social relations, this occurs through the existence of institutions such as the family, laws, customs, economic activity, government. The forces of social statics are subjective and are crystallized in moral bonds, in feelings of solidarity and cooperation and in shared beliefs, forming a collective consensus. The greater internal differentiation of a social organization implies a growing increase in social institutions; therefore, the challenges regarding integration will also be greater, as the weakening of the sense of functional interdependence and of the vision of the whole can provoke a loosening of the ties and moral ties, compromising what Comte calls the aggregate or general spirit10.

Social dynamics, on the other hand, is dedicated to the analysis of the evolutionary transformation of society; that is, it is the study of the laws that govern the transition between evolutionary stages. To unveil and understand these laws, Comte used the historical method and followed the movement of societies, observing the trends of changes and social transformations operated in a certain period. As established by the law of the three states, the evolution of society was considered a spontaneous and inevitable process that would take place by itself; however, the study of social dynamics is not able to explain the initial force or impulse that would trigger changes and the evolutionary transformation of society. Comte presents a hypothesis associated with the emergence of social contradictions involving divergences of thought, ideas and basic values that would end up shaking the collective consensus and the very organic unity of society. So, the main factor of social disaggregation would be related to the divergences of thoughts that would shake the unity of society. Although this hypothesis contributed to the understanding of social changes, it was not enough to formulate a general sociological theory of the revolution; even so, the theory of social dynamics shed light on the processes of transition of the social order that would end up becoming an important object of study for sociology (TARDEL, 1990).


Sociology and social intervention


As the 19th century progresses, the European intellectuals' restlessness grows in the face of the crisis and societal conflicts that affected the countries that were modernizing and for the supporters of positivism, this situation needed to be understood sociologically, because if progress was an unequivocal harbinger of a better future the crises seemed to go against this

10 Comte supported the thesis that a social system that is incapable of carrying out the essential tasks of integration between the component parts that form the structure of society becomes susceptible to the emergence of pathological states of crises that can threaten the stability of the social order..

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social security system. Within the scope of industrial society, science had acquired the ability to foster development and progress because technological advances were being applied to all areas of labor activity; this pragmatic conception of science presupposed an articulation between theory and practice; thus, it is perfectly understandable that sociology should not be a purely analytical science guided by the curiosity to understand social phenomena by limiting itself to the indefinite accumulation of theoretical knowledge; its task was to collaborate with the improvement of industrial and scientific society through social reforms capable of abbreviating the crisis and pacifying society; in Comte's words “it was necessary to know in order to act; understand to reorganize” (COMTE, 1978, p. 64, our translation).

The idea of social intervention advocated by Comte is not original to his sociological thinking because in that historical context other social thinkers had the same intention, the fundamental difference being that the positivist project of reorganization of society had scientific bases and involved a wide range of social reforms. France was placed at the center of positivists' concerns because the crisis of that society was considered pathological and of long duration as a result of the continuity of societal conflicts that hampered efforts to consolidate the new social system. Comte stated that there was a stationary situation of mismanagement (COMTE, 1844, p. 168) and made a distinction between “critical direction” and “organic direction” of society, the first being the tendency of the formation of hostile political oppositions that would confront in a directly and permanently to the new social order and the established government; the second would be the action aimed at the reorganization of society aiming at the full establishment of the positivist order (COMTE, 1978, p. 63). In the work entitled Appeal to the Conservatives, published in 1855, Comte observes that the organic direction of French society could be made viable if the governing party11 signed a political alliance with the moderate parties of the left and right in favor of a political pact for development of the nation; however, the need to reorganize French society went far beyond this task. The crisis had broader dimensions, as it was the consequence of a process of incomplete transition with prevalence of a period of disorganization-reorganization that Comte predicted would be momentary because the old social institutions that maintained social cohesion had disappeared and new social institutions had not yet emerged to replace them; Based on this diagnosis, the social reorganization project aimed to accelerate the transition to the modern world in order to consolidate the new social organization.



11 Comte considered each and every government to be conservative because all political groups that conquer state power become defenders of the status quo; In this sense, the title of this work refers to the ruling political party.


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It was an ambitious task, but before realizing it, the positivists had to face the theoretical challenges imposed by the ideological currents that saw in the rupture of the bourgeois social order the solution to the general crisis of capitalist and industrial society. In that context, the core of the political-ideological conflict revolved around the activity of capitalist industry, which had substantially modified the forms of productive organization of work through the intensive use of technical-scientific knowledge, causing industrial production to generate enormous surpluses that contributed to the growth of the material wealth of European societies; however, the contradictions related to the production of this wealth and its distribution made these societies extremely conflictive (FORTE, 2008).

In France, the political-ideological struggles were more intense and involved three divergent political forces: left-wing radicals, right-wing conservatives and liberals. Right- wing conservatives were retrograde, representing the old regime and society organized on the hierarchical principles of pre-1789 estates and traditions; they were in frank decline, as theological thought and forms of social organization based on the feudal order and the monarchical regime had been undermined by the great revolution; however, the remaining groups resisted the nascent industrial society. Comte considered null the possibility of a return to the past as advocated by the retrogrades, since this objective contradicted the evolutionary trend of the scientific-industrial society in course; therefore, this political alternative was unfeasible; however, he recognizes that intellectuals aligned with this ideological current were right in claiming that the rapid advance of secularization destroyed important social institutions that supported social order and cohesion, making modern society more prone to political instability and social anomie. The criticism against modernity was closely related to the theory of social statics and highlighted the problem of social integration in the face of the difficulties of adaptation and adjustment of individuals to the new social order and the elements that gave basic support to collective life and some meaning to human existence in society, such as morality and religion on which hierarchy, solidarity and social consensus were based in the social organizations that preceded industrial society.

The positivists had a solution to the problem of the absence of moral unity and collective consensus, and the answer included an intellectual reform capable of modifying beliefs and mentalities. This social engineering is based on the interpretations that Comte was a progressive-conservative intellectual, admirer of scientific-industrial social progress and sympathetic to the organic social cohesion characteristic of medieval societies. However, Comte never proposed the rehabilitation of the old medieval social institutions to build a symbiotic social order articulating the modern and the archaic; because he understood that this

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solution would be unfeasible in the context of modernity because the predominance of rational thought tended to destroy the metaphysical and theological forms of structuring the collective consensus; as an alternative, he proposed the establishment of a universal morality and religion, supported by science and capable of overcoming the ethical and moral particularisms where political-ideological conflicts and intellectual anarchy were rooted.

The radicals of the left were supporters of socialism, they maintained the thesis that the capitalist economy was based on the logic of obtaining profit and permanent accumulation of wealth by the owners of the means of production through the increasing exploitation of wage workers; they evaluated that the capitalist system was a generator of poverty and social inequalities, even though it was capable of producing material abundance at levels never seen in the history of humanity; they saw the conciliation of interests between workers and industrialists as improbable and the abolition of private property and class differences as the only way to build an egalitarian and socially just society. Comte categorically opposed the ideologies that these groups defended, considering them utopian and unrealizable because they contradicted the natural laws that govern social evolution. Regarding the private ownership of the means of production, Comte stressed that the accumulation of capital and its ability to generate surpluses made possible the existence and development of material civilization, benefiting the whole community so that future generations could enjoy a material base without the need of a constant restart. Nevertheless, he pointed out that wealth concentrated in the form of capitals or property could not be unrestricted, as there are socially established limits due to the fact that this wealth is the product of collective efforts; therefore, its use should have a social meaning (TARDEL, 1990).

Liberals, unlike radicals and conservatives, were situationists and aligned themselves with the defense of the status quo and the bourgeois order, defending the inviolability of private property in the means of production and the unrestricted freedom of economic agents as the modus operandi of industrial productive and commercial activities, supported the thesis that the generation of wealth essentially depended on market forces based on free competition between producers and traders and on obtaining profit as a fundamental incentive for entrepreneurial activity; principles that were unified in the doctrine of economic liberalism and in the hegemonic theses of political economy. Comte accepted some aspects of the doctrine of economic liberalism as he considered them essential to industrial activity, but he believed that the economic rationality underlying the relations of production and reproduction of capital was the result of a moral distortion of the economic system and, as a solution, he



proposed the construction of a moral humanist movement that would abolish class conflicts and selfishness.


Final considerations


The constitution of sociology was influenced by the broader historical process of transition to the modern world with the development of capitalist industrial society. The first decades of the 19th century in Europe were marked by social crises, political instability and threats of revolution; phenomena that influenced the intellectual debate, stimulating the elaboration of the first social theories. Augusto Comte dedicated his life to intellectual work and materialized the ideal of being a thinker and social reformer, uniting theory and practice in a way that his sociological studies served as a general guideline for a political-ideological project for the reorganization of society. The problem of morality runs through the sociological thought of Augusto Comte in such a way that social progress depended on the execution of a project of reorganization of society that had as a basic element the construction of new moral values and a positive religion that would replace God with the notion of humanity and would serve to foster feelings of brotherhood and understanding among men. Comte found that in the context of modern society, markedly rational and secular, respect for the norms of coexistence and adherence to shared moral precepts and values would depend on institutional mechanisms of socialization capable of reorganizing beliefs and customs and transmitting new values; hence their confidence in pedagogical actions as instruments for raising awareness among individuals. He created voluntary membership associations that offered free courses for popular instruction aimed at changing mentalities; and the supporters of positivism followed the same path by founding similar associations in several western countries under the name of “positivist societies” with the aim of disseminating positivist philosophy and proposals for social reform and reorganization to the people.

Social theories in general have limitations and weaknesses, but these deficiencies become a stimulus for continuous improvement of sociological knowledge. In the phase of constitution of sociology there was no accumulated theoretical knowledge, consequently the first analyzes of society and social phenomena were more susceptible to inconsistencies. Perhaps one of the most disconcerting aspects of Auguste Comte's social theory has to do with his conception of the objectivity of sociological knowledge which, being grounded in the natural sciences, resulted in a precarious notion of ideological neutrality; above all around theoretical formulations on order and progress, central elements of positivist philosophy and



the basis of the political project for the reorganization of society. For positivists, order and progress needed to be reconciled so that modern society could achieve harmony and stability; the social order rests on the existence of a collective consensus that manifests itself in the acceptance of certain norms of a general character without which society cannot exist; progress is the perfecting of order. This assumption has been the subject of much criticism for being ambivalent and teleological and for having served as a justification for the positivist conception of the need for conformity and consensus for considering any form of social conflict a phenomenon that is deleterious to society.


REFERENCES


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How to reference this article


CANCIAN, R. Auguste Comte revisited: positivism, sociological theory and social intervention. Rev. Sem Aspas, Araraquara, v. 10, n. 00, e021015, Jan./Dec. 2021. e-ISSN: 2358-4238. DOI: https://doi.org/10.29373/sas.v10i00.15744


Submitted: 27/09/2021 Required revisions: 20/10/11 Approved: 18/11/2021 Published: 29/12/2021